8. Inferno na terra

Era como se estivéssemos assistindo a uma ruptura total na evolução da humanidade, o colapso absoluto do homem como ser racional.

Heda Margolius Kovály, Sob uma estrela cruel:
Uma vida em Praga 1941-1968
(1986)

 

Para milhões de europeus, a Segunda Guerra Mundial, ainda mais que a Primeira, foi o mais perto que chegaram do inferno na terra. O número de mortos por si só — mais de 40 milhões apenas na Europa, mais que o quádruplo da Primeira Guerra — dá uma ideia do horror. As perdas vão além da imaginação. Só na União Soviética, foram mais de 25 milhões. Os mortos da Alemanha chegaram a cerca de 7 milhões; os da Polônia, a 6 milhões. A crueza dos números não diz nada dos extremos de sofrimento, ou da infelicidade a que foram submetidas incontáveis famílias. Nem dão a mais remota ideia do peso geográfico da imensa quantidade de baixas.

A Europa Ocidental teve perdas relativamente brandas. Na Inglaterra e na França, o número de mortos foi bem menor que na Primeira Guerra. O total de soldados dos Aliados mortos na Segunda Guerra foi de pouco mais de 14 milhões. A Inglaterra (incluídos seus territórios além-mar) sofreu cerca de 5,5% dessas baixas; a França (com suas colônias) cerca de 3%; a União Soviética cerca de 70%. Excluída a guerra contra o Japão, a proporção de soviéticos seria ainda maior. A morte de civis na Inglaterra, principalmente em bombardeios, chegou a menos de 70 mil. No epicentro do morticínio — Polônia, Ucrânia, Bielorrússia, países bálticos e a porção ocidental da União Soviética —, os civis mortos somaram perto de 10 milhões.

Na Segunda Guerra, ao contrário do que ocorreu na Primeira, a morte de civis superou em muito a de combatentes. Muito mais que a grande conflagração anterior, envolveu sociedades inteiras. O alto índice de vítimas civis foi, principalmente, consequência de sua natureza genocida, inexistente na guerra de 1914-8. Foi uma agressão à humanidade sem precedentes na história. Uma descida ao abismo nunca antes empreendida, a devastação de todos os ideais de civilização surgidos do Iluminismo. Uma guerra de proporções apocalípticas, o Armagedom da Europa.

A Segunda Guerra, num intervalo de uma única geração, decorreu de assuntos pendentes da Primeira. Além de milhões de pessoas pranteando entes queridos, o conflito anterior deixou um continente convulsionado. Incomensuráveis ódios nacionalistas, étnicos, de classes, todos entrelaçados, criaram um clima de extrema violência política e um contexto polarizado do qual surgiu o regime de Hitler que pôs em perigo a paz na Europa. Para a Alemanha, mais que para qualquer outro país, o primeiro conflito tinha deixado assuntos pendentes, mas a conquista do domínio continental e depois mundial por meio de outra guerra foi uma aposta gigantesca. Dados os recursos da Alemanha, o sucesso nesse jogo contrariava todas as possibilidades. Outros países, rearmando-se rapidamente, fariam o que pudessem para evitar a hegemonia alemã, e com maiores recursos a seu dispor uma vez que estivessem mobilizados. Seria breve para a Alemanha a oportunidade de conquistar uma vitória sobre seus inimigos antes de ser detida por eles.

Para Hitler e os demais dirigentes nazistas, outra guerra teria uma poderosa motivação psicológica subjacente. Deveria redimir o desfecho da primeira, expurgando a desventura da derrota e da humilhação de Versalhes, erradicando o legado dos “criminosos de novembro” (os líderes da esquerda que, aos olhos de Hitler, tinham causado a revolução de 1918). E, não menos importante, como Hitler “profetizara” em seu discurso de janeiro de 1939, destruiria o que ele via como o deletério poder dos judeus em toda a Europa. Em resumo: seria uma nova guerra que reescreveria a história.

As democracias ocidentais, Inglaterra e França, cuja fragilidade fora plenamente exposta por Hitler, tinham se prontificado a aceitar a influência alemã na Europa Central — incluindo no processo a mutilação da Tchecoslováquia — como o preço da paz. Tratava-se de uma concessão a uma mudança relevante no equilíbrio de poderes na Europa. A perspectiva de conquistas alemãs ilimitadas era outra questão, que ameaçava não só perturbar o equilíbrio de forças na Europa e desestabilizar as possessões britânicas e francesas de além-mar como também punha em perigo, de forma direta, a própria França e até a Inglaterra. Uma Europa dominada por Hitler e seu regime desumano seria infinitamente pior do que teria sido uma Europa dominada pelo cáiser. Para britânicos e franceses, portanto, tinha chegado a hora de resistir à expansão do poderio alemão. Na Inglaterra e na França, poucos queriam outra guerra. As feridas de 1914-8 ainda estavam abertas. As Forças Armadas dos dois países não estavam preparadas para outro conflito de grandes proporções. As economias, ainda se recuperando da Depressão, não tinham condições de financiar uma guerra. A City de Londres e o grande empresariado, tanto na França como na Inglaterra, não queriam nem pensar numa repetição do terremoto econômico que a Primeira Guerra causara. O povo, lembrando o banho de sangue anterior, certamente não queria outro conflito. Mas estava claro: a guerra precisava ser travada. O interesse nacional e uma causa moral se misturavam convenientemente. Se alguma vez houve uma guerra justa, era essa. Para a Europa ter paz, Hitler teria de ser derrotado.

Se a primeira Grande Guerra tinha sido a maior das catástrofes, a segunda foi sua extrapolação — o colapso total da civilização europeia. Marcou o confronto definitivo de todas as forças ideológicas, políticas, econômicas e militares que tinham se cristalizado durante a guerra anterior e causado instabilidade e tensões no continente durante os vinte anos que se seguiram. Tornou-se o episódio determinante que remodelou o século XX. Com a Segunda Guerra Mundial, chegou ao fim a Europa herdada da Primeira. O continente por pouco não se destruiu. Mas sobreviveu. Resultou disso uma Europa radicalmente mudada.

UM CONTINENTE EM CHAMAS

O que acabou se tornando uma guerra mundial, juntando o conflito no Extremo Oriente ao da Europa, passou por três fases principais e afetou o continente europeu em diferentes graus e situações. Suécia, Suíça, Espanha, Portugal, Turquia e Irlanda permaneceram oficialmente neutros. Não participaram dos combates, embora não tenham podido se furtar a um envolvimento indireto nas hostilidades. Todos os demais países europeus estavam, de uma forma ou outra, envolvidos.

Em sua primeira fase, o conflito se estendeu da Polônia ao Báltico, depois à Escandinávia, à Europa Ocidental, aos Bálcãs e ao norte da África. Seguiu o caminho da agressão alemã e italiana, mas também o da expansão da União Soviética para a Polônia e para o Báltico, com a intenção de estender o domínio soviético e assim consolidar um cordão defensivo. O leste da Polônia, de acordo com o combinado com a Alemanha, foi ocupado pela União Soviética em meados de setembro de 1939. Os países bálticos — Estônia, Letônia e Lituânia — foram obrigados a se transformar em repúblicas soviéticas em abril de 1940. Seguiu-se a anexação da Bessarábia e do norte da Bucovina, até então pertencentes à Romênia. A Finlândia sustentou uma corajosa guerra contra o poderoso Exército Vermelho no inverno de 1939-40, mas acabou obrigada a ceder território à União Soviética para integrar a barreira defensiva do país no Báltico.

A Polônia foi rapidamente esmagada pelos alemães em setembro de 1939. No segundo trimestre do ano seguinte, Dinamarca, Noruega, Países Baixos, Luxemburgo e Bélgica, todos Estados neutros, foram invadidos. Depois, por mais inacreditável que pudesse parecer, a própria França (dona do maior exército da Europa) capitulou, ao fim de uma campanha que durou não mais de cinco semanas. Mais de 1,5 milhão de soldados franceses capturados foram levados para a Alemanha, onde muitos ficaram na condição de prisioneiros de guerra durante os quatro anos seguintes. No primeiro semestre de 1941, Iugoslávia e Grécia também sucumbiram à força armada alemã.

No catálogo de triunfos alemães, uma lacuna persistia. A Inglaterra, apoiada em seu império mundial, continuava inconquistável. Isso acontecia principalmente porque Winston Churchill, primeiro-ministro desde 10 de maio de 1940, recusou-se a acatar a sugestão do secretário das Relações Exteriores, Lord Halifax, de que a Inglaterra deveria considerar propor os termos para um acordo de paz. As discussões, no fim de maio, foram tensas — a família real e muitos integrantes do Partido Conservador teriam preferido Halifax no comando do país —, enquanto o Exército britânico estava imobilizado nas praias de Dunquerque. Com a Inglaterra decidida a lutar, a Alemanha confrontou-se com a incômoda possibilidade de ajuda econômica e talvez militar dos Estados Unidos aos britânicos. Acabar com a guerra na Europa Ocidental era o pré-requisito para que Hitler se lançasse contra a União Soviética na guerra que vinha preparando durante a maior parte dos vinte anos anteriores. Mas ele não foi capaz de pôr a Inglaterra de joelhos e concluir sua vitória na Europa Ocidental. A possibilidade de uma invasão foi discutida por um breve período em 1940, mas as dificuldades logísticas eram desanimadoras. Assim, com a invasão considerada impossível, a ideia foi abandonada. O bombardeio da Inglaterra até a submissão estava muito além da capacidade da Luftwaffe, apesar dos muitos danos causados a cidades britânicas e da perda de dezenas de milhares de vidas nas incursões aéreas de 1940 e início de 1941.

No segundo trimestre de 1941, a espantosa série de ataques-relâmpago dos alemães, combinando de uma maneira nova e devastadora o poder aéreo com tanques rápidos, o que dava à Wehrmacht uma temível superioridade militar, garantiu que o domínio alemão se estendesse da Noruega a Creta. Já a Itália não ia tão bem. Entrou na guerra no momento da conquista da França pelos alemães, em junho de 1940, e aos poucos revelou sua constrangedora fragilidade militar na Grécia e no norte da África, obrigando os alemães a uma intervenção militar para salvar o parceiro de Eixo em apuros.

Obcecado pela corrida contra o relógio que daria à Alemanha as maiores chances de sucesso em sua grande jogada para a dominação da Europa e depois do mundo, Hitler mudou sua ideia inicial. Para derrotar a Inglaterra, disse ele a seus generais, o melhor seria derrubar primeiro a União Soviética. Essa grotesca subestimação da capacidade militar soviética (incentivada pela dificuldade encontrada pelo Exército Vermelho de derrotar as pouco numerosas forças finlandesas na Guerra do Inverno de 1939-40) obteve a aquiescência dos generais alemães, convencidos de que a vitória na campanha oriental pudesse ser obtida em questão de semanas. Em dezembro de 1940, decidiu-se que a União Soviética seria invadida na primavera seguinte. A vitória nessa campanha garantiria o “espaço vital” que Hitler dizia necessitar. Ao mesmo tempo, preencheria o segundo dos objetivos que ele acalentara durante duas décadas: uma “solução final para a questão judaica” que desde o início obcecava a cúpula nazista.

A segunda fase da guerra começou na manhã de 22 de junho de 1941, quando, sem nenhuma declaração de guerra, forças alemãs invadiram a União Soviética. Mais de 3 milhões de alemães cruzaram a fronteira. No oeste do país, foram recebidos quase pelo mesmo número de soldados do Exército Vermelho. Assim começou o maior e mais mortífero conflito armado da história.

Havia um grande prêmio para a rápida vitória nessa operação colossal. Os recursos naturais da União Soviética seriam vitais para que a Alemanha se apropriasse de todo o continente. E esse era o pré-requisito para pôr fim à ameaça vinda do Ocidente, onde a Inglaterra se aproximava de uma aliança bélica total com os Estados Unidos. Hitler convenceu-se de que os americanos estavam dispostos a entrar na guerra ao lado dos ingleses em 1942. A Alemanha, e nisso ele foi intransigente, precisava dominar o continente antes disso. Essas preocupações só cresceram depois que o Congresso americano aprovou, em março de 1941, a Lend-Lease Bill [lei de empréstimos e arrendamentos], instrumento que garantia o aumento substancial da ajuda à Inglaterra. O presidente Roosevelt não ousara levar ao Congresso a proposta de entrar na guerra. A política de isolacionismo vinha perdendo força, mas ainda era influente. A Lend-Lease Bill confirmava, no entanto, que os Estados Unidos estavam comprometidos a empregar seu enorme poderio econômico para tentar derrotar as potências do Eixo. Para a Alemanha, derrubar a União Soviética antes que o poderio econômico americano — e provavelmente, em algum momento, o poderio militar do país — pudesse afetar de forma decisiva os rumos da guerra levou a uma corrida contra o tempo.

O ataque alemão trilateral que constituiu a invasão da União Soviética — Operação Barbarossa — inicialmente avançou em ritmo alucinante no norte, centro e sul ao longo de uma fronteira leste de cerca de 1800 quilômetros. Stálin tinha ignorado todos os avisos, muitos deles acertados, de uma iminente invasão, encarando-os como desinformação deliberada. Muitas unidades do Exército Vermelho tinham sido deixadas em posições expostas e tornaram-se presas fáceis dos ataques de rápidos veículos blindados que serviam de ponta de lança para enormes cercos, o que resultou na captura de centenas de milhares de prisioneiros. Em dois meses, no entanto, ficou claro que os objetivos extraordinariamente ambiciosos da Operação Barbarossa não seriam atingidos antes do inverno — para o qual não haveria provisões suficientes. O inimigo tinha sido subestimado de forma grosseira, e o desafio logístico para a conquista de um país tão vasto era gigantesco. As terras férteis da Ucrânia haviam sido conquistadas, mas foi impossível avançar até os campos de petróleo do Cáucaso ou destruir Leningrado no norte. O avanço em direção a Moscou começou tarde, só no começo de outubro. Stálin estava disposto a admitir concessões territoriais em troca de um acordo de paz com Hitler. O ditador alemão não se interessou; achava que a Alemanha estava prestes a conquistar a vitória. Diante da aproximação das forças alemãs, os habitantes de Moscou entraram em pânico em meados de outubro.

Stálin pensou em abandonar a cidade, mas mudou de ideia. O moral soviético, depois de alguma hesitação, se recuperou. Os alemães foram atingidos pelas chuvas do outono, depois pela neve e pelo gelo do inverno precoce, quando as temperaturas despencaram para trinta graus negativos. Nesse momento, 40% da população da União Soviética e quase a metade de seus recursos materiais estavam sob controle alemão. Três milhões de soldados tinham sido capturados. Entretanto, as perdas alemãs vinham aumentando assustadoramente. Quase 750 mil soldados — cerca de um quarto do exército oriental — tinham sido dados como mortos, feridos ou desaparecidos desde o início da Operação Barbarossa. As reservas humanas já escasseavam. Stálin, por sua vez, parecia ter um estoque inesgotável de soldados. A contraofensiva soviética, que começou em 5 de dezembro de 1941, com a vanguarda das tropas alemãs a não mais de cinquenta quilômetros de Moscou, constituiu a primeira grande crise na guerra para a Alemanha. A esperança de uma vitória rápida foi substituída pela admissão de que teriam pela frente uma guerra longa e difícil.

O ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro, e a declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão no dia seguinte, implicaram um conflito global. Hitler viu nisso uma oportunidade estratégica. Os japoneses prenderiam os americanos à arena do Pacífico. Os submarinos alemães, retidos durante meses enquanto os Estados Unidos travavam uma “guerra não declarada” no Atlântico, podiam agora ser lançados contra a frota americana para cortar o crucial cordão umbilical com a Inglaterra e ganhar a guerra naval. Com essa esperança em mente, em 11 de dezembro de 1941, Hitler levou a Alemanha à guerra contra os Estados Unidos. Fosse qual fosse seu raciocínio, as probabilidades de vitória no conflito europeu se reduziram ainda mais.

Na verdade, Hitler tinha superestimado grosseiramente o poderio militar japonês. Pearl Harbor foi um choque para os Estados Unidos, mas não levou o país a nocaute. A expansão japonesa, embora de início bem-sucedida, chegou ao limite durante o primeiro semestre de 1942. Mas a grande vitória naval americana na batalha de Midway, em junho de 1942, foi o ponto de virada na guerra do Pacífico.

No Atlântico, a roda da sorte virou um ano depois. Hitler tinha superestimado a capacidade destrutiva de seus submarinos. O sucesso que obtiveram em 1942 não pôde ser sustentado, principalmente porque a inteligência britânica, depois de muito esforço, conseguiu decifrar as mensagens trocadas entre os alemães, que usavam o sistema criptográfico Enigma, e localizar a posição dos submarinos. O aprimoramento da defesa contra os submarinos foi essencial para que os suprimentos indispensáveis aos Aliados cruzassem o oceano em segurança. Em 1943, Hitler estava perdendo a batalha do Atlântico.

Enquanto isso, a Alemanha tinha chegado ao limite de sua expansão. A batalha de El Alamein, que durou três semanas, em outubro e novembro de 1942, encerrou o avanço alemão no norte da África e abriu caminho para a vitória total dos Aliados naquela frente no ano seguinte. Na União Soviética, a segunda grande ofensiva alemã (embora com menor número de soldados se comparada à de 1941), no verão de 1942, pretendia conquistar o petróleo do Cáucaso, mas terminou numa catástrofe em Stalingrado — uma batalha de desgaste que durou cinco meses, avançando pelo rigorosíssimo inverno russo, e terminou em fevereiro de 1943 com a destruição total do Sexto Exército alemão, a perda de mais de 200 mil homens (e cerca de 300 mil de seus aliados). O destino da guerra mudou irreversivelmente ao longo de 1942. Ainda havia muito por fazer, mas os líderes dos Aliados agora estavam confiantes na vitória final. E quando Roosevelt e Churchill se reuniram para conversar na Conferência de Casablanca, em janeiro de 1943, decidiram que a vitória só poderia ser por rendição incondicional das potências do Eixo.

O desembarque dos Aliados no Norte da África, em novembro de 1942, abriu caminho para a capitulação das forças do Eixo na região, em maio do ano seguinte. Em julho de 1943, os Aliados invadiram a Sicília — uma ação que provocou a destituição de Mussolini pela própria cúpula fascista ainda naquele mês. Em setembro, os italianos selaram um armistício com os Aliados, o que levou à ocupação de grande parte da Itália por soldados alemães. Começava para as forças aliadas o demorado avanço para o norte. Tratava-se de uma segunda frente — embora não a que Stálin queria. Não foi o bombardeio de cidades e instalações industriais alemãs o que deu o impulso destrutivo final em 1943. A política britânica de “bombardeio de área”, tida pelo marechal do ar Arthur Harris como meio de destruir o moral alemão e ganhar a guerra, começara no ano anterior. Uma grande incursão destruiu grande parte de Colônia em maio de 1942. Outras cidades do norte e do oeste da Alemanha foram atacadas. Mas nada chegou perto, em poder de destruição, da devastação de Hamburgo, no fim de julho de 1943, em ataques que mataram pelo menos 34 mil civis — número equivalente à metade de todas as vítimas britânicas de ataques aéreos durante a guerra inteira. Mas até mesmo isso estava longe do auge dos bombardeios, que se intensificariam durante o último ano de guerra, quando a superioridade aérea dos Aliados se impôs quase por completo.

A última grande ofensiva alemã na frente oriental, em julho de 1943, durou pouco mais de uma semana. A Operação Cidadela foi suspensa depois de uma colossal batalha de tanques — mais de 5 mil ao todo — em Kursk. As perdas soviéticas foram imensamente superiores às da Alemanha. Mas os soldados alemães eram necessários no sul da Itália para fortalecer as defesas depois do desembarque aliado na Sicília. Com o fim da Cidadela, a iniciativa do ataque passou irrevogavelmente para os soviéticos. O mês de julho foi desastroso para a Alemanha. Com sua extraordinária resiliência, o país não entrou em colapso, mas sua estratégia agora consistia em nada mais que uma ação prolongada e tenaz de retaguarda contra forças muito superiores, à espera de que a Grande Aliança entre a Inglaterra e os Estados Unidos capitalistas e a União Soviética comunista se esfacelasse. Com o abismo entre os recursos dos alemães e os dos Aliados se aprofundando inexoravelmente, o destino estava selado. Um indício de que a situação tinha se invertido foi a tomada de Kiev pelos soviéticos em novembro. Ainda em julho, na Conferência de Teerã, os governantes aliados combinaram que no ano seguinte a Inglaterra e os Estados Unidos realizariam uma invasão conjunta das áreas da Europa Ocidental ocupadas pelos alemães.

O exitoso desembarque aliado na Normandia, em 6 de junho de 1944 (Dia D), e, duas semanas depois, a devastadora intervenção do Exército Vermelho na Operação Bagration, inauguraram a terceira e última fase da guerra na Europa, que terminou com a capitulação alemã. Foi a fase mais sangrenta. A quarta parte dos europeus mortos na guerra, equivalente ao total de militares mortos em toda a Primeira Guerra Mundial, foi contabilizada nesses meses. A maior parte das mortes de combatentes britânicos e americanos, grande parte das mortes de soviéticos, metade das mortes de militares alemães em toda a guerra e a maior parte das mortes de civis foram registradas nos onze últimos meses do conflito. Muitas das baixas entre civis deveram-se aos ataques aéreos dos Aliados que arrasaram cidades alemãs num crescendo de devastação nesses meses derradeiros. Em fevereiro de 1945, a destruição de Dresden, com a perda de 25 mil vidas, sobretudo de civis, tornou-se o símbolo do terror que, vindo do céu, se derramava sobre as cidades alemãs assim que as defesas antiaéreas entravam em colapso. Em março de 1945, os aviões britânicos despejaram mais bombas do que nos três primeiros anos da guerra.

As perdas alemãs no leste durante a Operação Bagration e logo depois dela tornaram insignificantes as de Stalingrado ou as de qualquer outra batalha, e não tinham como ser compensadas. A Alemanha lutou até o fim. O medo da conquista do país pela União Soviética (dados os horrores que os alemães cometeram em solo soviético), a intensificação da repressão à dissidência interna, o controle total exercido pelo Partido Nazista e seus órgãos, a impossibilidade de organizar qualquer resistência depois do malogrado atentado contra Hitler em 20 de julho de 1944, a admissão por parte de proeminentes nazistas que ficariam com Hitler de pé ou cairiam com ele e a persistente fé no ditador entre as lideranças militares e civis — tudo isso contribuiu para uma luta inútil quando a razão gritava alto em favor da rendição.

No entanto, era apenas uma questão de tempo. Com a derrocada na frente oriental, a Finlândia, a Romênia e a Bulgária voltaram-se contra a Alemanha em setembro de 1944. A Romênia e a Bulgária foram ocupadas pelos soviéticos. A Polônia — com Varsóvia em ruínas em virtude da destruição pelos alemães depois do levante de agosto de 1944 — estava nas mãos dos soviéticos no fim de janeiro de 1945. Depois de prolongados e intensos combates, a Hungria também passou a ser controlada pelos soviéticos a partir de março. A essa altura, os Aliados ocidentais já tinham forçado a passagem pelo Reno — o prelúdio do avanço para o norte da Alemanha, da tomada do cinturão industrial do Ruhr e do implacável progresso para o sul do país. O rolo compressor soviético foi igualmente incontrolável no leste, forçando passagem para a costa do Báltico e para o Oder e se preparando para o assalto final a Berlim, que teve início em 16 de abril de 1945. O avanço soviético sobre a Alemanha e sua conquista da capital do Reich foram acompanhados de terríveis crueldades contra a população local, sendo o estupro de incontáveis mulheres uma das marcas supremas da selvagem vingança das indescritíveis atrocidades cometidas pelos ocupantes alemães em território soviético.

Em 25 de abril, as enormes forças que convergiam para a Alemanha, vindas do leste e do oeste, encontraram-se no rio Elba. Soldados soviéticos e americanos apertaram-se as mãos. O Reich estava partido em dois. Berlim foi cercada no mesmo dia pelo Exército Vermelho. Em 2 de maio, a batalha pela cidade chegou ao fim. Hitler tinha se suicidado em seu bunker dois dias antes. Seguiu-se um breve mas sangrento pós-escrito, até que o almirante Karl Dönitz, escolhido por Hitler como sucessor, finalmente curvou-se ante o inevitável. A capitulação alemã total em todas as frentes foi assinada na presença de representantes da Inglaterra, dos Estados Unidos e da União Soviética em 8 de maio de 1945. A mais terrível guerra da história da Europa tinha terminado. Seu custo material e em vidas ainda estava para ser calculado. Suas consequências políticas e sociais moldariam as décadas futuras.

O POO SEM FUNDO DA DESUMANIDADE

Todas as guerras são desumanas, principalmente as guerras modernas. As armas atuais transformaram a matança em combate em algo impessoal e de enormes proporções, arrastando para o massacre um número cada vez maior de civis. A Grande Guerra de 1914-8 mostrou claramente essas características. Terrível como foi, no entanto, ela empalidece diante do poço sem fundo de desumanidade em que o gênero humano afundou durante a Segunda Guerra Mundial.

O mergulho sem precedentes estava esperando para acontecer numa Europa dividida por ódios étnicos e de classe, racismo extremo, antissemitismo paranoico e nacionalismo fanático. Uma luta motivada pelo ódio e pela disposição para erradicar o inimigo — e não apenas derrotá-lo — foi a receita para o colapso de todos os padrões elementares de humanidade. Foi o que aconteceu, em grande medida, entre os soldados na guerra do Leste Europeu, embora bem menos no oeste. A guerra total foi o ingrediente necessário para transformar antagonismos em morticínio em massa numa escala inimaginável.

Em todas as guerras, as mortes no campo de batalha assumem uma dinâmica própria. A Segunda Guerra Mundial não foi exceção. Nas campanhas da Europa Ocidental e do Norte da África, no entanto, a maior parte dos combates deu-se de forma relativamente convencional. No Leste Europeu foi diferente. A crueldade, a insensibilidade e o puro e simples desprezo pela vida humana foram quase inacreditáveis. Ali, a luta era parte de uma guerra racial. Isso derivava diretamente do duplo objetivo da cúpula nacional-socialista da Alemanha: conquista ao estilo colonial e limpeza racial.

O inferno resultante disso, não só para os combatentes como para civis, foi antes de tudo um produto da ideologia. Ou seja, a decisão a respeito de quem deveria viver e quem deveria morrer era, em primeira instância, ideológica. O terror e a matança a que foi submetida a população da Polônia durante a guerra no leste foram reflexos disso desde o começo. A demonstração mais clara do predomínio da ideologia foi a escolha dos judeus, entre todas as incontáveis vítimas da extrema violência, para aquilo que em pouco tempo se tornaria um genocídio sem limite.

No entanto, a ideologia andava de mãos dadas com imperativos econômicos. Isso já estava claro dentro da própria Alemanha na chamada “ação de eutanásia”, que teve início em 1939. A operação foi dirigida sobretudo contra “degenerados raciais”, conceito essencial da eugenia. Anteriormente, Hitler declarara que qualquer ação como essa teria de esperar pela guerra. Em outubro de 1939, antedatou de 1o de setembro a autorização secreta para ela, um claro indício de que via o conflito como o momento de começar a fundamental quebra do princípio humanitário básico do direito à vida. A ação foi suspensa, também em segredo, em agosto de 1941, depois que chegou ao conhecimento do público e foi denunciada pelo bispo de Münster, Clemens August Graf von Galen. Até então, cerca de 70 mil pacientes de hospitais psiquiátricos tinham sido vítimas dela. Esse total ultrapassou o número previsto pelos médicos, apesar de terem sidos eles mesmos os responsáveis por referendar pacientes considerados aptos para a ação. A ordem de suspensão de agosto de 1941, no entanto, não representou, de modo algum, o fim do processo de extermínio dos doentes mentais “inúteis”. Sua matança apenas foi transferida para a discrição dos campos de concentração. Calcula-se que as vítimas da “ação de eutanásia” tenham chegado a 200 mil no total. Médicos e enfermeiros se envolveram sem restrições na morte deliberada de seus pacientes. Embora a eliminação dos doentes mentais tivesse motivação ideológica, também pretendia poupar recursos, suprimindo vidas consideradas “inúteis”. Foram feitos cálculos exatos sobre a economia a ser alcançada. “Os doentes mentais são um peso para o Estado”, afirmou o diretor do hospício de Hartheim, perto de Linz, na Áustria.

Os passos dados em direção ao genocídio contra os judeus também tinham um componente econômico importante. Quando se tornou óbvio que a “limpeza” em massa de judeus dos territórios conquistados, dada por certa no início, poderia não ser obtida com rapidez, os guetos instituídos na Polônia tornaram-se empreendimentos altamente lucrativos para os ocupantes alemães. Por causa disso, mais tarde, quando os judeus começaram a ser deportados para morrer, alguns administradores de guetos não queriam que fossem fechados. Mas e quanto aos judeus que não estavam aptos ao trabalho? Já em julho de 1941, o diretor do Serviço de Segurança alemão em Posen, na parte ocidental da Polônia anexada, dizia que, como “já não se podia alimentar todos os judeus”, considerava que para “acabar com os judeus não capacitados para o trabalho” deveria ser administrado “algum tipo de substância de efeito rápido”. Cinco meses depois, Hans Frank, chefe nazista da zona central da Polônia ocupada conhecida como Governo-Geral, ao destacar a necessidade urgente do extermínio de 3,5 milhões de judeus em seus domínios, disse a seus subordinados que eles eram “extremamente prejudiciais a nós, dada a quantidade de alimentos que engolem”. Mais tarde, quando os judeus estavam sendo assassinados aos milhões, o maior dos campos de concentração nazistas, situado em Auschwitz, em outra região da Polônia, a Alta Silésia, combinou extermínio com lucro. O enorme complexo tinha 28 subcampos — instalações industriais que empregavam o trabalho escravo de 40 mil prisioneiros, gerando no total lucros de cerca de 30 milhões de marcos para o Estado alemão. Quando já não serviam para o trabalho, os prisioneiros eram mandados para as câmaras de gás.

A ideologia também se misturava intimamente com a economia no modo como os dirigentes alemães viam a conquista e a ocupação. Garantir alimento para a população alemã era um imperativo. O “inverno do nabo” de 1916-7 tinha feito muito mais que devastar o moral durante a Primeira Guerra Mundial. Aquilo não podia se repetir. Não importava que o resto da Europa passasse fome. Era dado como certo que entre 20 milhões e 30 milhões de eslavos e judeus morreriam de inanição com a ocupação alemã da União Soviética. O que importava, disse Göring aos nazistas dos territórios ocupados, era que “nenhum alemão sucumbisse à fome”. Houve casos de canibalismo entre os desesperados prisioneiros soviéticos, às vezes amontoados de tal maneira que mal podiam se mexer, nem mesmo para as necessidades, e assim morriam a um ritmo de 6 mil por dia. Dos 5,7 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos nas mãos dos alemães, 3,3 milhões tiveram morte horrível por inanição, doenças decorrentes da desnutrição ou do frio. Enquanto isso, a Alemanha tirava da Europa ocupada 20% dos grãos que consumia, 25% das gorduras e quase 30% da carne.

Rações mínimas acabaram sendo dadas aos cativos soviéticos, já que aos poucos a cúpula nazista percebeu que era absurdo deixar morrer de fome os prisioneiros dos campos quando havia cada vez mais necessidade de mão de obra para a produção de material bélico. Mesmo assim, a maior parte deles não sobreviveu ao cativeiro. No caso dos judeus, havia uma evidente contradição em fazê-los atravessar metade da Europa para morrer quando havia uma grave escassez de mão de obra. Mas nesse caso a ideologia manteve a primazia.

A Polônia foi desde o início da ocupação alemã um campo de experimentação ideológica. As partes ocidentais do país conquistado — a Prússia Ocidental, a província de Posen (agora rebatizada com o nome de Reichsgau Wartheland, por causa do rio que corta a região) e a Alta Silésia — foram anexadas ao Reich, não só retomando mas ampliando consideravelmente os territórios que antes da Primeira Guerra Mundial tinham sido parte da Prússia. Essas áreas, embora de população esmagadoramente polonesa, foram implacavelmente “germanizadas”. O centro e o sul da Polônia, a parte mais densamente povoada do país na época da ocupação alemã, foram apelidados de Governo-Geral (Generalgouvernement), embora no uso coloquial fossem chamados de forma depreciativa de “resto da Polônia” (Restpolen) — e vistos como depósitos de lixo para “indesejáveis raciais” dos territórios anexados. Hitler, como sempre, estabeleceu o tom. Seria uma “luta racial dura”, declarou. Não haveria lugar para restrições legais. Tudo isso contribuiu para a inacreditável provação e o sofrimento da população polonesa subjugada, e foi a antecâmara do genocídio para os alvos prioritários, os judeus.

O desprezo pelos poloneses era generalizado na Alemanha. Hitler falava deles como “mais animais que seres humanos”. E não era nem de longe o único alemão a pensar assim. Com poucas exceções, membros do Exército alemão em serviço na Polônia não faziam objeção ao assassinato autorizado, à perseguição impiedosa e ao saque de bens em grande escala a que assistiam ou de que participavam. Os poloneses eram tratados como subumanos, muito distantes da proteção da lei, e eram privados de educação, presos ou executados por capricho, vistos como não mais que um reservatório de trabalho escravo. Suas rações eram de fome. Sua cultura devia ser erradicada, e toda ideia de cidadania polonesa, extinta. Os membros da intelligentsia polonesa, como transmissores de cultura e cidadania, deviam ser liquidados ou mandados a um campo de concentração alemão. Auschwitz era um lugar de terror extremo para os poloneses muito antes de se tornar um campo de extermínio de judeus. Nas regiões anexadas da Polônia ocidental, as igrejas católicas foram fechadas e muitos membros do clero acabaram presos ou mortos. Tornaram-se comuns as execuções públicas, depois das quais os corpos das vítimas eram deixados pendurados durante dias para dissuadir quem os visse.

Não obstante, a resistência clandestina nunca foi totalmente aniquilada. Na verdade, até cresceu, apesar das horríveis represálias, e acabou formando um movimento ilegal de coragem extraordinária que, apesar da repressão draconiana, causava sérios problemas para os ocupantes. Represálias coletivas eram frequentes depois de atos individuais de resistência. Uma estimativa, baseada em registros que nada têm de completos, contou 769 ocorrências nas quais se tirou a vida de quase 20 mil poloneses em atos de represália. Trezentos vilarejos foram destruídos durante a ocupação alemã. O terror se intensificou ainda mais quando os ventos da guerra mudaram, o controle alemão do país ficou mais precário e a resistência, mais ousada. “Não havia um só momento em que não nos sentíssemos ameaçados”, contou uma mulher. “A cada vez que saíamos à rua, não sabíamos se voltaríamos para casa.” Todos temiam o recrutamento forçado de pessoas para serem deportadas para a Alemanha, onde executariam trabalhos forçados. Em 1943, 1 milhão de poloneses trabalhavam na indústria bélica alemã. Seus parentes não tinham, em geral, a menor ideia de onde eles se achavam. Muitos nunca voltaram a ver a terra natal.

Temerariamente, previu-se que a remoção forçada dos judeus das regiões anexadas se faria com rapidez. Por fim, os alemães acabaram decidindo removê-los também do Governo-Geral. Entre 1939 e 1941, no entanto, eles foram deportados para o Governo-Geral, e não tirados de lá. No auge do inverno de 1939-40, mais de 100 mil poloneses cristãos e judeus receberam o aviso de que tinham poucos minutos para reunir alguns pertences, então foram metidos em vagões sem aquecimento para transporte de gado e despejados no Governo-Geral. Centenas de milhares tiveram o mesmo destino em 1940. Em março de 1941, mais de 400 mil tinham sido deportados e um número equivalente fora enviado à Alemanha para trabalhos forçados. A deportação de mais 831 mil só não se deu por causa dos preparativos para a Operação Barbarossa.

As deportações se faziam com a intenção de abrir espaço para a colonização por grupos de etnia alemã trazidos do Báltico e de outras regiões. Os judeus deveriam ficar confinados numa grande reserva no distrito de Lublin, no sudeste da Polônia. Esse pelo menos era o objetivo inicial, mas os alemães tinham subestimado grosseiramente as dificuldades logísticas que enfrentariam. Hans Frank, em pouco tempo, proibiu a admissão de mais judeus no Governo-Geral. Com os dirigentes nazistas pressionando a favor da deportação dos judeus de suas respectivas regiões, mas sem ter para onde enviá-los, além de milhões de judeus nas mãos dos nazistas desde a conquista da Polônia, tornava-se cada vez mais urgente a busca de alternativas à concentração no Governo-Geral. Depois da vitória alemã sobre a França em 1940, a colônia francesa de Madagascar foi durante algum tempo analisada como destino dos judeus da Europa. Essa possibilidade também mostrou-se impraticável. Deportá-los para a vastidão gelada da União Soviética também foi uma possibilidade levantada quando se planejava a Operação Barbarossa.

Depois de apenas vinte anos de independência, a Polônia fora dividida mais uma vez em setembro de 1939. A leste da linha divisória decidida de comum acordo pela Alemanha e pela União Soviética, a população polonesa foi submetida a uma espécie diferente de horror ideologicamente determinado. O objetivo era a sovietização, não a germanização. Não tardou para que uma revolução social fosse imposta no leste da Polônia. A terra foi coletivizada em 1940. Os proprietários foram despejados de suas terras. Os bancos foram nacionalizados e a poupança, confiscada. Grande parte da maquinaria industrial foi desmontada e enviada para a União Soviética. As escolas particulares e religiosas foram fechadas, proibiu-se o ensino de religião e história e implantou-se o catecismo segundo Marx e Engels. A erradicação do nacionalismo polonês era axiomática, assim como a eliminação de todos os que representassem uma suposta ameaça aos interesses soviéticos. A elite polonesa se viu especialmente ameaçada.

Stálin e os outros membros do Politburo assinaram pessoalmente, em 5 de março de 1940, a ordem de assassinar mais de 20 mil membros da elite polonesa no leste da Polônia. Entre eles estavam 15 mil oficiais que haviam desaparecido em maio daquele ano. Os corpos de mais de 4 mil deles foram encontrados pelos alemães na floresta de Katyn, perto de Smolensk, em abril de 1943. Muito se discutiu sobre quem os teria matado. Hoje não restam dúvidas de que foram fuzilados pela polícia secreta soviética, a nkvd. Os outros 11 mil certamente tiveram destino semelhante, como parte das 21857 pessoas de cuja execução por ordem de Stálin se tem registro.

Ondas de prisões seguiram-se à ocupação soviética. Mais de 100 mil cidadãos poloneses foram encarcerados. A maior parte foi condenada a anos de trabalhos forçados no gulag, e mais de 8500 foram sentenciados à morte. Os poloneses radicados perto da fronteira soviética eram os mais ameaçados. Em alguns lugares, ucranianos e bielorrussos eram incitados a saquear os bens de seus vizinhos poloneses e até a matá-los. Milícias locais assumiram o protagonismo da violência. Os poloneses considerados uma ameaça à União Soviética, normalmente mero produto da imaginação, eram concentrados para deportação. As grandes deportações foram executadas com extrema brutalidade. Quase 400 mil poloneses — muitos mais, segundo algumas estimativas — foram enviados a campos de concentração nos confins da Sibéria ou do Cazaquistão, em trens sem aquecimento e sem janelas, para viagens de 10 mil quilômetros em pleno inverno. Cerca de 5 mil morreram durante a viagem; outros 11 mil morreram de fome e doenças no verão seguinte.

Um dos homens da nkvd envolvidos na concentração de poloneses para deportação mais tarde proporcionaria um vislumbre de qual era sua mentalidade na época: “Eu era responsável pela deportação de uma ou duas aldeias”, contou. E prosseguiu:

 

Agora quando penso nisso, é mesmo difícil levar as crianças embora quando elas são bem pequenas. […] É claro que eu sabia que eles eram nossos inimigos, inimigos da União Soviética, e deviam ser “reciclados” […]. Agora me arrependo, mas na época era diferente […]. Stálin era como um deus para nós. E suas palavras eram as últimas sobre qualquer assunto. Não se podia sequer pensar que ele não tivesse razão. Na época, ninguém duvidava. Toda decisão tomada estava correta. E essa não era só minha opinião — todos pensávamos assim. Estávamos construindo o comunismo. Cumpríamos ordens. Acreditávamos.

 

Não surpreende que, dada a intensa perseguição movida pelos alemães, muitos judeus recebessem com satisfação a ocupação soviética do leste da Polônia. A chegada do Exército Vermelho parecia uma promessa de libertação da discriminação que sofreram na Polônia do pré-guerra. Os judeus às vezes recebiam seus supostos libertadores com bandeiras vermelhas. Não era raro que assumissem cargos administrativos, e sua disposição de colaborar gerou ressentimento entre os poloneses católicos. Quando os alemães chegaram para ocupar a região, depois de ter invadido a União Soviética em junho de 1941, e descobriram os corpos de milhares de vítimas das atrocidades da nkvd em prisões do leste da Polônia, não tiveram dificuldade em incitar o ódio não só aos bolcheviques, mas também aos judeus, que em geral eram vistos como seus colaboradores. Na verdade, a maior parte dos judeus em pouco tempo entendeu o que significava a ocupação soviética — e não era libertação. As propriedades de muitos foram tomadas, enquanto intelectuais e profissionais liberais eram presos em grande número. Um terço dos deportados eram judeus.

A violência da sovietização no leste da Polônia teve equivalentes em Estônia, Letônia e Lituânia depois que esses países foram anexados pela União Soviética, em 1940. Por outro lado, a selvageria da ocupação alemã da Polônia não teve paralelo sequer remoto no tratamento dado pelos alemães à Europa Ocidental ocupada.

Na recém-criada Croácia (que incorporava a Bósnia-Herzegóvina), depois da invasão da Iugoslávia, em abril de 1941, os alemães encontraram quem fizesse o trabalho sujo em seu lugar. O regime que instauraram sob o comando de Ante Pavelic´, líder dos fascistas da Ustaša, foi um governo pelo terror que desafia a imaginação. A Ustaša era um movimento extremista que antes de ganhar o poder tinha não mais de 5 mil adeptos, decididos a “limpar” o país de todos os não croatas — quase metade da população de 6 milhões de pessoas. O objetivo de Pavelic´ era resolver o “problema sérvio” convertendo um terço dos quase 2 milhões de sérvios da Croácia ao catolicismo, expulsando um terço deles e matando o terço restante. Tratava-se de um desvario letal.

Se Pavelic´ era louco ou não — dizia-se que tinha um cesto cheio de olhos humanos em sua mesa como suvenires — é questão aberta a discussão. Mas sobre a sanidade de muitos de seus seguidores não há dúvida. As atrocidades perpetradas por seus esquadrões da morte — que massacraram comunidades inteiras, visando principalmente a sérvios, judeus e ciganos, com o propósito de varrer toda influência não croata — chegam às profundezas do horror sádico. Numa ocasião, quinhentos sérvios, entre homens, mulheres e crianças, de uma cidadezinha não muito distante de Zagreb foram fuzilados. Quando 250 pessoas de vilarejos próximos se reuniram e se prontificaram a se converter ao catolicismo para não serem mortas, seis membros da Ustaše as trancaram numa igreja ortodoxa sérvia e mataram todas, uma a uma, golpeando-lhes a cabeça com “estrelas da manhã” — clavas dotadas de pregos numa extremidade. Outras orgias de morte incluíram medidas obscenas de humilhação e tortura. Mesmo numa região de violência política tradicional e endêmica, nunca tinha ocorrido uma catástrofe humana dessas proporções. Em 1943, a Ustaše já matara cerca de 400 mil pessoas.

A Ustaše certamente explorou antagonismos étnicos já existentes na antiga Iugoslávia quando tomou conta da Croácia, mas sua barbárie extrema gerou um ódio étnico maior e mais profundo do que aqueles que haviam existido. Isso também se revelou contraproducente para os alemães. Na Croácia, a Ustaše tinha o apoio explícito dos alemães para seus atos. (Ao contrário do que aconteceu na Romênia, onde a orgia de violência desencadeada pela Guarda de Ferro fascista levou os alemães, desejosos de estabilidade pela importância do petróleo romeno, a apoiar sua extinção pelo general Antonescu, ditador local.) As atrocidades da Ustaše alimentaram tanto sentimentos anti-Eixo como a força em ascensão do movimento guerrilheiro comunista de Josip Broz Tito.

Com grande parte do sul e do leste da Europa afundando cada vez mais no poço de uma terrível desumanidade, a invasão alemã da União Soviética, em junho de 1941, deu início a um capítulo à parte. A guerra no leste — a guerra de Hitler — foi radicalmente diferente de todas as campanhas anteriores, embora a indizível selvageria da ocupação alemã da Polônia, a partir de setembro de 1939, tenha prefigurado o mergulho na desumanidade sem limites na União Soviética, vista pelos nazistas como o caldo de cultura do “judaico-bolchevismo”. O próprio Hitler foi indispensável tanto para promover como para autorizar a barbárie. Mas ele era sua força motriz e seu porta-voz radical, não sua causa.

Hitler disse pessoalmente aos comandantes do Exército que a invasão da União Soviética seria uma “guerra de aniquilamento”. Soldados comunistas não eram vistos como adversários honrados. O comando do Exército alemão acatou a ordem de liquidar sem julgamento os comissários soviéticos capturados e assim declarar aberta a temporada de fuzilamento de civis. Não admira que, ao incentivar esse tipo de ato sem piedade contra um inimigo repetidamente retratado como “bestial” ou “criminoso”, numa luta que os próprios comandantes do Exército chamavam de “raça contra raça”, a barbárie extrema na guerra soviética tenha sido generalizada desde o início. Esse logo passou a ser o comportamento característico das tropas alemãs, estimulando os militares soviéticos à barbárie retaliatória e a uma espiral de desumanidade desenfreada de ambos os lados. Não houve nada parecido nas campanhas da Europa Ocidental, onde a própria rapidez da conquista assegurou que as baixas, mesmo entre os derrotados, fossem relativamente poucas, e o tratamento dispensado à população nos países ocupados fosse muito menos brutal que no leste. Durante o ataque à União Soviética, a perda de vidas humanas foi enorme desde o início. E lá, ao contrário do que ocorreu no oeste, muitos civis foram massacrados como parte do ataque.

A guerra no leste foi francamente genocida, e tinha sido planejada dessa forma. Meses antes do lançamento da Operação Barbarossa, e com apoio expresso de Hitler, o comandante supremo da ss e da polícia, Heinrich Himmler, e o comandante da Polícia de Segurança, Reinhard Heydrich, consideraram que a “solução final para a questão judaica” poderia ser obtida pela deportação de todos os judeus que estivessem nas mãos dos alemães — estimados em 5,8 milhões — para as terras que seriam conquistadas à União Soviética. Lá eles morreriam de inanição, fadiga, doenças ou exposição ao frio do Ártico. Como a Alemanha não conseguiu levar a guerra contra os soviéticos a uma conclusão vitoriosa e rápida, a política de deportação para a União Soviética mostrou-se irrealizável. No entanto, a morte de judeus soviéticos era parte integrante da conquista alemã. Ao se aproximar o momento da invasão, quatro grandes forças-tarefas (Einsatzgruppen) integradas por homens da polícia política foram instruídas a acompanhar o Exército e erradicar todos os “elementos subversivos”. Isso queria dizer, sobretudo, judeus.

Em seu avanço sobre os países do Báltico, no início da Operação Barbarossa, o Exército alemão não teve dificuldade para encontrar colaboradores entre nacionalistas de Lituânia, Letônia e Estônia, que viam os nazistas como libertadores do jugo soviético. Dezenas de milhares de cidadãos desses países, anexados em 1940, tinham sido deportados para o gulag. O peso da opressão soviética recaíra sobre comunidades inteiras. Os judeus ocuparam posições de destaque na administração e na polícia soviética, de modo que nos países bálticos muita gente estava disposta a acreditar que os judeus e os bolcheviques em nada se distinguiam, e que os judeus eram responsáveis por seu sofrimento.

Os alemães e seus colaboradores conseguiram com facilidade suscitar o ódio aos judeus entre nacionalistas radicais. Pouco depois que os nazistas chegaram à Lituânia, dias após o início da Operação Barbarossa, em 22 de junho de 1941, cerca de 2500 judeus foram mortos em pogroms. Unidades lituanas ajudaram as forças-tarefas da polícia política alemã em suas abomináveis operações, que no Báltico, mesmo para os padrões nazistas, foram absolutamente criminosas nos primeiros meses da ocupação. As coisas foram um pouco diferentes na Letônia, onde os alemães, com assistência de letões, mataram 70 mil dos 80 mil judeus locais até o fim de 1941. Na Estônia, onde havia pouquíssimos judeus, unidades locais sob ordens alemãs mataram todos os 963 nos quais puseram as mãos, além de cerca de 5 mil estonianos não judeus por suposta colaboração com os soviéticos. As forças-tarefas faziam uma contabilidade minuciosa de suas matanças. No fim do ano, a força-tarefa em operação na região do Báltico registrou com orgulho e precisão burocrática um total de 229052 judeus mortos (além de aproximadamente outras 11 mil vítimas).

Mais ao sul, na Ucrânia, os judeus já tinham sido massacrados em grande número a essa altura. Mas, ao contrário do que aconteceu no Báltico, os não judeus da Ucrânia, considerados eslavos “inferiores”, foram tratados sem clemência pelos conquistadores alemães. Como no Báltico, de início os ucranianos receberam os alemães de braços abertos. “Ficamos felicíssimos ao vê-los”, lembrou uma mulher. “Eles iam nos salvar dos comunistas que tinham levado tudo e nos deixado famintos.” A terrível epidemia de fome de 1932 ainda era uma lembrança dolorosa. A mão pesada da opressão stalinista não dera trégua desde então. Quando os alemães invadiram a Ucrânia, muitos ucranianos desertaram do Exército Vermelho ou desapareceram para não ser convocados. À medida que os soviéticos recuavam, na tentativa de escapar à captura pelos alemães, a nkvd esvaziava as cadeias fuzilando milhares de prisioneiros ucranianos. Inúmeros ucranianos foram abandonados para lutar sozinhos, enquanto as medidas soviéticas de terra arrasada destruíam o gado e a maquinaria industrial. Os alemães entraram em Kiev em 19 de setembro de 1941, e poucos dias depois o centro da cidade foi sacudido por minas plantadas pelos soviéticos, provocando um grande incêndio que deixou mais de 20 mil pessoas sem teto. Havia, portanto, boas razões para que a população ucraniana em peso odiasse profundamente os soviéticos, e não surpreende que os alemães tenham sido recebidos como libertadores. Só a burrice absoluta poderia torná-los ainda mais odiados que os soviéticos. Mas os conquistadores conseguiram.

Até alguns fervorosos ideólogos nazistas defendiam uma aliança com os ucranianos, por meio da integração da Ucrânia a um cinturão de satélites, garantindo assim uma dominação alemã duradoura no leste. Hitler, porém, via os ucranianos como “irremediavelmente asiáticos”, da mesma forma que os russos, e apoiou sem reservas a dominação violenta do país, política implantada por seu representante, Erich Koch, o brutal comissário do Reich. Na cabeça de Himmler, a Ucrânia precisava ser “limpa” para futura colonização alemã. O destino da população ucraniana estava determinado pelo Plano Geral para o Leste, que contemplava a “remoção”, nos 25 anos seguintes, de 31 milhões de pessoas, principalmente eslavos, dos territórios conquistados no leste.

Esse genocídio muito maior só não foi posto em prática porque a guerra se voltou contra a Alemanha. Mesmo assim, a ocupação — na qual os alemães, em sua cruel repressão, contaram com a ajuda de unidades da polícia ucraniana, letã e lituana, além de outros colaboradores — foi tão violenta que engendrou um terror generalizado entre a população. Nas ruas, corpos de pessoas fuziladas arbitrariamente pelos ocupantes eram uma visão frequente. Como na Polônia, as vítimas das execuções públicas eram deixadas penduradas durante dias como elemento de dissuasão. Incidentes de sabotagem levavam a execuções de centenas de pessoas em represália. Vilarejos inteiros foram incendiados por não entregar os alimentos requisitados, ou por suspeita de apoiar guerrilheiros. “Quando víamos um grupo de alemães, corríamos para nos esconder”, lembra um morador de Kiev.

Houve um novo motivo de medo a partir de 1942, quando a Alemanha, numa busca desesperada de mão de obra para a indústria bélica, passou a recrutar compulsoriamente ucranianos para deportá-los para o Reich. Isso equivalia a uma sentença de morte. Em julho de 1943, quando o número de deportados chegou a 1 milhão, quase todas as famílias do país tinham sido atingidas. As deportações e a violência com que eram feitas facilitavam o recrutamento para a guerrilha. De uma população em princípio amigável, a ocupação alemã criou uma nação de inimigos. Mas os soviéticos também eram inimigos dos ucranianos, e os guerrilheiros nacionalistas ucranianos achavam-se em violento conflito não apenas com os alemães, mas também com eles. Mais tarde, um guerrilheiro ucraniano lembraria: “Os alemães nos matavam, mas com os guerrilheiros vermelhos a bestialidade era diferente […]. Eles tinham esse modo asiático” — foi assim que ele se expressou — “de torturar as pessoas, cortavam as orelhas e a língua […]. Bem, é claro que nós éramos bem cruéis […]. Não fazíamos prisioneiros, e eles também não, então nos matávamos uns aos outros. Isso era natural”.

Ao contrário dos não judeus da Ucrânia, os judeus ucranianos (cerca de 1,5 milhão, ou 5% da população total e um quarto da população de Kiev) obviamente temiam a conquista alemã. No entanto, nem em seus piores pesadelos poderiam ter sequer imaginado o destino que os esperava logo depois da ocupação nazista.

O antissemitismo, com frequência violento, era generalizado na Ucrânia muito antes da chegada dos alemães. Iniciada a ocupação, os judeus enfrentaram o massacre perpetrado pelos conquistadores numa sociedade que lhes era hostil. Uma pequena minoria de ucranianos ajudou seus vizinhos judeus. Uma minoria bem mais numerosa estava disposta a denunciar judeus aos ocupantes alemães, ou mesmo participar de seus massacres. A maior parte dos ucranianos, porém, olhava e não fazia nada. A inveja da riqueza, das posses e da posição dos judeus desempenhou um papel importante no antissemitismo ali. O mesmo aconteceu, como em outras partes do leste, com a crença de que os judeus tinham sido agentes da opressão soviética. Quando o Exército Vermelho retomou a Ucrânia, em 1943, o que mais se ouvia era “esses judeus estão aqui outra vez”.

Na época em que os alemães entraram na Ucrânia, não apenas homens, mas mulheres e crianças judias estavam sendo massacrados em todo o leste. Na ravina de Babi-Yar, nas proximidades de Kiev, num massacre colossal que durou dois dias (29-30 de setembro de 1941), 33771 pessoas foram metralhadas. Durante o outono e o inverno, outras dezenas de milhares de pessoas foram assassinadas por toda a Ucrânia, na Bielorrússia e em outras partes dos antigos territórios soviéticos, à medida que se ampliavam as áreas conquistadas pelos alemães. Nessa época, o genocídio era total no leste. Em pouco tempo, seria transformado num programa que visava toda a Europa ocupada pelos alemães.

Em janeiro de 1942, o número de judeus a serem exterminados na “solução final” estava fixado em 11 milhões (embora as estimativas sobre a população judaica nos diversos países da Europa fossem às vezes bastante inexatas). O total incluía judeus de Inglaterra, Finlândia, Irlanda, Portugal, Suécia, Suíça, Espanha e Turquia — áreas que não estavam sob controle alemão, mas que supostamente no futuro seriam incorporadas à “solução final”. Tal objetivo não pôde ser alcançado. Mesmo assim, quando o caminho tomado pela guerra pôs fim ao morticínio, cerca de 5,5 milhões de judeus tinham sido mortos.

Na enormidade do tenebroso massacre de não combatentes durante a Segunda Guerra Mundial, não houve hierarquia de vítimas. Fosse uma pessoa morta por inanição ou excesso de trabalho, fuzilada ou enviada à câmara de gás; fosse atacada pelos homens de Hitler ou de Stálin; fosse “cúlaque”, judeu, homossexual ou “cigano” (cerca de meio milhão deles foram mortos pelos alemães) — tratava-se de alguém que tinha entes queridos, não apenas uma baixa infeliz causada pelo combate, mas uma pessoa deliberadamente assassinada. Ninguém estava em posição mais alta ou mais baixa nessa escala. No entanto, havia motivações distintas por trás das mortes e nas características essenciais dos programas de assassinato. Além dos judeus, nenhum outro grupo social ou étnico tinha sido encapsulado em ideologia, muito antes do começo da guerra, como se fosse um inimigo cósmico de poderes satânicos que precisava ser erradicado. Só eles eram minuciosamente listados para a aniquilação por meio de um zeloso aparato burocrático. Nenhum outro povo — nem mesmo as etnias sinti e roma (depreciativamente chamadas de “ciganos”) — foi destruído de maneira tão implacável, dentro de um programa sistemático, e não apenas em fuzilamentos em massa, mas cada vez mais num sistema industrial de extermínio.

Em meio ao catálogo completo dos elementos de destruição, devastação e miséria que constituíram a Segunda Guerra Mundial, o assassinato dos judeus da Europa foi o ponto mais baixo a que o gênero humano desceu no abismo da desumanidade. O fogo dos crematórios dos campos de extermínio foi, quase literalmente, a manifestação física do inferno na terra.

No último trimestre de 1941, o assassinato de judeus em ações criminosas deliberadas nas diferentes regiões do Leste Europeu começou a ser executado por dirigentes nazistas locais que operavam sob ordens gerais de Berlim. Foram inspirados pela determinação do próprio Hitler de promover a mais radical “solução” para a questão judaica. Essas ações na Europa Oriental aceleraram o processo de implantação do genocídio total. O processo se acelerou naquele período porque o objetivo de deportar judeus europeus para a Rússia, onde o genocídio já era intenso, precisou ser abandonado quando a esperada vitória rápida dos alemães sobre os soviéticos não aconteceu. Com a pressão aumentando para declarar suas províncias “livres de judeus”, depois de meses de incitação dos dirigentes nazistas, era preciso encontrar algum outro lugar para a “solução final da questão judaica”.

No começo de 1942, começou a surgir um programa de deportação em massa para centros de morte na Polônia. Câmaras de gás móveis e estacionárias passaram a ser preferidas aos fuzilamentos em massa como método de matança. Em dezembro de 1941, em Chełmno, no oeste da Polônia, entraram em operação as vans de gás — semelhantes a pequenos caminhões-baús de mudanças, mas adaptadas para descarregar monóxido de carbono no compartimento traseiro fechado. Até serem aposentados, esses veículos mataram cerca de 150 mil judeus. Em março e abril de 1942, os judeus poloneses eram levados para morrer em câmaras de gás estacionárias em Belzec e Sobibor, no leste da Polônia. Treblinka, perto de Varsóvia, que entrou em funcionamento em junho, foi o último do trio de campos de extermínio que operavam dentro da “Aktion Reinhard” naquele verão, com o objetivo de eliminar todos os judeus poloneses.

Não havia trabalhos forçados nesses campos. Na verdade, “campo” é um nome equívoco. Ninguém residia neles, além de carcereiros e alguns poucos prisioneiros mantidos temporariamente em poder dos “destacamentos especiais” (Sonderkommandos), integrados por judeus obrigados a fazer o trabalho sujo de cuidar dos cadáveres nas câmaras de gás e nos crematórios. Os “campos” da “Aktion Reinhard” existiam para um único propósito: matar os judeus enviados para lá. Poucos sobreviviam mais de algumas horas após a chegada. Quando começaram a ser desativados, no fim de 1943, tinham servido de palco para o assassinato de cerca de 1,75 milhão de judeus, principalmente poloneses. Apenas em 1942, foram mortos 2,7 milhões de judeus, quase a metade do total da guerra. A maior parte deles pereceu nos campos da Reinhard.

O principal centro de morte em 1943-4, no entanto, foi Auschwitz. Ao contrário do que acontecia nos campos da “Aktion Reinhard”, os judeus eram levados para lá como mão de obra escrava, não apenas para morrer. Diversamente, também, a grande maioria a partir de 1942 vinha de fora da Polônia. Auschwitz já era um enorme campo de concentração e trabalho — de início para prisioneiros poloneses — quando se iniciou a deportação de judeus do resto da Europa, a começar por Eslováquia e França, depois Bélgica, Países Baixos e logo outros países, em março de 1942.

Os deportados eram enviados principalmente a Birkenau, um campo auxiliar a dois quilômetros do principal, mas muito maior. De maio de 1942 em diante, os judeus incapacitados eram separados dos aptos e mandados diretamente para as câmaras de gás, cuja capacidade de matança aumentou muito em 1943, quando foram construídos novos crematórios (com capacidade para queimar cerca de 5 mil corpos por dia). Nessa época, os tentáculos do programa genocida tinham se estendido aos confins mais remotos da Europa ocupada pelos nazistas. Até mesmo no posto avançado das Ilhas do Canal, a única possessão da Coroa britânica que caiu sob domínio alemão, três judias (duas austríacas e uma polonesa) foram deportadas primeiro para a França, depois para Auschwitz. O que aconteceu com elas depois disso não se sabe, mas nenhuma sobreviveu à guerra.

As maiores deportações para Auschwitz foram as últimas: a de judeus húngaros, em meados de 1944, depois da ocupação da Hungria pelos alemães. Os alemães precisavam do trabalho e das riquezas dos judeus húngaros. Mas os motivos econômicos se entremearam ao imperativo ideológico de destruição. Hitler disse a seus chefes militares, em maio de 1944, que todo o Estado húngaro estava “desgastado e corroído” por judeus, integrantes de “uma rede integrada de agentes e espiões”. Sua destruição era essencial para a vitória alemã. Os comandantes militares responderam com uma tempestade de aplausos quando o Führer lhes disse que sua intervenção destinava-se a “solucionar o problema”, destacando que só a manutenção da raça alemã importava. A consequência foi a deportação em massa de judeus húngaros para Auschwitz. Em julho, 437402 deles já tinham morrido nas câmaras de gás de Auschwitz.

Cerca de 1,1 milhão de pessoas foram assassinadas em Auschwitz — 1 milhão de judeus, 70 mil presos políticos poloneses, mais de 20 mil sintis e romas, 10 mil prisioneiros de guerra soviéticos e centenas de testemunhas de Jeová e homossexuais. O Exército Vermelho libertou os prisioneiros de Auschwitz no fim de janeiro de 1945. Em julho do ano anterior, mesmo os soldados soviéticos calejados ficaram estarrecidos ao chegar ao campo de extermínio de Lublin-Majdanek, onde cerca de 80 mil das 200 mil vítimas estimadas eram judeus. O que encontraram em Auschwitz foi ainda pior. Mesmo assim, o tormento dos judeus não estava encerrado. Cerca de 250 mil prisioneiros do campo, majoritariamente judeus, pereceram em marchas da morte empreendidas nos últimos meses da guerra, quando os campos da Polônia, primeiro, e da própria Alemanha, depois, começaram a ser evacuados ante a aproximação do inimigo.

Cada uma das pessoas mandadas a Auschwitz e a outros campos de extermínio tinha um nome. A burocracia do assassinato em massa transformou os nomes em números. Para os assassinos, as vítimas eram anônimas. Foi uma maneira muito moderna de matar. Primo Levi, químico judeu italiano capturado pela milícia fascista e mandado para o campo de trabalho escravo de Auschwitz-Monowitz em fevereiro de 1944, recorda como se sente uma pessoa privada de identidade: equivale à “demolição de um homem”. E continua: “Chegamos ao fundo. Não é possível afundar mais que isso, nenhuma condição humana é mais miserável que esta, nem poderia ser. Não temos mais nada; tiraram nossas roupas, nossos sapatos, até nosso cabelo […]. Querem até nos tirar nosso nome”. E tiraram. Logo ele soube que era o prisioneiro 173417, número que foi tatuado em seu braço esquerdo. E comentou: “Isto é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno deve ser assim”.

Alguns conseguiram preservar uma identidade além do número do campo de concentração e mantiveram sua dignidade até mesmo quando se preparavam para entrar na câmara de gás. Chaim Hermann escreveu uma notável última carta à mulher e à filha, encontrada em fevereiro de 1945 debaixo de cinzas humanas perto de um dos crematórios de Auschwitz. Ele descreve sua vida no campo como “um mundo completamente diferente” de qualquer coisa que sua mulher pudesse imaginar, “simplesmente o inferno, mas o inferno de Dante é ridículo se comparado a este inferno real”. E garantiu a ela que estava saindo desse inferno “com calma e talvez heroicamente (isso vai depender das circunstâncias)”.

Nem todos eram tão estoicos. Um poema escrito em tcheco que sobreviveu a seu autor em Auschwitz resume o ódio profundo aos que cometiam o horror, a rebelião íntima contra a degradação e a morte, o sentimento, certamente experimentado por muitas das vítimas, de que um dia de acerto de contas em algum momento viria:

 

E há muitos e muitos mais de nós aqui embaixo;

avolumamo-nos e crescemos a cada dia que passa;

vossos campos já estão inchados conosco

e um dia vossa terra explodirá.

E então emergiremos, em terríveis fileiras,

com um crânio em nossos crânios e canelas ossudas;

e gritaremos no rosto de toda a gente

Nós, os mortos, acusamos!

OS MUITOS SIGNIFICADOS DE INFERNO NA TERRA

Para o poeta tcheco anônimo, e para inúmeros outros, era difícil encontrar um significado no massacre sem sentido de tantas vítimas inocentes. Muitos judeus se perguntavam onde estava Deus enquanto a morte e o sofrimento sem limites aconteciam. Se existia um, por que permitiria semelhante horror? Os cristãos, em muitas partes da Europa sujeitos a um infortúnio inimaginável, com frequência se faziam a mesma pergunta. Outros, ao contrário, se apegavam à sua fé. Ao que parecia, era tudo o que lhes restava. É difícil saber se centenas de milhares de vítimas sintis e romas encontravam alívio na fé religiosa, ou percebiam apenas desesperança e falta de sentido em sua perseguição e assassinato. Entre eles não havia poetas. Muitos eram analfabetos e não deixaram relatos escritos de seus sofrimentos para a posteridade — incontáveis vidas humanas deliberadamente aniquiladas, deixando poucos traços além da memória e da tradição oral.

Genocídio e “limpeza étnica” numa escala gigantesca eram parte intrínseca do significado da guerra para a cúpula nazista e para sua horda de subordinados nas Forças Armadas, na polícia e na burocracia, dedicados a executar a política racial. Para seus milhões de vítimas, muitas vezes não poderia haver nada senão total incompreensão. O mais desolado pessimismo em relação à humanidade teria sido, e às vezes foi, uma reação perfeitamente natural àquilo que essas pessoas precisaram suportar. Ainda assim, surpreendentemente, havia mais que niilismo. Mesmo em Auschwitz, cantava-se a “Ode à alegria” de Beethoven. Mesmo naquele inferno feito pelo homem ainda havia humanidade, um sentimento de transcendência que a música, quando não a religião, podia evocar.

As pessoas encontravam seus próprios significados, ou a falta de um. É possível falar do “sentido” da guerra para os milhões que viveram, lutaram e morreram durante o titânico conflito? O que eles fizeram do turbilhão de acontecimentos que se abateram sobre sua vida, mudando-a para sempre, muitas vezes da forma mais traumática? Cada pessoa viveu a experiência da guerra à sua maneira. Ela teve muitos significados, ou, com frequência, nenhum. As circunstâncias, muito diferentes, ditavam a experiência, e dela surgia às vezes uma ideia sobre o significado que a guerra poderia ter. As experiências não eram apenas pessoais. Várias foram compartilhadas, muitas vezes moldadas pelo acaso da nacionalidade, outras indo além da nacionalidade, ainda que com frequência condicionada por ela e percebida através de suas lentes.

Milhões de pessoas serviram em frentes muito diversas, no mar ou no ar, uns nas forças de ocupação, outros na clandestinidade da guerrilha de resistência. As mulheres aderiram às forças combatentes em grande número, centenas de milhares delas prestaram serviços auxiliares essenciais, desempenhando papel significativo nos movimentos de resistência, no Exército Vermelho e entre os guerrilheiros iugoslavos que lutavam na linha de frente. Os civis, envolvidos como nunca, preocupavam-se todos os dias com entes queridos que estavam longe, em combate. Na maior parte da Europa, tiveram também de se adaptar à ocupação inimiga, sofrer duras privações materiais e enfrentar o terror dos bombardeios e o trauma das evacuações forçadas. O tipo de ocupação determinava decisivamente a diversidade das experiências. A grotesca desumanidade que teve lugar no Leste Europeu não encontrou paralelo no oeste. Mas lá também, embora de formas diversas em cada país, os anos de ocupação deixaram sua marca dolorosa na mente das pessoas. Em toda parte, a vida em si se tornou mais precária do que nunca. Para milhões de pessoas, a guerra foi um período de mera sobrevivência. Certamente foi isso o que ela significou, em primeira instância, para os inúmeros combatentes de todas as nacionalidades.

Os combatentes

Para soldados, marinheiros e aviadores, nos momentos de perigo mais intenso, a sobrevivência costumava ser o único pensamento e a única preocupação. No calor da batalha, não havia espaço para reflexão. O medo e a apreensão eram os sentimentos dominantes quando as armas começavam a disparar. A lembrança dos entes queridos em casa, a necessidade de protegê-los e o imperativo de viver para voltar para eles eram fortes fatores motivacionais. Igualmente forte era a necessidade de vingança pelo que o inimigo tinha feito aos entes queridos. A lealdade aos camaradas próximos seguia de perto a luta pela sobrevivência como motivação. Quando a perda de vidas ocorria em tão grande escala como na frente oriental, e quando unidades militares inteiras eram continuamente dizimadas e reconstituídas, a “lealdade ao grupo” não podia ter o mesmo significado que teve, por exemplo, para os pals battalions [batalhões de amigos] que saíram das cidades industriais britânicas para lutar na Primeira Guerra Mundial. No entanto, a sobrevivência dependia em grande medida dos atos dos camaradas mais próximos. Portanto, o interesse de cada um determinava que a luta pela própria sobrevivência fosse também uma luta pela sobrevivência dos que combatiam juntos. O medo das consequências de não lutar também tinha seu papel. Soldados soviéticos e alemães, em especial, não podiam esperar piedade caso se recusassem a lutar ou desertassem.

Fora do calor da luta, os que estavam nas Forças Armadas, mesmo que não fossem pessoas dadas à reflexão, mostravam, nas cartas que escreviam à família ou em diários, alguns indícios das causas pelas quais imaginavam estar lutando, além da sobrevivência individual. Por meio de treinamento, educação, formação e valores culturais assimilados de longa data, uma ideia subliminar de significado se superpunha às razões imediatas e pessoais para lutar.

A crença de que participavam de uma cruzada para defender a Alemanha da terrível ameaça do bolchevismo sem dúvida orientou as ações de muitos soldados da Wehrmacht que cruzaram as fronteiras soviéticas em junho de 1941. Isso lhes dava uma justificativa aparente para sua conduta bárbara na guerra, contra civis ou contra o Exército Vermelho, inclusive o massacre de judeus. “Aqui termina a Europa”, escreveu um soldado alemão de elevada instrução a um amigo, ao pisar em solo soviético. Para ele, os alemães estavam ali para defender o Ocidente culto e cristão do detestável vandalismo ateu do bolchevismo. E, apesar de não ser ideologicamente antissemita, assimilara a propaganda nazista sobre o “judaico-bolchevismo”. Ele não escondia a repulsa diante da população judaica de alguns dos vilarejos pelos quais sua unidade passava. Um policial alemão da reserva, comerciante na vida civil, escreveu à mulher em agosto de 1941 sobre o fuzilamento de 150 judeus — homens, mulheres e crianças. “Os judeus estão sendo completamente exterminados”, comentou. “Por favor, não pense nisso, é assim que tem de ser.” Muitos soldados observavam, impassíveis, as execuções em massa. Alguns tiravam fotos. “Assistíamos ao espetáculo e depois voltávamos ao trabalho como se nada tivesse acontecido”, relatou um deles à mulher. Seguia-se a justificativa: “Os guerrilheiros são inimigos e canalhas, e devem desaparecer”. O sentimento aplacava consciências, às vezes intranquilas, mas em pouco tempo todos se aclimatavam, quando centenas de vilarejos eram incendiados e seus habitantes massacrados ou queimados até morrer — seiscentos só na Bielorrússia — em represália por atividades guerrilheiras reais ou supostas.

É claro que havia exceções à desumanidade. Os corajosos oficiais que vieram a constituir a coluna vertebral da resistência alemã que tentou matar Hitler em numerosas ocasiões, entre 1943 e 1944, foram estimulados à conspiração ao ficar sabendo das atrocidades cometidas contra os judeus e outras pessoas no leste. Suas iniciativas se frustraram mais pela má sorte do que por qualquer outra coisa. Mas o nome do general Henning von Tresckow e o do coronel Claus Schenk Graf von Stauffenberg representam muitos outros, repugnados pela desumanidade da Alemanha de Hitler.

Soldados rasos também se sentiram mal desde o início com o que estava acontecendo. Alguns deles, por convicção religiosa, se rebelaram secretamente contra a barbárie, ou até mesmo, em raras ocasiões, ajudaram judeus. Wilm Hosenfeld, membro do Partido Nazista e das tropas de assalto, admirador de Hitler e plenamente convicto da causa alemã na guerra, ficou tão horrorizado com o que viu e ouviu, na condição de oficial de baixa patente baseado em Varsóvia, que assumiu, movido por suas fortes crenças católicas, a tarefa de ajudar judeus como pudesse — entre eles o músico polonês Władisław Szpilman, cuja história foi contada muito mais tarde no filme O pianista, de Roman Polanski. “Será que o Diabo assumiu forma humana?”, perguntava Hosenfeld em carta à mulher em julho de 1942, depois de informar que os judeus estavam sendo mortos aos milhares. “Não duvido”, foi a resposta que ele mesmo deu à pergunta. Tratava-se de algo sem precedentes na história, observou. E mencionou uma “culpa tão terrível que você quer afundar no chão de vergonha”.

Calcula-se talvez em cem o número daqueles que se comportaram de maneira tão nobre. Pode ser que os atos de outros não tenham ficado registrados para a posteridade. Mas de qualquer forma o número é pequeno se comparado aos mais de 18 milhões que serviram na Wehrmacht.

A maior parte engoliu em alguma medida o que ouvia sobre o objetivo da guerra. Tudo indica que as opiniões cruamente resumidas pelo marechal de campo Walter von Reichenau, nazista convicto e um dos favoritos de Hitler, tenham se embrenhado em certa medida em todos os níveis do Exército. Reichenau deixou claro quais eram os deveres dos soldados alemães no leste numa ordem geral emitida em 10 de outubro de 1941:

 

O principal objetivo da campanha contra o sistema judaico-bolchevique é a destruição total de suas forças e o extermínio da influência asiática no âmbito da cultura europeia. Em vista disso, os soldados terão de assumir tarefas que vão além das convencionais, puramente militares. No âmbito do leste, o soldado não é apenas um combatente segundo as regras da guerra, mas o sustentáculo de uma ideologia racial [völkisch] implacável e vingador de todas as bestialidades infligidas à nação alemã e dos grupos étnicos relacionados a elas. Por esse motivo, os soldados devem compreender plenamente a necessidade de severa punição que se exige dos judeus subumanos.

 

Esses soldados alemães pensavam que estavam lutando por algo que se definia como uma visão turva de uma utopia futura, uma “nova ordem” na qual a superioridade racial alemã e seu domínio sobre o inimigo aniquilado garantiriam paz e prosperidade para suas famílias e seus descendentes. Em 1944-5 essas vagas esperanças tinham se desvanecido. Mas a guerra ainda fazia sentido. O fato de estar sendo disputada com insistência até o fim agora se justificava por outro imperativo ideológico: a “defesa do Reich”. A frase encapsulava não apenas uma entidade política e geográfica abstrata, mas a defesa da família, da pátria, da propriedade e das raízes culturais. E, para cada soldado, ciente dos crimes que ele mesmo e seus camaradas tinham cometido, principalmente no leste, ir em frente significava continuar lutando a todo custo contra o Exército Vermelho, cuja vingança na vitória certamente traria a destruição de tudo o que lhe era caro. Os significados ideológicos da guerra ajudaram, junto com a disciplina, o treinamento e boa liderança, a manter alto o moral de combate da Wehrmacht praticamente até o fim.

Para os aliados militares da Alemanha, o significado da guerra era muito menos claro, e o moral, mais difícil de sustentar. Cerca de 690 mil soldados não alemães, principalmente romenos, tinham aderido à invasão da União Soviética em 1941. Da ofensiva que chegou a um fim catastrófico em Stalingrado participaram romenos, húngaros, croatas, eslovacos e italianos. Cerca de 300 mil soldados não alemães do Eixo foram capturados na contraofensiva soviética. Hitler nutria por eles nada mais que o desprezo por sua falta de espírito combativo. Na verdade, quanto a isso eles ficavam bem atrás dos alemães, e por razões compreensíveis. O ódio à União Soviética era generalizado, mas não bastava para atribuir à guerra um significado motivador para os aliados da Alemanha como fazia com as tropas alemãs. Os aliados da Alemanha não tinham uma visão clara de futuro, com uma sociedade, ou um regime, pela qual valesse a pena combater, arriscando a própria vida. A deserção era comum, o abatimento moral aumentava, a liderança vacilava. Os oficiais romenos tratavam seus soldados rasos, insuficientes e mal equipados, não muito melhor que cachorros. Não chega a surpreender que muitos deles só lutassem sob coação. “Os romenos não têm um objetivo real — por que estão lutando?”, foi a pergunta pertinente feita por um ex-soldado do Exército Vermelho que tinha se confrontado com eles e pôde observar sua debilidade como combatentes. Soldados italianos que lutavam no rio Don também se perguntavam com frequência o que estavam fazendo ali. Longe de casa, em péssimas condições, numa guerra que pouco significava para eles. Não chega a surpreender que lhes faltasse espírito de combate. Quando um intérprete soviético perguntou a um sargento italiano por que seu batalhão tinha se rendido sem disparar um tiro, ele respondeu: “Não disparamos porque achamos que seria um erro”.

Muitos italianos não tinham escolhido lutar. Cada vez mais, achavam que Mussolini os arrastara para uma guerra que só beneficiava os detestados alemães. Sem um sentido ideológico claro ou relevante, a guerra para eles não tinha uma motivação. Era perfeitamente compreensível que preferissem se render e sobreviver a lutar por uma causa perdida. Mas, com o país ocupado pelos alemães no norte e pelos Aliados no sul, depois que a Itália abandonou a guerra, em setembro de 1943, eles mostraram que estavam prontos a lutar com vontade — contra os ocupantes e uns contra os outros — por uma causa ideológica que afetava diretamente a si mesmos, a suas famílias e suas casas: que tipo de país seria a Itália no pós-guerra, fascista outra vez ou socialista?

Para os soldados do Exército Vermelho, um imenso corpo multiétnico de combatentes, a guerra tinha um significado totalmente diverso. A maior parte deles tinha pouca instrução e vivia em condições primitivas. Cerca de 75% da infantaria era integrada por camponeses. Alguns rapazes de vilarejos do interior nunca tinham visto luz elétrica antes de entrar para as Forças Armadas. É pouco provável que a maior parte deles tivesse refletido sobre um significado mais profundo da guerra. Muitos, sem dúvida, lutavam porque precisavam lutar, porque não havia escolha, porque não lutar teria significado morte certa. Mas só o medo não poderia ter mantido o fantástico poder de luta e o moral do Exército Vermelho, que foi da beira da catástrofe, em 1941, para a vitória total quatro anos depois.

De fato, o moral do Exército Vermelho esteve perto da falência à medida que o aparentemente inelutável avanço alemão se estendia de triunfo em triunfo no verão de 1941. As deserções eram muitas. Muitas também eram as punições letais aos que desertavam. Entretanto, uma barragem intransponível de propaganda, as histórias sem fim sobre a carnificina promovida pelos alemães tendo como vítimas os conquistados e uma fábula sobre o heroísmo do Exército Vermelho triunfaram diante das portas de Moscou. Os soldados soviéticos, assim como os da Wehrmacht, viam sentido na guerra, embora não conseguissem articular isso. Seria um erro subestimar o papel da ideologia em sua motivação. Não era necessariamente a ideologia oficial do regime, embora esta estivesse agora sintonizada com a ênfase no patriotismo. Quando Stálin falou aos soldados na manhã da grande ofensiva do Exército Vermelho no Don, em novembro de 1942, que culminou na vitória de Stalingrado, usou os seguintes termos: “Caros generais e soldados, dirijo-me a vocês, meus irmãos. Hoje vão começar uma ofensiva e suas ações vão decidir o destino do país — se continua independente ou se perece”. Uma testemunha relembra as emoções daquele dia: “Aquelas palavras realmente tocaram meu coração […] quase cheguei às lágrimas […]. Senti um impulso verdadeiro, espiritual”.

Mas não se tratava apenas de patriotismo. Patriotismo e ideologia marxista-leninista se reforçavam mutuamente. Os soldados eram instruídos em bolchevismo. Aqueles que combateram às portas de Moscou, em Stalingrado, em Kursk nada sabiam além disso. Desde a infância, foram imersos em visões de uma sociedade nova melhor para todos. Um veterano do Exército Vermelho, tendo reconhecido que pensava em Stálin “como um pai” e comparava a voz dele com “a voz de Deus”, disse que, fosse qual fosse a repressão, “Stálin corporifica o futuro, todos nós acreditamos nisso”. Essa utopia da Mãe-Pátria comunista estava agora gravemente ameaçada. Ainda podia se tornar realidade — mas só se os fascistas de Hitler, que avançavam como hienas para destruir as terras soviéticas, matar seus cidadãos e devastar suas cidades e seus vilarejos, pudessem der destruídos. Era uma mensagem forte, que ganhava potência com o ingrediente adicional de vingança depois que o jogo virou e o Exército Vermelho passou a ter no horizonte as fronteiras do Reich. Para os soldados do Exército Vermelho, era uma guerra defensiva e justa, a ser vencida a qualquer preço. Era uma motivação forte. A guerra tinha significado real.

Já para os combatentes dos Aliados da Europa Ocidental, a guerra não podia ser reduzida a um único significado. Os países que integraram de início a aliança ocidental — Inglaterra, França e Polônia —, logo após o começo da guerra, receberam a adesão dos dominions do Império britânico. As possessões coloniais britânicas e francesas contribuíram com grande número de soldados. Só a Índia enviou 2,5 milhões de homens, com a missão de combater principalmente os japoneses, enquanto as colônias do Norte da África forneceram a base para a recomposição da força militar francesa depois de 1942. Tchecos, belgas, holandeses e noruegueses estiveram entre muitos outros europeus que lutaram ao lado de poloneses, franceses e britânicos desde a primeira fase da guerra. Os Estados Unidos e muitos outros países entraram no conflito mais tarde, ao lado dos Aliados. Em 1942, a aliança contra as potências do Eixo era integrada por 26 países, que chamavam a si mesmos de “Nações Unidas”. A guerra inevitavelmente teria significados diversos para os homens e as mulheres que integravam uma aliança de tal diversidade, lutando não apenas na Europa, mas também, depois que os japoneses entraram na guerra, no Extremo Oriente, assim como nos mares e nos ares. Os soldados dos Aliados não eram melhores que os demais para articular os motivos pelos quais consideravam estar lutando. As cartas que enviavam para casa em geral falavam de aspectos mundanos da vida militar, poupando os parentes das agruras piores, como dores, medos e traumas que tinham de enfrentar. A camaradagem era crucial; a ânsia de voltar para casa e para a família, quase universal; em última instância, a sobrevivência de cada um era o que importava. Ainda que não mencionados, havia valores culturais e crenças motivadoras subliminares que mantinham o moral e faziam com que lutar na guerra valesse a pena.

Para poloneses exilados e franceses, baseados na Inglaterra, e para os cidadãos de outros países europeus que se uniam às forças dos Aliados, a causa era óbvia: livrar a pátria da ocupação alemã. Mas o general De Gaulle, líder da França Livre, não falou durante muito tempo em nome da maioria de seus compatriotas. Para o povo, no país e fora dele, a guerra não tinha um sentido único. Também para os poloneses no exílio havia mais de um sentido na guerra. A causa não era apenas a libertação do jugo alemão, e sim, cada vez mais, com a progressão do conflito, garantir que a Polônia não passasse de uma forma de servidão a outra, caindo sob o domínio da União Soviética.

Sob o comando do general Władisław Sikorski, chefe das Forças Armadas da Polônia e primeiro-ministro do governo polonês no exílio, cerca de 19 mil soldados das forças de terra e ar foram evacuados da França para a Inglaterra em 1940, embora três quartos dos poloneses que lutavam em solo francês tivessem sido mortos ou capturados. Os pilotos poloneses deram uma grande contribuição para a Batalha da Inglaterra. Bem menos reconhecido foi o trabalho dos criptógrafos poloneses, essencial na tarefa conjunta com britânicos e franceses de quebrar o código Enigma — eles já tinham decodificado uma versão anterior do modelo na década de 1930 —, o que permitiu aos Aliados compreender mensagens alemãs, questão crucial para a vitória na batalha no Atlântico.

A partir de 1942, depois que Stálin libertou dezenas de milhares de poloneses prisioneiros no gulag e restabeleceu relações diplomáticas com a Polônia, cerca de 40 mil soldados poloneses, comandados pelo general Władisław Anders, lutaram ombro a ombro com os britânicos no Norte da África, e depois com os Aliados na Itália. O próprio Anders tinha sido capturado pelos soviéticos e sofreu bárbaras torturas nas mãos deles. É claro que, depois de libertado, continuou a ser violentamente antissoviético. As hediondas descobertas em Katyn em abril de 1943 constituíram o mais claro dos lembretes aos poloneses no exílio dos horrores da ocupação não apenas alemã, mas também soviética. O esmagamento do Levante de Varsóvia, em agosto de 1944, acabou com a esperança de instituir uma Polônia independente. Em fevereiro de 1945, quando, na Conferência de Yalta, os Estados Unidos e a Inglaterra concordaram em deixar a Polônia dentro da área de influência da União Soviética no pós-guerra, com fronteiras revistas, mais do que nunca a Polônia se sentiu traída. Para os poloneses não comunistas, que formavam a grande maioria da população no país e no exílio, a guerra começou e terminou como um desastre nacional.

Até 1940, Charles de Gaulle era apenas um oficial desconhecido do Exército francês. Promovido a general durante a invasão alemã da Bélgica e indicado, em meados de 1940, para o cargo de subsecretário da Defesa, com apoio britânico, ele se firmou como líder no exílio da França Livre, uma força minúscula de apenas 2 mil homens e 140 oficiais. Em Londres, numa série de entusiasmados discursos radiofônicos dirigidos ao povo francês, De Gaulle afirmava que a França Livre representava a verdadeira França. Ele buscava personificar a resistência, tanto para os alemães como para o regime de Vichy (governo da zona não ocupada da França, depois da derrota de 1940), cuja legitimidade negava. Mas teve pouco êxito até meados da guerra. Na França, por influência da imprensa de Vichy, ele era visto como traidor.

O afundamento da frota francesa em Mers el-Kébir, na Argélia, em 3 de julho de 1940, por ordem de Churchill (para impedir que caísse em poder dos alemães), com a perda de 1297 marinheiros, em nada ajudou os Aliados a conquistar apoio na França ou em suas colônias. Junto com as autoridades coloniais, as tropas francesas das colônias, muito mais numerosas que as da própria França, de início se alinharam com o governo de Vichy, repelindo um desembarque da França Livre em Dacar em setembro de 1940. Aos poucos, à medida que a sorte da guerra se voltava contra a Alemanha e o governo de Vichy perdia popularidade, as colônias passaram a apoiar a França Livre. O relacionamento difícil de De Gaulle com Churchill e Roosevelt, bem como as dissensões internas da liderança da França Livre, foram obstáculos à consolidação de uma oposição a Vichy até bem depois dos desembarques dos Aliados no Norte da África, em novembro de 1942. A essa altura, as forças da França Livre contavam com apenas 50 mil homens contra os 230 mil que até então eram, pelo menos formalmente, leais a Vichy. Só em meados de 1943, depois de mudar seu quartel-general para Argel e melhorar sua reputação com o apoio ao movimento de resistência que crescia dentro da França, De Gaulle foi reconhecido como líder inconteste de um futuro governo. Ele agora representava um rival, cada vez mais poderoso e aclamado, para o regime de Vichy, que a partir de novembro de 1942, quando os alemães se apropriaram do que tinha sido anteriormente a zona não ocupada, tornou-se cada vez mais um fantoche nas mãos dos odiados alemães.

Os soldados britânicos eram um caso singular entre seus aliados europeus pelo fato de não estarem lutando pela libertação de seu país de uma ocupação estrangeira. As causas pelas quais lutavam, o sentido de sua guerra, eram portanto mais abstratas e menos óbvias. Acima de tudo, apoiavam Churchill como seu líder na guerra. Mas sem contar as elites, representadas na oficialidade, poucos partilhavam da crença dele na guerra como meio de preservar a grandeza do Império britânico, além de defender a liberdade e a democracia. Muitos dos soldados provenientes das colônias que lutavam ombro a ombro com os ingleses esperavam exatamente o contrário: a independência de sua pátria do controle colonial. Mesmo os soldados provenientes da própria Inglaterra, lutando a milhares de quilômetros do país no Extremo Oriente, contra um inimigo brutal e implacável, tinham pouca noção de que estavam ali para manter o imperialismo britânico. Sobreviver ao inferno da floresta, assim como à violência dos japoneses e, com muita probabilidade, aos horrores indescritíveis do bárbaro tratamento que recebiam em cativeiro, era o que mais importava. Poucos soldados mencionavam em suas cartas algum sentido da guerra que não fosse a própria sobrevivência. Um oficial britânico escreveu aos pais pouco antes de ser morto, no Norte da África, expressando ideais que, embora vagos, quase com certeza tinham amplo curso. Ele estava preparado para morrer, afirmou, por aquilo que chamava “o anseio sincero de todas as ‘pessoas comuns’ que buscam algo melhor — um mundo mais digno de seus filhos”.

Esse sentimento sobre o sentido da guerra como caminho para um futuro melhor era generalizado, embora muitas vezes não expresso, nas forças britânicas. Ganhou voz no país em novembro de 1942 com a publicação do plano elaborado pelo economista liberal William Beveridge, que esboçava o que seria um sistema de seguridade social capaz de oferecer benefícios a todos os cidadãos britânicos, do berço à sepultura. O Plano Beveridge foi amplamente debatido pelos soldados além-mar, numa indicação de que era visto como porta de entrada para uma nova sociedade. A ideia recorrente de que a guerra não era travada apenas para derrotar e destruir a ameaça do nazismo — embora esse fosse o objetivo óbvio e principal —, mas para romper com a Inglaterra do passado depois que a tarefa principal estivesse cumprida, dava um objetivo aos soldados britânicos e ajudava a manter o moral. Isso ganharia expressão nas eleições gerais de 1945, quando a guerra contra a Alemanha estava ganha, a guerra contra o Japão ainda estava em curso e o herói da guerra, Churchill, foi rejeitado pelos votos de milhões de militares, que o viam como representante da velha ordem classista de privilégios, riqueza e posição, que deveria ser substituída por uma sociedade mais justa. Esperanças utópicas, assim como a luta contra a Alemanha de Hitler, davam sentido ao esforço de guerra britânico.

Para alguns dos que serviram nas Forças Armadas, no entanto, e de início tinham grandes esperanças, a guerra trouxe decepções — com a política, com um futuro melhor, com a própria humanidade. William Woodruff, que na época da Depressão saiu da região proletária de Lancashire, onde nascera, para a Universidade de Oxford, tornou-se um pacifista socialista que passou da necessidade de lutar contra o nazismo para a necessidade de garantir uma sociedade diferente e melhor. No entanto, quem voltou da guerra profundamente mudado foi ele mesmo, que viu seu otimismo se dissipar no campo de batalha. “Antes da guerra eu falava sobre a construção de uma nova civilização”, escreveu mais tarde. “No fim, aprendi o quanto a civilização é frágil […]. Levou muito tempo para que a lembrança da morte de outros homens se apagasse.” Sem dúvida, muitos outros soldados que retornavam sentiam a mesma coisa.

As frentes internas

A distância entre as frentes de combate e as frentes internas foi menor na Segunda Guerra Mundial do que em qualquer outra guerra. Com frequência, não havia distância nenhuma. As frentes praticamente se fundiam. Em algumas partes da Europa Oriental, os avanços e retrocessos dos exércitos de Hitler e Stálin, além da atividade dos guerrilheiros, diluíram as diferenças entre as frentes de combate e a frente interna. Em outras partes da Europa, a distinção persistiu. De diferentes maneiras, os povos de todos os países participantes enfrentaram o inferno na terra, principalmente os que estavam sob ocupação alemã.

Somente os seis países neutros — República da Irlanda (conhecido até 1937 pelo nome de Estado Livre Irlandês), Espanha, Portugal, Suécia, Suíça e Turquia — e os pequenos Estados de Liechtenstein, Andorra e Vaticano conseguiram escapar relativamente ilesos. Mas nem eles puderam ignorar totalmente a guerra. Sua população sofreu privações causadas pelas turbulências econômicas e, em alguns casos, em decorrência de bloqueio direto, chegou a ser alvo de ataques aéreos ocasionais dos Aliados por engano (por exemplo, as cidades suíças de Schaffhausen, Basileia e Zurique), com civis entre os mortos e feridos. No entanto, todos esses países foram poupados do pior. O caminho que levou à neutralidade diferia de caso para caso, e só em parte foi escolhido por inclinações ideológicas. Em grande medida, foi consequência de necessidades estratégicas e vantagens econômicas.

Preocupada com a perspectiva de uma invasão e com todas as suas fronteiras expostas às potências do Eixo, a Suíça (onde três quartos da população falava alemão) foi indiretamente arrastada para o conflito, como não podia deixar de ser. Tanto os alemães como os Aliados violaram repetidamente seu espaço aéreo. E ambos os lados fizeram uso do seu sistema financeiro. A necessidade de alimentos e combustíveis importados tornava vital para a Suíça manter seus laços comerciais com a Alemanha. A exportação de instrumentos de precisão ajudou o esforço de guerra alemão. Os bancos suíços guardaram grande quantidade do ouro alemão, em sua maior parte saqueada de países ocupados e usado para importar de outros países neutros suprimentos e matérias-primas para o esforço de guerra. Apesar da pressão dos Aliados, carregamentos de carvão, ferro, material de construção e, nas primeiras etapas da guerra, armas e equipamento militar saíram da Alemanha e cruzaram a Suíça com destino à Itália. Por outro lado, a proximidade entre a Suíça e a Alemanha fazia com que o território suíço fosse destino certo de refugiados e prisioneiros de guerra que conseguiam escapar. O país recebeu, ainda que nem sempre de boa vontade, centenas de milhares de refugiados civis e militares. Devolveu muitos outros, inclusive um terço dos refugiados judeus que fugiam à perseguição dos nazistas.

A neutralidade da Suécia, como a da Suíça, foi gravemente comprometida. O comércio internacional ficou muito prejudicado pelo bloqueio britânico, o que contribuiu para um aumento substancial dos negócios com a Alemanha, que no princípio da guerra já era o maior parceiro comercial sueco. A importação de minério de ferro de alto teor era essencial para a produção de aço da Alemanha. Os rolamentos suecos também eram importantes para o esforço de guerra alemão (ainda que, furando o bloqueio, quase tão essenciais para a economia de guerra britânica). O carvão, do qual a Suécia tinha necessidade vital, era importado da Alemanha em grandes quantidades. A neutralidade era violada com a autorização da passagem de tropas e armamento. Soldados alemães foram transportados através da Suécia até a Finlândia, antes do ataque à União Soviética, em 1941. Ao todo, mais de 2 milhões de soldados alemães passaram pela Suécia no trajeto entre a Noruega e a Alemanha. E milhares de veículos de transporte de armas e equipamentos militares cruzaram a Suécia rumo à Finlândia e à Noruega. Já mais para o fim da guerra, no entanto, a Suécia recebeu milhares de refugiados (entre eles judeus que fugiam da Dinamarca e da Noruega). A Suécia, como a Suíça, prestou aos Aliados importantes serviços de inteligência.

Na península ibérica, Espanha e Portugal, ambos oficialmente neutros, tinham posições divergentes em relação às potências participantes da guerra. Em sua neutralidade, Portugal, o mais antigo aliado da Inglaterra, favorecia seu lado em detrimento dos alemães, principalmente depois que a guerra se voltou de vez contra esse país. Em especial, a cessão de bases aéreas nos Açores, feita com relutância em 1943, proporcionou grande proteção para os comboios Aliados que cruzavam o Atlântico. Já Franco, apesar de afirmações posteriores de que com sua astuciosa liderança tinha mantido a Espanha fora do conflito, na verdade esteve mais propenso a aderir ao Eixo. Mas o preço que ele queria cobrar para entrar na guerra era alto demais. Franco não só tinha expectativas de ganhos territoriais no Norte da África, à custa da França, como apresentou elevadas exigências de gêneros alimentícios e armamentos que a Alemanha não tinha como satisfazer. Mas ele não mudou sua preferência ideológica pelo Eixo. Vultosos carregamentos de matérias-primas foram exportados para a Alemanha, os submarinos desse país foram autorizados a se abastecer na Espanha e cerca de 20 mil espanhóis se apresentaram como voluntários para lutar na frente oriental. Mas, à medida que a derrota tornava-se certa e o bloqueio dos Aliados às importações alemãs de alimentos e outros produtos exigia uma atitude, Franco mudou aos poucos de tom e permitiu que sua neutralidade servisse aos interesses dos Aliados.

A preocupação da Turquia no sentido de não ser arrastada para uma nova e desastrosa guerra e a exposição geográfica do país ao conflito que se ampliava no Mediterrâneo sustentaram sua neutralidade. No começo da guerra, incentivada por empréstimos e créditos de mais de 40 milhões de libras esterlinas para a compra de equipamento militar, a Turquia preferiu os Aliados, embora resistindo a todas as pressões para entrar na guerra. E, como ocorreu com a neutralidade espanhola, sua posição ajudou indiretamente o esforço de guerra aliado no Mediterrâneo e no Norte da África. Com a expansão alemã em 1941 chegando a suas fronteiras, a Turquia aceitou um tratado de amizade com a Alemanha, uma espécie de seguro contra a possibilidade de vitória alemã na guerra. A Alemanha pressionou intensamente a Turquia para garantir a entrega de quantidades cada vez maiores de cromita, necessária para a economia de guerra. Mas o país se manteve neutro, e assim continuou, mesmo quando submetido a novas pressões dos Aliados, depois que a guerra se voltou contra a Alemanha. Para efeitos meramente simbólicos, já que continuou a evitar se envolver em combates, a Turquia enfim declarou guerra contra a Alemanha em 23 de fevereiro de 1945.

Apesar do sentimento antibritânico generalizado entre os nacionalistas irlandeses, a neutralidade da República da Irlanda mostrava uma clara inclinação para o apoio aos Aliados. É fato que a Inglaterra foi impedida de usar portos irlandeses — finalmente cedidos à Irlanda em 1938 — que teriam encurtado o caminho marítimo para os Estados Unidos. Mas os navios britânicos eram reparados em estaleiros irlandeses, e a patrulha costeira usava o espaço aéreo irlandês. As tripulações de aviões dos Aliados resgatadas no mar eram devolvidas, enquanto as alemãs eram aprisionadas. E houve muita cooperação entre o governo irlandês e o britânico quanto ao interesse comum de defender a Irlanda. Acima de tudo, fosse qual fosse a posição oficial, muitas famílias irlandesas tinham laços estreitos com parentes na Inglaterra. Apesar da neutralidade, cerca de 42 mil cidadãos da República da Irlanda se apresentaram como combatentes voluntários (milhares deles perderam a vida usando uniformes britânicos) e 200 mil cruzaram o mar da Irlanda para trabalhar na economia britânica da guerra. A neutralidade irlandesa teve um remate bizarro: o primeiro-ministro (Tsaioseach) e veterano da guerra da independência, Éamon de Valera, pouco mais de quinze dias depois de apresentar suas condolências pela morte do presidente Roosevelt, entrou para o pequeno grupo dos que apresentaram condolências formais à Alemanha após a notícia da morte de Hitler em 1945.

A população civil britânica foi mais afortunada que a de qualquer outro país da Europa na guerra. Os cidadãos do East End de Londres e a população de outras cidades britânicas (como Coventry, Southampton, Bristol, Cardiff, Manchester, Liverpool, Sheffield, Hull, Glasgow e, na Irlanda no Norte, Belfast) não endossariam tal afirmação, já que sofreram sob a chuva de bombas alemãs em 1940 e 1941 — e depois, em 1944-5, com o ataque de mísseis autopropulsores V1 e mísseis teleguiados V2. Os civis ingleses, como os de outros países, tinham menos comida, precisavam trabalhar longas horas, enfrentar privações e a preocupação com os parentes que estavam combatendo. Além disso, ficaram desabrigados nas áreas bombardeadas. Tinham de suportar o sentimento profundo de perda quando as batidas na porta traziam o temido telegrama que dizia que um marido, filho, pai ou irmão tinha sido morto ou desaparecera em combate. As mulheres, principalmente, precisavam suportar a carga das privações materiais. Foram levadas a conviver com o agudo racionamento de mantimentos, a falta de gêneros de primeira necessidade que faziam parte da alimentação diária, a cuidar sozinhas dos filhos enquanto os maridos estavam longe e, muitas vezes, a trabalhar longas horas para suprir as necessidades familiares. As mulheres que não trabalhavam anteriormente, ou eram donas de casa, contribuíram com 80% da força de trabalho adicional — que cresceu em meio milhão entre 1939 e 1943.

Todavia, as pressões sobre a vida civil na Inglaterra, por piores que fossem, não passavam nem perto das que foram experimentadas em praticamente todos os outros países da Europa. Antes de mais nada, a Inglaterra nunca foi um país ocupado. Não houve drenagem de recursos econômicos em benefício de ocupantes alemães. Não houve trabalhos forçados, nem deportação para um futuro incerto como mão de obra da indústria alemã. Nos grandes centros urbanos, os danos causados pelas bombas limitaram-se a algumas áreas. Fora das cidades, a guerra provocou pouca destruição física. Milhares de pessoas ficaram sem suas casas, mas isso não se comparava à enxurrada de refugiados e evacuados em grande parte do continente. O racionamento de alimentos teve impacto importante no padrão de vida, mas em nenhum momento se equiparou à situação de fome infligida pela ocupação alemã (agravada pelo bloqueio Aliado) na Grécia e pelo bloqueio alemão das linhas de suprimento na Holanda, já perto do fim da guerra, sem falar da horrível crise alimentar da população de Leningrado. O mercado negro floresceu, embora menos que em outros países onde a escassez material era pior. E não menos crucial para a Inglaterra foi o fato de, como país não ocupado, não existir a pressão para satisfazer as exigências dos conquistadores e nenhuma divisão entre os que colaboravam (em qualquer nível) e os que preferiam resistir (de várias formas).

A Inglaterra foi, possivelmente, uma sociedade mais coesa durante a guerra do que nunca. Os que queriam fazer a paz com a Alemanha de Hitler — uma minoria cada vez mais insignificante, com raízes sobretudo nas classes privilegiadas — em pouco tempo passaram a guardar para si seus pensamentos ou foram confinados, como aconteceu com Sir Oswald Mosley e outros fascistas de destaque. Mas a voz majoritária não foi forjada ou manipulada, como nos sistemas autoritários repressivos. Por trás do esforço de guerra existiu, na realidade, um amplo consenso. O moral flutuava, claro, subindo e descendo com as vicissitudes da guerra, afetado por preocupações materiais como a oferta de alimentos. Os bombardeios abalavam o moral (ao contrário do que diz a lenda muito posterior), embora não o devastassem. Cerca de 300 mil pessoas ficaram feridas em bombardeios no transcurso da guerra (principalmente em 1940-1 e 1944-5) e mais ou menos 60 mil morreram — números altíssimos, claro, mas muito inferiores ao que se previa e não o bastante para corroer o moral da população em geral.

Havia descontentamento e reclamações normais da vida cotidiana, até um grande número de disputas trabalhistas e greves, com mais de 2 mil paralisações e mais de 3 milhões de dias de trabalho perdidos em 1944. Mas, embora indesejáveis para o governo, as greves foram em geral de curta duração e motivadas sobretudo por salários e condições de trabalho. Não se faziam em protesto contra a guerra. Quaisquer que fossem as flutuações do moral, no que diz respeito tanto à população civil como aos soldados, havia um sentimento subjacente da justiça e da necessidade de travar aquela guerra. A propaganda oficial procurou, naturalmente, reforçar esse senso de causa justa, mas seu sucesso consistiu sobretudo em consolidar um consenso que já existia. Churchill, uma figura que dividia opiniões por sua condição de político reacionário do pré-guerra, personificava esse consenso, com índices de aprovação que chegaram a mais de 90%. Seus discursos eloquentes podem não ter desempenhado um papel decisivo em estimular o moral, mas em momentos cruciais (como na retirada de Dunquerque, em maio e junho de 1940) sem dúvida animaram os espíritos, reforçando a ideia de que a guerra tinha significado vital para a sobrevivência da liberdade e da democracia. Fica mais fácil avaliar a importância dele imaginando qual teria sido o destino da Inglaterra se a principal figura do governo durante a guerra fosse Lord Halifax, como por pouco não aconteceu.

A guerra teve também um efeito unificador no vasto interior não ocupado da União Soviética, muito além do alcance da Wehrmacht. A mudança propagandística do regime stalinista, no sentido de enfatizar a defesa patriótica, apelando sobretudo aos sentimentos nacionalistas e chegando a promulgar um acordo com a Igreja ortodoxa, teve seus efeitos e contribuiu para estimular na população a disposição de sofrer imensas privações em favor da causa de repelir um inimigo tão cruel e impiedoso. A mobilização da população civil em tempos de guerra foi acompanhada inevitavelmente de pesada coação e repressão (embora tenha caído o número de internos em campos de trabalho). Onde houvesse dúvida sobre a lealdade da população, tomavam-se medidas draconianas. Quando uma minoria dentro de alguma das minorias nacionais — alemães do Volga, tártaros da Crimeia, calmucos, tchetchenos — ajudava os invasores, Stálin não hesitava em deportar toda a comunidade étnica, entre assombrosos sofrimentos e grandes perdas de vidas, para as vastidões inóspitas de partes longínquas do seu império. No entanto, o terror e a repressão não podem ser considerados os únicos responsáveis pelo extraordinário esforço de guerra da população civil soviética.

As privações sofridas e as imensas dificuldades que os cidadãos soviéticos tiveram de enfrentar são indescritíveis. Cerca de 25 milhões ficaram sem suas casas após a invasão alemã de 1941. Os alimentos, com exceção da batata, foram drasticamente racionados, e quase todos os civis tiveram de conviver com um grave desabastecimento. Em Leningrado, 1 milhão de pessoas morreram de fome. No resto da União Soviética, a população urbana sobrevivia muito perto da inanição. O mercado negro de produtos agrícolas não declarados, subtraídos às drásticas requisições do Estado, apesar dos castigos rigorosos, tornou-se essencial para a sobrevivência. No entanto, mesmo com a fome quase permanente, o moral não caiu. A jornada de trabalho foi ampliada, com duras penalidades para qualquer infração trabalhista, mas grande número de novos trabalhadores — donas de casa, estudantes, pensionistas — se apresentaram como voluntários. As mulheres, em especial, foram incorporadas à força de trabalho como nunca: chegaram a 57% da mão de obra na indústria e a não menos de 80% nas fazendas coletivas.

Fixaram-se novas metas de produção, às vezes dobrando ou triplicando as anteriores. Foram necessários quase dois anos para que a produção soviética se recuperasse da catástrofe de 1941, mas, quando isso aconteceu, estava pronta a base sobre a qual se construiria a vitória militar. As pessoas aceitavam todas as privações porque viam seus maridos, pais ou filhos lutando pela sobrevivência do país. Embora a morte em grande número fizesse parte da cultura tradicional, a guerra deu uma nova dimensão à perda. Praticamente nenhuma família escapou. O sacrifício, material e humano, poderia ter corroído o moral numa sociedade menos habituada a privações e à morte. Na realidade, o risco que todos corriam, que era perder a guerra, criou um novo senso comunitário, com determinação e disposição para a resistência, que nenhum poder coercitivo por si só poderia despertar.

A experiência da ocupação alemã variava em grande medida de país para país. Os territórios tchecos — o Protetorado da Boêmia e Morávia, como eram rotulados — estiveram sob jugo alemão desde março de 1939, e não houve combate em seu solo quase até o fim da guerra. A importância econômica do Protetorado e a necessidade da força de trabalho tcheca eram tão grandes que os alemães foram levados a evitar as soluções raciais radicais — expulsão ou mesmo o extermínio da população eslava — desejadas pelos “especialistas em raça” da ss e a abster-se de aplicar de início um regime duro demais à população subjugada. Mas o clima piorou quando, nos últimos meses de 1941, o comandante da polícia política, Reinhard Heydrich, foi nomeado Protektor do Reich para erradicar os sinais crescentes de inquietação e oposição. A repressão se intensificou de forma aguda. E chegou a seu auge depois que patriotas tchecos, levados de avião à Tchecoslováquia pela Executiva de Operações Especiais (soe) britânica, cometeram um atentado contra Heydrich em Praga, em 27 de maio de 1942. Heydrich morreu em 4 de junho, o que provocou violentas represálias. Seus assassinos escaparam da punição suicidando-se, mas 1300 tchecos, entre eles duzentas mulheres, foram assassinados em revide. O vilarejo de Lidice — o nome foi encontrado com um agente tcheco — foi inteiramente destruído. Hitler ameaçou deportar grande número de tchecos para o leste se houvesse problemas posteriores. Depois disso, o Protetorado permaneceu em relativa calma até perto do fim da guerra, quando, com o Exército Vermelho às portas de Praga, insurgiu-se numa rebelião.

Ao contrário do Protetorado, a Hungria só foi ocupada em março de 1944. Em outubro daquele ano, com o Exército Vermelho avançando sobre território húngaro, o chefe de Estado (desde março a serviço dos alemães), o almirante Horthy, anunciou que o país estava saindo da aliança com a Alemanha e firmando uma paz em separado com a União Soviética. Hitler ordenou sua deposição e substituiu-o por outro fantoche — Ferencz Szálasi, o fanático que liderava a Cruz Flechada fascista. O regime de Szálasi durou apenas até fevereiro de 1945, quando, depois de combates ferozes nas ruas de Budapeste, a Hungria capitulou ante o Exército Vermelho. Mas o período foi fatal para os judeus húngaros, pois a brutal Cruz Flechada submeteu-os a um reinado de terror que constituiu um horrível epílogo ao martírio já sofrido com os alemães.

Em algumas partes da Europa ocupada, longe de promover a unidade na população subjugada, a guerra foi um elemento de profunda divisão. No sul do continente, as divergências eram tão graves que geraram as condições para guerras civis que se sobrepuseram ao combate contra os ocupantes.

A violência da ocupação alemã na Iugoslávia, os massacres e as grandes ações de represália, combinadas com as revoltantes e indescritíveis atrocidades da Ustaše, alimentaram o crescimento de dois grandes movimentos guerrilheiros: o dos chetniks, liderado por oficiais nacionalistas do Exército, que pretendiam restaurar a Grande Sérvia e a monarquia, e o dos comunistas, liderado pelo croata Josip Broz Tito. Os guerrilheiros, no entanto, lutavam entre si e também contra os alemães, a Ustaše, muçulmanos bósnios e separatistas montenegrinos e albaneses. Só quando a guerra entrou em sua fase final os guerrilheiros comunistas de Tito, que vinham recebendo armas e munições dos britânicos, tornaram-se dominantes na luta da resistência e lançaram as bases de sua liderança no pós-guerra, num novo Estado iugoslavo, o único país da Europa onde os guerrilheiros (ajudados pelo Exército Vermelho) assumiram o controle e formaram governo.

Para os gregos, a pilhagem sem freio, a derrocada da moeda e o volume do tributo material exigido pelos ocupantes alemães e italianos conduziram diretamente à fome. A drástica situação de escassez foi agravada pela proibição da exportação de alimentos pela Macedônia e pela Trácia, controladas pela Bulgária desde a invasão alemã, onde se cultivava um terço dos grãos da Grécia. Para muitos gregos, a guerra foi uma luta diária pela sobrevivência. As enormes privações, junto com as implacáveis represálias alemãs a atos de sabotagem, alimentaram, como ocorreu na Iugoslávia, as ações de movimentos guerrilheiros de rápido crescimento mas profundamente divididos. Em 1943, o movimento comunista de resistência, o maior da Europa, foi combatido de forma violenta por republicanos nacionalistas que acabariam ganhando o apoio da Inglaterra. As raízes de uma guerra civil no pós-guerra estavam consolidadas.

Na Itália, o colapso do regime de Mussolini, em julho de 1943, seguido da ocupação alemã do norte e da bem mais branda ocupação Aliada do sul, criou condições que por pouco não levaram a uma guerra civil. O regime fascista tinha aplicado apenas um remendo nas profundas fissuras da sociedade italiana. A guerra, que não foi muito popular desde o início, trouxe à tona diferenças internas cada vez maiores e derrubou o moral. A situação se agravou com a escassez de alimentos (acompanhada de uma expressiva alta nos preços e de um próspero mercado negro) e, mais tarde, com os bombardeios Aliados, que, em lugar de unir a população em apoio ao governo, suscitaram fortes rancores contra as autoridades fascistas, consideradas responsáveis por deixar a população exposta aos ataques aéreos.

A partir de setembro de 1943, depois que os alemães reintegraram Mussolini como chefe de um regime fantoche, com seu quartel-general em Salò, à margem do lago Garda, as divisões subterrâneas se radicalizaram. Cada vez mais desesperados, seguidores de Mussolini, muitos deles fanáticos de linha dura e idealistas que contemplavam a possibilidade de completar a revolução fascista, formaram sinistros esquadrões da morte que enforcavam ou fuzilavam guerrilheiros ou qualquer pessoa que se interpusesse em seu caminho. Enquanto isso, as várias organizações guerrilheiras, muitas vezes empenhadas num acerto de antigas disputas, todos os meses assassinavam centenas de fascistas onde quer que os encontrassem e empreendiam atos de sabotagem contra os ocupantes alemães. A combinação da guerra com uma guerra civil de fato fez com que os meses da chamada República de Salò de Mussolini fossem os mais amargos e violentos de todo o conflito para os italianos do norte. Calcula-se que 40 mil guerrilheiros tenham sido mortos em combate. Mais de 10 mil antifascistas caíram vitimados por represálias e cerca de 12 mil fascistas ou colaboradores foram exterminados em operações de “limpeza”. A resistência antifascista, dominada por comunistas, ainda que incorporasse combatentes de diversas filiações políticas, contava com o apoio de 250 mil ativistas em abril de 1945.

Ao contrário do que ocorreu na Iugoslávia e na Grécia, no entanto, os partigiani italianos puderam se unir contra um inimigo comum num conflito que viam como uma guerra de libertação, liderando uma insurreição contra as forças alemãs em retirada que chegou ao ponto de controlar muitas cidades do norte antes da chegada dos Aliados. Nos últimos dias de abril de 1945, eles conseguiram capturar e fuzilar Mussolini, deixando seu corpo pendurado no centro de Milão. No sul do país, no entanto, a partir de setembro de 1943, a ocupação dos Aliados impediu uma guerra civil como a que se travou no norte. Em vez disso, sob o manto do primeiro despertar da política pluralista depois da entrada dos Aliados em Roma, em junho de 1944, houve um rápido retorno ao velho clientelismo, característico da sociedade do sul da Itália. No fim da guerra, a divisão norte-sul era tão profunda quanto tinha sido no início.

Na Europa Setentrional e Ocidental, a ocupação alemã não trouxe nada parecido às condições de eclosão de uma guerra civil, como ocorreu no sul. Comparada à do leste e do sul da Europa, a ocupação foi, pelo menos nas etapas iniciais da guerra, relativamente branda. No entanto, a guerra exigia, sobretudo, aceitar a realidade da vida num país conquistado. Os alemães encontraram, invariavelmente, a cooperação das burocracias estatais e de uma minoria propensa a colaborar por convicção política. Outra minoria, que crescia à medida que se tornava claro que os dias da ocupação estavam contados, entrou para o perigoso mundo da resistência ativa. A maior parte das pessoas, porém, não colaborava sem reservas com os ocupantes nem combatia na resistência. Queria seu país livre, mas, como ninguém sabia quanto tempo a ocupação ia durar, era inevitável buscar alguma forma de adaptação ao novo regime. O modo como isso se deu para cada povo do norte e do oeste da Europa determinou não só o que a guerra representou para a população, mas também deixou um legado permanente. O caráter da ocupação, a política cultural dominante no país ocupado (que condicionou em boa medida o comportamento das elites e das massas) e a mudança de orientação da administração — que num primeiro momento foi relativamente tolerante, mas evoluiu para um rigor cada vez maior e para a imposição de grandes privações materiais à população — foram fundamentais para moldar as variadas reações ao domínio alemão.

Países Baixos, Bélgica, Noruega e Dinamarca tiveram diferentes experiências nos tempos da guerra, embora a trajetória da ocupação tenha sido mais ou menos semelhante. Os alemães pretendiam, de início, manter a ordem na Europa Ocidental. Queriam cooperação, não rebelião. A conquista militar não visava a transformar os povos subjugados em vassalos, como no Leste Europeu, principalmente porque havia uma vaga ideia de incorporar ao Reich, num futuro distante, os povos germânicos dos Países Baixos e da Escandinávia. Em cada país havia uma minoria de fascistas ou nacional-socialistas locais receptivos ao domínio alemão. O primeiro-ministro do governo fantoche da Noruega, Vidkun Quisling, chegou a emprestar seu sobrenome ao termo genérico “quisling”, usado pelos Aliados ocidentais para designar colaboradores. Cada um desses quatro países contribuiu com pequenos contingentes de fanáticos que aderiram às legiões estrangeiras da Waffen-ss. Cerca de 50 mil holandeses, 40 mil belgas (tanto falantes do flamengo como valões francófonos), 6 mil dinamarqueses e 4 mil noruegueses serviram sob a bandeira nazista. Os colaboradores de adesão plena e ideologicamente comprometidos eram em geral detestados e vistos como traidores pela maior parte da população, e, por isso, considerados contraproducentes pelos ocupantes. Por outro lado, a colaboração consciente da burocracia e da polícia era essencial para a eficiência da ocupação.

A partir de 1942, quando começou a ficar claro que a ocupação não seria para sempre e aumentavam as exigências alemãs de alimentos, outras provisões e trabalho, a oposição popular tomou corpo sob numerosas formas. No entanto, houve substanciais diferenças na pressão exercida pela ocupação mesmo dentro da Europa Ocidental. O regime alemão na Dinamarca, por exemplo, durante a maior parte da guerra foi muito menos repressivo do que em outras partes ocupadas da Europa Setentrional e Ocidental. Isso se reflete no número relativamente baixo de vidas perdidas durante a ocupação — o total de civis mortos no país foi de 1100. Com a invasão de abril de 1940 e a rendição quase que imediata, o rei Cristiano x permaneceu em território dinamarquês, e o governo continuou a administrar o país sob as ordens de um emissário alemão. De início, a colaboração funcionou. As rações eram melhores (apesar da grande quantidade de alimentos que os dinamarqueses entregavam aos alemães), nunca houve trabalhos forçados nem pilhagem direta do país, e os custos da ocupação chegaram a apenas 22% da renda nacional por ano, contra 67% da Noruega e 52% da Bélgica. A partir de agosto de 1943, porém, a política na Dinamarca mudou, depois que uma rebelião contra a colaboração levou à renúncia do governo. Daí em diante a ocupação endureceu, o papel da polícia alemã tornou-se mais assertivo, o nível das represálias se intensificou e tanto a não cooperação como a resistência plena tornaram-se mais evidentes. A colaboração abriu caminho para a truculência, que por sua vez estimulou um movimento de resistência que chegou à sua máxima atividade em 1944-5.

As características do domínio alemão em todos os países da Europa Setentrional e Ocidental acabaram levando da complacência inicial generalizada a uma rejeição implacável. Nos Países Baixos, por exemplo, o racionamento drástico já em 1940 acarretou uma grave escassez de alimentos, principalmente para os moradores das cidades, acompanhada de alta de preços e do florescimento do mercado negro, enquanto o toque de recolher e as restrições à mobilidade reduziam a vida pública ao mínimo. Pessoas cumpridoras das leis viram-se na prática forçadas a cometer ilegalidades para se manter alimentadas e aquecidas. O recrutamento de trabalhadores para a indústria bélica na Alemanha, à medida que a escassez de mão de obra alemã se agravava, em pouco tempo transformou-se em fonte de inquietação de massas.

Nos Países Baixos, como em outros lugares, poucos aderiram ao movimento clandestino de resistência. Tratava-se de uma atividade perigosíssima, sempre sujeita a traições, de alto risco para as famílias, com bárbaras torturas e morte para os capturados. Os que se envolveram diretamente chegaram a apenas 25 mil até o outono de 1944, quando talvez mais 10 mil se uniram ao movimento. O índice de baixas era elevado. Cerca de um terço da resistência holandesa foi presa, e mais ou menos um quarto não sobreviveu à guerra.

Uma proporção um pouco maior da população total norueguesa, de 3 milhões de habitantes, envolveu-se ativamente na resistência. Seus combatentes, muitas vezes treinados no exílio britânico, sabotavam cargas alemãs, depósitos de combustíveis e instalações industriais, alvos aos quais mais tarde se somaram as ferrovias, com o intuito de impedir o deslocamento de tropas. Estabeleceram laços estreitos com a Executiva de Operações Especiais Britânica, apoiando suas atividades, entre elas o Shetland Bus — botes que circulavam entre Bergen e as ilhas Shetland. No fim da guerra, 40 mil noruegueses estavam ativamente envolvidos na resistência. Comunidades inteiras foram submetidas a ferozes represálias por atos de sabotagem ou ataques a membros das forças ocupantes. As retaliações eram terríveis. Por dar cobertura a integrantes da resistência que mataram dois agentes da Gestapo, a pequena vila de pescadores de Televåg, na Noruega, por exemplo, foi completamente destruída e seus habitantes do sexo masculino foram enviados ao campo de concentração de Sachsenhausen, perto de Berlim (onde 31 deles morreram).

Os envolvidos na resistência ativa tinham em comum o desejo de ver o fim da ocupação alemã, mas estavam ideologicamente divididos entre conservadores nacionalistas, socialistas e comunistas. Apesar de todos os perigos, a resistência ganhou redes de apoio cada vez maiores à medida que a guerra chegava ao fim. Quanto mais dura se tornava a ocupação alemã, mais forte era o sentimento antigermânico que cimentava a ideia de unidade nacional e o desejo de libertação. Não obstante, o sofrimento da população por causa das medidas punitivas aplicadas pelos nazistas era quase sempre extremo. Quando a resistência holandesa interrompeu o serviço de trens para favorecer o desembarque dos Aliados em Arnhem, em setembro de 1944, o bloqueio de alimentos que os alemães impuseram como represália submeteu toda a população à fome e a uma escassez extrema de materiais de aquecimento no gelado “inverno da fome” de 1944-5. O alívio só chegou quando os Aliados lançaram alimentos de aviões nos últimos dias da guerra. Para os holandeses, a guerra foi antes de tudo o trauma desses dias de sofrimento nos últimos meses do conflito.

Por mais solidariedade que a ocupação tenha engendrado entre os povos conquistados nos países do norte e do oeste da Europa, ela raramente se estendia às comunidades judaicas — a maior parte delas pequena, se comparadas às da Europa Oriental. O antissemitismo violento não precisava ser difundido. Mesmo assim, normalmente os judeus eram vistos como “excluídos”, ainda mais quando foram obrigados a usar a estrela amarela cosida na roupa. A firme determinação dos governantes alemães de capturá-los para deportação e o medo de que qualquer ajuda prestada a eles pudesse trazer duras recriminações fizeram com que o setor da sociedade que enfrentava o maior perigo fosse o menos protegido e o mais exposto.

No entanto, a população não judaica não era totalmente passiva ou hostil. Em Amsterdam, as primeiras tentativas de capturar judeus para deportação, em fevereiro de 1941, provocaram até mesmo uma greve geral de curta duração, embora tenha sido uma reação contraproducente, já que induziu burocratas holandeses e a polícia a uma grande presteza em colaborar com os ocupantes. Essa cooperação, que às vezes chegou a antecipar os desejos dos alemães, contribuiu para que o número de judeus deportados dos Países Baixos, muitos deles para a morte, fosse proporcionalmente maior que o de qualquer outro país da Europa Ocidental — cerca de 107 mil, dos 140 mil rotulados pelos nazistas como “judeus plenos”.

No entanto, havia quem estivesse disposto a se arriscar, por princípios cristãos ou por qualquer outro motivo, para ajudar judeus. Cerca de 25 mil judeus holandeses, incluídos nesse número os judeus em parte e casados com não judeus, que tinham alguma proteção contra a deportação sumária, valeram-se dessa ajuda, prestada por particulares ou redes de resgate, para evitar a captura ou uma vida clandestina precária — embora 8 mil dessas pessoas tenham sido encontradas em seus esconderijos. As redes belgas que ajudavam os judeus a escapar às garras dos ocupantes eram mais extensas, principalmente as organizações ilegais dos próprios judeus. Cerca de 24 mil judeus foram deportados da Bélgica para Auschwitz. Entretanto, outros 30 mil, na grande maioria imigrantes recentes que viviam em Bruxelas e Antuérpia depois de fugir da pobreza e dos pogroms na Europa Oriental na década de 1920 e na Alemanha na década de 1930, encontraram alguma forma de refúgio e conseguiram sobreviver à ocupação. Centenas de judeus, mais da metade da pequena comunidade judaica da Noruega, receberam ajuda para escapar para a Suécia neutra. A maior parte dos que lá ficaram acabaram perecendo. Na Dinamarca, em 1943, não judeus avisavam seus vizinhos judeus — que constituíam uma mínima proporção da população total e estavam bastante assimilados — da concentração iminente planejada pelos ocupantes alemães e ajudaram em sua fuga. Assim, a grande maioria dos judeus que deviam ser deportados para a morte foi levada em sigilo através do estreito de Øresund para o porto seguro que era a Suécia. Embora os judeus tivessem muito mais chances de sobreviver no oeste do que no leste da Europa, muitos ainda caíram vítimas da implacável determinação alemã de completar a “solução final da questão judaica”.

A população da França, de longe o maior dos países conquistados dessa região da Europa, viveu algumas das experiências de seus vizinhos do norte. No entanto, houve diferenças significativas. Algumas surgiram da sua divisão em duas zonas: uma ocupada, que abrangia mais ou menos dois terços do país (o norte, incluindo Paris, e uma faixa norte-sul cobrindo toda a costa Atlântica), e uma não ocupada, quase autônoma, com a capital na estância hidromineral de Vichy. O significado da guerra para a população mudou ao longo do conflito e de acordo com a localização geográfica — não só o fato de estar em Vichy ou na zona ocupada, mas também conforme a região ou município —, assim como a predisposição ideológica e a experiência pessoal.

Dessa vez não houve o sentimento de “union sacrée” evocado com sucesso pelo presidente Poincaré em 1914. A catástrofe da derrota no verão de 1940, com três quartos da população das cidades do norte fugindo em pânico para o sul ante a invasão alemã que se aproximava, dividiu e humilhou o povo francês. Apesar do choque, a direita francesa, que, quaisquer que fossem suas divisões, tinha em comum pelo menos o ódio à Terceira República, recebeu a derrota como uma oportunidade de promover um renascimento nacional.

Houve colaboradores de primeiro escalão que agiram por convicções ideológicas, como o ex-socialista Marcel Déat, nomeado ministro do Trabalho, responsável por recrutar franceses para servir na Alemanha. O líder fascista Jacques Doriot mais tarde se uniria a 4 mil voluntários franceses para lutar na “cruzada contra o bolchevismo” na frente oriental. Uma das figuras principais entre os colaboracionistas foi Pierre Laval, vice-primeiro-ministro do regime de Vichy, manipulador político hábil e pragmático que declarou publicamente seu desejo de vitória alemã “porque de outra forma o bolchevismo se instalaria em toda parte”. Essa colaboração aberta não era a regra. Tampouco a resistência ativa — não nos anos de ocupação, pelo menos. A maioria, como ocorria com as pessoas de outros países ocupados da Europa Ocidental, tinha de encontrar meios de se acomodar à ocupação (embora nem sempre com entusiasmo) — colaborando com os novos governantes quando era inevitável, em geral mantendo distância, adotando a posição de “esperar para ver no que dá” e mostrando cada vez maior insatisfação à medida que a ocupação endurecia e a perspectiva de libertação se tornava mais distante.

Como em todo o norte e o oeste da Europa, a ocupação foi de início branda, mas tornou-se mais implacável quando a Alemanha começou a enfrentar adversidades. As exigências feitas à França foram pesadas — 55% das receitas do governo para cobrir os custos da ocupação, 40% da produção industrial total para o esforço de guerra alemão, 15% da produção agrícola para pôr comida na mesa dos alemães e, em 1943, 600 mil homens para trabalhar na Alemanha. Muitas famílias das cidades francesas, como em outras partes do norte e do oeste da Europa, viveram a experiência da guerra como uma luta constante para conseguir alimentos, às vezes no mercado negro.

A experiência francesa de graves carências e privações materiais alcançava as duas zonas do país. Mas a linha que separava essas zonas tinha um significado. No terço meridional da França, o governo estava nas mãos de franceses, não de alemães. Mesmo carregando as cicatrizes materiais e psicológicas da derrota, a França controlava em grande medida seu próprio destino na zona não ocupada. Para milhões de franceses, Vichy atribuía outro sentido à guerra: a rejeição da república, desacreditada aos olhos de muitos como corrupta e decadente bem antes da derrota militar de 1940, e o restabelecimento de valores franceses “tradicionais” de “trabalho, família e pátria”. O “Estado francês”, que era como se autodenominava o regime autoritário de Vichy instituído depois da queda da França e liderado pelo marechal Pétain, era muito popular de início (embora isso tenha mudado depois do primeiro ano, mais ou menos). Cerca de 1,2 milhão de veteranos apressaram-se a aderir à Légion Française des Combattants — que guardava alguma semelhança com uma organização aclamatória ao estilo fascista —, jurando lealdade ao marechal e formando a base do incipiente culto à sua personalidade. Como representante da autoridade patriarcal e do cristianismo, figura de proa da reação contra o ateísmo, o socialismo e a secularização, Pétain tinha também o apoio da hierarquia católica.

O octogenário marechal dificilmente seria capaz de personificar a imagem de juventude comum aos movimentos fascistas. Mesmo assim, seu regime tinha características deles na evocação de um passado mitificado, na glorificação da vida no campo e do “retorno à terra”, na idealização de uma sociedade orgânica, na ênfase dada a políticas para a juventude, à maternidade e à natalidade para “renovar” a população — e, com não menos intensidade, na perseguição dos “inimigos internos”. Já nos primeiros dias do regime de Vichy, os prefeitos de esquerda foram depostos; os maçons, demitidos do serviço público; e os sindicatos, dissolvidos. Foram instaladas dezenas de campos de internação para estrangeiros, presos políticos, “indesejáveis”, romas e judeus. As autoridades de Vichy adotaram o programa de “arianização” da zona ocupada para assim expropriar milhares de empresas de judeus, compradas a preço vil. O regime implantou normas antissemitas para restringir o emprego para judeus. De 1942 em diante, os burocratas e a polícia de Vichy colaboraram com disposição na concentração e brutal deportação de judeus estrangeiros (cerca de metade da população judaica da França, de 300 mil habitantes no total) em acréscimo às deportações da zona ocupada. Dos 75721 judeus deportados da França para os campos de extermínio da Polônia (dos quais só 2567 sobreviveram), 56 mil eram estrangeiros.

Os não judeus também enfrentaram o recrudescimento da repressão. Já no outono de 1941, os primeiros assassinatos de funcionários alemães provocaram em represália a execução de mais de cinquenta reféns. Seguiram-se outros fuzilamentos em massa. As retaliações se intensificaram drasticamente em número e em proporção depois do desembarque dos Aliados, em junho de 1944. Na mais infame dessas ações, executada pela Waffen-ss, todo o vilarejo de Oradour-sur-Glane, a noroeste de Limoges, foi devastado em virtude de uma falsa suspeita de estar escondendo armas da Resistência. Seus 642 habitantes foram fuzilados ou queimados. Os camisas-negras, paramilitares franceses integrantes da Milice que se estabeleceram na zona de Vichy em 1943, eram tão temidos quanto a Gestapo como agentes de terror repressivo. No entanto, à medida que se tornava claro que os dias do domínio alemão estavam contados, a repressão foi se tornando cada vez mais contraproducente, assim como em outros lugares. Demorou muito para que se criasse uma unidade onde antes não havia nenhuma — em torno do objetivo da libertação.

A resistência ativa — dividida entre comunistas (novamente mobilizados depois que a Alemanha invadiu a União Soviética) e conservadores (aos poucos se aglutinando em torno da liderança de De Gaulle) — ampliou-se, apesar do medo às terríveis represálias em caso de captura. Embora a maior parte dos franceses evitasse participar ativamente e preferisse “esperar para ver”, aumentou o apoio aos que se comprometeram com a Resistência. A lei que instituía o trabalho compulsório na Alemanha, outorgada em 16 de fevereiro de 1943 pelo regime de Vichy e assinada pelo primeiro-ministro Laval, criou um clima de desobediência popular que alimentou a resistência ativa como praticamente nenhuma outra medida. Grandes números de recrutados simplesmente desapareceram, muitas vezes nas montanhas ou em zonas rurais distantes, onde eram recolhidos e abrigados por moradores. À medida que se aproximava a libertação, com o desembarque dos Aliados na Normandia em junho de 1944, não raro eles se uniam ao crescente movimento da Resistência.

Depois da guerra, a Resistência chegou a simbolizar, mais do que qualquer outra coisa, o significado do conflito para os franceses. Com isso se pretendia, e se conseguiu durante um bom tempo, cobrir com um véu o lado menos palatável da experiência francesa durante os “anos negros”, em especial na zona não ocupada, pelo menos de início controlada pelos próprios franceses. Somente depois de muitos anos eles se sentiriam preparados para enfrentar “a síndrome de Vichy”.

Na “frente interna” na Alemanha, a guerra adquiriu significados que não foram experimentados pelo povo de nenhum outro país. O que o jornalista americano William Shirer, que viveu pessoalmente a guerra em Berlim desde o início da conflagração até o começo das hostilidades contra os Estados Unidos, em dezembro de 1941, descreveu de forma um tanto cínica como sendo a reação da maioria à breve campanha na Polônia, teve aplicação geral até que as preocupações começassem a aumentar, nos últimos meses de 1941: “Enquanto os alemães forem bem-sucedidos e não tiverem de apertar demais o cinto, esta guerra não será impopular”. No entanto, no fim de 1941 e começo de 1942, apesar da pilhagem de alimentos e outros recursos em grande parte da Europa, as privações internas na Alemanha aumentaram de forma pronunciada, e a população sentiu um corte nas rações. A popularidade da guerra e do regime caiu drasticamente.

A deterioração da situação militar, simbolizada claramente, em fevereiro de 1943, pela desastrosa derrota em Stalingrado, levou a população alemã a se dar conta de que perder a guerra era uma possibilidade. As pesssoas começaram então a refletir sobre o que isso significaria. A propaganda oficial explorou o medo não somente de uma derrota militar, mas da destruição total da Alemanha e do povo alemão no caso de uma vitória da cruel coalizão dos inimigos do Reich — os Aliados do Ocidente e os temidos bolcheviques.

O povo tinha pleno conhecimento de que os alemães cometeram crimes terríveis no leste ocupado, em especial contra judeus, ainda que esse conhecimento, consciente ou inconscientemente, houvesse sido abafado por uma conspiração de silêncio. Pouca gente sabia dos detalhes, mas existem inúmeros indícios de que havia conhecimento generalizado do destino dos judeus. Traindo o sucesso da propaganda antissemita, muitos expressavam o medo de uma “vingança judaica” em caso de derrota. Os alemães sabiam também que não teriam como esperar clemência se o Exército Vermelho entrasse no país. O medo das consequências da derrota contribuiu em muito para manter o estoicismo da população, apesar da situação militar em declínio.

Nos dois últimos anos da guerra, o horror imposto pelos nazistas à maior parte da Europa voltou-se contra os próprios alemães. Para a população civil, a última fase do conflito foi seu inferno na terra. Em milhões de pessoas, o trauma se manifestava no medo das bombas dos Aliados. Goebbels falava em “bombardeio de terror”. Nesse caso, a propaganda oficial não mentia. Os bombardeios pretendiam aterrorizar a população e conseguiram seu objetivo, já que o povo se via indefeso à medida que suas cidades iam sendo destruídas. Os ataques aéreos a áreas urbanas, cada vez mais destituídos de significado do ponto de vista militar, mataram mais de 400 mil pessoas e feriram 800 mil. Cerca de 1,8 milhão de lares foram destruídos, e 5 milhões de alemães ficaram sem teto.

A população civil das províncias do leste da Alemanha enfrentou outro tipo de terror. As pessoas tinham de fugir de suas casas sob um frio de vinte graus negativos para unir-se ao fluxo de refugiados que corria para o oeste, apavoradas com a entrada do Exército Vermelho no Reich. Cerca de meio milhão de civis, muitos mulheres e crianças, morreram na fuga desesperada da invasão. Para muitas alemãs que o Exército Vermelho encontrou pelo caminho, a última fase da guerra significou violência sexual. Calcula-se que 20% tenham sido estupradas por soldados soviéticos. Em média, mais de 10 mil soldados alemães eram mortos a cada dia nos últimos meses da guerra.

Enquanto o número de mortes de civis e soldados aumentava astronomicamente, a guerra ganhava um novo sentido para os alemães. Eles passaram a se ver como vítimas do conflito. Culpavam Hitler e a cúpula nazista por infligir a catástrofe à Alemanha, os Aliados pela devastação de seu país e mais uma vez — isto entre um círculo minoritário de antissemitas recalcitrantes — os judeus, por motivar a guerra. “Achamos que fomos iludidos, induzidos a erro, usados”, declarou um ex-general pouco depois da guerra, expressando um sentimento bastante difundido. Na busca de bodes expiatórios e encarando a si mesmas como vítimas, pessoas traumatizadas ignoravam o fato de que elas mesmas, aos milhões, tinham festejado os êxitos iniciais de Hitler e se rejubilado com as vitórias da Wehrmacht — mesmo quando inúmeros europeus eram levados à penúria, à escravidão, à morte e à destruição sob o jugo nazista. Mas, se as reais dimensões da catástrofe moral levariam anos para serem reconhecidas, pelo menos dessa vez, ao contrário do que acontecera em 1918, a derrota foi total, consumada e definitiva.

O SIGNIFICADO PERMANENTE DA GUERRA

Para os que viveram esse inferno na terra, a experiência imediata, em suas diversas manifestações, determinou o significado que a guerra teve em termos pessoais. Já as gerações posteriores podem entender o significado permanente da guerra com maior clareza, pois percebem a ruptura decisiva que ela representou na história europeia do século XX.

O fim definitivo do fascismo como grande força política foi uma consequência óbvia. Da Primeira Guerra Mundial emergiu uma tríade de ideologias concorrentes e constelações de poder — a democracia liberal, o comunismo e o fascismo. Depois da Segunda Guerra Mundial, só as duas primeiras subsistiram como sistemas políticos rivais. A derrota militar total e a revelação progressiva dos crimes contra a humanidade cometidos pelo fascismo o desacreditaram completamente como ideologia, a não ser aos olhos de minguados admiradores, sem nenhum poder político.

Uma consequência de máxima importância da Segunda Guerra foi a reformulação da estrutura geopolítica da Europa. A Primeira Guerra terminou com a Rússia (que em breve se tornaria União Soviética) convulsionada pela revolução, depois pela guerra civil, e os Estados Unidos se distanciando da Europa com sua recusa a integrar a Liga das Nações e seu isolacionismo. A Segunda Guerra terminou com os limites da influência soviética expandidos no Leste Europeu, inclusive na própria Alemanha, graças, em boa parte, ao que se decidiu na Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945. Apoiada em sua vitória militar, a União Soviética estava a caminho de se tornar uma superpotência. Os Estados Unidos, que a guerra já tinha transformado em superpotência com base em seu poderoso complexo militar-industrial (ele mesmo um produto do conflito), firmaram seu próprio domínio na Europa Ocidental e, ao contrário do que ocorreu em 1918, estavam destinados a permanecer no continente por longo tempo. Se a Primeira Guerra arruinou impérios e substituiu-os por Estados-nações em crise, a Segunda Guerra produziu uma Europa dividida ao meio entre dois blocos, um dominado pela União Soviética e outro pelos Estados Unidos, nos quais os interesses nacionais prontamente se submeteram às preocupações geopolíticas das duas superpotências emergentes.

Para os povos da Europa Oriental, os que mais sofreram nos seis anos de conflagração, a guerra acabou com a substituição de uma tirania por outra. Esses países, que viram no Exército Vermelho seu libertador do terror nazista, caíam sob uma opressão soviética que duraria décadas. Stálin não ia desistir de suas conquistas, feitas à custa de muito derramamento de sangue. Isso era certo. Os Aliados do Ocidente concordaram com a nova divisão da Europa. Caso não quisessem se voltar contra o antigo aliado soviético e travar outra guerra — o que não tinham condições militares, econômicas nem psicológicas de fazer —, não tinham escolha. Para os povos da Europa Oriental, o consolo proporcionado pelo fim da guerra não foi dos maiores.

Para a Europa Ocidental, a guerra trouxe um recomeço — difícil de distinguir entre as ruínas de 1945. Mesmo enquanto as bombas o destruíam, já havia planos de reconstruir o continente e evitar os erros que o assombraram a partir de 1918. Enquanto o Leste Europeu se fortalecia sob o domínio soviético e com economias socialistas sob controle estatal, a reconstrução da Europa Ocidental revigorou a iniciativa capitalista. Na economia, como na política, a guerra dividiu o continente.

Houve também um enfraquecimento das três antigas “grandes potências” — Inglaterra, França e Alemanha — que antes dominavam o continente. A Inglaterra, levada à falência pela guerra, teve seu poderio posto em questão. Seu império lhe servira de apoio durante o conflito, mas os povos das colônias, percebendo a debilidade imperial, cada vez mais buscavam a independência. As bases já combalidas do governo colonial estavam agora mais solapadas do que nunca. A França sofreu um enorme golpe em seu orgulho nacional com a derrota de 1940, que de modo algum foi compensado pela tão festejada coragem da Resistência. Suas colônias também estavam de olho na independência, não mais dispostas a aceitar um futuro governado a partir de Paris.

A Alemanha, derrotada mas não destruída em 1918, e com ressentimentos efervescentes que mais tarde abririam caminho para a ascensão de Hitler ao poder, dessa vez estava em frangalhos. Dividida em quatro zonas conforme se decidiu em Yalta — britânica, americana, soviética e, mais tarde, francesa —, era um país completamente arruinado, tanto do ponto de vista político como econômico, com sua soberania suprimida. Isso determinou o fim da “questão alemã” que vinha preocupando os políticos europeus desde os dias de Bismarck. Logo após a derrota, o Estado da Prússia, a força dominante do Reich, foi dissolvido; as Forças Armadas alemãs foram desmanteladas (pondo fim a qualquer ameaça proveniente do militarismo germânico) e a base industrial que proporcionara o sustentáculo econômico do domínio alemão foi posta sob controle dos Aliados. As grandes propriedades agrícolas das províncias do leste, terra natal de grande parte da aristocracia alemã que tinha desempenhado importante papel no Exército e no Estado durante muito tempo, foram perdidas para sempre à medida que as fronteiras iam se deslocando para o oeste. Outrora admirada internacionalmente por sua cultura e seus conhecimentos, a Alemanha estava agora reduzida à condição de pária em termos morais, embora o acerto de contas com a cúpula nazista ainda estivesse por vir, nos julgamentos por crimes de guerra que os Aliados em pouco tempo haveriam de organizar.

Levaria muitos anos para que a imensidão do colapso civilizatório fosse plenamente reconhecida e ocupasse o lugar central que lhe cabia no entendimento do legado da Segunda Guerra Mundial. A política genocida da Alemanha reformulou em grande parte o modelo étnico de colonização, principalmente na Europa Oriental. A destruição dos judeus, em particular, demoliu séculos de uma rica presença cultural. Os atos de “limpeza étnica” cometidos pelos alemães e seus aliados tiveram também um impacto duradouro — e em certos casos deixaram um rastro de ressentimentos, como na Iugoslávia, que décadas de governo comunista não apagaram. A presença étnica de alemães no Leste Europeu foi eliminada tanto pela violência stalinista como pelos selvagens atos de “limpeza” empreendidos por poloneses, tchecos, húngaros e romenos nos primeiros anos do pós-guerra. Acima de tudo, o colapso civilizatório revelou-se na tentativa alemã de destruir fisicamente os judeus da Europa por uma questão de raça. Que essa imensa guerra tenha tido em seu centro um projeto racial — de destruição genocida — seria visto com o tempo como seu traço definidor.

A questão moral a respeito de como essa conflagração foi possível, de como a Europa pôde mergulhar nesse poço sem fundo de desumanidade, preocuparia o continente por gerações. A guerra revelou mais claramente do que nunca os crimes terríveis que os homens são capazes de cometer quando todas as restrições legais ao comportamento são eliminadas ou distorcidas para servir a propósitos desumanos. O campo de concentração tornou-se um símbolo, mais do que qualquer outra coisa, do pesadelo de um mundo em que a existência não valia nada, em que vontades arbitrárias decidiam entre a vida e a morte. Cada vez mais, tornou-se claro que, ao criar esse inferno na terra para tantos de seus cidadãos, a Europa esteve perto de se destruir. O entendimento de que o continente estivera num rumo suicida indicou que havia necessidade de um recomeço inteiramente novo.

Embora a guerra europeia tenha chegado ao fim com a capitulação alemã em 8 de maio de 1945 (o Dia da Vitória), tropas europeias continuaram lutando durante mais três meses no Extremo Oriente até a rendição incondicional dos japoneses. O fim do conflito foi marcado pela derrota total do Japão, acelerada por um acontecimento que, mais que qualquer outro, moldaria o futuro da Europa e do resto do mundo nas décadas seguintes: a bomba atômica lançada na cidade de Hiroshima, em 6 de agosto, seguida de outra, jogada em Nagasaki três dias depois, com as mesmas consequências devastadoras. Durante quatro anos, os americanos vinham investindo pesado na pesquisa pioneira de cientistas nucleares para a produção da bomba atômica. Os alemães, felizmente, estavam bem atrasados em suas próprias pesquisas. A um só tempo, a bomba atômica mudou de forma radical as bases do poder político e militar e revolucionou a concepção de guerra.

No futuro, seria impossível uma matança como a do Somme, na Primeira Guerra, ou de Stalingrado, na Segunda. Mas um conflito futuro na Europa traria destruição numa escala nem sequer remotamente alcançada mesmo na Segunda Guerra. A bomba atômica proporcionava a seus detentores uma arma terrível que, à medida que o arsenal nuclear se tornava ainda mais destruidor, teria o poder de destruir um país inteiro com o simples apertar de um botão. O legado fundamental da guerra foi deixar a Europa e o resto do mundo sob a ameaça permanente de armas de poder destrutivo sem precedentes. A partir de então, os europeus teriam de aprender a viver sob a sombra da bomba e enfrentar a ameaça de aniquilamento nuclear. A nuvem em forma de cogumelo seria o símbolo de uma nova era. Foi o ponto de virada para o mundo.