I.
OS TRÊS EIXOS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
A proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional recai em três sub-ramos específicos do Direito Internacional Público: o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR).
Inicialmente, deve-se evitar segregação entre esses três sub-ramos, pois o objetivo é comum: a proteção do ser humano. Com base nesse vetor de interação e não segregação, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é, sem dúvida, o mais abrangente, atuando o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR) em áreas específicas.
A inter-relação entre esses ramos é a seguinte: ao DIDH incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos, englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais, econômicos e culturais; já o DIH foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados (internacionais e não internacionais); finalmente, o DIR age na proteção do refugiado, desde a saída do seu local de residência, trânsito de um país a outro, concessão do refúgio no país de acolhimento e seu eventual término.
Os dois últimos ramos são lex specialis em relação ao DIDH, que é lex generalis, e aplicável subsidiariamente a todas as situações, na ausência de previsão específica.
Além da relação de especialidade, há também uma relação de identidade e convergência. O art. 3º comum às quatro Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário (ver abaixo) converge com a proteção de direitos humanos básicos, como o direito à vida e integridade física em tempo de paz. No mesmo sentido, há garantias fundamentais que foram adotadas nos dois Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra (Protocolo I, art. 75, e Protocolo II, arts. 4º a 6º, ver abaixo). Por sua vez, o Direito dos Refugiados possui diversos pontos convergentes aos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como é o caso do princípio da proibição da devolução (ou proibição do rechaço – non-refoulement), que consta da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 (art. 33) e simultaneamente da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura (art. 3) e da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 22.8 e 9), sem contar o dever dos Estados de tratar com dignidade o solicitante do refúgio, o que é espelho do dever internacional de proteger os direitos humanos (previsto na Carta da ONU).
Também é constatada uma relação de complementaridade. Tanto o DIH quanto o DIR não excluem a aplicação geral das normas protetivas do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Por exemplo, a Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993) defendeu a adoção de medidas internacionais efetivas para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos a ocupação estrangeira, devendo ser garantida uma proteção jurídica efetiva contra a violação dos Direitos Humanos destes povos, em conformidade com as normas de Direitos Humanos e com a Convenção de Genebra relativa à proteção de Civis em Tempo de Guerra (Convenção IV), de 12 de agosto de 1949, e outras normas aplicáveis de direito humanitário.
Também a relação de complementaridade se dá no uso do DIDH para suprir eventuais insuficiências dos demais, uma vez que somente no DIDH é que existem sistemas de acesso das vítimas a órgãos judiciais e quase judiciais internacionais (o que não ocorre no DIR ou no DIH)
Há ainda uma relação de influência recíproca. De início, o Direito dos Refugiados está ancorado no direito de todos, previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, de procurar e obter, noutros países, asilo contra as perseguições de que sejam alvo, bem como o direito de regressar ao seu próprio país. Além disso, as violações graves dos direitos humanos, nomeadamente em casos de conflito armado, são um dos fatores que conduzem à criação de refugiados.
Finalmente, as origens históricas também possuem raízes comuns. O mais antigo desses ramos é o DIH, voltado inicialmente à disciplina dos meios e métodos utilizados na guerra, mas que logo foi influenciado pela emergência do DIDH, após a edição da Carta da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal de Direitos Humanos. O Direito Internacional dos Refugiados também possui diplomas e órgãos anteriores à Carta da ONU, mas seu crescimento foi sistematizado após a Declaração Universal consagrar o direito ao asilo em seu artigo XIV.
QUADRO SINÓTICO
Os três eixos da proteção de direitos no plano internacional |
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Eixos da proteção de direitos no plano internacional |
• Direito Internacional dos Direitos Humanos: proteção do ser humano em todos os aspectos, englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais, econômicos e culturais. • Direito Internacional dos Refugiados: age na proteção do refugiado, desde a saída do seu local de residência, concessão do refúgio e seu eventual término. • Direito Internacional Humanitário: foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados (internacionais e não internacionais). |
Objetivo comum |
Proteção do ser humano. |
Inter-relação entre os eixos |
• Relação de especialidade do Direito Internacional dos Refugiados e do Direito Internacional Humanitário com relação ao Direito Internacional dos Direitos Humanos; • Relação de identidade e convergência; • Relação de complementaridade; • Relação de influência recíproca. |