II.

O SISTEMA UNIVERSAL (ONU)

1. A Carta Internacional dos Direitos Humanos

A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948 foi elaborada pela extinta Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para ser uma etapa anterior à elaboração de um “tratado internacional de direitos humanos”. O objetivo da Comissão era criar um marco normativo vinculante logo após a edição da DUDH. Porém, a guerra fria impediu a concretização desse objetivo e somente em 1966 (quase vinte anos depois da DUDH) foram aprovados dois Pactos Internacionais: o dos Direitos Civis e Políticos e o dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais.

Na época, a doutrina consagrou o termo “Carta Internacional de Direitos Humanos” (International Bill of Rights), fazendo homenagem às chamadas “Bill of Rights” do Direito Constitucional e que compreende o seguinte conjunto de diplomas internacionais: (i) a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948; (ii) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966; (iii) Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966.

O uso do termo “Carta Internacional de Direitos Humanos” também implicava o reconhecimento de que os dois Pactos não poderiam ser interpretados desconectados da DUDH, o que deu sistematicidade à proteção dos direitos humanos internacionais. Outra consequência da “Carta Internacional dos Direitos Humanos” foi a reafirmação do objetivo da ONU de proteger os direitos humanos, já previsto na Carta de São Francisco, mas frustrado pela Guerra Fria e pelo antagonismo entre Estados Unidos e União Soviética, dois membros extremamente influentes daquela organização. Desde a adoção dos dois Pactos, a ONU tem estimulado a adoção de vários tratados de direitos humanos em temas diversos, formando o chamado sistema global de direitos humanos (também chamado sistema universal ou onusiano).

Atualmente o sistema global é complexo e não se limita à Carta Internacional de Direitos Humanos, sendo composto por diversos tratados multilaterais de direitos humanos, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, como veremos a seguir.

2. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, junto do Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. Contudo, entrou em vigor somente em 1976, pois exigiu ratificação de 35 Estados para entrar em vigor (art. 49, § 1º).

O Pacto teve por finalidade tornar juridicamente vinculantes aos Estados vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948, detalhando-os e criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação pelos Estados Partes.

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou o PIDCP por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991. A nota de adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor internacional, para o Brasil, em 24 de abril de 1992. Finalmente, o Pacto foi promulgado (incorporação interna) pelo Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992.

Seu texto possui 53 artigos, divididos em seis partes. Na Parte I, fica enunciado o direito de todos os povos de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais e à autodeterminação, bem como o dever de todos os demais Estados de respeitarem esse direito.

Na Parte II, integrada por quatro artigos, o Pacto estabelece o dever do Estado de respeito e a garantia de todos os direitos nele previstos a todos os indivíduos que se achem em seu território, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive quanto a origem nacional e, especialmente, entre homens e mulheres. Mesmo o imigrante em situação irregular pode invocar os direitos do PIDCP contra o Brasil. Além disso, os Estados comprometem-se a adotar medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos previstos no Pacto. O PIDCP exige de que toda pessoa que tenha direitos garantidos no Pacto violados possa dispor de um recurso efetivo, ainda que a violência tenha sido perpetrada por agente no exercício de funções oficiais, bem como de que qualquer decisão que julgar procedente tal recurso seja cumprida pelas autoridades competentes (art. 2º).

O Pacto também permite a suspensão das obrigações dele decorrentes em situações excepcionais que ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente, desde que as medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social (art. 4º), situação que deve ser comunicada imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio do Secretário-Geral da ONU.

Entretanto, os direitos previstos nos arts. 6º (direito à vida), 7º (direito de não ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, ou a experiências médicas ou científicas), 8º (§§ 1º e 2º – direito de não ser submetido à escravidão e à servidão), 11 (direito de não ser preso apenas por não cumprir obrigação contratual), 15 (direito de não ser condenado por atos ou omissões não definidos como crime no direito nacional ou internacional, de não ser submetido a pena mais grave que a aplicável no momento da ocorrência do delito e de ver aplicada a lei penal mais benéfica), 16 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica) e 18 (liberdade de pensamento, consciência e religião) não podem ser suspensos nestas hipóteses, tampouco se admitirá restrição ou suspensão dos direitos reconhecidos em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o Pacto não os reconhece ou os reconhece menor grau.

Na Parte III, composta por 22 artigos (6 a 27), o PIDCP enuncia e especifica o rol dos direitos nele protegidos. Ante a importância do Pacto para a efetivação de tais direitos, o rol será aqui apresentado de forma mais minuciosa.

O primeiro dos direitos garantidos é a vida (art. 6º), porém há hipóteses em que a pena de morte poderá ser imposta: nos países em que ainda não tenha sido abolida, poderá ser aplicada apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente, nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Ou seja, países que já a tenham abolido não poderão aplicá-la mais.

Previu também o direito de não ser submetido à tortura, a penas ou tratamentos cruéis, nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento (art. 7). O PIDCP traz importante vínculo entre o direito à integridade física e psíquica e a experimentação médica (ver a Parte IV sobre os direitos em espécie).

Além disso, ninguém poderá ser submetido à escravidão e à servidão, ficando proibidos, em todas as suas formas, a escravidão e o tráfico de escravos (art. 8). Garantiu que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais e ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente, nem poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei, conforme os procedimentos nela determinados, além de outras garantias relacionadas à prisão (art. 9).

Fica garantido o direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana, devendo as pessoas processadas ser separadas das condenadas, recebendo tratamento distinto, bem como as pessoas jovens processadas deverão ser separadas das adultas. O Pacto prevê ainda que o objetivo principal do regime prisional deverá ser a reabilitação dos prisioneiros, devendo os jovens ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica (art. 10). Ademais, consagra o Pacto o direito de que ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual (art. 11). No Brasil, esse dispositivo fundou, em conjunto com o art. 7.7 da Convenção Americana de Direitos Humanos, novo entendimento do STF, vedando a prisão civil do depositário infiel (Súmula Vinculante n. 25, do STF: “É Ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”).

O Pacto garante também o direito à livre circulação para pessoas que se encontrem no território do Estado Parte legalmente, bem como o direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país (art. 12). Assim, para o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso mediante decisão proferida em conformidade com a lei (art. 13).

No art. 14, é prevista uma série de garantias processuais, como o direito de toda pessoa de ser ouvida publicamente por tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei; a presunção de inocência enquanto não for formalmente comprovada a culpa; e a publicidade das decisões, salvo se o interesse de menores exigir o oposto ou se a controvérsia disser respeito a questões matrimoniais ou a tutela de menores. Em certas hipóteses – por motivo de (i) moral pública, de (ii) ordem pública ou de (iii) segurança nacional, ou quando o (iv) interesse da vida privada das Partes o exija –, quando a publicidade prejudique os interesses da justiça, a imprensa ou o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento.

Ademais, são enunciadas as garantias mínimas a serem conferidas a todas as pessoas acusadas de um delito: direito de ser informado, sem demora, da natureza e dos motivos da acusação; de dispor de tempo e de meios necessários para a preparação de sua defesa e de se comunicar com o defensor de sua escolha; direito de ser julgado sem demora indevida; direito de estar presente no julgamento e defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor; caso não possua defensor, direito de ser informado do direito de ser assistido, bem como direito de ter defensor designado de ofício gratuitamente, caso não tenha condições de remunerá-lo; direito de interrogar ou fazer interrogadas as testemunhas de acusação e de defesa; direito de ser assistido gratuitamente por intérprete, caso não compreenda a língua empregada no julgamento e, finalmente, de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a confessar-se culpado. Ainda são previstos o direito a recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior; o direito a indenização da pessoa que sofreu pena decorrente de condenação por sentença posteriormente anulada ou que realizou ato para o qual foi posteriormente concedido indulto pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial; e o direito de não ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença com trânsito em julgado (proibição do bis in idem).

No art. 15, o Pacto estabelece garantias de ordem penal, como o direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos (princípio da legalidade), a irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu.

Também o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica é garantido a toda pessoa, em qualquer oportunidade (art. 16). Ademais, ninguém poderá ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação, devendo a lei proteger as pessoas de tais ingerências e ofensas (art. 17).

O Pacto garante, em seu art. 18, direitos de fundamental importância para a manutenção de sociedades democráticas: a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Nesse sentido, toda pessoa tem a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e de professá-la individual ou coletivamente, de forma pública ou privada, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino, assegurado aos pais e tutores legais o respeito quanto à educação religiosa e moral dos filhos. Tal liberdade só poderá sofrer limitações estabelecidas em lei e desde que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou ante a colisão dela com direitos e liberdades das demais pessoas.

Além disso, ninguém poderá ser perseguido ou molestado por suas opiniões, incluindo-se no direito à liberdade de expressão a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza por qualquer meio de sua escolha. Tal direito, como todos os outros, não é absoluto, podendo estar sujeito a restrições, que devem estar expressamente previstas em lei, se forem necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e para proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas (art. 19). Também deve ser proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra e qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência (art. 20).

Por seu turno, os direitos de reunião pacífica e de associação são reconhecidos, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses (arts. 21 e 22), podendo seu exercício estar sujeito apenas a restrições (i) previstas em lei e que sejam (ii) necessárias ao interesse da segurança nacional, (iii) da segurança ou da ordem pública, ou para (iv) proteger a saúde ou a moral pública ou (v) os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Confere-se ainda especial proteção à família, como elemento natural e fundamental da sociedade, reconhecendo-se o direito do homem e da mulher de contrair casamento, que não será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos, e de constituir família. Nesse sentido, o Pacto prevê a obrigação dos Estados Partes de adotarem medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos durante o casamento e por ocasião de sua dissolução (art. 23).

Contudo, em 2000, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia não mencionou o direito de contrair casamento como um direito apenas do “homem e da mulher”, indicando apenas que esse direito ao casamento deverá ser garantido pelas legislações nacionais, permitindo, então, a extensão de tal direito a casais do mesmo sexo.

Para as crianças, explicita-se o seu direito de não sofrer discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, bem como o direito às medidas de proteção por parte de sua família, da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer. Toda criança tem o direito de adquirir uma nacionalidade e deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome (art. 24).

No art. 25, o Pacto enuncia os direitos de participação política, garantindo a todo cidadão o direito e a possibilidade, sem qualquer discriminação ou restrições infundadas, de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos; de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores e de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

Finalmente, garante-se o direito à igualdade de todos perante a lei e o direito de, sem discriminação alguma, receber igual proteção da lei (art. 26). Sendo assim, o Pacto explicita que a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. De outro lado, nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas a elas pertencentes não poderão ser privadas, juntamente com os outros membros do grupo, de ter sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua (art. 27).

Na Parte IV, composta por dezenove artigos (28 a 45), o Pacto determina a constituição do Comitê de Direitos Humanos, que receberá relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos e comunicações interestatais1.

Na Parte V, composta por dois artigos, o Pacto enuncia que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas e dos tratados constitutivos das agências especializadas (art. 46), tampouco em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais (art. 47). Esse dispositivo visa impedir que os direitos humanos sejam invocados para prejudicar outros valores caros às sociedades humanas, bem como o direito à autodeterminação e desenvolvimento dos povos.

Finalmente, na Parte VI, constituída por seis artigos, o Pacto apresenta as formas para assinatura, ratificação e adesão (art. 48), a data de entrada em vigor (art. 49), a aplicação das disposições do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos (art. 50), a forma de proposição, aprovação e entrada em vigor de emendas (art. 51) e as notificações relativas a todas essas situações (art. 52).

2.1. PROTOCOLO FACULTATIVO AO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução da Assembleia Geral da ONU – na mesma ocasião em que o Pacto foi adotado – em 16 de dezembro de 1966, com a finalidade de instituir mecanismo de análise de petições de vítimas ao Comitê de Direitos Humanos por violações a direitos civis e políticos previstos no Pacto2.

Está em vigor desde 23 de março de 1976. No Brasil, foi aprovado apenas em 16 de junho de 2009, pelo Decreto Legislativo n. 311/2009. Logo, as vítimas de violações de direitos protegidos no PIDCP contam com mais um mecanismo internacional de supervisão e controle das obrigações assumidas pelo Brasil.

2.2. SEGUNDO PROTOCOLO ADICIONAL AO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte foi adotado e proclamado pela Resolução n. 44/128 da Assembleia Geral da ONU, de 15 de dezembro de 1989. No Brasil foi aprovado junto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em 16 de junho de 2009, pelo Decreto Legislativo n. 311/2009, com a reserva expressa no art. 2º.

Esse dispositivo (art. 2º) prevê não ser admitida qualquer reserva ao Segundo Protocolo, exceto se for formulada no momento da ratificação ou adesão, que preveja a aplicação da pena de morte em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra.

Com a reserva expressa feita pelo Brasil, o Segundo Protocolo ficou compatível com o dispositivo da Constituição de 1988 que veda a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a).

Embora a pena de morte não tenha sido aplicada no Brasil desde 1855, nem mesmo nas exceções constitucionalmente autorizadas pela Constituição3, a incorporação do Protocolo vem na esteira da adesão ao Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos relativos à abolição da Pena de Morte, adotado em 8 de junho de 1990.

O Segundo Protocolo é composto por onze artigos. Por meio dele, reconhece-se que nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte poderá ser executado, devendo os Estados adotar todas as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição (art. 1º).

As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos (art. 40º do Pacto). Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no art. 41 no Pacto, o reconhecimento de competência do Comitê para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo às disposições do Segundo Protocolo (art. 4º), salvo se declaração em contrário tenha sido feita no momento da ratificação ou adesão.

Além disso, para os Estados que tenham aderido ao primeiro Protocolo Adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, o mecanismo de petição de vítimas é extensivo às disposições do Segundo Protocolo, salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão (art. 5º).

QUADRO SINÓTICO

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

Principais direitos garantidos

Direito à vida.

Direito de não ser submetido à tortura, a penas ou tratamentos cruéis, nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento.

Direito à liberdade e à segurança pessoais e de não ser preso ou encarcerado arbitrariamente, nem privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei.

Direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana.

Direito de não ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

Direito à livre circulação, direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país.

Garantias processuais.

Direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional, irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu.

Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica.

Direito a não ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.

Principais direitos garantidos

Liberdade de pensamento, de consciência e de religião.

Direito de reunião.

Direito de associação pacífica.

Direito de contrair casamento e constituir família.

Direitos específicos das crianças (direito de não sofrer discriminação alguma; direito às medidas de proteção por parte de sua família, da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer; direito de adquirir uma nacionalidade).

Direito de participação política.

Direito à igualdade.

Mecanismo de monitoramento do Pacto

Relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos ao Comitê de Direitos Humanos.

Comunicações interestatais, que são submetidas ao exame do Comitê.

Protocolo Facultativo

• Mecanismo de petição individual ao Comitê.

Segundo Protocolo Adicional

• Objetivo de abolir a pena de morte.

• Brasil fez reserva para assegurar a possibilidade de aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada.

3. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado e aberto para assinatura, ratificação e adesão pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, em conjunto com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Entrou em vigor somente em 1976, três meses após a data do depósito do 35º instrumento de ratificação ou de adesão.

O PIDESC é considerado um marco por ter assegurado destaque aos direitos econômicos, sociais e culturais, vencendo a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina, que viam os direitos sociais em sentido amplo como sendo meras recomendações ou exortações.

O Brasil, não obstante tenha participado de forma ativa na sua elaboração, só aprovou o texto do tratado por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991. A Carta de Adesão ao PIDESC foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992, três meses após a data do depósito, conforme determina seu art. 27, parágrafo 2°. Em 6 de julho de 1992, o PIDESC foi promulgado pelo Decreto n. 591, que entrou em vigor interno na data de sua publicação, em 7 de julho de 1992.

O PIDESC possui trinta e um artigos, divididos em cinco partes. A primeira parte, idêntica à do Pacto de Direitos Civis e Políticos, consagra o direito de autodeterminação dos povos, garantindo aos Estados a liberdade para determinar seu estatuto político, bem como a obrigação de que tal direito seja promovido e respeitado pelos demais Estados.

A segunda parte, formada de quatro artigos, enuncia os compromissos assumidos pelo Estado, especialmente com a finalidade de dar efetividade aos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, estabelece a obrigação de o Estado adotar medidas, inclusive pela assistência e cooperação internacionais, para assegurar, progressivamente, o pleno exercício daqueles direitos.

Fruto do seu tempo, o PIDESC reconheceu que os direitos sociais em sentido amplo são de realização progressiva, devendo os Estados dispor do máximo dos recursos disponíveis para a sua efetivação, o que não exclui a obrigatoriedade de sua promoção e, após, a proibição de retrocesso social. Assim, os direitos previstos no PIDESC são (i) obrigatórios, bem como (ii) após sua implementação estão protegidos pela proibição do retrocesso (ver Parte I, Capítulo III, item 5.6).

A todos os Estados Partes do Pacto, permitiu-se a submissão dos direitos econômicos, sociais e culturais unicamente a (i) limitações estabelecidas em lei, em medida compatível com sua (ii) natureza, e apenas tendo por finalidade (iii) favorecer o bem-estar geral da sociedade. Aos países em desenvolvimento, permitiu-se que determinem em que medida os direitos econômicos serão reconhecidos àqueles que não são seus nacionais.

Na Parte III, composta por dez artigos (arts. 6º a 15), o PIDESC elenca, de forma detalhada, os direitos econômicos, sociais e culturais e enuncia, de forma geral, as medidas adequadas para garanti-los e torná-los efetivos. Nesse sentido, reconhece-se o direito ao trabalho (art. 6º); bem como o direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias, com remuneração mínima, igualdade de valor sem distinções – especialmente entre homens e mulheres –, segurança e higiene no trabalho, igualdade de oportunidade de promoção no trabalho com base em fatores de tempo de serviço e capacidade, além de descanso, limitação de jornada e férias periódicas pagas e remuneração dos feriados (art. 7º). Além disso, é reconhecido o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social (art. 9º).

O Pacto garantiu também, no art. 8º, o direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiar-se àqueles de sua escolha, o qual não pode sofrer restrições senão (i) por lei e (ii) que sejam necessárias à sociedade democrática (iii) no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou (iv) para proteger os direitos e as liberdades alheias. Previu também o direito dos sindicatos de formar federações, confederações nacionais ou organizações sindicais internacionais, bem como o direito de funcionarem sem obstáculos. Finalmente, previu o direito de greve.

Tais disposições não impedem a aplicação de restrições legais ao exercício de tais direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado e não permitem que os Estados Partes da Convenção n. 87 de 1948 da OIT (Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização – não ratificada pelo Brasil) adotem medidas legislativas que restrinjam as garantias nela previstas.

Ainda são garantidas as mais amplas proteção e assistência possíveis à família, apresentada como elemento fundamental da sociedade, especialmente no momento de sua constituição e enquanto ela for responsável pela educação dos filhos, ressaltando-se que o matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos cônjuges (de acordo com determinadas tradições culturais, o casamento é um arranjo entre famílias, sem consentimento prévio dos envolvidos). Garante-se também especial proteção às mães, por período razoável antes e depois do parto, quando a elas deve ser concedida licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados.

As crianças e adolescentes também são especiais sujeitos de proteção, devendo o Estado adotar medidas especiais para sua proteção e assistência, especialmente contra exploração econômica e social e sem qualquer distinção por motivo de filiação ou qualquer outra condição. O Pacto atentou também para o gravíssimo problema do trabalho infantil, determinando ao Estado a obrigação de estabelecer limites de idade para que fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão de obra infantil, bem como de punir por lei o emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral e à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal (art. 10). No Brasil, o art. 7º, XXXII, proíbe o trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (conforme redação dada pela EC n. 20, de 1998).

No art. 11, o Pacto reconhece o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado a si próprio e sua família, mencionando expressamente a alimentação, a vestimenta, a moradia adequadas e a melhoria contínua de suas condições de vida, bem como o direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome. Para que os Estados Partes assegurem a efetivação do direito, o Pacto ressalta a importância da cooperação internacional, bem como a adoção de programas concretos para melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios e para assegurar a repartição equitativa dos recursos alimentícios.

O direito de toda pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental também é assegurado no Pacto (art. 12), devendo o Estado adotar as medidas necessárias para promover a redução da mortalidade infantil e do índice de natimortos, bem como o desenvolvimento sadio das crianças; a melhoria da higiene do trabalho e do meio ambiente; a prevenção e o tratamento de doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças e a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença.

É assegurado também o direito à educação (art. 13). Nesse sentido, o Pacto determinou o reconhecimento dos Estados de que a educação primária será obrigatória e acessível gratuitamente a todos; que a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deve ser generalizada e tornada acessível a todos, principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito; que também a educação de nível superior deve ser tornada acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; que dever ser fomentada e intensificada a educação de base para as pessoas que não receberam ou não concluíram a educação primária. Os Estados Partes que não tenham garantido a obrigatoriedade e gratuidade da educação primária no momento em que se tornarem Parte assumem o compromisso de elaborar e adotar, no prazo de dois anos, um plano de ação detalhado destinado à implementação progressiva, dentro de um número razoável de anos estabelecidos no próprio plano, do princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos (art. 14). Além disso, o Estado Parte deve promover ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementar um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente. No Brasil, a Constituição de 1988 determina que a educação básica é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208).

Não obstante isso, reconhece-se a liberdade dos pais e de tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas das criadas pelo Poder Público, quando atenderem aos padrões mínimos de ensino determinados pelo Estado, bem como de fazer com que seus filhos recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; além da liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino que obedeçam aos padrões mínimos determinados pelo Estado.

Os Estados Partes, pelo Pacto, reconhecem ainda a cada indivíduo o direito de participar da vida cultural, desfrutar o processo científico e suas aplicações, bem como beneficiar-se da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor. Comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à investigação científica e à atividade criadora.

Na Parte IV, composta pelos arts. 16 a 25, o Pacto estabelece a obrigatoriedade de os Estados Partes apresentarem relatórios sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos, sociais e culturais. Os relatórios devem ser encaminhados ao Secretário-Geral da ONU, que enviará cópias ao Conselho Econômico e Social4 para exame, bem como às agências especializadas, se os relatórios ou as partes a ele pertinentes tenham relação com matérias da competência desses organismos (art. 16). Não foi criado um Comitê específico, tal como ocorreu com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, mas que foi implantado, assim mesmo, por resolução do Conselho Econômico e Social. Para suprir essa lacuna, foi adotado, em 2008, o Protocolo Facultativo ao PIDESC, que, finalmente, cria o Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (ver abaixo).

Finalmente, a Parte V, integrada por seis artigos (arts. 26 a 31), estabelece a forma de assinatura, ratificação e adesão ao Pacto (art. 26), a entrada em vigor (art. 27), o procedimento para emenda do Pacto (art. 29), bem como a aplicação do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados Federativos (art. 28).

3.1. PROTOCOLO FACULTATIVO AO PIDESC

O Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi aprovado em 10 de dezembro de 2008 pela Assembleia Geral da ONU, por ocasião do 60º aniversário da assinatura da Declaração Universal de Direitos Humanos. O Brasil ainda não o ratificou, até o fechamento desta edição (novembro de 2013).

Tendo em vista que o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais previa apenas o mecanismo de informes gerais, o Protocolo Facultativo veio contribuir para a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais, ao combinar o sistema de petições, o procedimento de investigação e as medidas provisionais (cautelares), reafirmando, assim, a exigibilidade e a justiciabilidade de tais direitos e os equiparando, finalmente, ao regime jurídico internacional dos direitos civis e políticos.

O Protocolo é composto por 22 artigos. O art. 1º prevê a competência do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais5 para receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos, que noticiem violação de direitos econômicos, sociais e culturais realizadas pelo Estado Parte. Este deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os indivíduos sob sua jurisdição não sejam submetidos a maus-tratos ou intimidação em decorrência de terem recorrido ao Comitê (art. 13). Cabe lembrar que este Comitê não estava previsto no Pacto, tendo sido criado por resolução do Conselho Econômico e Social. Com o Protocolo, o Comitê ganha inserção formal em um tratado.

Para que a comunicação possa ser admitida, deve haver o prévio esgotamento dos recursos internos, exceto quando a aplicação dos recursos seja injustificadamente prolongada. A comunicação deve ser declarada inadmissível nas seguintes hipóteses: (i) quando não for submetida ao Comitê no prazo de um ano após exauridos os recursos internos, salvo se o autor demonstrar que não havia possibilidade de submetê-la dentro da data limite; (ii) quando a matéria já tiver sido examinada pelo Comitê ou tenha sido submetida a exame ou esteja sendo examinada por outro procedimento de investigação ou acordo internacional; (iii) quando for incompatível com as disposições do Pacto; (iv) bem como quando os fatos de que trata tenham ocorrido anteriormente à entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte interessado, exceto se tenham continuado a ocorrer. Também não serão admitidas as comunicações manifestamente mal fundamentadas, não suficientemente comprovadas ou exclusivamente baseadas em relatos difundidos pela mídia; quando representarem um abuso do direito de submeter uma comunicação; quando forem anônimas ou não apresentadas por escrito. Ademais, o Comitê pode declinar comunicações que não revelem clara desvantagem, a menos que considere que a comunicação levanta séria questão de importância geral.

O Comitê deve levar as comunicações submetidas a ele para conhecimento do Estado Parte interessado, de maneira confidencial. No prazo de seis meses, o Estado deve submeter ao Comitê explicações ou declarações por escrito. Observe-se que este considerará se as medidas tomadas pelo Estado foram razoáveis, ocasião em que deverá observar que o Estado pode adotar uma série de possíveis medidas políticas para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Com efeito, tais direitos demandam prestações do Estado que podem ser concretizadas por uma infinidade de formas.

O Protocolo possibilita ainda que o Comitê transmita ao Estado Parte interessado pedido de medidas provisórias, para sua urgente consideração, com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis, em circunstâncias excepcionais, a qualquer tempo depois do reconhecimento da comunicação e antes da decisão de mérito (art. 5). Ademais, o Comitê pode disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade de se alcançar um acordo amigável entre as partes interessadas, o qual encerrará a consideração da comunicação (art. 6).

Além do sistema de petição individual ou no interesse de indivíduos, pode haver também o procedimento entre os Estados, também chamado de mecanismo interestatal (art. 10), por meio do qual se reconhece a competência do Comitê para receber comunicações em que o Estado Parte alega que outro não está cumprindo as obrigações previstas no Pacto. Observe-se que o Estado que reconheceu a competência é que vai acionar o Estado que supostamente esteja violando os direitos econômicos, sociais e culturais, por meio de comunicação escrita.

Outro mecanismo estabelecido no Protocolo com a finalidade de fornecer meios para fazer cessar violações a direitos econômicos, sociais e culturais é o procedimento de investigação (arts. 11 e 12), por meio do qual o Comitê convida o Estado Parte a cooperar no exame de informações caso receba informação confiável que indique graves ou sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos direitos arrolados no Pacto. Quando for apropriado, com o consentimento do Estado Parte, a investigação poderá incluir visita ao seu território. Observe-se que o Estado Parte pode declarar a qualquer tempo que reconhece tal competência, bem como pode retirar sua declaração mediante notificação ao Secretário-Geral.

Dentre as medidas de assistência e cooperação internacional, o Protocolo prevê a criação de um fundo fiduciário com a finalidade de assegurar a expertise e a assistência técnica aos Estados Partes para a implementação efetiva dos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 14).

QUADRO SINÓTICO

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Direitos econômicos, sociais e culturais são de realização progressiva, o que não exclui a obrigatoriedade de sua realização pelo Estado e a sua exigibilidade pela via judicial.

Principais direitos garantidos

Direito ao trabalho

Direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias

Direito de toda pessoa à previdência social

Direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiar-se àqueles de sua escolha

Direito de greve

Direito à proteção e assistência familiar, especialmente a mães e crianças

Direito a um nível adequado de vida (incluindo alimentação, vestimenta, moradia)

Direito à saúde física e mental

Direito à educação

Direito de participar da vida cultural, desfrutar o processo científico e suas aplicações, bem como beneficiar-se da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor

Mecanismo de monitoramento do Pacto

Relatórios periódicos ao Conselho Econômico e Social

Mecanismo de efetivação dos direitos previstos no Protocolo Facultativo

Comunicação individual ou no interesse de indivíduos ou grupos de indivíduos

Procedimento interestatal

Procedimento de investigação

Medidas provisórias (cautelares)

4. Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura

A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura foi adotada em Genebra em 7 de setembro de 1956. Sucedeu a Convenção sobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953, com o intuito de intensificar os esforços para abolir a escravidão, o tráfico de escravos e as instituições e práticas análogas à escravidão.

O tratado veio em resposta a um problema persistente em todo o mundo, que vem a ser as práticas análogas à escravidão, também denominadas “escravidão contemporânea”. O último país a abolir oficialmente a escravidão foi a Mauritânia, pelo Decreto n. 81.234, somente em novembro de 1981, mas episódios de redução a condição análoga de escravo ainda ocorrem no mundo, inclusive no Brasil.

No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 66, de 1965, junto da Convenção sobre a escravatura assinada em Genebra em 25 de setembro de 1926 e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura em 7 de dezembro de 1953. Em 6 de janeiro de 1966, foi efetuado o depósito do instrumento brasileiro de adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas e, por meio do Decreto n. 58.563, de 1º de junho de 1966, deu-se a promulgação.

A Convenção possui 15 artigos, divididos em seis Seções. A Seção IV é responsável por apresentar as definições utilizadas para os fins da Convenção. Define-se a escravidão, repetindo o texto de 1926, como “o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade”, sendo “escravo” aquele indivíduo que se encontra nessa condição. Tráfico de escravos, para a Convenção, “significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-lo; todo ato de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado”.

Finalmente, “pessoa de condição servil” é definida como a pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão. São elas: (i) a servidão por dívidas, que é o “o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida”; (ii) a servidão, entendida como “a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição”; (iii) a instituição ou prática por meio da qual a mulher, sem que possa recusar, é prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas; (iv) a instituição ou prática por meio da qual o marido, a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro, a título oneroso ou não; (v) a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida, com a morte do marido, por sucessão a outra pessoa, e (vi) a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro, mediante remuneração ou não, com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho.

A Seção I, composta pelos arts. 1º e 2º, cuida de tais instituições e práticas análogas à escravidão. O Estado Parte se compromete, por meio dela, a tomar medidas legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias e viáveis para obter progressivamente a abolição das instituições e práticas análogas à escravidão, e especialmente fixar idades mínimas adequadas para o casamento, estimular a adoção de processos que permitam aos futuros cônjuges exprimir seu livre consentimento ao casamento, bem como fomentar registros de casamento.

A Seção II, composta pelos arts. 3º e 4º, diz respeito ao tráfico de escravos, que consiste no ato de transportar ou tentar transportar escravos de um país a outro, por qualquer meio de transportes, e apresenta uma série de mandados de criminalização quanto a esse ato. Novamente, o Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com o instrumento penal para fazer valer os direitos fundamentais.

A Convenção determina que a prática de tráfico de escravos ou a cumplicidade nele deverá constituir infração penal, devendo ser as penas cominadas rigorosas, nos termos do art. 3º. Além disso, os Estados Partes ficam obrigados a tomar todas as medidas necessárias para impedir que navios e aeronaves autorizados a arvorar suas bandeiras transportem escravos, bem como para punir os responsáveis por esse ato ou por utilizar o pavilhão nacional para essa finalidade. Ademais, os Estados Partes deverão tomar as medidas necessárias para que seus portos, seus aeroportos e suas costas não possam servir para o transporte de escravos. Como uma importante medida para garantir o objetivo da Convenção, estabelece-se que todo escravo que se refugiar a bordo de um navio de Estado Parte será livre ipso facto.

Na Seção III, composta pelos arts. 5º e 6º, a Convenção versa sobre a escravidão e instituições e práticas análogas à escravidão. Por meio dela, o ato de escravizar uma pessoa ou de incitá-la a alienar sua liberdade ou a de alguém na sua dependência, para escravizá-la, deverá constituir infração penal, bem como a participação nesse ato, a tentativa ou a cumplicidade neles, a submissão ou o incitamento a submissão de uma pessoa na sua dependência a uma condição resultante de alguma das instituições ou práticas análogas à escravidão. Nos Estados em que a escravidão ou as instituições e práticas análogas à escravidão não estejam ainda completamente abolidas, a Convenção prevê que o ato de mutilar, de marcar com ferro em brasa ou por qualquer outro processo um escravo ou uma pessoa de condição servil, para indicar sua condição, infligir um castigo ou por qualquer outra razão, bem como a cumplicidade em tais atos deverá constituir infração penal.

A Seção V versa sobre a cooperação entre os Estados Partes e com a ONU para a aplicação das disposições da Convenção e a comunicação de informações. Finalmente, a Seção VI, composta pelos arts. 9º a 15º, traz as cláusulas finais da Convenção. No art. 9º, estabelece-se que não se admitirá nenhuma reserva à Convenção. Deve-se ressaltar, ademais, que qualquer litígio que surgir entre os Estados Partes em relação à Convenção quanto a sua interpretação ou aplicação, quando não resolvido por meio de negociação, será submetido à Corte Internacional de Justiça a pedido de uma das Partes, se não decidirem resolver a situação de outra maneira.

QUADRO SINÓTICO

Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura

Definições

Escravidão: “o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade”, sendo “escravo” aquele indivíduo que se encontra nessa condição.

Tráfico de escravos: “significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-lo; todo ato de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado”.

Pessoa de condição servil: pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão. São elas: (i) a servidão por dívidas, que é o “o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida”; (ii) a servidão, entendida como “a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição”; (iii) a instituição ou prática por meio da qual a mulher, sem que possa recusar, é prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas; (iv) a instituição ou prática por meio da qual o marido, a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro, a título oneroso ou não; (v) a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida, com a morte do marido, por sucessão a outra pessoa, e (vi) a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro, mediante remuneração ou não, com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho.

Mecanismo de monitoramento

Não foi previsto um mecanismo internacional. Por outro lado, a Convenção contém uma série de mandados de criminalização para os Estados Partes.

5. Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio

Tendo vista o reconhecimento do genocídio como crime de jus cogens, bem como da necessidade de cooperação internacional para extirpá-lo, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão pela Resolução n. 260 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 9 de dezembro de 1948. Foi pensada como resposta às barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Entrou em vigor internacional em 12 de janeiro de 1951, conforme determina seu artigo XIII. É o primeiro tratado que estabelece, expressamente, o conceito de genocídio, cunhado em obra doutrinária de LEMKIN, em 1944, ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa, tendo se inspirado nas partículas genos (raça, tribo) e cídio (assassinato)6.

No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 2, de 11 de abril de 1951, e o instrumento de ratificação foi depositado no secretariado geral da ONU em 15 de abril de 1952. Finalmente, foi promulgada pelo Decreto n. 30.882 de Getúlio Vargas, em 6 de maio de 1952.

A Convenção é composta por dezenove artigos. O art. 1º enuncia que o genocídio, quer seja cometido em tempo de paz, quer em tempo de guerra, é um crime do direito dos povos, e os Estados Contratantes se comprometem, por meio dela, a preveni-lo e a puni-lo.

Em seu art. 2º, a Convenção é pioneira em definir o genocídio, que consiste na prática de quaisquer atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:

assassinato de membros do grupo;

atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;

submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;

medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

e a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

Exige-se, então, o dolo específico de destruir, em todo ou em parte, o grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

De acordo com a Convenção, são punidos não só o genocídio, mas também o acordo com vista a cometê-lo, o seu incitamento direto e público, a tentativa e a cumplicidade nele (art. 3º). As punições poderão ser aplicadas tanto a governantes e funcionários, quanto a particulares, ressaltando-se, novamente, a eficácia horizontal dos direitos humanos (art. 4º). A Convenção impede a consideração de tais atos como crimes políticos para fins de extradição, obrigando-se as partes a conceder a extradição de acordo com a legislação e os tratados em vigor (art. 7º).

Por meio da Convenção, as Partes ficam obrigadas a adotar as medidas legislativas necessárias para assegurar sua aplicação, especialmente para prever sanções penais (mandado de criminalização) eficazes que recaiam sobre as pessoas que tenham praticado qualquer um dos atos supramencionados (art. 5º).

As pessoas acusadas da prática de genocídio ou aos atos a ele relacionados previstos no art. 3º devem ser julgadas por tribunais competentes do Estado em cujo território o ato tenha sido cometido ou por tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição (art. 6º).

Este tratado é o primeiro a entrar em vigor que traz uma menção a um “tribunal criminal internacional” que seria constituído para julgar o genocídio. Contudo, somente em 1998, com o Estatuto de Roma (entrou em vigor em 2002 – ver Parte II, Capítulo V sobre o TPI), foi constituído o primeiro Tribunal Penal Internacional permanente apto a julgar crime de genocídio. Cabe lembrar que o Tribunal Internacional Militar de Nuremberg não julgou o crime de genocídio, pois entendeu-se que este crime ainda não tinha sido tipificado no Direito Internacional.

É possível que as Partes Contratantes recorram aos órgãos competentes da ONU para que estes tomem as medidas que julgarem apropriadas para a prevenção e a repressão dos atos de genocídio, de acordo com a Carta das Nações Unidas (art. 8º). Ademais, discrepâncias quanto à interpretação, aplicação ou execução da Convenção poderão ser submetidas à Corte Internacional de Justiça (CIJ), a pedido de uma das partes envolvidas na questão (art. 9º). Aproveitando desse dispositivo, a Bósnia processou a Sérvia perante a CIJ, acusando-a de envolvimento com a prática de genocídio contra os bósnios muçulmanos durante a guerra de secessão na ex-Iugoslávia (CIJ, Caso da Aplicação da Convenção de Genocídio, julgamento de 26-2-2007).

Observe-se que se previu que a Convenção duraria dez anos, contados da data de entrada em vigor. Após esse período, passaria a ficar em vigor por cinco anos, e assim sucessivamente, para as Partes Contratantes que não a tivessem denunciado seis meses pelo menos antes de expirar o termo (art. 14). Por ocasião das denúncias, se o número das partes se reduzisse a menos de dezesseis, a Convenção deixaria de estar em vigor a partir da data em que a última dessas denúncias produzisse efeitos (art. 15). Não obstante, a punição aos atos de genocídio integra o Direito Internacional Consuetudinário, de forma que, ainda que a quantidade de denúncias feitas leve a que a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio deixe de estar em vigor, os atos de genocídio continuarão sendo puníveis pelo Direito Internacional.

QUADRO SINÓTICO

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio

Definição de genocídio

todos os atos de assassinato de membros do grupo;

atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;

submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;

medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo,

desde que tais atos sejam cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

6. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados

A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951, e adotada pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, convocada pela Resolução n. 429 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1950.

Inicialmente, a Convenção possuía uma limitação temporal (para acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951) e geográfica da definição de refugiado (somente para os eventos ocorridos na Europa).

Em 1967, foi adotado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que eliminou tais limitações. Esse Protocolo foi firmado com a finalidade de se aplicar a proteção da Convenção a outras pessoas que não apenas aquelas que se tornaram refugiadas em resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951. O texto do Protocolo possui onze artigos, dentre os quais aquele que prevê a cooperação das autoridades nacionais com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e seu dever de fornecer informações e dados estatísticos sobre a condição de refugiados, a aplicação do Protocolo e sobre as leis, regulamentos e decretos que possam vir a ser aplicáveis em relação aos refugiados (artigo II).

No Brasil, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 11, de 7 de julho de 1960, com exclusão dos seus arts. 15 (direito de associação) e 17 (exercício de atividade profissional assalariada). Em 15 de novembro de 1960, foi depositado junto ao Secretário-Geral da ONU o instrumento de ratificação, e a Convenção foi promulgada pelo Decreto n. 50.215, de 28 de janeiro de 1961.

O Protocolo de 1967 foi promulgado internamente com o Decreto n. 70.946, de 7 de agosto de 1972, tendo sido superada a limitação temporal. Quanto à barreira geográfica, esta foi derrubada somente em 19 de dezembro de 1989, por meio do Decreto n. 98.602. Pelo Decreto n. 99.757, de 1990, o Governo brasileiro retirou as reservas aos arts. 15 e 17 da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, ficaram derrubadas também as restrições quanto ao direito de associação e exercício de atividade profissional assalariada aos refugiados.

A Convenção é formada por 46 artigos, divididos em sete capítulos (disposições gerais, situação jurídica, empregos remunerados, bem-estar, medidas administrativas, disposições executórias e transitórias, cláusulas finais).

Combinando-se o que determina o art. 1º do Protocolo com o art. 1º da Convenção, pode-se definir “refugiado” como:

pessoa que é perseguida ou tem fundado temor de perseguição;

por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e encontra-se fora do país de sua nacionalidade ou residência;

e que não pode ou não quer voltar a tal país em virtude da perseguição ou fundado temor de perseguição.

A proteção da Convenção poderá cessar em hipóteses nela expressamente discriminadas, relacionadas ao fato de que a pessoa recuperou a nacionalidade voluntariamente ou voltou a se valer da proteção do país de que é nacional; adquiriu nova nacionalidade e, consequentemente, a proteção do país cuja nacionalidade adquiriu; voltou a estabelecer-se, voluntariamente, no país que abandonou; se deixaram de existir as circunstâncias em consequência das quais a pessoa foi reconhecida como refugiada.

A Convenção não é aplicável a pessoas que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade (conforme determinem instrumentos internacionais), que cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados e que se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

O art. 2º da Convenção prevê as obrigações gerais de todo refugiado, dentre as quais está a obrigação de respeitar as leis e regulamentos do país de acolhida, assim como as medidas que visam a manutenção da ordem pública do país em que se encontra. De outro lado, os Estados se comprometem a aplicar as disposições da Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem (art. 3º). Ademais, devem proporcionar aos refugiados tratamento proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos (art. 4º).

No Capítulo II, a Convenção versa sobre a situação jurídica dos refugiados. O art. 12 estabelece que o estatuto pessoal do refugiado será regido pela lei do país de seu domicílio ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência. Ademais, os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal, especialmente os que resultam do casamento, devem ser respeitados pelo Estado Contratante, ressalvado, se for o caso, o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado.

Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes, ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel, os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido “nas mesmas circunstâncias” aos estrangeiros em geral (art. 13). Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária, artística e científica, o refugiado deve se beneficiar, no país em que tem sua residência habitual, da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e, no território de outros Estados Contratantes, deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual (art. 14).

Ainda quanto à situação jurídica do refugiado, a Convenção garante direitos de associação aos refugiados, quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais, com o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro (art. 15). Ademais, garante-se aos refugiados o direito de propor ações em juízo, assegurando-se o livre e fácil acesso aos tribunais, com o mesmo tratamento recebido por um nacional, incluindo-se aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi7 (art. 16).

O Capítulo III cuida do exercício de empregos remunerados pelos refugiados, determinando a aplicação do mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro. Para as profissões assalariadas (art. 17), garante-se que os refugiados gozarão, nas mesmas circunstâncias, do tratamento conferido aos estrangeiros, salvo quando medidas restritivas a estrangeiros forem impostas quando o refugiado delas estiver dispensado na data da entrada em vigor da Convenção para o Estado ou nas seguintes hipóteses: residir há três anos no país, ser cônjuge de pessoa nacional do país de residência ou ter filho ou filhos de nacionalidade do país de residência. Também quanto às profissões não assalariadas na agricultura, na indústria, no artesanato, no comércio e para instalação de firmas comerciais e industriais, também deve ser concedido tratamento favorável ou não menos favorável que o concedido ao estrangeiro. Finalmente, também para o exercício das profissões liberais os refugiados terão tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável ao que é dado a estrangeiros, desde que possuam diplomas reconhecidos pelas autoridades competentes do Estado.

O Capítulo IV (arts. 20 a 24), por sua vez, contém disposições sobre o bem-estar dos refugiados. Inicialmente, determina o tratamento do refugiado como o nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez (art. 20), assim como para o tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos (art. 23) e oferecimento de ensino primário. Quanto aos graus de ensino superiores ao primário, os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível, e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral, nas mesmas circunstâncias (art. 22). Quanto a alojamentos, deve-se dar aos refugiados o tratamento tão favorável quanto possível e, em todo caso, tratamento não menos favorável do que aquele que é dado, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral (art. 21).

Quanto à legislação do trabalho, os Estados Contratantes podem dar aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento dado aos nacionais relativamente a remuneração, duração do trabalho, horas suplementares, férias pagas, restrições ao trabalho doméstico, idade mínima para o emprego, aprendizado e formação profissional, trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas. Também recebem o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social (acidentes do trabalho, moléstias profissionais, maternidade, doença, invalidez, velhice, morte, desemprego, encargos de família, além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social), conforme determina o art. 24.

O Capítulo V (arts. 25 a 34) versa ainda sobre medidas administrativas relativas aos refugiados. Primeiramente, o refugiado deve receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira, porque, evidentemente, não podem com ela contar (art. 25). Qualquer refugiado que não possua documento de viagem válido deverá receber do Estado Contratante documento de identidade (art. 27) e documentos de viagem para que possam viajar para fora do território, salvo por razões imperiosas de segurança nacional ou ordem pública (art. 28). Com efeito, aos refugiados é garantida a liberdade de movimento para escolherem sua residência e circularem no território livremente, com as reservas aplicáveis aos estrangeiros (art. 26).

Os refugiados também não poderão ser submetidos a emolumentos alfandegários, taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas (art. 29) e o Estado deve permitir que transfiram os bens necessários à sua reinstalação para outro país (art. 30).

Os refugiados em situação irregular no país de refúgio não serão submetidos a sanções caso se apresentem sem demora às autoridades e expuserem razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares e apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento (art. 31). Ademais, o refugiado que estiver regularmente em um território não poderá ser expulso, salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública, mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal.

O refugiado não poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça, religião, nacionalidade, grupo social a que pertença ou opiniões políticas, o que consagra o princípio do non-refoulement (proibição do rechaço).

O princípio da proibição do rechaço, entretanto, não poderá ser invocado se o refugiado for considerado, por motivos sérios, um perigo à segurança do país, ou se for condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre (art. 33).

Por fim, a Convenção prevê que os Estados Contratantes devem facilitar, na medida do possível, a naturalização dos refugiados, esforçando-se para acelerar o processo e reduzir suas taxas e despesas (art. 34).

O Capítulo VI traz as disposições executórias e transitórias (arts. 35 a 37), dentre as quais a necessidade de cooperação dos Estados Contratantes com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (art. 35) e, finalmente, o Capítulo VII apresenta as cláusulas finais da Convenção (arts. 38 a 46).

QUADRO SINÓTICO

Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados e Protocolo Facultativo

Definição de refugiado

A pessoa que, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade.

Direito de receber dos Estados Partes tratamento pelo menos tão favorável como o que é proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos.

Direitos de associação, quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais.

Direito de propugnar em juízo, assegurando-se o livre e fácil acesso aos tribunais, com o mesmo tratamento recebido por um nacional, incluindo-se aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi.

Direito a receber o mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro no exercício de empregos remunerados.

Direito a receber tratamento concedido ao nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez.

Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de assistência e de socorros públicos.

Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de oferecimento de ensino primário. Quanto aos graus de ensino superiores ao primário, os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível, e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral, nas mesmas circunstâncias.

Direito de receber tratamento para a concessão de alojamentos tão favorável quanto possível e, em todo caso, não menos favorável do que aquele que é dado, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral.

Definição de refugiado

Direito a receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto à legislação do trabalho (relativamente a remuneração, duração do trabalho, horas suplementares, férias pagas, restrições ao trabalho doméstico, idade mínima para o emprego, aprendizado e formação profissional, trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas).

Direito de receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social (acidentes do trabalho, moléstias profissionais, maternidade, doença, invalidez, velhice, morte, desemprego, encargos de família, além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social).

Direito de receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira.

Direito de receber do Estado Contratante documento de identidade, quando não possua documento de viagem válido, e documentos de viagem para viajar para fora do território.

Direito à liberdade de movimento para escolha da residência e para circulação no território de livremente, com as reservas aplicáveis aos estrangeiros.

Direito de não ser submetido a emolumentos alfandegários, taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas.

Direito de não ser submetido a sanções, caso o refugiado se apresente sem demora às autoridades e exponha razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares; direito de que apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento.

Direito de não ser expulso, salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública, mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal.

Situação jurídica do refugiado

Estatuto pessoal do refugiado é regido pela lei do país de seu domicílio ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência.

Os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal, especialmente os que resultam do casamento, devem ser respeitados pelo Estado Contratante, ressalvado, se for o caso, o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado.

Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes, ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel: os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido “nas mesmas circunstâncias” aos estrangeiros em geral.

Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária, artística e científica: o refugiado deve se beneficiar, no país em que tem sua residência habitual, da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e, no território de outros Estados Contratantes, deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual.

7. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foi adotada pela Resolução n. 2.106 (XX) da Assembleia Geral da ONU e aberta à assinatura em 7 de março de 1966, com a finalidade de promover e encorajar o respeito universal e efetivo pelos direitos humanos, sem qualquer tipo de discriminação, em especial a liberdade e a igualdade em direitos, tendo em vista que a discriminação entre seres humanos constitui ameaça à paz e à segurança entre os povos.

Em seu preâmbulo, a Convenção condena todas as práticas de segregação e discriminação, fazendo alusão à Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais (14 de dezembro de 1960) que proclamou a necessidade de extirpá-las, de forma rápida e incondicional, e à Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (20 de novembro de 1963). O Preâmbulo ressalta ainda que “qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, em que, não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum” e que ainda subsistiam práticas de discriminação racial no mundo, inclusive lastreadas em políticas governamentais baseadas em superioridade e ódio raciais, como o apartheid.

É um dos mais antigos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, que assinou a Convenção em 7 de março de 1966, quando foi aberta à assinatura, e a ratificou em 27 de março de 1968. Em 4 de janeiro de 1969, entrou em vigor, de acordo com o disposto em seu artigo XIX, 1°, a. Foi promulgada pelo Decreto n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Na mesma época (anos 60 do século XX), o Brasil ratificou e incorporou internamente a ratificar a Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho, de 1958, por intermédio do Decreto n. 62.150, de 19 de janeiro de 1968, vedando a discriminação fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A Constituição de 1988 reafirmou o comprometimento brasileiro de combate à discriminação racial ao dispor, no seu art. 4º, VIII, o repúdio ao racismo como um dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras.

A Convenção, composta de 25 artigos, é dividida em três partes. Na primeira delas, enunciam-se as obrigações assumidas pelo Estado que a adotem (artigos I a VII); na segunda, estabelece a constituição e o funcionamento do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (artigos VIII a XVI) e, na terceira parte, prevê as disposições finais (artigos XVII a XXV).

No artigo I, apresenta-se a definição de discriminação racial, que é entendida como:

qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;

que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais;

no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida.

Ficam excluídas dessa proibição as chamadas ações afirmativas, que consistem em distinções, exclusões, restrições e preferências feitas por um Estado com o objetivo de assegurar o progresso de grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção para proporcionar a eles igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais.

Os Estados Partes que aderem à Convenção se comprometem a adotar uma política de eliminação da discriminação racial, devendo cada Estado abster-se de praticar ato de discriminação racial contra pessoas, grupos de pessoas ou instituições e de abster-se de encorajar, defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou organização qualquer.

De outro lado, o Estado compromete-se também a tomar medidas eficazes, a fim de rever as políticas governamentais nacionais e locais que tenham por objetivo criar a discriminação ou perpetrá-la; a proibir e colocar fim à discriminação racial praticada por pessoa, por grupo ou organizações; e a favorecer organizações e movimentos multirraciais e outros meios vocacionados a eliminar as barreiras entre as raças e a desencorajar o que tende a reforçar a divisão racial. Fica aqui fixada a obrigação do Estado de impedir que particulares discriminem nas relações privadas.

Nesse sentido, os Estados Partes se comprometem a adotar medidas especiais e concretas, nos campos social, econômico, cultural e outros, para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais de indivíduos pertencentes a estes grupos, tendo por objetivo garantir-lhes o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Vê-se, pois, o fundamento expresso a permitir a adoção de cotas raciais para a consecução do objetivo de promover a igualdade material. Tais medidas devem perdurar apenas enquanto subsistir a situação de desigualdade.

Especialmente tendo em vista as barbáries cometidas por força do nazismo, a Convenção prevê, em seu artigo IV, que os Estados Partes se comprometem a condenar toda propaganda e organizações que inspirarem quaisquer ideias ou teorias fundadas na superioridade de uma raça ou grupo de pessoas de certa cor ou origem étnica, bem como aquelas ideias ou teorias que buscam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais. Ademais, comprometem-se a adotar medidas positivas destinadas a combatê-las, dentre elas declarar delitos puníveis por lei a difusão de tais ideias, em mais um mandado internacional de criminalização.

Ainda, os Estados se comprometem, nos termos do artigo V, a proibir e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas, garantindo a igualdade perante a lei sem qualquer distinção, principalmente no gozo do (i) direito a tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre justiça; (ii) do direito à segurança pessoal e à proteção do Estado contra violência ou lesão corporal cometida, inclusive por funcionários do governo; dos direitos políticos e de tomar parte no Governo; (iii) de outros direitos civis – tais como o de circular livremente e escolher residência dentro das fronteiras do Estado, de deixar qualquer país, de ter uma nacionalidade, de casar-se e escolher o cônjuge, à propriedade, de herdar, à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, à liberdade de opinião e de expressão, dentre outros – e de direitos econômicos, sociais e culturais – como o direito à habitação, à educação e ao acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do público.

Pela Convenção, os Estados devem assegurar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a proteção e os recursos perante os tribunais nacionais e outros órgãos competentes contra atos de discriminação racial que violarem direitos e liberdades fundamentais, bem como o direito de requerer aos tribunais uma satisfação ou reparação justa e adequada por danos que a vítima tenha sofrido (artigo VI). Ademais, os Estados comprometem-se a tomar medidas imediatas e eficazes para lutar contra os preconceitos que levem à discriminação racial, promovendo a tolerância e a amizade entre nações, grupos raciais e étnicos (artigo VII).

Na Parte II, a Convenção determina a Criação de um Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial8, bem como estabelece o mecanismo de relatórios periódicos, o procedimento de comunicação interestatal e a possibilidade de petição individual ao Comitê.

QUADRO SINÓTICO

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

Definição de discriminação racial

“Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida”.

Convenção permite a introdução de medidas especiais destinadas a assegurar o progresso adequado de grupos raciais ou étnicos.

Mecanismos de monitoramento

Relatórios periódicos

• Comunicação interestatal

• Peticionamento individual

8. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e respectivo Protocolo Facultativo

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (conhecida também pela sigla de sua denominação em inglês, CEDAW) foi adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembleia Geral da ONU, em 18 de dezembro de 1979, tendo em vista a persistente manutenção das discriminações contra a mulher.

No Brasil, foi assinada em 31 de março de 1981 com reservas (arts. 15, parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas a, c, g e h), aprovada pelo Decreto Legislativo n. 93, de 14 de novembro de 1983, e ratificada em 1º de fevereiro de 1984. A Convenção entrou em vigor para o Brasil em 2 de março de 1984, com a reserva do art. 29, parágrafo 2º, que permite que o Estado não se considere obrigado ao dispositivo que determina a submissão da questão não resolvida por negociação a arbitragem. O Decreto Legislativo n. 26, de 22 de junho de 1994, revogando o anterior, aprovou a Convenção sem as reservas dos arts. 15 e 16, e o Brasil as retirou em 20 de dezembro de 1994. A Convenção foi promulgada pelo Decreto n. 4.377, de 13 de setembro de 2002, entrando em vigor em 16 de setembro de 2002.

A Convenção é composta por 30 artigos, que são divididos em seis partes. Em seu preâmbulo, ressalta-se a importância de se modificar o papel tradicional do homem e da mulher na sociedade e na família para que se possa alcançar a igualdade plena entre homem e mulher.

Na Parte I, define-se a discriminação contra a mulher como:

toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo;

e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher;

dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo;

independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher (art. 1º).

Por meio da Convenção, os Estados Partes se comprometem a adotar, por todos os meios apropriados e sem dilações, política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher.

Para tanto, comprometem-se, dentre outras medidas, a: consagrar em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher, assegurando outros meios apropriados à realização prática desse princípio; adotar medidas adequadas com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; abster-se praticar qualquer ato de discriminação contra a mulher e, finalmente, tomar medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa (art. 2º, novamente, há menção à aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares).

Ademais, os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher, para garantir-lhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem (art. 3º). Medidas especiais, de caráter temporário, podem também ser adotadas para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres. Tais medidas não serão consideradas discriminação, mas deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados (art. 4º). Tem-se aí fundamento expresso a admitir ações afirmativas para promover a igualdade de direitos entre homens e mulheres, como se adotou no Brasil, por exemplo, com a cota eleitoral de sexo, prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 (conhecida como “Lei das Eleições”). Como é notório, há evidente subrepresentação da mulher nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional no Brasil. Assim, a Lei das Eleições exige que as candidaturas dos partidos obedeçam, nas eleições proporcionais, ao seguinte parâmetro: no mínimo 30% e no máximo 70% para cada sexo. Apesar de não se referir expressamente ao sexo feminino, a cota incide, na prática, sobre ele, pois era o sexo tradicionalmente sub-representado. Somente em 2012, o sexo feminino obteve mais de 30% das candidaturas nas eleições municipais do ano.

Com a finalidade de modificar práticas enraizadas na sociedade, a Convenção determina que os Estados Partes tomem todas as medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta, para o fim de alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole que estejam baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos, bem como para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos (art. 5º). Ademais, os Estados se comprometem a tomar todas as medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher (art. 6º).

Na Parte II, a Convenção explicita direitos civis e políticos que devem ser concedidos às mulheres em igualdade de condições quanto aos homens, especificando as medidas a serem adotadas pelo Estado Parte no âmbito da vida política e pública nacional e internacional (arts. 7º e 8º) e para a aquisição, mudança e conservação da nacionalidade (art. 9º).

Assim, os Estados Partes se obrigam a adotar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública, com especial ênfase no direito de votar e de ser elegível, na participação na formulação de políticas públicas governamentais, no exercício de cargos públicos, na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país (art. 7º). Ademais, medidas devem ser tomadas para garantir à mulher a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais (art. 8º).

Finalmente, estabelece-se que às mulheres se outorgarão direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade, não podendo o casamento com estrangeiro ou a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modificar automaticamente a nacionalidade da esposa, torná-la apátrida ou obrigá-la a adotar a nacionalidade do cônjuge. Ademais, quanto à nacionalidade dos filhos, os Estados devem outorgar às mulheres os mesmos direitos conferidos aos homens (art. 9º).

Na Parte III, a Convenção estabelece que as partes devem adotar todas as medidas apropriadas para assegurar a igualdade entre homens e mulheres na esfera da educação (art. 10), do emprego (art. 11), no acesso a serviços médicos (art. 12) e outras esferas da vida econômica e social (art. 13).

Quanto à igualdade de condições na esfera da educação, a Convenção especifica que devem ser concedidas às mulheres, em condições de igualdade:

as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional;

acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino, em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional;

o acesso aos mesmos currículos e exames, a docentes do mesmo nível profissional e a instalações e material escolar da mesma qualidade;

a eliminação da estereotipação dos papéis masculino e feminino;

as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e outras subvenções para estudos; as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva;

as mesmas oportunidades de participação nos esportes e na educação física; o acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da família;

O Estado deve também promover a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e organizar programas para as mulheres que tenham abandonado os estudos prematuramente.

Quanto às medidas voltadas à eliminação da discriminação da mulher na esfera do emprego, a Convenção determina que o Estado deve assegurar entre homens e mulheres, dentre outras medidas, o direito às mesmas oportunidades de emprego, com os mesmos critérios de seleção, bem como o direito à promoção e estabilidade no emprego, o direito a igual remuneração, o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho, direito à seguridade social, o direito a férias pagas, o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho. Como importantes medidas para impedir a discriminação da mulher por razões de casamento ou maternidade, os Estados devem proibir a demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil, sob pena de sanção, conferindo proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas. Nessa linha, o Brasil editou a Lei n. 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

Devem ainda implantar a licença-maternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais.

Às mulheres deve ser concedido, em condições de igualdade com os homens, o acesso a serviços médicos. De outro lado, os Estados devem garantir à mulher a assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período pós-parto, proporcionando assistência gratuita quando for necessário, e devem assegurar-lhe uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância.

A Convenção prevê ainda que os Estados devem adotar medidas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social, assegurando-se, em condições de igualdade com relação aos homens o direito a benefícios familiares; o direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro e o direito de participar em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural.

Considerando os problemas enfrentados pelas mulheres no ambiente rural, bem como a importância de seu papel na subsistência econômica da família, determinou-se que os Estados devem tomar medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos da Convenção a essas mulheres e para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais, a fim de garantir, em condições de igualdade entre homens e mulheres: a participação da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis; o acesso a serviços médicos adequados; o benefício direto dos programas de seguridade social; a obtenção de todos os tipos de educação e de formação e dos benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão; a organização de grupos de autoajuda e cooperativas, a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria; a participação de atividades comunitárias; o acesso a créditos e empréstimos agrícolas, a serviços de comercialização e tecnologias apropriadas; a receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de restabelecimentos; e, finalmente, a gozar de condições de vida adequadas, especialmente quanto a habitação, serviços sanitários, eletricidade e abastecimento de água, transporte e comunicações.

Na Parte IV, a Convenção versa sobre a capacidade jurídica da mulher e sobre assuntos relativos ao casamento e às relações familiares. Na art. 15, a Convenção determina que os Estados Partes devem reconhecer à mulher a igualdade com o homem perante a lei, incluindo-se nesse ponto o reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício. Assim, devem reconhecer o direito da mulher de firmar contratos e administrar bens e de receber igual tratamento em todas as etapas do processo judicial, e, por meio da Convenção, convencionam que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo. Aos homens e mulheres também devem ser concedidos os mesmos direitos quanto à legislação relativa ao direito das pessoas, à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio.

O art. 16 versa sobre as medidas que devem ser adotadas pelos Estados para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos a casamento e relações familiares. Para tanto, devem assegurar a elas o mesmo direito de contrair matrimônio; de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento; os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução; os mesmos direitos e responsabilidades como pais; os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos; os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos; os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação; e os mesmos direitos em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto a título oneroso. O mesmo dispositivo determina ainda que os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal (combate, então, os “casamentos arranjados” de crianças feitos pelos pais, ainda existentes em algumas culturas) e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, devem ser adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial.

Na Parte V, a Convenção determina a criação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher9, que tem a finalidade de examinar os progressos alcançados na sua aplicação, bem como o mecanismo de relatoria periódica.

A Parte VI, finalmente, contém disposições finais: assinatura, revisão, entrada em vigor, reservas, controvérsia sobre a interpretação ou aplicação da Convenção, dentre outras disposições.

Já o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotado por Resolução da Assembleia Geral da ONU de 6 de outubro de 1999, teve por objetivo aperfeiçoar o sistema de monitoramento da Convenção, assegurando o direito de petição quanto às violações dos direitos nela garantidos.

Por meio do Protocolo, que contém 21 artigos, o Estado reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos – ou em nome deles, se contarem com seu consentimento ou se se justificar a ação independente do consentimento – que se encontrem sob sua jurisdição e que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção (arts. 1º e 2º).

QUADRO SINÓTICO

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e respectivo Protocolo Facultativo

Definição de discriminação contra a mulher

“Toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

Principais medidas a serem adotadas pelos Estados

Adoção de política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher.

Medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher, para garantir-lhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.

Medidas especiais, de caráter temporário, para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres, que deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados (ações afirmativas).

Medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta (para eliminar preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos e para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos).

Medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher.

Direitos expressamente previstos que devem ser realizados e promovidos em condições de igualdade com relação aos homens

Direitos civis e políticos (especial ênfase no direito de votar e de ser elegível, na participação na formulação de políticas públicas governamentais, no exercício de cargos públicos, na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país e na oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais; aquisição, mudança ou conservação da nacionalidade).

Educação (mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino, em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional; a eliminação da estereotipação dos papéis masculino e feminino, dentre outros).

Emprego (direito às mesmas oportunidades de emprego, aos mesmos critérios de seleção, direito à promoção e estabilidade no emprego, o direito a igual remuneração, o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho, direito à seguridade social, o direito a férias pagas, o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, proibição de demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade ou de estado civil, direito a licença-maternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais).

Acesso a serviços médicos, com assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período pós-parto.

Outras esferas da vida econômica e social (direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, direito de participar em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural).

Reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício.

Mecanismos de monitoramento da Convenção

Procedimento de relatórios periódicos.

Mecanismos de monitoramento do Protocolo Facultativo

Petição individual.

9. Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional

A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi adotada em Nova Iorque, em 10 de dezembro de 1984. Foi assinada pelo Brasil em 23 de setembro de 1985; aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto n. 4, de 23 de maio de 1989; ratificada em 28 de setembro de 1989 e, finalmente, promulgada pelo Decreto n. 40, de 15 de fevereiro de 1991.

Na mesma linha do que já estava disposto na Declaração Universal de Direitos Humanos (artigo V), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7º) e na Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (aprovada pela Assembleia Geral em 9 de dezembro de 1975), a Convenção veio também determinar que ninguém será sujeito à tortura ou a pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante.

A Convenção é composta por 33 artigos, divididos em três partes. Na Parte I, determina as definições aplicáveis ao seu texto e explicita as obrigações dos Estados; na Parte II, estabelece a criação do Comitê contra a Tortura e, finalmente, na Parte III, apresenta suas disposições finais.

Na Parte I, no art. 1º, a Convenção define o que se entende por “tortura” para seus fins:

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa;

a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões;

ou para castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido;

ou para intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;

ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza;

quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.

A Convenção não considera como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

No art. 2º, a Convenção prevê que o Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. Circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso, nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificá-la.

O art. 3º veda a expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que ela corre perigo de ali ser submetida a tortura (princípio do non-refoulement, ou proibição do rechaço). Para a determinação da existência dessas razões, as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, quando for o caso, a existência, no Estado em questão, de um quadro de violações sistemáticas e graves de direitos humanos.

A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte, nos termos do art. 4º da Convenção, bem como da tentativa de tortura e todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura. O Estado deve punir estes crimes com penas adequadas que levem em conta a sua gravidade. Novamente, o Direito Internacional dos Direitos Humanos pede auxílio ao Direito Penal, para promover o respeito aos seus comandos.

Medidas devem ser tomadas pelo Estado para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes quando tenham sido cometidos em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de navio ou aeronave registrada no Estado em questão, quando o suposto autor for nacional do Estado em questão ou quando a vítima for nacional do Estado em questão e este o considerar apropriado (art. 5º). Esse é mais um mandado internacional de criminalização. Também o Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes nos casos em que o suposto autor se encontre em qualquer território sob sua jurisdição e o Estado não extradite (aut dedere, aut judicare – ou extradita, ou julga).

Se uma pessoa suspeita de ter cometido os crimes relacionados a tortura estiver no território de Estado Parte, este, se considerar, após o exame das informações de que dispõe, que as circunstâncias o justificam, procederá à detenção de tal pessoa ou tomará outras medidas legais para assegurar sua presença. Observe-se que a detenção e outras medidas legais devem ser tomadas de acordo com a lei do Estado, mas vigorarão apenas pelo tempo necessário ao início do processo penal ou de extradição. O Estado procederá a uma investigação preliminar dos fatos imediatamente. Assegura-se à pessoa detida facilidades para comunicar-se imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou, se for apátrida, com o representante do Estado de residência habitual. Promovida a detenção, o Estado notificará imediatamente os Estados mencionados no art. 5º sobre a detenção e sobre as circunstâncias que a justificam. O Estado que proceder à investigação preliminar comunicará sem demora seus resultados aos Estados mencionados e indicará se pretende exercer sua jurisdição.

Atente-se para o fato de que qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo (art. 7º).

Os crimes previstos na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si. Se o Estado que condicionar a extradição à existência de um tratado de receber um pedido de extradição por parte do outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição, a Convenção poderá ser considerada como base legal para a extradição com respeito a tais crimes, sujeitando-se a extradição às outras condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação. Os Estados Partes que não condicionam a extradição à existência de um tratado reconhecerão, entre si, que tais crimes devem ser entendidos como extraditáveis, dentro das condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação (art. 8º).

O art. 9º determina que os Estados Partes devem prestar entre si assistência jurídica penal qualquer dos delitos mencionados na Convenção, inclusive no que diz respeito ao fornecimento de todos os elementos de prova necessários para o processo que estejam em seu poder. Tais obrigações serão cumpridas conforme quaisquer tratados de assistência jurídica existentes entre os Estados.

Nos arts. 10 a 16, a Convenção explicita outras obrigações assumidas pelos Estados Partes.

Estes devem assegurar, conforme determina o art. 10, que o ensino e a informação sobre a proibição de tortura sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custódia, interrogatório ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão. Tal proibição deve ser incluída nas normas ou instruções relativas aos deveres e funções de tais pessoas.

As normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão devem ser mantidas pelo Estado Parte sistematicamente sob exame, em qualquer território sob sua jurisdição, com o objetivo de se evitar qualquer caso de tortura (art. 11).

O Estado Parte deve também assegurar que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição (art. 12), e deve assegurar, a qualquer pessoa que alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob sua jurisdição, o direito de apresentar queixa perante as autoridades competentes do referido Estado, que procederão imediatamente e com imparcialidade ao exame do seu caso. Medidas para assegurar a proteção do queixoso e das testemunhas contra qualquer mau tratamento ou intimação em consequência da queixa apresentada ou de depoimento prestado devem ser tomadas pelo Estado (art. 13).

À vítima de ato de tortura, cada Estado Parte deve assegurar, em seu sistema jurídico, o direito à reparação e a uma indenização justa e adequada, incluídos os meios necessários para a mais completa reabilitação possível. Em caso de morte da vítima como resultado de um ato de tortura, seus dependentes terão direito à indenização. Essa disposição não afeta qualquer direito a indenização que a vítima ou outra pessoa possam ter em decorrência das leis nacionais (art. 14).

No art. 15, a Convenção determina que o Estado Parte deve assegurar que nenhuma declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada.

Finalmente, o art. 16 determina que o Estado se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida na Convenção, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Observe-se que se aplicam, em particular, as obrigações mencionadas nos arts. 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a tortura por referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Na Parte II, a Convenção determina a constituição do Comitê contra a Tortura10, bem como o procedimento de apresentação de relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção pelos Estados, a competência do Comitê para receber comunicações interestatais e para receber petições individuais (comunicações enviadas por pessoas sob sua jurisdição, ou em nome delas, que aleguem ser vítimas de violação, por um Estado Parte, das disposições da Convenção).

O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, por sua vez, teve por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são privadas de liberdade, com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, conforme prevê seu art. 1º.

Foi adotado em Nova Iorque por Resolução da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 2002. O Brasil o assinou em 13 de outubro de 2003 e o Congresso Nacional o aprovou, por meio do Decreto Legislativo n. 483, de 20 de dezembro de 2006. O instrumento de ratificação foi depositado em 11 de janeiro de 2007 e o Protocolo foi promulgado pelo Decreto n. 6.085, de 19 de abril de 2007.

O Protocolo é composto por 37 artigos, divididos em sete partes: princípios gerais (arts. 1º a 4º), Subcomitê de Prevenção (arts. 5º a 10), Mandato do Subcomitê de Prevenção (arts. 11 a 16), Mecanismos preventivos nacionais (arts. 17 a 23), Declaração (art. 24), Disposições Financeiras (arts. 25 e 26) e Disposições Finais (arts. 27 a 37).

Na Parte I, sobre princípios gerais, o Protocolo prevê que um Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes deverá ser criado. Trata-se de Subcomitê do Comitê contra a Tortura, que deve desempenhar suas funções no marco da Carta das Nações Unidas e deve ser guiado por seus princípios e propósitos, bem como pelas normas das Nações Unidas relativas ao tratamento das pessoas privadas de sua liberdade. Deve ainda ser guiado pelos princípios da confidencialidade, imparcialidade, não seletividade, universalidade e objetividade (art. 2º). Em nível nacional, os Estados se comprometem a designar ou manter um ou mais mecanismos preventivos nacionais: órgãos de visita encarregados de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (art. 3º). Os Estados Partes devem permitir as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas, por força de ordem dada por autoridade pública.

Na Parte II, o Protocolo estabelece a composição do Subcomitê de Prevenção, a forma de eleição dos membros e da mesa e o tempo de mandato e, na Parte III, determina como deverá ser cumprido o mandato do Subcomitê. Na Parte IV (arts. 17 a 23), o Protocolo versa sobre os mecanismos preventivos nacionais.

Na Parte V, o Protocolo estabelece que, por ocasião da ratificação, os Estados Partes poderão fazer uma declaração que adie a implementação de suas obrigações, o que será válido pelo máximo de três anos, que poderão ser estendidos pelo Comitê contra Tortura por mais dois anos após representações formuladas pelo Estado Parte e após consultas ao Subcomitê de Prevenção.

Finalmente, na Parte VI o Protocolo dispõe sobre o financiamento do Subcomitê de Prevenção. As despesas realizadas por ele na implementação do Protocolo serão custeadas pela ONU e, paralelamente, deverá ser estabelecido um Fundo Especial, administrado de acordo com o regulamento financeiro e as regras de gestão financeira das Nações Unidas, para auxiliar no financiamento da implementação das recomendações feitas pelo Subcomitê de Prevenção após a visita a um Estado Parte, bem como programas educacionais dos mecanismos preventivos nacionais. O Fundo poderá ser financiado por contribuições voluntárias feitas por Governos, organizações intergovernamentais e não governamentais e outras entidades públicas ou privadas.

Em 2 de agosto de 2013, foi aprovada a Lei n. 12.847, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – SNPCT, com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura.

Esse sistema é composto pelo (i) Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – CNPCT, pelo (ii) Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – MNPCT, pelo (iii) Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP e pelo órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário nacional, atualmente o (iv) Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN.

O CNPCT será composto por vinte e três membros, escolhidos e designados pelo Presidente da República, sendo onze representantes de órgãos do Poder Executivo federal e doze de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil, sendo presidido pelo Secretário de Direitos Humanos da Presidência da República (que possui status de Ministro de Estado). Sua missão é acompanhar, avaliar e propor aperfeiçoamentos às ações, aos programas, aos projetos e aos planos de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes desenvolvidos em âmbito nacional.

Já o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – MNPCT, órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, é composto por onze peritos escolhidos pelo CNPCT e tem como principal missão planejar, realizar e monitorar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade em todas as unidades da Federação, para verificar as condições a que se encontram submetidas.

Assim, o Brasil cumpriu o disposto no Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (promulgado pelo Decreto n. 6.085, de 19 de abril de 2007).

QUADRO SINÓTICO

Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

Definição de “tortura”

Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa, por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência, a fim de:

obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões;

castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido;

intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou

por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza.

Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. Circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso, nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificá-la.

A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte.

Qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo.

Os crimes discriminados na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si.

Mecanismos de monitoramento da Convenção

procedimento de relatorias periódicas

comunicações interestatais

petições individuais

Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

Objetivo

Estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são presas, com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Mecanismos de monitoramento do Protocolo

Subcomitê de Prevenção no plano internacional

órgão nacional para prevenir a prática de tortura

as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas, por força de ordem dada por autoridade pública

10. Convenção sobre os Direitos da Criança

A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor internacional em 2 de setembro de 1990, no trigésimo dia após a data de depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas. É a Convenção que possui o mais elevado número de ratificações, já que contava, em 2012, com 193 partes.

A Convenção leva em conta o direito de que as pessoas na infância recebam cuidados e assistência especiais, em virtude da falta de maturidade física e mental, conforme reconheceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como a Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança, a Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959 e os Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Embora outros diplomas internacionais também confiram proteção às crianças, a Convenção sistematizou não só direitos civis e políticos, mas também econômicos, sociais e culturais em um só texto, voltado especificamente para a sua proteção.

A Convenção foi assinada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990; aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo n. 28, de 14 de setembro de 1990; ratificada em 24 de setembro de 1990. Entrou em vigor para o Brasil em 23 de outubro de 1990 e foi promulgada por meio do Decreto n. 99.710, em 21 de novembro de 1990. Nota-se a grande celeridade de sua incorporação ao Direito brasileiro.

A Convenção possui 54 artigos, divididos em três partes. Na Parte I, a Convenção estabelece definições e obrigações dos Estados Partes; na Parte II, determina a constituição de um Comitê para os Direitos das Crianças e, na Parte III, fixa as disposições finais (assinatura, ratificação, adesão, entrada em vigor, emendas e reservas, denúncias, dentre outras).

O art. 1º da Convenção define que é considerado como criança, para seus fins, como “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. Observe-se que a definição da criança para a Convenção distingue-se da previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que considera como criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (art. 2º).

O art. 2º da Convenção enuncia a obrigação geral dos Estados Partes de respeitarem os direitos nela previstos, bem como de assegurar sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais. Ademais, estabelece que os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.

O art. 3º, por sua vez, determina a consideração primordial do melhor interesse da criança (best interests of the child) em todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos e que se assegure à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. Ainda, determina que os Estados Partes se certifiquem de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à sua segurança e à saúde, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

A Convenção determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas administrativas, legislativas ou de outra espécie com a finalidade de implementar os direitos nela reconhecidos e, com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, devem adotar essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e, quando necessário, dentro de um quadro de cooperação internacional, conforme determina o art. 4º.

Devem também respeitar as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, quando for o caso, dos membros da família ampliada ou da comunidade, conforme determinem os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis, de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas e acordes com a evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos na Convenção (art. 5º).

A partir do art. 6º a Convenção passa a enunciar os direitos em espécie a serem protegidos ou promovidos. O primeiro deles é o direito à vida, reconhecido como inerente a toda criança, devendo os Estados assegurar ao máximo sua sobrevivência e o seu desenvolvimento (art. 6º).

No art. 7º, garante-se o direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento e de que tenha, desde o momento do nascimento, um nome, uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles. Os Estados devem zelar pela aplicação desses direitos em conformidade com sua legislação nacional e com as obrigações assumidas em virtude de instrumentos internacionais, sobretudo se, de outro modo, a criança se tornaria apátrida. Devem também se comprometer a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas (art. 8º). Nesse sentido, quando uma criança for privada ilegalmente de algum ou de todos os elementos que configuram sua identidade, os Estados Partes devem prestar assistência e proteção adequadas com o intuito de restabelecer rapidamente sua identidade.

Nessa esteira, o art. 9º determina que os Estados zelem para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade destes, salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança, mediante autorização das autoridades competentes, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, sendo possível a revisão judicial. A Convenção menciona que a determinação de separação pode ser necessária em casos específicos, exemplificando os casos em que a criança sofre maus-tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão precisa ser tomada a respeito do local de sua residência. No caso de determinação de separação, todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões e, à criança separada de um ou de ambos os pais, reconhece-se o direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança. Se a separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado Parte, como detenção, prisão, exílio, deportação ou morte de um dos pais da criança, ou de ambos, ou da própria criança, o Estado, quando solicitado, deve proporcionar aos pais, à criança ou, se for o caso, a outro familiar, informações básicas a respeito do paradeiro do familiar ou familiares ausentes, a não ser que tal procedimento seja prejudicial ao bem-estar da criança.

Ademais, a Convenção estabelece obrigações que favorecem a reunião da família. Assim, toda solicitação apresentada por uma criança, ou por seus pais, para ingressar ou sair de um Estado Parte com vistas à reunião da família, deverá ser atendida pelos Estados Partes de forma positiva, humanitária e rápida e estes deverão assegurar que a apresentação de tal solicitação não acarretará consequências adversas para os solicitantes ou para seus familiares. Ademais, a criança cujos pais residam em Estados diferentes terá o direito de manter, periodicamente, relações pessoais e contato direto com ambos, exceto em circunstâncias especiais. Assim, os Estados Partes devem respeitar o direito da criança e de seus pais de ingressar no seu próprio país e de sair de qualquer país, inclusive do próprio, sujeitando-se, neste caso, apenas às restrições determinadas pela lei que sejam necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades de outras pessoas e que estejam de acordo com os demais direitos reconhecidos pela Convenção (art. 10).

Entretanto, os Estados devem adotar medidas com a finalidade de combater a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita destas fora do país, promovendo, para tanto, a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos já existentes (art. 11). Nesse sentido, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980, incorporando-a internamente pelo Decreto n. 3.413/2000, pela qual se busca proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual.

No art. 12, a Convenção confere à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o importante direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança. Nesse sentido, o Estado deve proporcionar à criança a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, diretamente ou por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional.

Nessa esteira, a Convenção também garante à criança o direito à liberdade de expressão, o qual inclui a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança (art. 13). Certas restrições podem ser impostas ao exercício de tal direito, mas unicamente se previstas em lei e se forem necessárias para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais ou para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou da saúde e da moral públicas (art. 14).

Às crianças também é garantido o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de crença. Os Estados Partes devem respeitar os direitos e deveres dos pais e dos representantes legais de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de acordo com a evolução de sua capacidade. Ademais, a liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita, unicamente, às limitações prescritas em lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a moral, a saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais (art. 14).

O art. 15 determina aos Estados Partes o reconhecimento dos direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas, não podendo ser impostas restrições ao exercício desses direitos, salvo as estabelecidas em conformidade com a lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou pública, da ordem pública, da proteção à saúde e à moral públicas ou da proteção aos direitos e liberdades dos demais.

A Convenção prevê que nenhuma criança poderá ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação, devendo o Estado conferir o direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados (art. 16).

No art. 17, a Convenção declara que os Estados Partes reconhecem a importância da função desempenhada pelos meios de comunicação. Nesse sentido, devem zelar para que a criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente informações e materiais que visem a promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental. Para tanto, os Estados Partes devem incentivar os meios de comunicação a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança, bem como a produção e difusão de livros para crianças; promover a cooperação internacional na produção, no intercâmbio e na divulgação dessas informações e desses materiais procedentes de diversas fontes culturais, nacionais e internacionais; incentivar os meios de comunicação no sentido de, particularmente, considerar as necessidades linguísticas da criança que pertença a um grupo minoritário ou que seja indígena; e, finalmente, promover a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar.

A Convenção ainda prevê que os Estados devem envidar seus melhores esforços para assegurar o reconhecimento de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Estabelece que cabe aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança, devendo ser o melhor interesse da criança sua preocupação fundamental. Para que se garantam os direitos enunciados na Convenção, os Estados devem prestar assistência adequada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança, assegurando a criação de instituições, instalações e serviços para o cuidado das crianças. Devem também adotar todas as medidas apropriadas a fim de que as crianças cujos pais trabalhem tenham direito a beneficiar-se dos serviços de assistência social e creches (art. 18).

O art. 19 determina que os Estados adotem todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. Tais medidas devem incluir procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos mencionados de maus-tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.

No art. 20, garante-se às crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar, ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio, o direito à proteção e assistência especiais do Estado, devendo os Estados Partes garantir, de acordo com suas leis nacionais, cuidados alternativos para essas crianças, inclusive a colocação em lares de adoção, a kafalah do direito islâmico, a adoção ou, caso necessário, a colocação em instituições adequadas de proteção para as crianças. Se tais soluções forem eleitas, deve-se dar especial atenção à origem étnica, religiosa, cultural e linguística da criança, bem como à conveniência da continuidade de sua educação.

O art. 21 versa sobre sistema de adoção. Os Estados Partes devem considerar sempre o melhor interesse da criança, atentando para cinco aspectos:

i) a adoção seja autorizada apenas pelas autoridades competentes, as quais determinarão, conforme as leis e os procedimentos cabíveis e com base em todas as informações pertinentes e fidedignas, que a adoção é admissível em vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais, parentes e representantes legais e que, caso solicitado, as pessoas interessadas tenham dado, com conhecimento de causa, seu consentimento à adoção, com base no assessoramento que possa ser necessário;

ii) a adoção para Estado estrangeiro seja considerada como outro meio de cuidar da criança, no caso em que esta não possa ser colocada em um lar de adoção ou entregue a uma família adotiva ou não receba atendimento adequado em seu país de origem;

iii) a criança adotada em outro país goze de salvaguardas e normas equivalentes às existentes em seu país de origem com relação à adoção;

iv) todas as medidas apropriadas sejam implementadas, a fim de garantir que, em caso de adoção em outro país, a colocação não permita benefícios financeiros indevidos aos que dela participarem;

v) os Estados devem promover os objetivos do sistema de adoção mediante ajustes ou acordos bilaterais ou multilaterais, envidando esforços para assegurar que a colocação da criança em outro país seja levada a cabo por intermédio das autoridades ou organismos competentes.

No art. 22, a Convenção determina que os Estados Partes devem adotar medidas pertinentes para assegurar que a criança que tente obter a condição de refugiada, ou que seja considerada como refugiada de acordo com o direito e os procedimentos internacionais ou internos aplicáveis, receba, tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra pessoa, a proteção e a assistência humanitária adequadas. Com isso, busca-se garantir que possa usufruir dos direitos enunciados na Convenção e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos ou de caráter humanitário dos quais os Estados sejam partes. Nesse sentido, os Estados devem cooperar com as Nações Unidas e demais organizações intergovernamentais competentes, ou organizações não governamentais que cooperem com as Nações Unidas, com o objetivo de proteger e ajudar a criança refugiada, bem como de localizar seus pais ou outros membros de sua família a fim de obter informações necessárias que permitam sua reunião com a família. Ademais, quando não for possível localizar nenhum dos pais ou membros da família, será concedida à criança a mesma proteção outorgada a qualquer outra criança privada permanente ou temporariamente de seu ambiente familiar, seja qual for o motivo.

O art. 23 trata de direitos da criança com deficiência física ou mental. Os Estados devem reconhecer que estas devem desfrutar de uma vida plena e decente, em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade. Ademais, reconhecem seu direito de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, devem estimular e assegurar a prestação da assistência solicitada, que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados. A assistência prestada para atender às necessidades especiais da criança com deficiência será gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e objetivará assegurar a ela o acesso efetivo à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira que atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual. Os Estados devem promover intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento médico, psicológico e funcional das crianças com deficiência, inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional, bem como o acesso a essa informação, a fim de que os Estados possam aprimorar sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência nesses campos, levando-se em conta as necessidades dos países em desenvolvimento.

Pelo art. 24, a Convenção determina que os Estados Partes reconheçam o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde, envidando esforços para assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários. Os Estados devem garantir a plena aplicação desse direito, adotando, em especial, medidas apropriadas para: reduzir a mortalidade infantil; assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças, com ênfase nos cuidados básicos de saúde; combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável; assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal; assegurar que todos os setores da sociedade conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos; e, finalmente, desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar. Os Estados também devem adotar todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança e se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional para alcançar, progressivamente, a plena efetivação do direito à saúde.

O art. 25 cuida da internação de crianças em estabelecimento por autoridades competentes para fins de atendimento, proteção ou tratamento de saúde física ou mental. Nesse contexto, os Estados reconhecem, pela Convenção, o direito da criança a um exame periódico de avaliação do tratamento ao qual está sendo submetida e de todos os demais aspectos relativos à sua internação.

No art. 26, reconhece-se o direito das crianças de usufruir da previdência social, inclusive do seguro social. Assim, os Estados devem adotar as medidas necessárias para alcançar a plena consecução desse direito, em conformidade com sua legislação nacional. Os benefícios serão concedidos tendo em conta os recursos e a situação da criança e das pessoas responsáveis por seu sustento, além de outras considerações cabíveis.

O direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social é reconhecido no art. 27 da Convenção. Nesse sentido, atribui-se aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança. Os Estados, entretanto, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, devem adotar medidas apropriadas para ajudar a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, devem proporcionar assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. Os Estados devem também tomar todas as medidas adequadas para assegurar o pagamento da pensão alimentícia por parte dos pais ou de outras pessoas financeiramente responsáveis pela criança, quer residam no Estado Parte, quer no exterior. Assim, se a pessoa que detém a responsabilidade financeira pela criança residir em Estado diferente daquele onde mora a criança, o Estado Parte deve promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos, bem como a adoção de outras medidas apropriadas.

O art. 28 cuida do direito da criança à educação. Para que se possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, os Estados Partes devem tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos. Devem também estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas, como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade. Ademais, devem tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade, e tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças. Devem ainda adotar medidas para estimular a frequência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar e para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança. Finalmente, a Convenção atribui aos Estados Partes a obrigação de promover e estimular a cooperação internacional em questões relativas à educação, especialmente com o intuito de contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino.

No art. 29, a Convenção ainda especifica como deve ser orientada a educação da criança. Em primeiro lugar, deve ser voltada a desenvolver sua personalidade, suas aptidões e sua capacidade mental e física em todo o seu potencial. Ademais, deve imbuir nela o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, ao meio ambiente e aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do seu país (de residência e de origem) e aos das civilizações diferentes da sua. Finalmente, deve preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena. Tais disposições, entretanto, não podem ser interpretadas para restringir a liberdade dos indivíduos ou das entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que a educação ministrada em tais instituições esteja em conformidade com os padrões mínimos estabelecidos pelo Estado.

A Convenção dispõe também sobre a situação das crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, ou pessoas de origem indígena, em seu art. 30. À criança que pertença a tais minorias ou que seja indígena é conferido o direito de, em comunidade com os demais membros de seu grupo, ter sua própria cultura, professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma.

Reconhece-se ainda o direito ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística, devendo os Estados respeitar o direito da criança de participar plenamente da vida cultural e artística e encorajar a criação de oportunidades adequadas, em condições de igualdade, para que participem da vida cultural, artística, recreativa e de lazer (art. 31).

Garante-se ainda o direito de a criança estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. Para assegurar sua efetivação, os Estados devem adotar medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais e devem, em particular, estabelecer idade mínima para a admissão em empregos, regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego e sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo dessa disposição (art. 32).

No art. 33, a Convenção determina que os Estados adotem medidas apropriadas, inclusive legislativas, administrativas, sociais e educacionais, com o fim de proteger a criança contra o uso ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas descritas nos tratados internacionais pertinentes e para impedir que sejam utilizadas na produção e no tráfico ilícito dessas substâncias.

Os Estados também se comprometem, pelo art. 34, a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Para tanto, os Estados devem tomar todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais e em espetáculos ou materiais pornográficos.

Também com o fim de impedir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças para qualquer fim ou sob qualquer forma, os Estados Partes devem tomar todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias (art. 35). Ademais, os Estados devem proteger a criança contra todas as demais formas de exploração que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bem-estar (art. 36).

O art. 37 versa sobre aspectos relativos a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes e à privação da liberdade das crianças. Assim, os Estados devem zelar para que nenhuma criança seja submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes e não poderão impor a pena de morte nem a prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade. Ademais, nenhuma criança deve ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária, devendo a detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança ser efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado. Toda criança que for privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Crianças em tais condições devem ficar separadas dos adultos, a não ser que tal fato seja considerado contrário ao melhor interesse da criança, assegurando-se a elas o direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais. Finalmente, explicita-se que toda criança privada de liberdade deve ter direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada, bem como direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente, independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação.

O art. 38 versa sobre a participação de crianças em conflitos armados e hostilidades. Nesse sentido, os Estados se comprometem, por meio da Convenção, a respeitar e a fazer com que sejam respeitadas as normas do direito humanitário internacional aplicáveis em casos de conflito armado no que digam respeito às crianças. Devem adotar todas as medidas possíveis a fim de assegurar que todas as pessoas que ainda não tenham completado quinze anos de idade não participem diretamente de hostilidades. Devem também abster-se de recrutar pessoas que não tenham completado 15 anos de idade para servir em suas forças armadas; caso recrutem pessoas que tenham completado 15 anos mas que tenham menos de 18 anos, deve-se dar prioridade aos mais velhos. Finalmente, em conformidade com suas obrigações de acordo com o direito humanitário internacional para proteção da população civil durante os conflitos armados, os Estados Partes devem adotar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e o cuidado das crianças afetadas por um conflito armado.

Todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou de conflitos armados devem ser adotadas pelos Estados, o que deve ser feito em um ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança (art. 39).

Finalmente, o art. 40 da Convenção assegura uma série de direitos processuais às crianças. Enuncia-se que os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.

Para tanto, a Convenção determina que os Estados assegurem uma série de medidas. Primeiramente, o Estado deve assegurar que não se alegue que nenhuma criança tenha infringido as leis penais, nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter infringido essas leis, por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação nacional ou pelo direito internacional no momento em que foram cometidos. Às crianças nessas condições devem ser concedidas as seguintes garantias: ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpabilidade conforme a lei; ser informada sem demora e diretamente ou por intermédio de seus pais ou de seus representantes legais, das acusações que pesam contra ela; dispor de assistência jurídica ou outro tipo de assistência apropriada para a preparação e apresentação de sua defesa; ter a causa decidida sem demora por autoridade ou órgão judicial competente, independente e imparcial, em audiência justa conforme a lei, com assistência jurídica ou outra assistência e, a não ser que seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, levando em consideração especialmente sua idade ou situação e a de seus pais ou representantes legais; não ser obrigada a testemunhar ou a se declarar culpada; e poder interrogar ou fazer com que sejam interrogadas as testemunhas de acusação, bem como poder obter a participação e o interrogatório de testemunhas em sua defesa, em igualdade de condições; contar com a assistência gratuita de um intérprete caso a criança não compreenda ou fale o idioma utilizado; ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo; e, finalmente, ter submetidas a revisão por autoridade ou órgão judicial superior competente, independente e imparcial, de acordo com a lei, as decisões que reconheçam a violação a leis penais.

Nessa esteira, os Estados se comprometem a buscar promover o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido. Em especial, devem estabelecer uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais e devem adotar, sempre que conveniente e desejável, medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais, respeitando-se plenamente os direitos humanos e as garantias legais. No caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial (art. 228).

Ademais, devem disponibilizar diversas medidas, como ordens de guarda, orientação e supervisão, aconselhamento, liberdade vigiada, colocação em lares de adoção, programas de educação e formação profissional, bem como outras alternativas à internação em instituições, para garantir que as crianças sejam tratadas de modo apropriado ao seu bem-estar e de forma proporcional às circunstâncias e ao tipo do delito.

No art. 41, a Convenção determina que nada do que nela estipulado afeta disposições mais convenientes para a realização dos direitos das crianças que constem das leis de Estado Parte ou das normas de direito internacional vigentes para esse Estado.

Na Parte II, como já mencionado, determina-se a constituição do Comitê para os Direitos da Criança, para conferir maior eficácia com relação às disposições da Convenção, devendo os Estados, periodicamente, encaminhar relatórios sobre a situação nacional dos direitos protegidos11. Na Parte III, finalmente, a Convenção apresenta disposições finais.

Em dezembro de 2011, a Assembleia Geral da ONU adotou o 3º Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, aberto a ratificações somente a partir de fevereiro de 2012, que cria um direito de petição das vítimas ao Comitê para os Direitos das Crianças.

10.1. O PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA RELATIVO AO ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS EM CONFLITOS ARMADOS

O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados foi adotado em Nova Iorque, em 25 de maio de 2000, e entrou em vigor internacionalmente em 12 de fevereiro de 2002, com o objetivo primordial de estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento de pessoas pelas forças armadas, reconhecendo-se as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades, em decorrência de sua situação econômica ou social ou de sexo. O Protocolo leva em consideração as causas econômicas, sociais e políticas que levam ao envolvimento de crianças em conflitos armados.

O Protocolo foi firmado seguindo tendência internacional, uma vez que a vigésima sexta Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, realizada em dezembro de 1995, já havia recomendado que as partes envolvidas em conflitos adotassem todas as medidas possíveis para garantir que crianças menores de 18 anos não participem de hostilidades. Ademais, a Convenção n. 182 da OIT sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação, adotada em julho de 1999, proíbe o recrutamento forçado ou compulsório de crianças para utilização em conflitos armados.

O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 6 de setembro de 2000; aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 230, de 29 de maio de 2003, e ratificado em 27 de janeiro de 2004. Entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado pelo Decreto n. 5.006, de 8 de março de 2004.

Possui apenas 13 artigos, alguns dos quais versam sobre o recrutamento para as forças armadas e outros se referem a grupos distintos das forças armadas. Deve-se observar que, por disposição expressa, nenhuma das disposições do Protocolo deve ser interpretada de modo a impedir a aplicação dos preceitos do ordenamento interno do Estado ou de instrumentos internacionais e do direito humanitário internacional, quando forem mais propícios à realização dos direitos da criança (art. 5º).

Já nos arts. 1º e 2º, o Protocolo enuncia que os Estados Partes deverão adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e deverão assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas.

Os Estados devem ainda elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos (idade fixada no art. 38, parágrafo 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança), nos termos do art. 3º do Protocolo. Para tanto, ao ratificar o Protocolo ou aderir a ele, cada Estado depositará uma declaração vinculante, que fixa a idade mínima permitida para o recrutamento voluntário nas forças armadas nacionais, além de apresentar as salvaguardas adotadas para assegurar que o recrutamento não seja feito por meio da força ou coação. A declaração poderá ser ampliada a qualquer tempo pelos Estados por meio de notificação encaminhada ao Secretário-Geral da ONU. Observe-se que a exigência de elevação de idade não se aplica a escolas operadas ou controladas pelas forças armadas.

Se os Estados Partes permitirem o recrutamento voluntário de menores de 18 anos, devem manter salvaguardas para assegurar no mínimo que o recrutamento seja realmente voluntário, que seja feito com o consentimento informado dos pais do menor ou de seus tutores legais, que os menores sejam devidamente informados das responsabilidades envolvidas no serviço militar e que comprovem sua idade antes de serem aceitos no serviço militar nacional.

No art. 4º, o Protocolo estabelece que os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão, em qualquer circunstância, recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades, devendo os Estados adotar todas as medidas possíveis para evitar esse recrutamento e essa utilização, inclusive mediante a adoção de medidas legais necessárias para proibir e criminalizar tais práticas.

O art. 6º determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas legais, administrativas e de outra natureza necessárias para assegurar a implementação e aplicação efetivas das disposições do Protocolo em suas jurisdições, comprometendo-se a disseminar e promover os princípios e as disposições do Protocolo junto a adultos e crianças. Também devem comprometer-se a adotar todas as medidas possíveis para assegurar que pessoas em sua jurisdição recrutadas ou utilizadas em hostilidades, em contrariedade ao Protocolo, sejam desmobilizadas ou liberadas do serviço de outro modo, prestando a essas pessoas, quando for necessário, toda a assistência apropriada para a sua recuperação física e psicológica e para sua reintegração social.

O art. 7º cuida da cooperação que deve ocorrer entre os Estados, inclusive por meio de cooperação técnica e assistência financeira, para implementação do Protocolo, também quanto à prevenção de qualquer atividade contrária às suas disposições e na reabilitação e reintegração social de vítimas. A assistência e cooperação devem ser implementadas de comum acordo com os Estados Partes envolvidos e organizações internacionais relevantes, e os Estados que tenham condições prestarão assistência por meio de programas multilaterais, bilaterais ou de outros programas existentes ou por meio de um fundo voluntário criado em conformidade com as normas da Assembleia Geral.

Finalmente, no artigo 8º o Protocolo determina a submissão de relatório abrangente ao Comitê sobre os Direitos da Criança, no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo, que conterá inclusive as medidas adotadas para implementar as disposições sobre participação e recrutamento. Após a apresentação desse relatório, o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo. Outros Estados Partes do Protocolo devem submeter um relatório a cada cinco anos. O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo.

A partir do art. 9º, o Protocolo enuncia suas disposições finais: assinatura, ratificação e adesão (art. 9º), entrada em vigor (art. 10), denúncia (art. 11), proposição de emenda (art. 12), dentre outras.

10.2. PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA REFERENTE À VENDA DE CRIANÇAS, À PROSTITUIÇÃO INFANTIL E À PORNOGRAFIA INFANTIL

O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil foi adotado em Nova Iorque em 25 de maio de 2000 e entrou em vigor internacional em 18 de janeiro de 2002. No Brasil, o Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 230, de 29 de maio de 2003. O instrumento de ratificação foi depositado junto à Secretaria Geral da ONU em 27 de janeiro de 2004 e o Protocolo entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado por meio do Decreto n. 5.007, de 8 de março de 2004.

Foi adotado com a finalidade de ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança, com a finalidade de garantir a proteção das crianças – grupo particularmente vulnerável e mais exposto ao risco de exploração sexual – contra a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil, ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins, com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na internet e em outras tecnologias modernas12. Considerou-se, nesse sentido, o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho perigoso ou capaz de interferir em sua educação ou ser prejudicial à sua saúde ou ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

A elaboração do Protocolo levou em consideração os aspectos que contribuem para a ocorrência da venda de crianças, da prostituição infantil e da pornografia, como o subdesenvolvimento, a pobreza, as disparidades econômicas, a estrutura socioeconômica desigual, as famílias com disfunções, a ausência de educação, a migração do campo para a cidade, a discriminação sexual, o comportamento sexual adulto irresponsável, as práticas tradicionais prejudiciais e os conflitos armados e o tráfico de crianças, conforme explicitado em seus consideranda.

O Protocolo possui 17 artigos, não divididos em seções específicas. No primeiro deles, o documento estabelece que os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil. No art. 2º, são apresentadas as definições para os seus propósitos. Assim, a venda de crianças é definida como:

qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas;

em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação.

A prostituição infantil consiste no uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação e, finalmente, a pornografia infantil é definida como qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais.

O Protocolo estabelece diversos mandados internacionais de criminalização dos atos relacionados à venda de crianças, à prostituição e pornografia infantis. O art. 3º determina que os Estados Partes devem assegurar a criminalização integral dos atos mencionados, quer sejam cometidos dentro, quer fora de suas fronteiras, de forma individual ou organizada. Assim, no contexto da venda de crianças, os Estados devem criminalizar a oferta, entrega ou aceitação de uma criança, por qualquer meio, para fins de exploração sexual, transplante de órgãos com fins lucrativos ou envolvimento em trabalho forçado.

Nesse contexto, o Estado deve ainda criminalizar a indução indevida ao consentimento, na qualidade de intermediário, para adoção de uma criança em violação dos instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis sobre adoção. Devem ser considerados crimes também os atos de oferta, obtenção, aquisição, aliciamento ou o fornecimento de uma criança para fins de prostituição infantil e a produção, distribuição, disseminação, importação, exportação, oferta, venda ou posse, para os fins mencionados, de pornografia infantil.

A tentativa desses atos também será punida, bem como cumplicidade ou participação em qualquer deles. A cominação das penas deve levar em conta a gravidade dos delitos e os Estados devem adotar medidas, quando for apropriado, para determinar a responsabilização legal das pessoas jurídicas, que poderá ser de natureza criminal, civil ou administrativa. Ademais, os Estados devem adotar todas as medidas legais e administrativas apropriadas para assegurar que todas as pessoas envolvidas na adoção de uma criança ajam em conformidade com os instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis.

O art. 4º determina que o Estado Parte adote as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os crimes cometidos em seu território ou a bordo de embarcação ou aeronave registrada no Estado, bem como medidas para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos quando o criminoso presumido estiver presente em seu território e não for extraditado para outro Estado (aut dedere, aut judicare – ou extradita, ou julga). Parte pelo fato de o delito haver sido cometido por um de seus cidadãos. O Estado pode também adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos nos casos em que o criminoso presumido for um cidadão daquele Estado ou uma pessoa que mantém residência habitual em seu território ou nos casos em que a vítima for um cidadão daquele Estado.

O art. 5º, por sua vez, determina que os delitos relativos à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil devem ser considerados delitos passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição existente entre Estados Partes, e devem ser incluídos como delitos passíveis de extradição em todo tratado de extradição subsequentemente celebrado entre eles. Se o Estado Parte que condicionar a extradição à existência de um tratado receber solicitação de extradição de outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição, poderá adotar o Protocolo como base jurídica para a extradição quanto a esses delitos, sujeitando-se a extradição às condições previstas na legislação do Estado demandado. Ainda, se os Estados Partes não condicionarem a extradição à existência de um tratado, devem reconhecer os delitos como passíveis de extradição entre si, em conformidade com as condições estabelecidas na legislação do Estado demandado. Se este Estado não conceder a extradição ou recusar-se a concedê-la com base na nacionalidade do autor do delito, este Estado adotará as medidas apropriadas para submeter o caso às suas autoridades competentes, com vistas à instauração de processo penal (aut dedere aut judicare – ou entrega ou julga).

O art. 6º versa sobre a prestação de assistência jurídica penal mútua entre os Estados Partes no que se refere a investigações ou processos criminais ou de extradição instaurados, inclusive para obtenção de provas à sua disposição e necessárias para a condução dos processos. Tais obrigações devem ser cumpridas em conformidade com quaisquer tratados ou outros acordos sobre assistência jurídica mútua que porventura existam entre os Estados Partes e, na ausência destes, devem prestar-se assistência mútua em conformidade com sua legislação nacional.

Para dificultar a ocorrência dos delitos relacionados à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, os Estados Partes devem adotar medidas para permitir o sequestro e confisco, conforme o caso, de bens, tais como materiais, ativos e outros meios utilizados para cometer ou facilitar o cometimento dos delitos, bem como rendas decorrentes do seu cometimento. Devem também atender às solicitações de outro Estado Parte referentes ao sequestro ou confisco de bens ou rendas e para fechar, temporária ou definitivamente, os locais utilizados para cometer esses delitos.

O art. 8º dispõe sobre as medidas a serem adotadas para proteger os direitos e interesses de crianças vítimas das práticas proibidas pelo Protocolo em todos os estágios do processo judicial criminal, considerando-se primordialmente o melhor interesse da criança. Nesse contexto, o Estado deve reconhecer a vulnerabilidade de crianças vitimadas e adaptando procedimentos para reconhecer suas necessidades especiais, inclusive como testemunhas, além de assegurar sua segurança, bem como de suas famílias e testemunhas, contra intimidação e retaliação e de prestar serviços adequados de apoio às crianças vitimadas no transcorrer do processo judicial.

Os Estados devem ainda informar as crianças sobre seus direitos, seu papel, além do alcance, datas e andamento dos processos e a condução de seus casos e evitar a demora desnecessária na condução de causas e no cumprimento de ordens ou decretos concedendo reparação a crianças vitimadas. Devem permitir que suas opiniões, necessidades e preocupações sejam apresentadas e consideradas nos processos em que seus interesses pessoais forem afetados, de forma coerente com as normas processuais da legislação nacional. A privacidade e a identidade das crianças também devem ser protegidas, devendo o Estado adotar medidas para evitar a disseminação inadequada de informações que possam levar à sua identificação.

Os Estados devem assegurar que eventuais dúvidas sobre a idade real da vítima não impeçam que se dê início a investigações, sejam elas criminais ou para determinar a idade da vítima. Ademais, devem assegurar treinamento apropriado, especialmente jurídico e psicológico, às pessoas que trabalham com vítimas dos delitos em questão e, nos casos apropriados, devem adotar medidas para proteger a segurança e integridade das pessoas e organizações envolvidas na prevenção ou proteção e reabilitação de vítimas desses delitos.

O art. 9º prevê as medidas a serem tomadas pelos Estados para implementar as disposições do Protocolo. Assim, determina que os Estados adotem ou reforcem, implementem e disseminem leis, medidas administrativas, políticas e programas sociais para evitar os delitos estabelecidos no Protocolo, conferindo especial atenção à proteção de crianças especialmente vulneráveis às práticas nele descritas. Devem ainda promover a conscientização do público em geral, inclusive das crianças, por meio de informações disseminadas por todos os meios apropriados, educação e treinamento, sobre as medidas preventivas e os efeitos prejudiciais da venda de crianças, da prostituição e pornografia infantis. No cumprimento dessas obrigações, os Estados Partes devem incentivar a participação da comunidade e, em particular, de crianças vitimadas, nas informações e em programas educativos e de treinamento, inclusive em nível internacional. Devem ainda adotar todas as medidas possíveis para assegurar assistência apropriada às vítimas, inclusive sua completa reintegração social e sua total recuperação física e psicológica, e assegurar que tenham acesso a procedimentos adequados que lhes permitam obter das pessoas legalmente responsáveis, sem discriminação, reparação pelos danos sofridos.

Conforme determina o art. 10, os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para intensificar a cooperação internacional por meio de acordos multilaterais, regionais e bilaterais para prevenir, detectar, investigar, julgar e punir os responsáveis por atos envolvendo a venda de crianças, a prostituição infantil, a pornografia infantil e o turismo sexual infantil. Ademais, devem promover a cooperação e coordenação internacionais entre suas autoridades, organizações não governamentais nacionais e internacionais e organizações internacionais. Devem ainda promover a cooperação internacional com a finalidade de prestar assistência às crianças vitimadas em sua recuperação física e psicológica, sua reintegração social e repatriação, bem como o seu fortalecimento da cooperação para lutar contra as causas básicas, tais como pobreza e subdesenvolvimento, que contribuem para a vulnerabilidade das crianças. Os Estados que possuírem condições poderão ainda prestar assistência financeira, técnica ou de outra natureza por meio de programas multilaterais, regionais, bilaterais ou outros programas existentes.

No art. 11, o Protocolo prevê que nenhuma disposição poderá afetar quaisquer outras disposições mais propícias à fruição dos direitos da criança e que possam estar contidas na legislação interna do Estado ou na legislação internacional em vigor para aquele Estado.

O art. 12, por sua vez, prevê a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança, no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte, que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo. Após sua apresentação do relatório abrangente, o Estado parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazê-lo a cada cinco anos. O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo.

A partir do art. 13, estão previstas disposições finais do Protocolo (assinatura, entrada em vigor, denúncia, emendas, dentre outras).

QUADRO SINÓTICO

Convenção sobre os Direitos da Criança

Definição de criança

Todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Previsão da consideração do melhor interesse da criança (best interests of the child).

Principais direitos enunciados

Direito à vida.

Direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento.

Direito de ter, desde o momento do nascimento, um nome, uma nacionalidade e, na medida do possível, de conhecer seus pais e a ser cuidada por eles.

Direito de preservar sua identidade.

Direito de que não seja separada dos pais contra a vontade destes, salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança.

Direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos os pais, a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança (no caso de criança separada de um ou de ambos os pais).

Direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados.

Direito à liberdade de expressão.

Direito à liberdade de pensamento, de consciência e de crença.

Direitos à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas.

Direito à proteção da lei contra interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, e contra atentados ilegais a sua honra e a sua reputação.

Direito de acesso a informação.

Principais direitos enunciados

Direito à proteção e assistência especiais do Estado para crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar, ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio.

Direito a proteção e a assistência humanitária adequadas para crianças refugiadas.

Direitos específicos da criança com deficiência física ou mental (vida plena e decente, em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade).

Direito de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde.

Direito a um exame periódico de avaliação do tratamento e de todos os demais aspectos relativos à sua internação.

Direito de usufruir da previdência social.

Direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

Direito à educação.

Direito de, em comunidade com os demais membros de seu grupo, ter sua própria cultura, professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma (especialmente para crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, ou pessoas de origem indígena).

Direito ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística.

Principais direitos enunciados

Direito de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

Direito à proteção contra todas as formas de exploração e abuso sexual.

Direito de não ser submetida a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, nem à pena de morte ou à prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade.

Direito de não ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária.

Direito da criança privada da liberdade ser tratada com humanidade e respeito, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade; direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas; direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada; direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente, independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação.

Direitos processuais.

Mecanismo de monitoramento

Procedimento de relatórios periódicos.

Atenção: 3º Protocolo à Convenção (dezembro de 2011): direito de petição das vítimas ao Comitê (Brasil ainda não ratificou).

 

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados

Objetivo

Estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento de pessoas pelas forças armadas, reconhecendo-se as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades, em decorrência de sua situação econômica ou social ou de sexo. Nesse sentido, os Estados Partes devem adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e devem assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas, além de elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos. Ademais, os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão, em qualquer circunstância, recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades.

Mecanismo de monitoramento

Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança.

 

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil

Objetivo

Ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança, com a finalidade de garantir a proteção das crianças contra a venda, a prostituição infantil e a pornografia infantil, ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins, com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e em outras tecnologias modernas.

Definições

Venda de crianças: “qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas, em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação”.

Prostituição infantil: “o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação”.

Pornografia infantil: “qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais”.

Mecanismo de monitoramento

Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança

11. Declaração e Programa de Ação de Viena (1993)

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Conferência de Viena de 1993) foi a segunda grande conferência sobre direitos humanos sob o patrocínio da ONU (a primeira foi a de Teerã, 1968) e contou com a participação de delegações de 171 Estados e mais de 800 organizações não governamentais acreditadas como observadores oficiais, além do “Fórum das ONG’s” em paralelo ao evento, caracterizando-se como um verdadeiro marco para o Direito Internacional13.

Na Conferência de 1993, foram adotadas a Declaração e Programa de Ação de Viena, por consenso, resultando em uma abrangente análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos e ainda consagrando a universalidade como característica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos. Realçou-se ainda a responsabilidade de todos os Estados desenvolverem e encorajarem o respeito a todos os direitos humanos.

A Declaração e Programa de Ação de Viena é um documento único14, constituído de um preâmbulo de 17 parágrafos; da Parte I, com as declarações, apresentadas em 39 itens; e da Parte II, com 100 recomendações.

Inicialmente, declara-se que todos os povos têm direito à autodeterminação, podendo escolher livremente seu estatuto político e prosseguir livremente no seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Dessa forma, a Conferência Mundial de Direitos Humanos reconhece o direito dos povos sob domínio colonial ou ocupação estrangeira de empreenderem qualquer ação legítima, em conformidade com a Carta da ONU, para realizar seu direito à autodeterminação (item 2 da Declaração).

A Declaração ressalta a importância de se adotarem medidas internacionais para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos a ocupação estrangeira (item 3) e ressalta que a promoção e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem ser considerados objetivos prioritários da ONU, devendo os órgãos e agências especializadas reforçar a coordenação das suas atividades com base na aplicação coerente e objetiva dos instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos (item 4).

Enuncia-se que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e inter-relacionados, devendo a comunidade internacional considerá-los, globalmente, de forma justa e equitativa, no mesmo pé e com igual ênfase (item 5) e reafirma-se a importância de se garantir a universalidade, a objetividade e a não seletividade na consideração de questões relativas aos direitos humanos (item 32). Ressalta-se também que, embora o significado das especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos devam ser sempre levados em consideração, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

No item 8, declara-se que a democracia, o desenvolvimento e o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente. Nesse sentido, países menos desenvolvidos empenhados no processo de democratização e de reformas econômicas devem ser apoiados pela comunidade internacional, para que alcancem sucesso na sua transição para a democracia e para o desenvolvimento econômico (item 9).

Reafirma-se também o direito ao desenvolvimento (item 10), como direito inalienável e parte integrante dos direitos humanos, que deve ser realizado de modo a satisfazer, de forma equitativa, as necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e vindouras (item 11). Reconhece-se também que todos têm direito de usufruir os benefícios decorrentes do progresso científico e das suas aplicações práticas, considerando-se que alguns progressos, nomeadamente nas ciências biomédicas e da vida, bem como na tecnologia de informação, podem ter consequências potencialmente adversas para a integridade, a dignidade e os direitos humanos do indivíduo.

Por meio da Declaração, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos exorta a comunidade internacional a envidar todos os esforços necessários para ajudar a aliviar o peso da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento (item 12), conclama-a a promover esforços para atenuar e eliminar a pobreza extrema generalizada (item 14), a eliminar todas as formas de racismo e discriminação racial, xenofobia e manifestações conexas de intolerância (item 15) e a combater o terrorismo (item 17).

A Declaração também reafirma explicitamente os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino, exaltando como objetivos prioritários da comunidade internacional os esforços para eliminar a discriminação. Condena-se a violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual (item 18).

Declara-se também a importância de se promoverem e protegerem os direitos das minorias (item 19), dos grupos vulneráveis, como os trabalhadores migrantes (item 24) e dos povos indígenas (item 20). Ressalta-se também a necessidade de se efetivarem os direitos das crianças, considerando-se sempre o melhor interesse da criança (item 21), e das pessoas com deficiência, incluindo a sua participação ativa em todos os aspectos da vida em sociedade (item 22).

Reafirma-se o direito de todos, sem distinção, de procurar e obter, noutros países, asilo contra as perseguições de que sejam alvo, bem como o direito de regressar ao seu próprio país, reconhecendo a necessidade de adoção de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das movimentações de refugiados e outras pessoas deslocadas, o reforço de mecanismos de alerta e resposta em caso de emergência, a disponibilização de proteção e assistência efetivas, bem como a obtenção de soluções duradouras e a prestação de assistência humanitária às vítimas de todas as catástrofes, quer naturais quer causadas pelo ser humano (item 23).

Após reafirmar os direitos humanos, a Declaração conclama os Estados a oferecer um quadro institucional efetivo de soluções para reparar injustiças ou violações dos direitos humanos e ressalta a importância de uma administração da justiça forte e independente (item 27). Manifesta também a consternação pelas violações desses direitos, em especial sob a forma de genocídio, “limpeza étnica” e estupro sistemático de mulheres em situações de guerra, originando êxodos em massa de refugiados e pessoas deslocadas, reiterando a necessidade de punição dos autores e eliminação dessas práticas (item 28 – aceitação dos mandados internacionais de criminalização). Expressa também a profunda preocupação com as violações dos direitos humanos que ocorrem durante os conflitos armados, que afetam a população civil, sobretudo mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências, reafirmando a necessidade de observância do Direito Internacional Humanitário (item 29).

Menciona-se também a preocupação com a reiteração, em todo o mundo, de práticas de tortura e de penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, as execuções sumárias e arbitrárias, os desaparecimentos, as detenções arbitrárias, todas as formas de racismo, discriminação racial e apartheid, a ocupação e o domínio por parte de potências estrangeiras, a xenofobia, a pobreza, a fome e outras negações dos direitos econômicos, sociais e culturais, a intolerância religiosa, o terrorismo, a discriminação contra as mulheres e a inexistência do Estado de Direito (item 30).

A Declaração também exorta os Estados a que se abstenham de tomar qualquer medida unilateral, que não esteja em conformidade com o Direito Internacional e com a Carta das Nações Unidas e que crie obstáculos às relações comerciais entre Estados e obste à plena realização dos direitos humanos (em especial do direito de todos a um nível de vida adequado à sua saúde e bem-estar), não podendo a alimentação ser usada como meio de pressão política (item 31).

Realça-se a importância de se garantir que a educação se destine a reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, promovendo a compreensão, a tolerância, a paz e as relações amistosas entre as nações e todos os grupos raciais ou religiosos (item 33).

A Declaração menciona que devem ser empreendidos esforços acrescidos para apoiar os países que o solicitem a criar as condições que permitam a cada indivíduo usufruir os direitos humanos e das liberdades fundamentais universalmente reconhecidos, ressaltando o papel dos Governos, do sistema das Nações Unidas, bem como de outras organizações multilaterais (item 34). Finalmente, menciona a necessidade de dotar as atividades das Nações Unidas de mais recursos, para a plena e efetiva execução de suas atividades (item 35) e ressalta a importância das instituições nacionais e das organizações não governamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos (itens 36 e 38).

Em seguida, a Declaração e Programa de Ação de Viena apresenta as cem recomendações, que são divididas em tópicos e que referem à busca de igualdade e dignidade, educação para os direitos humanos, bem como maior coordenação no âmbito do sistema das Nações Unidas e meios de supervisão e controle do respeito aos direitos humanos.

QUADRO SINÓTICO

Declaração e Programa de Ação de Viena

É produto da análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos.

Ressalta que os direitos humanos são universais, indivisíveis e inter-relacionados, devendo a comunidade internacional considerá-los, globalmente, de forma justa e equitativa.

12. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos

As Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos foram adotadas pelo I Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes, que foi realizada em Genebra, em 31 de agosto de 1955. Foram posteriormente aprovadas pelo Conselho Econômico e Social, por meio das Resoluções n. 663 C (XXIV), de 31 de julho de 1957, e 2076 (LXII), de 13 de maio de 1977.

As Regras Mínimas possuem natureza de soft law, que consiste no conjunto de normas não vinculantes de Direito Internacional, mas que podem se transformar em normas vinculantes posteriormente, caso consigam a anuência dos Estados. Ademais, tais normas espelham diversos direitos dos presos, previstos em tratados, como, por exemplo, o direito à integridade física e psíquica, igualdade, liberdade de religião, direito à saúde, entre outros. Assim, por consequência, a violação das regras mínimas pode concretizar a violação de dispositivos previstos em tratados de direitos humanos.

Na mensagem de aprovação das Regras pelo Conselho Econômico e Social, recomenda-se que o Secretário-Geral seja informado de cinco em cinco anos quanto aos progressos feitos para a sua aplicação, bem como que sua adoção e aplicação em estabelecimentos penitenciários e correicionais seja favoravelmente encarada, conforme indicara o preâmbulo da Resolução adotada em 1955.

As Regras Mínimas, compostas por 95 artigos, estão divididas em três seções: observações preliminares (arts. 1º a 5º), regras de aplicação geral (Parte I, arts. 6º a 55) e regras aplicáveis a categoriais especiais (Parte II, arts. 56 e s.).

As observações preliminares deixam claro que não se pretende que as regras descrevam pormenorizadamente um sistema penitenciário e que, levando-se em conta a grande variedade de condições legais, sociais, econômicas e geográficas existentes, não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares. Pretendeu-se, entretanto, estabelecer princípios e regras básicos para a organização penitenciária e o tratamento dos reclusos, que devem servir de estímulo para esforços no sentido de promover a sua aplicação.

A primeira parte, conforme explicitam as observações preliminares, cuida de matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e se aplica a todas as categorias de reclusos, quer em foro criminal, quer em foro cível, incluindo-se aqueles em prisão preventiva ou já condenados, bem como os detidos por medida de segurança ou medidas de reeducação ordenadas por juiz. Conquanto as regras não tenham como objetivo enquadrar a organização de estabelecimentos juvenis, considera-se que as regras de aplicação geral a eles se aplicam.

Enuncia-se, de início, o princípio básico: a aplicação das regras de forma imparcial, sem qualquer tipo de discriminação (com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição). Entretanto, as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso devem ser respeitados.

Estabelecem-se regras sobre o registro de informações sobre o preso, como a identidade, os motivos da detenção e a autoridade que a ordenou e o dia e hora de entrada e saída, além da impossibilidade de que alguém seja preso sem ordem de detenção válida, cujos pormenores tenham sido registrados. Os bens pessoais do detido, quando não puderem manter sua posse durante a reclusão, serão guardados em lugar seguro e conservados em bom estado, para serem restituídos ao recluso no momento de sua libertação.

Também no momento da admissão, cada recluso deve receber informações escritas, ou oralmente, se o preso for analfabeto, sobre o regime aplicável à sua categoria, sobre as regras disciplinares do estabelecimento, sobre os meios autorizados para obter informações e formular queixas e sobre todos os outros pontos necessários para conhecer seus direitos e obrigações e para se adaptar à vida no estabelecimento. Os requerimentos ou queixas feitos pelos reclusos devem ser estudados sem demora e respondidos em tempo adequado, salvo se for inconsistente ou desprovido de fundamento.

Ademais, as diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos separados ou em diferentes zonas, considerando-se o sexo e a idade, além de antecedentes penais, razões da detenção e medidas necessárias. Dessa forma, fica estabelecido que, na medida do possível, homens e mulheres devem ser detidos em estabelecimentos separados ou em celas totalmente separadas, os presos preventivos devem ser separados dos condenados, os presos cíveis daqueles presos por motivos penais e os jovens reclusos com relação aos adultos.

Quanto aos locais de reclusão, as regras definem que não podem ser ocupados por mais de um recluso, salvo se houver excesso temporário de população prisional, quando dois reclusos poderão ficar em uma mesma cela. Tais locais devem atender a todas as exigências de higiene e saúde. Deve-se garantir também vestuário, que não pode ser degradante ou humilhante, e roupa de cama, além de alimentação de valor nutritivo adequado, acesso a água potável e a prática diária de exercício físico.

Ademais, todo estabelecimento penitenciário deve dispor de serviços de pelo menos um médico qualificado, com conhecimentos em psiquiatria, e de um dentista qualificado. Os reclusos doentes que necessitarem de cuidados especializados devem ser transferidos e, se o tratamento hospitalar for prestado no estabelecimento prisional, este deve estar equipado para oferecer o tratamento adequado. Nos estabelecimentos em que houver reclusas grávidas, devem existir instalações especiais para o seu tratamento e, se a criança lá nascer, tal fato não pode constar de seu registro. Dentre outras atribuições do médico, as regras mínimas preveem seu dever de examinar o recluso o mais rapidamente possível, após a sua admissão no estabelecimento, para tomar as medidas necessárias, bem como de vigiar a saúde física e mental dos reclusos.

As regras preveem ainda que cada estabelecimento penitenciário deve contar com uma biblioteca para uso dos reclusos e que, se reunir um número suficiente de reclusos de uma mesma religião, um representante dela deve ser nomeado ou autorizado. Entretanto, se o recluso se opuser à visita de um representante, sua vontade deve ser respeitada.

A realidade brasileira demonstra claramente que tais regras não são cumpridas no Brasil: a superlotação dos presídios, a reclusão do preso em cela não separada de outras categorias, as péssimas condições de higiene e salubridade, abusos físicos e sexuais das mais variadas formas, bem como o controle de facto do presídio por organizações criminosas exemplificam o quanto ainda se está distante do modelo concebido nas Regras Mínimas.

Estabelece-se, ainda, que a ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza, sem, entretanto, que se imponham mais restrições do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária. Com efeito, as condutas que constituem infração disciplinar, o tipo e a duração das sanções e a autoridade competente para pronunciá-las devem ser determinados por lei ou regulamentação emanada da autoridade administrativa competente. Ademais, o recluso não pode ser punido sem ser informado da infração de que é acusado e sem que tenha oportunidade de apresentar sua defesa.

As proibições de penas corporais e de colocação em “segredo escuro” e todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares. Penas de isolamento, redução de alimentação ou qualquer outra que possa ser prejudicial à saúde física ou mental do recluso não devem ser aplicadas nunca, salvo se o médico examinar o recluso e certificar, por escrito, que ele está apto a suportá-las. Se reclusos forem submetidos a tais sanções, o médico deve visitá-los diariamente e apresentar relatório se considerar necessário pôr fim ou modificar a sanção por razões de sanção física ou mental.

Por oportuno, ressalta-se que, embora sua constitucionalidade não tenha sido julgada pelo STF, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), incluído pela Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003, à Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), é questionado por parte da doutrina por ser considerado violador das Regras Mínimas, pela segregação prolongada de presos sem a observância dos limites vistos acima.

Ainda se estabelece que instrumentos como algemas, coletes de força, correntes e ferros nunca devem ser aplicados como sanção, e estes dois últimos instrumentos não podem ser utilizados como instrumentos de coação. Outros instrumentos de coação apenas podem ser utilizados em circunstâncias definidas, tais como por precaução contra evasão durante transferência ou por razões médicas sob indicação do médico.

Para permitir contatos com o mundo exterior, as Regras Mínimas aludem expressamente ao dever de se conceder aos reclusos a possibilidade de comunicar-se com as suas famílias, seja por meio de correspondência, seja por meio de visitas, bem como ao dever de mantê-los regularmente informados sobre as notícias mais importantes, por meio de jornais, periódicos ou outros meios autorizados ou controlados pela administração.

Há regras também sobre a notificação de morte, doença e transferência, dentre outros fatos ao recluso e à sua família; regras sobre a forma de transferência, situação em que medidas apropriadas devem ser tomadas para proteger de insultos, curiosidade ou publicidade e regra sobre a inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários para assegurar que sejam administrados de acordo com as leis e regulamentos vigentes.

Finalmente, as Regras Mínimas apresentam as diretrizes para a formação e o trabalho dos membros do pessoal penitenciário, ressaltando sua missão social de grande importância, bem como diretrizes sobre o relacionamento dos funcionários com os reclusos, especialmente tendo-se em conta o tratamento com as mulheres.

A segunda parte, de outro lado, contém regras referentes ao objetivo de reinserção do recluso na sociedade. As regras aplicáveis aos reclusos condenados são também aplicadas aos reclusos alienados e doentes mentais, reclusos detidos ou aguardando julgamento e condenados por dívidas ou a prisão civil, se não forem contraditórias com as regras específicas dessas seções e se levarem a uma melhoria de condições para tais reclusos.

Inicialmente, são apresentados os princípios gerais que devem nortear a administração dos sistemas penitenciários e os objetivos a que devem atender. Nesse sentido, ressalta-se que as medidas que resultarem na separação do criminoso, por privarem a pessoa de sua autodeterminação e de sua liberdade, de forma que o sistema penitenciário não deve agravar o sofrimento inerente a essa situação, exceto pontualmente, por razões justificáveis de segregação e para a manutenção da disciplina. Elege-se como fim da pena de privação de liberdade a proteção da sociedade contra o crime, o que só pode ser assegurado se o recluso, após seu regresso à liberdade, tenha vontade e aptidão para seguir um modo de vida de acordo com a lei e provendo suas próprias necessidades. Para tanto, diversas medidas são apresentadas com a finalidade de permitir a reintegração do recluso à sociedade.

Para atender à individualização da pena, cada recluso deve ter sua personalidade analisada para que lhe seja preparado um programa de tratamento, atendendo às suas necessidades individuais, suas capacidades e seu estado de espírito.

O trabalho na prisão é apresentado como uma medida apta a aumentar nos reclusos a capacidade de ganharem a vida honestamente após a liberdade. Dessa forma, prevê-se que a organização e os métodos do trabalho penitenciário devem se aproximar de trabalho semelhante fora do estabelecimento, garantindo-se aos reclusos os cuidados destinados a proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores e que a lei preveja seus direitos de limitação do tempo de jornada, descanso semanal, remuneração equitativa, indenização em caso de acidente de trabalho ou doenças profissionais, dentre outros.

Também para atender ao objetivo de inclusão futura do recluso, prevê-se que devem ser tomadas todas as medidas para melhorar sua educação, sendo esta obrigatória para analfabetos e jovens reclusos, além de atividades de recreio e culturais. Ademais, observa-se a necessidade de se prestar atenção à manutenção e à melhora das relações entre o recluso e a família e de se estimular o recluso a estabelecer relações com pessoas e organizações externas. Faz-se alusão, ainda, à importância de prestação de assistência pós-prisional.

As Regras Mínimas, então, apresentam o especial tratamento que deve ser conferido aos reclusos doentes mentais, que não devem ser mantidos em prisões, mas transferidos para estabelecimentos apropriados.

Quanto aos presos ainda no aguardo de sentença defintiva, estes são presumidos inocentes e assim devem ser tratados. Devem ser mantidos separados dos condenados, garantindo-se a eles maiores direitos, como o de ser visitado ou tratado por seu médico e dentista pessoais e o de se entrevistar com seu advogado sem que seja ouvido (embora possa ser visto) por funcionário da polícia ou do estabelecimento.

Há também regras para os países cuja legislação preveja a prisão por dívidas ou por outras formas pronunciadas por decisão sem natureza penal, não podendo estes ser submetidos a maiores restrições nem ser tratados com maior severidade do que o necessário para manter a segurança e a ordem.

Finalmente, para os presos sem acusação, sem prejuízo do que dispõe o art. 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que garante a qualquer pessoa privada de sua liberdade o direito de recorrer a um tribunal para que decida sobre a legalidade de seu encarceramento, aplicam-se as disposições da Parte I das Regras Mínimas, além das aplicadas aos presos preventivos não julgados e dos princípios gerais da Parte II.

QUADRO SINÓTICO

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos

Natureza jurídica de soft law. Mas reflete vários direitos previstos em tratados internacionais.

Secretário-Geral da ONU deve ser informado de cinco em cinco anos quanto aos progressos feitos para a sua aplicação, bem como que sua adoção.

Regras levam em conta a grande variedade de condições legais, sociais, econômicas e geográficas existentes, de forma que não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares.

A aplicação das regras deve ser feita de forma imparcial, sem qualquer tipo de discriminação (com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição). Entretanto, as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso devem ser respeitados.

Devem ser respeitados os demais direitos fundamentais do preso não afetados pela restrição de sua liberdade.

O objetivo é a reinserção social e prevenção da reincidência.

13. Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional

O Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotado em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000, foi firmado tendo-se em vista que a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas requer atuação conjunta dos países de origem, trânsito e destino, com medidas destinadas a prevenir o tráfico, punir os traficantes e proteger suas vítimas, nos termos de seu prêambulo.

No Brasil, foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 231, de 29 de maio de 2003, e ratificado em 29 de janeiro de 2004. Entrou em vigor internacional em 29 de setembro de 2003 e, para o Brasil, em 28 de fevereiro de 2004. Foi finalmente promulgado pelo Decreto n. 5.017, de 12 de março de 2004.

O Protocolo possui vinte artigos, divididos em quatro partes: disposições gerais (arts. 1º a 5º), proteção de vítimas de tráfico de pessoas (arts. 6º a 8º) e prevenção, cooperação e outras medidas (arts. 9º a 13) e disposições finais (arts. 14 a 20).

No art. 1º, explicita-se que o Protocolo completa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, devendo ser interpretado em conjunto com ela, cujas disposições aplicam-se, mutatis mutandis, ao Protocolo.

O art. 2º, por sua vez, enuncia quais são os objetivos do Protocolo, quais sejam:

prevenir e combater o tráfico de pessoas, com especial atenção às mulheres e às crianças; proteger e ajudar as vítimas do tráfico, com respeito pleno aos seus direitos humanos;

e promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos.

Ainda nas disposições gerais, o art. 3º apresenta definições para efeitos do Protocolo. O tráfico de pessoas significa:

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas.

Ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.

A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita.

De outro lado, se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento para fins de exploração se referirem a crianças – assim consideradas qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos –, restará configurado o tráfico de pessoas, ainda que a exploração não envolva nenhum dos meios acima referidos.

O art. 5º exige, por sua vez, que o Estado criminalize dos atos descritos como tráfico de pessoas, que tenham sido praticados intencionalmente, bem como sua tentativa, a participação como cúmplice, a organização da prática do tráfico ou a conferência de instruções a outras pessoas para que a pratiquem. O Protocolo se aplica à prevenção, investigação e repressão das infrações estabelecidas quando forem de natureza transnacional e envolverem grupo criminoso organizado, bem como à proteção das vítimas de tais infrações.

Na Parte II, o Protocolo dispõe sobre as medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas. Nesse sentido, no art. 6º, que diz respeito à assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas, fica estabelecido que o Estado protegerá a privacidade e a identidade das vítimas de tráfico de pessoas (inclusive com relação aos procedimentos judiciais relativos ao tráfico), nos casos em que se considere apropriado e na medida em que seja permitido pelo seu direito interno. Ademais, o Estado deve assegurar que seu sistema jurídico ou administrativo possua medidas que informem às vítimas do tráfico, quando for necessário, sobre os procedimentos judiciais e administrativos e assistência para permitir que suas preocupações sejam levadas em conta no processo penal instaurado contra o autor das infrações.

O Estado ainda deve fornecer medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, em especial alojamento, aconselhamento e informação, assistência médica psicológica e material e oportunidades de emprego, educação e formação. O Estado deve ainda promover esforços para garantir a segurança física das vítimas de tráfico de pessoas e assegurar que seu sistema jurídico viabilize a possibilidade de obterem indenização por danos sofridos.

No art. 7º, o Protocolo estabelece um estatuto das vítimas de tráfico de pessoas no Estado de acolhimento, prevendo que o Estado deve considerar a possibilidade de adotar medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem em seu território a título temporário ou permanente.

Finalmente, no art. 8º o Protocolo versa sobre o repatriamento das vítimas de tráfico de pessoas, de modo que o Estado Parte do qual a vítima é nacional ou tinha residência permanente deve facilitar e aceitar sem demora indevida ou injustificada o retorno da pessoa. Evidentemente, conforme previsto, deve-se levar em conta a segurança da pessoa e a situação de processo judicial relacionado ao fato de a pessoa ser vítima de tráfico.

Na terceira parte (“Prevenção, cooperação e outras medidas”), são determinadas medidas a serem adotadas pelos Estados para a prevenção e combate ao tráfico de pessoas e para proteção às suas vítimas, especialmente mulheres e crianças, tais como campanhas de informação e de difusão através dos órgãos de comunicação e iniciativas sociais e econômicas. Nesse sentido, devem tomar medidas para reduzir os fatores como a pobreza, o subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades que possam tornar as pessoas vulneráveis ao tráfico, bem como desencorajar a procura que fomenta atos de exploração de pessoas conducentes ao tráfico.

O art. 10 prevê que os órgãos do Estado devem cooperar entre si, mediante troca de informações, para verificar se as pessoas que atravessam ou tentam atravessar fronteira internacional com documentos de viagem pertencentes a terceiros ou sem documentos de viagem são autores ou vítimas de tráfico de pessoas; bem como para verificar os tipos de documentos de viagem que as pessoas têm utilizado ou tentado utilizar para atravessar uma fronteira internacional com o objetivo de tráfico de pessoas e os meios e métodos utilizados por grupos criminosos organizados com o objetivo de tráfico de pessoas.

Os Estados Partes também devem assegurar a formação dos agentes dos serviços competentes para a aplicação da lei, dos serviços de imigração ou de outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas; devem reforçar os controles fronteiriços necessários para prevenir e detectar o tráfico de pessoas; devem adotar medidas apropriadas para prevenir a utilização de meios de transporte explorados por transportadores comerciais na prática de tráfico de pessoas, dentre outras medidas nas fronteiras (arts. 10 e 11).

Finalmente, os Estados devem adotar medidas necessárias para a segurança e o controle de documentos (art. 12), bem como sua legitimidade e validade (art. 13).

Nas disposições finais o Protocolo estabelece, além dos dispositivos de praxe, uma cláusula de salvaguarda, pela qual o Protocolo não prejudicará os direitos, obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do Direito Internacional, incluindo-se aí o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário, e se forem aplicáveis a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non-refoulement.

Ademais, as medidas do Protocolo devem ser interpretadas e aplicadas de forma que as vítimas não sejam discriminadas (art. 14, a vítima não pode ser culpada pela situação de tráfico).

QUADRO SINÓTICO

Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional

Objetivos

Prevenir e combater o tráfico de pessoas, com especial atenção às mulheres e às crianças;

Proteger e ajudar as vítimas do tráfico, com respeito pleno aos seus direitos humanos; e

Promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos.

Definição de tráfico de pessoas

“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.”

O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita.

Principais medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas

Assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas (inclusive proteção da privacidade e da identidade das vítimas de tráfico de pessoas).

Medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas.

Segurança física das vítimas de tráfico de pessoas.

Viabilização da possibilidade de, no sistema jurídico, as vítimas obterem indenização por danos sofridos.

Medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem no território do Estado Parte a título temporário ou permanente.

14. Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. A Convenção possui hoje 155 signatários e 126 Estados Partes. O Protocolo Facultativo, que diz respeito ao reconhecimento da competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições individuais, possui 91 signatários e 76 Estados Partes. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência possui 50 artigos, não divididos em partes específicas, e seu Protocolo Facultativo possui 18 artigos.

Até 2006, havia uma impressionante lacuna na questão ante a inexistência de um tratado internacional universal (celebrado sob os auspícios da ONU) sobre os direitos das pessoas com deficiência. Não que esta questão fosse de pouco interesse: havia, até a edição da Convenção, vários diplomas normativos específicos não vinculantes sobre os direitos das pessoas com deficiência, que compunham a chamada soft law15. Ademais, calcula-se que 10% da população mundial possua alguma deficiência (aproximadamente 650 milhões de pessoas)16. Mas a invisibilidade e a falta de foco das instâncias de proteção de direitos humanos sobre o tema da deficiência gerava assimetria na proteção local, perpetuação de estereótipos, falta de políticas de apoio e, finalmente, exclusão.

Cabe salientar que a invisibilidade no que tange aos direitos das pessoas com deficiência é particularmente agravada pela separação existente entre elas e o grupo social majoritário, causada por barreiras físicas e sociais. Mesmo quando há notícia pública da marginalização, há ainda o senso comum de que tal marginalização é fruto da condição individual (modelo médico da deficiência) e não do contexto social. Por exemplo, no caso brasileiro, a inacessibilidade de alguns locais de votação no Brasil teve como resposta a edição de resolução do Tribunal Superior Eleitoral desonerando os eleitores com deficiência de votar (o que, aliás, contraria o dever de votar, previsto na CF/88), ao invés de exigir a modificação e acessibilidade total destes locais.

No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição. Portanto, foi incorporada ao direito brasileiro com estatuto normativo equivalente ao de emenda constitucional. O instrumento de ratificação dos textos foi depositado junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008, entrando em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008. A promulgação deu-se por meio do Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. O rito utilizado foi o do art. 5º, § 3º, da CF/88, que concede a esse tratado status equivalente ao de emenda constitucional (ver abaixo capítulo sobre a incorporação dos tratados de direitos humanos ao ordenamento brasileiro).

Devemos aqui expor pequena observação sobre a terminologia utilizada na questão. A expressão “pessoa portadora de deficiência” corresponde àquela usada pela Constituição brasileira (art. 7º, XXXI; art. 23, II, art. 24, XIV; art. 37, VIII; art. 203, IV; art. 203, V; art. 208, III; art. 227, § 1º, II; art. 227, § 2º; art. 244). Porém, o termo “portadora” realça o “portador”, como se fosse possível deixar de ter a deficiência. Assim, a expressão utilizada pela Organização das Nações Unidas é “pessoas com deficiência” – “persons with disabilities”, conforme consta da Standard Rules e da Convenção da ONU de 2006. Cabe salientar, ademais, que, tendo a Convenção em tela status normativo equivalente ao de emenda constitucional, vê-se que houve atualização constitucional da denominação para “pessoa com deficiência”, que deve, a partir de 2009, ser o termo utilizado.

Vale ressaltar, nesse ponto, que o medical model, modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência, via a deficiência como um “defeito” que necessitava de tratamento ou cura. Quem deveria se adaptar à vida social eram as pessoas com deficiência, que deveriam ser “curadas”. A atenção da sociedade e do Estado, então, voltava-se ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana. A adoção deste modelo gerou falta de atenção às práticas sociais que justamente agravavam as condições de vida das pessoas com deficiência, gerando pobreza, invisibilidade e perpetuação dos estereótipos das pessoas com deficiência como destinatárias da caridade pública (e piedade compungida), negando-lhes a titularidade de direitos como seres humanos. Além disso, como a deficiência era vista como “defeito pessoal”, a adoção de uma política pública de inclusão não era necessária.

Já o modelo de direitos humanos (ou modelo social) vê a pessoa com deficiência como ser humano, utilizando o dado médico apenas para definir suas necessidades. A principal característica desse modelo é sua abordagem de “gozo dos direitos sem discriminação”. Este princípio de antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material, consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano. Assim, não se trata mais de exigir da pessoa com deficiência que esta se adapte, mas sim de exigir, com base na dignidade humana, que a sociedade trate seus diferentes de modo a assegurar a igualdade material, eliminando as barreiras à sua plena inclusão.

Na primeira parte do art. 1º, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adota, expressamente, o modelo de direitos humanos, ao estabelecer que seu propósito é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Na parte final do art. 1º, a Convenção estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Assim, vê-se que, tal qual consta do preâmbulo, a deficiência é considerada um conceito social (e não médico) em evolução, resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (preâmbulo, item “e”).

A espinha dorsal da Convenção é o seu compromisso com a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência, que são tidos como titulares dos direitos e não como objeto ou alvo da compaixão pública. Já no preâmbulo da Convenção, ficou estabelecido que, com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação.

Esta visão da Convenção das pessoas com deficiência como rights holders abrange os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, inclusive o direito a um padrão mínimo de vida, reafirmando as características da universalidade, indivisibilidade e interdependência do regime jurídico dos direitos humanos no plano internacional.

Além de 26 parágrafos em seu preâmbulo, a Convenção é regida pelos vários princípios estabelecidos no art. 3º, em especial o princípio do respeito da dignidade humana, da autonomia individual e a independência das pessoas. Além destes princípios diretivos, a Convenção, que tem um claro desejo de reforço e explicitação, ainda fez menção ao princípio da não discriminação, igualdade entre o homem e a mulher e da igualdade de oportunidades; da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; do respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; da acessibilidade e do respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Por meio da ratificação da Convenção, cabe ao Brasil adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos, bem como eliminar os dispositivos e práticas, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência. Em síntese, deve o Estado abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto, além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada.

O art. 5º da Convenção estabelece que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. Além disso, os Estados devem proibir qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. Assim, a Convenção alinha-se com a tradição humanista de defesa da igualdade. Neste século XXI, a Convenção zela pelo reconhecimento de direitos para todos (a igualdade formal dos clássicos do século XIX), mas sem se descurar dos instrumentos de promoção da igualdade material em uma sociedade plural. Esta sociedade plural é marcada pela afirmação das diferenças, que não pode gerar guetos e incomunicabilidade entre grupos ou culturas, sob pena de congelar a desigualdade de trato.

Por isso a Convenção estabelece que, a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. Consequentemente, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias. Nesse contexto, a Convenção reconhece a possibilidade de os Estados adotarem as chamadas ações afirmativas, que objetivam fornecer condições estruturais de mudança social, evitando que a discriminação continue através de mecanismos informais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. Por essa razão, para dar efetividade à igualdade, há a necessidade de uma conduta ativa visando a diminuição das desigualdades e a inclusão dos grupos vulneráveis. Com isso, ao afirmar a meta da igualdade material, a Convenção faz clara opção pela sociedade inclusiva.

No art. 24, ficou estabelecido o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, para que seja obtido: 1) pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pela diversidade humana; 2) o máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; e, finalmente, 3) a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.

Para tanto, a Convenção é explícita em estabelecer que as pessoas com deficiência não podem ser excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência. Assim, as crianças com deficiência não podem ser excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de que “não acompanham”.

Consequentemente, as pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem, tendo que ser garantidas as adaptações de acordo com as necessidades individuais. Por isso, consta da Convenção que as pessoas com deficiência devem receber o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação, devendo ser adotadas as medidas de apoio individualizadas e efetivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.

A Convenção ainda prevê disposições específicas sobre: mulheres com deficiência (art. 6º); crianças com deficiência (art. 7º); conscientização (art. 8º); acessibilidade (art. 9º); direito à vida (art. 10); situações de risco e emergências humanitárias (art. 11); reconhecimento igual perante a lei (art. 12); acesso à justiça (art. 13); liberdade e segurança da pessoa (art. 14); prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (art. 15); prevenção contra a exploração, a violência e o abuso (art. 16); proteção da integridade da pessoa (art. 17); liberdade de movimentação e nacionalidade (art. 18); vida independente e inclusão na comunidade (art. 19); mobilidade pessoal (art. 20); liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação (art. 21); respeito à privacidade (art. 22); respeito pelo lar e pela família (art. 23); saúde (art. 25); habilitação e reabilitação (art. 26); trabalho e emprego (art. 27); padrão de vida e proteção social adequados (art. 28); participação na vida política e pública (art. 29) e participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte (art. 30).

Com relação à sua efetiva implementação, a Convenção prevê a obrigação dos Estados Partes de coletarem dados apropriados, inclusive estatísticos e de pesquisas, para que possam formular e implementar políticas destinadas a colocá-la em prática (art. 31). Devem ainda designar um ou mais de um ponto focal no âmbito do Governo para assuntos relacionados com a implementação da Convenção e devem dar a devida consideração ao estabelecimento ou designação de um mecanismo de coordenação no âmbito do Governo, a fim de facilitar ações correlatas nos diferentes setores e níveis. Ademais, em conformidade com seus sistemas jurídico e administrativo, devem manter, fortalecer, designar ou estabelecer estrutura, incluindo um ou mais de um mecanismo independente, de maneira apropriada, para promover, proteger e monitorar a implementação da Convenção (art. 33).

No âmbito internacional, estabelece que os Estados Partes devem reconhecer a importância da cooperação internacional e de sua promoção, em apoio aos esforços nacionais para a consecução do propósito e dos objetivos da Convenção e, assim, devem adotar medidas apropriadas e efetivas entre os Estados e, de maneira adequada, em parceria com organizações internacionais e regionais relevantes e com a sociedade civil e, em particular, com organizações de pessoas com deficiência (art. 32).

A implementação da Convenção é monitorada pelo chamado sistema de relatórios periódicos, por meio dos quais os Estados se obrigam a enviar informes, nos quais devem constar as ações que realizaram para a obtenção do respeito e garantia dos direitos humanos. No caso da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi criado o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência composto por 18 especialistas independentes (12 inicialmente e 18 quando a Convenção alcançar 60 ratificações), indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos, com uma reeleição possível.

Os Estados devem informar ao citado Comitê sobre as medidas legislativas, judiciais ou administrativas que tenham adotado e que serviram para implementar os dispositivos da Convenção. A periodicidade na apresentação dos relatórios é feita da seguinte forma: em primeiro lugar, há o relatório inicial que deve ser entregue após dois anos da ratificação da Convenção; após este relatório, outro deve ser entregue a cada quatro anos.

A Convenção prevê que os Estados Partes devem se reunir regularmente em Conferência dos Estados Partes a fim de considerar matérias relativas a sua implementação (art. 40).

O Brasil ainda ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sob o mesmo rito do art. 5º, § 3º, da CF/88. De acordo com o Protocolo, o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, criado pela Convenção, pode receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome deles, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado.

QUADRO SINÓTICO

Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo

Definição de “pessoas com deficiência”

São aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, as quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Princípios diretivos da Convenção

respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;

não discriminação;

plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;

respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;

igualdade de oportunidades;

acessibilidade;

igualdade entre o homem e a mulher;

respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Principais obrigações assumidas pelos Estados

Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos, bem como eliminar os dispositivos e práticas, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência.

O Estado deve abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto, além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada.

Mecanismos de monitoramento

Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com competência para:

Exame dos relatórios periódicos

Exame de petições das vítimas

15. Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado

A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi assinada em Paris, em 6 de fevereiro de 2007, contando hoje com 91 países signatários e 37 Estados Partes. Pelo Brasil, a Convenção foi assinada em 6 de fevereiro de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 661, publicado em 1º de setembro de 2010, e ratificada em 29 de novembro de 2010.

Foi firmada após a adoção da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução n. 47/133, de 18 de dezembro de 1992), tendo em vista a gravidade do desaparecimento forçado, que constitui crime e, em determinadas circunstâncias definidas pelo direito internacional, crime contra a humanidade. Nesse sentido, em seu preâmbulo, a Convenção ressalta a necessidade de prevenir o desaparecimento forçado e de combater a impunidade nesses casos, afirmando o direito à verdade das vítimas sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino da pessoa desaparecida, bem como o direito à liberdade de buscar, receber e difundir informação com este fim.

Trata-se de um importante instrumento para o Brasil, especialmente porque a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado, embora tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional, não foi ainda ratificada pelo país.

A Convenção possui o preâmbulo e 45 artigos, divididos em três partes, que podem ser assim esquematizadas: (i) Parte I: obrigações estatais, direitos e garantias (arts. 1º a 25); (ii) Parte II: Comitê contra Desaparecimentos Forçados (arts. 26 a 36) e (iii) Parte III: disposições finais (arts. 37 a 45).

Iniciando a Parte I, o art. 1º enuncia: nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado e nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado.

Em seguida, o art. 2º define o desaparecimento forçado como “a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei”.

Trata-se de definição bastante semelhante à já adotada pela Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado. Já no art. 24 a Convenção define como vítima a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado.

No art. 5º, a Convenção determina que a prática generalizada ou sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direito internacional aplicável, o qual está sujeito às consequências nele previstas.

O art. 3º determina ao Estado Parte a adoção de medidas apropriadas para investigar os atos definidos no art. 2º, cometidos por pessoas ou grupos de pessoas que atuem sem a autorização, o apoio ou a aquiescência do Estado, bem como para levar os responsáveis à justiça. Ademais, a Convenção estabelece um mandado de criminalização, ao determinar que os Estados tomem as medidas necessárias para assegurar que o desaparecimento forçado constitua crime em conformidade com o seu direito penal. Em seguida, o art. 6º determina que os Estados Partes tomem as medidas necessárias para responsabilizar penalmente, ao menos:

a) toda pessoa que cometa, ordene, solicite ou induza a prática de um desaparecimento forçado, tente praticá-lo, seja cúmplice ou partícipe do ato;

b) o superior que: (i) tiver conhecimento de que os subordinados sob sua autoridade e controle efetivos estavam cometendo ou se preparavam para cometer um crime de desaparecimento forçado, ou que tiver conscientemente omitido informação que o indicasse claramente; (ii) tiver exercido sua responsabilidade e controle efetivos sobre as atividades relacionadas com o crime de desaparecimento forçado; e (iii) tiver deixado de tomar todas as medidas necessárias e razoáveis a seu alcance para prevenir ou reprimir a prática de um desaparecimento forçado, ou de levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes para fins de investigação e julgamento.

Ademais, nenhuma ordem ou instrução de autoridade pública civil, militar ou de outra natureza pode ser utilizada para justificar um crime de desaparecimento forçado.

Além de criminalizar a conduta, o Estado Parte deve fazer com que o crime seja punível com penas apropriadas, que levem em conta a sua gravidade. Entretanto, poderão ser definidas circunstâncias atenuantes, especialmente para pessoas que, tendo participado do cometimento de um desaparecimento forçado, efetivamente contribuam para a reaparição com vida da pessoa desaparecida, ou possibilitem o esclarecimento desses casos ou a identificação dos responsáveis por eles. Por outro lado, poderão ser definidas também circunstâncias agravantes, especialmente em caso de morte da pessoa desaparecida ou do desaparecimento forçado de gestantes, menores, pessoas com deficiência ou outras pessoas particularmente vulneráveis (art. 7º).

Com relação à prescrição penal do crime de desaparecimento forçado (art. 8º), o Estado Parte que adotá-la deve tomar as medidas necessárias para assegurar que o prazo seja de longa duração e proporcional à extrema seriedade desse crime e que sua contagem se inicie no momento em que cessar o desaparecimento forçado, considerando-se a sua natureza permanente. Em paralelo, cada Estado Parte deve garantir às vítimas de desaparecimento forçado o direito a um recurso efetivo durante o prazo de prescrição.

Ademais, o Estado deve tomar as medidas necessárias para instituir sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o crime for cometido em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de um navio ou aeronave que estiver registrado no referido Estado; quando o suposto autor do crime for um nacional desse Estado ou quando a pessoa desaparecida for nacional desse Estado e este o considere apropriado. Deve também tomar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o suposto autor do crime encontrar-se em território sob sua jurisdição, salvo se extraditá-lo ou entregá-lo a outro Estado, de acordo com suas obrigações internacionais, ou entregá-lo a uma corte penal internacional, cuja jurisdição reconheça. Entretanto, a Convenção não exclui qualquer outra jurisdição penal exercida em conformidade com o direito interno (art. 9º).

No art. 10, a Convenção estabelece que, caso uma pessoa suspeita de ter cometido um crime de desaparecimento forçado esteja em território de um Estado Parte, este, após o exame da informação disponível e se considerar que as circunstâncias assim o justifiquem, pode proceder à detenção dessa pessoa ou adotar outras medidas legais necessárias para assegurar sua permanência. Nesses casos, será imediatamente iniciado um inquérito ou investigações para apurar os fatos. A pessoa detida nesses termos tem o direito de comunicar-se imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou, caso se trate de pessoa apátrida, com o representante do Estado onde habitualmente resida.

Já o art. 11 estabelece que o Estado Parte no território de cuja jurisdição se encontre uma pessoa suspeita de haver cometido crime de desaparecimento forçado, caso não conceda sua extradição ou a sua entrega a outro Estado, de acordo com suas obrigações internacionais, ou sua entrega a uma corte penal internacional cuja jurisdição tenha reconhecido, deve submeter o caso a suas autoridades competentes para fins de ajuizamento da ação penal. Em paralelo, toda pessoa investigada por crime de desaparecimento forçado terá a garantia de tratamento justo em todas as fases do processo e deverá beneficiar-se de um julgamento justo, ante uma corte ou tribunal de justiça competente, independente e imparcial estabelecido por lei.

Ademais, o art. 13 prevê que, para fins de extradição entre os Estados Partes, o crime de desaparecimento forçado não pode ser considerado crime político, um delito conexo a um crime político, nem um crime de motivação política. Dessa forma, um pedido de extradição fundado em um crime desse tipo não poderá ser recusado por este único motivo. Além disso, o crime de desaparecimento forçado deve estar entre os crimes passíveis de extradição em qualquer tratado celebrado entre Estados Partes antes da entrada em vigor da Convenção e os Estados Partes assumem o compromisso de incluir o crime de desaparecimento forçado entre os crimes passíveis de extradição em todos os tratados de extradição que vierem a firmar. A Convenção também pode ser considerada como a base legal necessária para extradições relativas ao crime de desaparecimento forçado, se um Estado Parte condicionar a extradição à existência de um tratado e não o tiver com outro Estado Parte. Por outro lado, os Estados Partes que não condicionarem a extradição à existência de um tratado reconhecerão o crime de desaparecimento forçado como passível de extradição entre si. Em todos esses casos, a extradição está sujeita às condições estipuladas pela legislação do Estado Parte requerido ou pelos tratados de extradição aplicáveis, o que inclui as condições relativas à pena mínima exigida para a extradição e à motivação pela qual o Estado Parte requerido poderá recusar a extradição ou sujeitá-la a certas condições. Por outro lado, nada da Convenção pode ser interpretado no sentido de obrigar o Estado Parte requerido a conceder a extradição, se este tiver razões substantivas para crer que o pedido tenha sido apresentado com o propósito de processar ou punir uma pessoa com base em razões de sexo, raça, religião, nacionalidade, origem étnica, opiniões políticas ou afiliação a determinado grupo social, ou que a aceitação do pedido causaria dano àquela pessoa por qualquer dessas razões.

O Estado deve assegurar a qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado o direito de relatar os fatos às autoridades competentes, as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e, caso necessário, instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial. Ademais, medidas apropriadas devem ser tomadas, caso necessário, para assegurar que o denunciante, as testemunhas, os familiares da pessoa desaparecida e seus defensores, bem como os participantes da investigação, sejam protegidos contra maus-tratos ou intimidação em decorrência da denúncia ou de qualquer declaração prestada. Ainda, caso haja motivos razoáveis para crer que uma pessoa tenha sido vítima de desaparecimento forçado, as autoridades instaurarão uma investigação, mesmo que não tenha havido denúncia formal.

Também deve assegurar que as autoridades mencionadas tenham os poderes e recursos necessários para conduzir eficazmente a investigação, inclusive acesso à documentação e a outras informações que lhe sejam relevantes, bem como tenham acesso, se necessário mediante autorização prévia de autoridade judicial, emitida com brevidade, a qualquer local de detenção ou qualquer outro local onde existam motivos razoáveis que levem a crer que a pessoa desaparecida se encontre. O Estado deve também adotar as medidas necessárias para prevenir e sancionar atos que obstruam o desenvolvimento da investigação e assegurar que pessoas suspeitas de haverem cometido o crime de desaparecimento forçado não estejam em posição que possa influenciar o andamento da investigação por meio de pressão ou atos de intimidação ou represália dirigidos contra o denunciante, as testemunhas, os familiares da pessoa desaparecida ou seus defensores, ou contra quaisquer pessoas que participarem da investigação.

A Convenção estabelece, em seu art. 14, que os Estados devem prestar mutuamente toda a assistência judicial possível no que diz respeito a processos penais relativos a um crime de desaparecimento forçado, inclusive disponibilizando toda evidência em seu poder que for necessária ao processo. Tal assistência judicial está sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou nos tratados de cooperação judicial aplicáveis, incluindo, em particular, os motivos pelos quais o Estado Parte requerido poderá recusar-se a conceder assistência judicial recíproca, ou sujeitá-la a certas condições. Além disso, o art. 15 determina que os Estados Partes cooperem entre si e prestem a máxima assistência recíproca para assistir as vítimas de desaparecimento forçado e para a busca, localização e libertação de pessoas desaparecidas e, na eventualidade de sua morte, para exumá-las, identificá-las e restituir seus restos mortais.

Pela Convenção, nenhum Estado Parte pode expulsar, entregar ou extraditar uma pessoa a outro Estado onde haja razões fundadas para crer que a pessoa correria o risco de ser vítima de desaparecimento forçado. Para avaliá-lo, as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, se couber, a existência no Estado em questão de um padrão de violações sistemáticas, graves, flagrantes e maciças dos direitos humanos ou graves violações do direito internacional humanitário (art. 16).

O art. 17 prevê que nenhuma pessoa será detida em segredo. Ademais, estabelece que, sem prejuízo de outras obrigações internacionais do Estado Parte em matéria de privação de liberdade, cada Estado Parte, em sua legislação: (i) deve estabelecer as condições sob as quais pode ser emitida autorização para a privação de liberdade; (ii) deve indicar as autoridades facultadas a ordenar a privação de liberdade; (iii) deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja mantida unicamente em locais de detenção oficialmente reconhecidos e supervisionados; (iv) deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja autorizada a comunicar-se com seus familiares, advogados ou qualquer outra pessoa de sua escolha e a receber sua visita, de acordo com as condições estabelecidas em lei, ou, no caso de um estrangeiro, de comunicar-se com suas autoridades consulares, de acordo com o direito internacional aplicável; (v) deve garantir acesso de autoridades e instituições competentes e legalmente autorizadas aos locais onde houver pessoas privadas de liberdade, se necessário mediante autorização prévia de uma autoridade judicial e, por fim, (vi) deve garantir que toda pessoa privada de liberdade ou, em caso de suspeita de crime de desaparecimento forçado, por encontrar-se a pessoa privada de liberdade incapaz de exercer esse direito, quaisquer outras pessoas legitimamente interessadas, tais como seus familiares, representantes ou advogado, possam, em quaisquer circunstâncias, iniciar processo perante uma corte, para que esta decida sem demora quanto à legalidade da privação de liberdade e ordene a soltura da pessoa, no caso de tal privação de liberdade ser ilegal.

O Estado deve ainda assegurar a compilação e a manutenção de um ou mais registros oficiais ou prontuários atualizados de pessoas privadas de liberdade, os quais conterão certas informações determinadas pela Convenção e serão prontamente postos à disposição, mediante solicitação, de qualquer autoridade judicial ou de qualquer outra autoridade ou instituição competente, ao amparo do direito interno ou de qualquer instrumento jurídico internacional relevante de que o Estado Parte seja parte.

Ademais, cada Estado Parte deve garantir a quaisquer pessoas com interesse legítimo nessa informação, tais como familiares da pessoa privada de liberdade, seus representantes ou seu advogado, o acesso a pelo menos as seguintes informações: autoridade que ordenou a privação de liberdade; data, hora e local em que a pessoa foi privada de liberdade e admitida no local de privação de liberdade; autoridade que controla a privação de liberdade; local onde se encontra a pessoa privada de liberdade e, no caso de transferência para outro local de privação de liberdade, o destino e a autoridade responsável pela transferência; data, hora e local da soltura; dados sobre o estado de saúde da pessoa privada de liberdade; e, em caso de falecimento durante a privação de liberdade, as circunstâncias e causa do falecimento e o destino dado aos restos mortais (art. 18).

Esse direito só pode ser restringido em caso de estrita necessidade previsto por lei, e de maneira excepcional, quando a pessoa estiver sob proteção da lei e a privação de liberdade estiver sujeita a controle judicial; quando a transmissão da informação puder afetar de maneira adversa a privacidade ou a segurança da pessoa; obstruir uma investigação criminal; ou por outros motivos equivalentes, de acordo com a lei, em conformidade com o direito internacional aplicável e com os objetivos da Convenção. Deve-se assegurar às pessoas com interesse legítimo na informação o direito a um rápido e efetivo recurso judicial como meio de obter sem demora as informações previstas nessa disposição, o qual não poderá sob qualquer circunstância ser suspenso ou restringido (art. 20).

Os dados pessoais que forem coletados e/ou transmitidos no âmbito da busca por uma pessoa desaparecida, incluindo os dados médicos e genéticos, não podem ser utilizados ou disponibilizados para outros propósitos que não a referida busca, o que não prejudica a utilização de tais informações em procedimentos criminais relativos ao crime de desaparecimento forçado ou ao exercício do direito de obter reparação. A coleta, processamento, utilização e armazenamento de dados pessoais não devem infringir ou ter o efeito de infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo (art. 19).

O art. 21 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas privadas de liberdade sejam libertadas de forma que permita verificar com certeza terem sido elas efetivamente postas em liberdade. Ademais, deve adotar as medidas necessárias para assegurar a integridade física dessas pessoas e sua capacidade de exercer plenamente seus direitos quando da soltura, sem prejuízo de quaisquer obrigações a que essas pessoas possam estar sujeitas em conformidade com a legislação nacional.

Os Estados devem também tomar as medidas necessárias para prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade (para decidir sobre a legalidade da prisão) e os relativos ao direito à informação anteriormente mencionado. Também devem ser punidas as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa, bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa, ou prestar informação inexata, apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação (art. 22).

Ainda, os Estados devem assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei, civis ou militares, de pessoal médico, de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade, inclua a educação e a informação necessárias ao respeito das disposições pertinentes da Convenção, com o objetivo de prevenir o envolvimento de tais agentes em desaparecimentos forçados, ressaltar a importância da prevenção e da investigação desses crimes e assegurar que seja reconhecida a necessidade urgente de resolver esses casos. Devem ainda assegurar que sejam proibidas ordens ou instruções determinando, autorizando ou incentivando desaparecimentos forçados e que as pessoas que se recusarem a obedecer ordens dessa natureza não sejam punidas. Por fim, devem assegurar que as pessoas que tiverem motivo para crer que um desaparecimento forçado ocorreu ou está sendo planejado, levem o assunto ao conhecimento de seus superiores e, quando necessário, das autoridades competentes ou dos órgãos investidos de poder de revisão ou recurso (art. 23).

O art. 24 diz respeito às vítimas de desaparecimento forçado. Assim, toda vítima tem o direito de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado, o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida, devendo o Estado Parte tomar medidas apropriadas a esse respeito. Ademais, o Estado deve tomar todas as medidas cabíveis para procurar, localizar e libertar pessoas desaparecidas e, no caso de morte, localizar, respeitar e devolver seus restos mortais, além de assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida, justa e adequada. O direito à obtenção de reparação abrange danos materiais e morais e, se couber, outras formas de reparação como restituição, reabilitação, satisfação (inclusive o restabelecimento da dignidade e da reputação) e garantias de não repetição. Cada Estado Parte deve adotar as providências cabíveis em relação à situação jurídica das pessoas desaparecidas cujo destino não tiver sido esclarecido, bem como à situação de seus familiares, no que diz respeito à proteção social, a questões financeiras, ao direito de família e aos direitos de propriedade. Ainda, deve garantir o direito de fundar e participar livremente de organizações e associações que tenham por objeto estabelecer as circunstâncias de desaparecimentos forçados e o destino das pessoas desaparecidas, bem como assistir as vítimas desses crimes.

Por fim, o art. 25 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado, de filhos cujo pai, mãe, ou guardião legal for submetido a esse crime, ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado. Ademais, deve adotar medidas para prevenir e punir penalmente a falsificação, ocultação ou destruição de documentos comprobatórios da verdadeira identidade das mencionadas crianças. Também devem ser adotadas providências para procurar e identificar as crianças e restituí-las a suas famílias de origem, em conformidade com os procedimentos legais e os acordos internacionais aplicáveis. Para a procura, identificação e localização das crianças, os Estados devem assistir uns aos outros. Ainda, tendo em vista a necessidade de assegurar o melhor interesse da criança e seu direito de preservar ou de ter restabelecida sua identidade, inclusive nacionalidade, nome e relações familiares reconhecidos pela lei, os Estados Partes que reconhecerem um sistema de adoção ou outra forma de concessão de guarda de crianças devem estabelecer procedimentos jurídicos para rever o sistema de adoção ou concessão de guarda e, quando apropriado, para anular qualquer adoção ou concessão de guarda de crianças resultante de desaparecimento forçado. Em todos os casos, o melhor interesse da criança merece consideração primordial, e a criança que for capaz de formar opinião própria terá o direito de expressá-la livremente, à qual se dará o peso devido de acordo com a idade e a maturidade da criança.

Na Parte II, a Convenção estabelece a criação do Comitê contra Desaparecimentos Forçados17.

Um relatório sobre as medidas tomadas pelo Estado em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção deve ser enviado pelo Estado Parte ao Comitê, dentro de dois anos contados a partir da data de entrada em vigor do texto para o Estado Parte interessado.

Ainda é possível a submissão ao Comitê, em regime de urgência, de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida por seus familiares ou por seus representantes legais, advogado ou qualquer pessoa por eles autorizada, bem como por qualquer outra pessoa detentora de interesse legítimo. Também há a possibilidade de o Estado reconhecer a competência do Comitê para receber comunicações individuais ou interestatais.

Caso receba informação confiável de que um Estado Parte está incorrendo em grave violação do disposto na Convenção, o Comitê pode, após consulta ao Estado em questão, encarregar um ou vários de seus membros a empreender uma visita a esse Estado e a informá-lo a respeito o mais prontamente possível.

Por fim, a Parte III da Convenção contém suas disposições finais. O art. 37 dispõe que nada do que nela disposto afetará quaisquer outras disposições mais favoráveis à proteção das pessoas contra desaparecimentos forçados contempladas no direito de um Estado Parte ou no direito internacional em vigor para o referido Estado. Ademais, conforme prevê o art. 43, a Convenção não afeta as disposições de direito internacional humanitário, incluindo as obrigações das Altas Partes Contratantes das quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e de seus dois Protocolos Adicionais de 8 de junho de 1977, nem a possibilidade que qualquer Estado Parte tem de autorizar o Comitê Internacional da Cruz Vermelha a visitar locais de detenção, em situações não previstas pelo direito internacional humanitário.

Os demais dispositivos versam sobre: assinatura, ratificação e adesão (art. 38); entrada em vigor (art. 39); notificações do Secretário-Geral da ONU (art. 40); aplicação a todas as unidades dos Estados federativos (art. 41); submissão de controvérsias a arbitragem ou à Corte Internacional de Justiça (art. 42); emenda à Convenção (art. 44) e idiomas (art. 45).

QUADRO SINÓTICO

Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado

Definições

Desaparecimento forçado: a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei.

Vítima de desaparecimento forçado: a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado.

Principais obrigações assumidas pelos Estados

Criminalização, investigação e punição do desaparecimento forçado.

Manutenção de informações sobre pessoas privadas de liberdade.

Prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade (para decidir sobre a legalidade da prisão) e relativos ao direito à informação sobre pessoas privadas de liberdade.

Prevenir e punir as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa, bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa, ou prestar informação inexata, apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação.

Assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei, civis ou militares, de pessoal médico, de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade, inclua a educação e a informação necessárias a respeito do desaparecimento forçado.

Principais obrigações assumidas pelos Estados

Tomar todas as medidas cabíveis para procurar, localizar e libertar pessoas desaparecidas e, no caso de morte, localizar, respeitar e devolver seus restos mortais.

Assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida, justa e adequada.

Prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado, de filhos cujo pai, mãe, ou guardião legal for submetido a esse crime, ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado.

Principais direitos e garantias

Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado.

Nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado.

Direito de qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado de relatar os fatos às autoridades competentes, as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e, caso necessário, instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial.

Direito de não ser detido em segredo.

Direito de informação acerca das pessoas privadas de liberdade.

Direito das vítimas de desaparecimento forçado de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado, o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida.

Mecanismos de monitoramento

Comitê contra Desaparecimentos Forçados, com competência para:

Exame de relatórios apresentados pelos Estados Partes, sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção, dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado.

Exame de comunicações interestatais.

Exame de petições individuais.

Possibilidade de exame de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida, em regime de urgência.

Visita ao Estado Parte.

16. Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias foi adotada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução n. 45/158, de 18 de dezembro de 1990, em Nova Iorque. Entrou em vigor em 1º de julho de 2003, conforme determina seu art. 87, possuindo 35 países signatários e 46 Estados Partes18. No Brasil, em 15 de dezembro de 2010, o Poder Executivo submeteu a apreciação de seu texto ao Congresso Nacional por meio da Mensagem de Acordos, convênios, tratados e atos internacionais – MSC n. 696/2010, a qual ainda está em tramitação19.

O tratado foi elaborado tendo em vista uma série de diplomas internacionais já existentes sobre a questão do direito dos trabalhadores migrantes, bem como considerando a amplitude do fenômeno da migração, nessa era de globalização. Seu objetivo fundamental foi estabelecer normas para uniformizar princípios fundamentais relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e de suas famílias, por meio de uma proteção internacional adequada, especialmente tendo em vista sua situação de vulnerabilidade e seu afastamento do Estado de origem.

A elaboração do tratado considerou ainda os problemas das migrações irregulares, em que os trabalhadores são frequentemente empregados em condições de trabalho menos favoráveis que outros, o que leva a que se procure tal mão de obra a fim de se beneficiar da concorrência desleal. Assim, seu texto considerou a necessidade de encorajar a adoção de medidas adequadas para prevenir e eliminar os movimentos clandestinos e o tráfico dos trabalhadores migrantes, assegurando, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos fundamentais desses trabalhadores. Nesse passo, considerou-se que o emprego dos trabalhadores migrantes em situação irregular seria desencorajado se os direitos humanos fundamentais de todos os trabalhadores migrantes fossem mais amplamente reconhecidos.

O texto da Convenção possui o preâmbulo e 93 artigos, divididos em nove partes.

Na Parte I, a Convenção cuida de seu alcance e traz definições. No art. 1º, determina sua aplicação, salvo disposição em contrário em seu próprio texto, a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo, raça, cor, língua, religião ou convicção, opinião política, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou outra situação. Aplica-se também a todo o processo migratório dos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias (preparação da migração, a partida, o trânsito e a duração total da estada, a atividade remunerada no Estado de emprego, bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual).

No art. 2º são definidos os conceitos relevantes de trabalhador migrante para os fins da Convenção e nos arts. 4º e 6º são apresentadas outras definições, abaixo esquematizadas:

Trabalhador migrante

Pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não é nacional.

Trabalhador fronteiriço

Trabalhador migrante que conserva a sua residência habitual num Estado vizinho a que regressa, em princípio, todos os dias ou, pelo menos, uma vez por semana.

Trabalhador sazonal

Trabalhador migrante cuja atividade, pela sua natureza, depende de condições sazonais e só se realiza durante parte do ano.

Marítimo

Abrange os pescadores e designa o trabalhador migrante empregado a bordo de um navio matriculado num Estado de que não é nacional.

Trabalhador numa estrutura marítima

Trabalhador migrante empregado numa estrutura marítima que se encontra sob a jurisdição de um Estado de que não é nacional.

Trabalhador itinerante

Trabalhador migrante que, tendo a sua residência habitual num Estado, tem de viajar para outros Estados por períodos curtos, devido à natureza da sua ocupação.

Trabalhador vinculado a um projeto

Trabalhador migrante admitido num Estado de emprego por tempo definido para trabalhar unicamente num projeto concreto conduzido pelo seu empregador nesse Estado.

Trabalhador com emprego específico

(i) Que tenha sido enviado pelo seu empregador, por um período limitado e definido, a um Estado de emprego para aí realizar uma tarefa ou função específica; ou

(ii) Que realize, por um período limitado e definido, um trabalho que exige competências profissionais, comerciais, técnicas ou altamente especializadas de outra natureza; ou

(iii) Que, a pedido do seu empregador no Estado de emprego, realize, por um período limitado e definido, um trabalho de natureza transitória ou de curta duração;

e que deva deixar o Estado de emprego ao expirar o período autorizado de residência, ou mais cedo, se deixa de realizar a tarefa ou função específica ou o trabalho inicial.

Trabalhador independente

Trabalhador migrante que exerce uma atividade remunerada não submetida a um contrato de trabalho e que ganha a sua vida por meio desta atividade, trabalhando normalmente só ou com membros da sua família, assim como o trabalhador considerado independente pela legislação aplicável do Estado de emprego ou por acordos bilaterais ou multilaterais.

Membros da família

Pessoa casada com o trabalhador migrante ou que com ele mantém uma relação que, em virtude da legislação aplicável, produz efeitos equivalentes aos do casamento, bem como os filhos a seu cargo e outras pessoas a seu cargo, reconhecidas como familiares pela legislação aplicável ou por acordos bilaterais ou multilaterais aplicáveis entre os Estados interessados.

Estado de origem

Estado de que a pessoa interessada é nacional.

Estado de emprego

Estado onde o trabalhador migrante vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada, consoante o caso.

Estado de trânsito

Estado por cujo território a pessoa interessada deva transitar a fim de se dirigir para o Estado de emprego ou do Estado de emprego para o Estado de origem ou de residência habitual.

O art. 3º explicita que a Convenção não se aplica: (i) às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais, nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais, cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas; (ii) às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e em outros programas de cooperação, cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que, nos termos deste acordo, não são consideradas trabalhadores migrantes; (iii) às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores; (iv) aos refugiados e apátridas, salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado; (v) aos estudantes e estagiários e (vi) aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego.

O art. 5º, por sua vez, apresenta a distinção entre os trabalhadores e membros de suas famílias considerados em situação regular ou irregular. São considerados documentados ou em situação regular se forem autorizados a entrar, permanecer e exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego, ao abrigo da legislação desse Estado e das convenções internacionais de que esse Estado seja Parte. Por outro lado, são considerados indocumentados ou em situação irregular aqueles que não preencherem tais condições.

Na Parte II, a Convenção dispõe sobre a não discriminação em matéria de direitos. Assim, em seu art. 7º, os Estados Partes se comprometem, em conformidade com os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, a respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou de qualquer outra situação.

Na Parte III, por sua vez, a Convenção enuncia os direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias. Trata-se de uma relação de direitos reconhecidos a todos os seres humanos, os quais, em linhas gerais, podem ser assim resumidos: direito à vida (art. 9º); impossibilidade de submissão a tortura, a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 10), a escravidão ou servidão, ou à realização de um trabalho forçado ou obrigatório (art. 11); liberdade de expressão (art. 13); inviolabilidade de domicílio, correspondência, comunicações (art. 14); expropriação condicionada a indenização justa e adequada (art. 15); liberdade e segurança, além de proteção contra a violência, os maus-tratos físicos, as ameaças e a intimidação, por parte de funcionários públicos ou privados, grupos ou instituições; proteção contra detenção ou prisão arbitrárias (art. 16).

Além disso, a Convenção prevê: direito a tratamento com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana e à sua identidade cultural; direitos dos trabalhadores migrantes detidos ou presos (art. 17); equiparação de garantias processuais às conferidas aos nacionais do Estado de emprego (art. 18); em matéria penal, princípio da legalidade e irretroatividade da lei, salvo se mais benéfica ao sentenciado (art. 19); impossibilidade de detenção por descumprimento de obrigação contratual e impossibilidade de privação de autorização de residência ou de trabalho; impossibilidade de expulsão por descumprimento de obrigação decorrente de um contrato de trabalho (art. 20); direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 24) e direito de reunião e associação, além do direito de inscrever-se livremente em sindicatos (art. 26).

Vale ressaltar, neste ponto, o art. 8º, que garante aos trabalhadores migrantes e suas famílias o direito de poder sair livremente de qualquer Estado, incluindo o seu Estado de origem, o qual só pode ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituam disposições necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou moral públicas, ou os direitos e liberdades de outrem, e se mostrem compatíveis com os outros direitos reconhecidos nesta parte da Convenção. Ademais, têm o direito a regressar em qualquer momento ao seu Estado de origem e aí permanecer.

O art. 21 veda a todas as pessoas, com exceção dos funcionários públicos devidamente autorizados por lei para este efeito, o direito de apreender, destruir ou tentar destruir documentos de identidade, documentos de autorização de entrada, permanência, residência ou de estabelecimento no território nacional, ou documentos relativos à autorização de trabalho. Ademais, em nenhum caso é permitido destruir o passaporte ou documento equivalente de um trabalhador migrante ou de um membro da sua família.

O art. 22 dispõe que os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias não podem ser objeto de medidas de expulsão coletiva, devendo cada caso ser examinado individualmente. A expulsão do território de um Estado Parte só pode ocorrer em cumprimento da decisão tomada por autoridade competente, em conformidade com a lei.

Já o art. 23 garante aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias o direito de recorrer à proteção e à assistência das autoridades diplomáticas e consulares do seu Estado de origem ou de um Estado que represente os interesses daquele Estado em caso de violação dos direitos reconhecidos na Convenção.

O art. 25, por sua vez, garante tratamento não menos favorável que aquele que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em matéria de retribuição e outras condições de trabalho e emprego, não sendo admitidas derrogações ao princípio da igualdade nos contratos de trabalho privados.

Nos arts. 27 e 28, a Convenção garante direitos sociais aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias, que se beneficiam no Estado de emprego, em matéria de segurança social, de tratamento igual ao que é concedido aos nacionais desse Estado, sem prejuízo das condições impostas pela legislação nacional e pelos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. Ademais, têm direito de receber os cuidados médicos urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou para evitar danos irreparáveis à sua saúde, em pé de igualdade com os nacionais do Estado em questão, os quais não podem ser-lhes recusados por motivo de irregularidade em matéria de permanência ou de emprego.

Nos arts. 29 e 30, a Convenção garante ao filho de um trabalhador migrante o direito a um nome, ao registo do nascimento e a uma nacionalidade, além do direito fundamental de acesso à educação em condições de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado interessado, não podendo ser negado ou limitado o acesso a estabelecimentos públicos de ensino pré-escolar ou escolar por motivo de situação irregular em matéria de permanência ou emprego de um dos pais ou com fundamento na permanência irregular da criança no Estado de emprego.

Ademais, a Convenção prevê, em seu art. 31, que os Estados Partes devem assegurar respeito à identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias e não impedi-los de manter os laços culturais com o seu Estado de origem, podendo adotar as medidas adequadas para apoiar e encorajar esforços neste domínio. Além disso, cessando a permanência no Estado de emprego, os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de transferir os seus ganhos e as suas poupanças e, nos termos da legislação aplicável dos Estados interessados, os seus bens e pertences.

O art. 33, por sua vez, enuncia o direito dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias serem informados pelo Estado de origem, Estado de emprego ou Estado de trânsito, conforme o caso, relativamente aos direitos que lhes são reconhecidos pela Convenção e às condições de admissão, direitos e obrigações em virtude do direito e da prática do Estado interessado e outras questões que lhes permitam cumprir as formalidades administrativas ou de outra natureza exigidas por esse Estado.

Por fim, os arts. 34 e 35 dispõem que nenhum desses direitos isenta os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias do dever de cumprir as leis e os regulamentos dos Estados de trânsito e do Estado de emprego e de respeitar a identidade cultural dos habitantes desses Estados. Ademais, nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a implicar a regularização da situação dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias que se encontram indocumentados ou em situação irregular, nem como no sentido de criar qualquer direito a ver regularizada a sua situação, nem como capaz de afetar as medidas destinadas a assegurar condições satisfatórias e equitativas para a migração internacional, previstas na Parte VI da Convenção.

Na Parte IV, a Convenção prevê outros direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que se encontram documentados ou em situação regular, para além dos direitos anteriormente previstos. Nesses casos, há algum paralelismo com os direitos já garantidos pela Convenção na Parte III.

A Parte V da Convenção (arts. 57 a 63) apresenta as disposições aplicáveis a categorias especiais de trabalhadores migrantes e membros de suas famílias: trabalhadores fronteiriços, trabalhadores sazonais, trabalhadores itinerantes, trabalhadores vinculados a um projeto, trabalhadores com emprego específico e trabalhadores independentes. Os dispositivos desta Parte especificam o benefício dos direitos previstos na Parte IV que são aplicáveis a cada um desses tipos de trabalhadores por força da sua presença e do seu trabalho no território do Estado de emprego e que sejam compatíveis com seu estatuto, fazendo, entretanto, algumas ressalvas.

Na Parte VI, a Convenção dispõe sobre a promoção de condições saudáveis, equitativas, dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias. O art. 64 determina que os Estados Partes interessados consultem-se e cooperem, se necessário, a fim de promover referidas condições. A esse respeito, a Convenção prevê que sejam tomadas em conta não só as necessidades e recursos de mão de obra ativa, mas também as necessidades de natureza social, econômica, cultural e outra dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, bem como as consequências das migrações para as comunidades envolvidas.

A Convenção prevê ainda que sempre que os Estados Partes interessados considerarem a possibilidade de regularizar a situação dessas pessoas, devem ter devidamente em conta as circunstâncias da sua entrada, a duração da sua estada no Estado de emprego, bem como outras considerações relevantes, em particular as que se relacionem com a sua situação familiar. Os Estados devem ainda adotar medidas não menos favoráveis do que as aplicadas aos seus nacionais para garantir que as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias em situação regular sejam conformes às normas de saúde, de segurança e de higiene e aos princípios inerentes à dignidade humana, além de facilitar o repatriamento para o Estado de origem dos restos mortais dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias.

A Parte VII da Convenção dispõe sobre sua aplicação. Assim, em seu art. 72, institui o Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias, com o fim de examinar a aplicação de seu texto.

O Comitê é composto por 14 peritos de alta autoridade moral, imparcialidade, e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção, para exercerem suas funções a título pessoal. Os peritos são eleitos para um período de quatro anos por escrutínio secreto pelos Estados Partes, dentre uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes, tendo em consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa, no que respeita quer aos Estados de origem, quer aos Estados de emprego, e uma representação dos principais sistemas jurídicos. Cada Estado Parte pode designar um perito dentre os seus nacionais e pode haver reeleição. Por força do art. 73, os Estados Partes se comprometem a apresentar ao Comitê, por meio do Secretário-Geral da ONU, relatórios periódicos sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas e de outra natureza que hajam adotado para dar aplicação às disposições da Convenção, de cinco em cinco anos ou sempre que o Comitê solicitar. O Comitê examina os relatórios apresentados por cada Estado Parte, transmitindo a ele os comentários que julgar apropriados e podendo solicitar informações complementares.

O Comitê pode convidar agências especializadas e outros órgãos da ONU, bem como organizações intergovernamentais e outros organismos interessados, a submeter por escrito, para apreciação pelo Comitê, informações sobre a aplicação da Convenção nas áreas relativas aos seus domínios de atividade. Ademais, o Secretariado Internacional do Trabalho é convidado pelo Comitê a designar os seus representantes a fim de participarem, na qualidade de consultores, das reuniões.

O Comitê submete um relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção, contendo suas observações e recomendações fundadas na apreciação dos relatórios e nas observações apresentadas pelos Estados. Tais relatórios são transmitidos pelo Secretário-Geral da ONU aos Estados Partes na Convenção, ao Conselho Econômico e Social, à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, ao Diretor-Geral do Secretariado Internacional e a outras organizações relevantes neste domínio.

O art. 76 prevê ainda a possibilidade de que os Estados Partes declarem que reconhecem a competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais, ou seja, para receber e apreciar comunicações de um Estado Parte, invocando o não cumprimento por outro Estado das obrigações decorrentes da presente Convenção. Por fim, no art. 77 a Convenção viabiliza também a possibilidade de que qualquer Estado Parte declare que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar comunicações individuais, ou seja, apresentadas por pessoas sujeitas à sua jurisdição ou em seu nome, invocando a violação por esse Estado Parte dos seus direitos individuais estabelecidos pela Convenção.

Ainda, a Parte VIII estabelece as disposições gerais da Convenção. No art. 79, determina-se que nenhuma disposição da Convenção afeta o direito de cada Estado Parte de estabelecer os critérios de admissão de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias. Entretanto, com relação às outras questões relativas ao estatuto jurídico e ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, os Estados Partes ficam vinculados pelas limitações impostas pela Convenção.

Além disso, nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a afetar as disposições da Carta da ONU e atos constitutivos das agências especializadas que definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da ONU e das agências especializadas (art. 80), e nenhuma disposição afeta as normas mais favoráveis à realização dos direitos ou ao exercício das liberdades dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que possam figurar na legislação ou na prática de um Estado Parte ou em qualquer tratado bilateral ou multilateral em vigor para esse Estado. Além disso, nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada como implicando para um Estado, grupo ou pessoa, o direito a dedicar-se a uma atividade ou a realizar um ato que afete os direitos ou as liberdades nela enunciados (art. 81).

O art. 82 enuncia que os direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das sua famílias previstos na Convenção não podem ser objeto de renúncia, não sendo permitida qualquer forma de pressão sobre eles para que renunciem a estes direitos ou se abstenham de exercê-los. Assim, também não é possível a derrogação por contrato dos direitos reconhecidos na Convenção e os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para garantir que esses princípios sejam respeitados.

No art. 83, são apresentados os compromissos dos Estados Partes no sentido de garantir um recurso efetivo a toda pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção tenham sido violados, ainda que a violação tenha sido cometida por pessoa no exercício de funções oficiais. Os Estados devem garantir que, ao exercer tal recurso, o interessado possa ver a sua queixa apreciada e decidida por uma autoridade judiciária, administrativa ou legislativa competente, ou por qualquer outra autoridade competente prevista no sistema jurídico do Estado, e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial. Além disso, os Estados devem garantir que as autoridades competentes deem seguimento ao recurso quando este for considerado fundado.

Por fim, de acordo com o art. 84, os Estados se comprometem a adotar todas as medidas legislativas e outras que se afigurem necessárias à aplicação das disposições da Convenção. Finalmente, na Parte IX (arts. 85 a 92) a Convenção traz suas disposições finais: Secretário-Geral da ONU como depositário do tratado (art. 85); assinatura, adesão e ratificação (art. 86); entrada em vigor (art. 87); impossibilidade de exclusão de aplicação da Convenção a qualquer uma das partes (art. 88); denúncia (art. 89); revisão e emenda da Convenção (art. 90); reservas (art. 91); mecanismos de resolução de conflitos para interpretações distintas de seu texto (art. 92) e idiomas da Convenção (art. 93).

QUADRO SINÓTICO

Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias

Aplicação da Convenção

Aplica-se a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo, raça, cor, língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou outra situação.

Compreende a preparação da migração, a partida, o trânsito e a duração total da estada, a atividade remunerada no Estado de emprego, bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual.

Convenção não se aplica:

a) às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais, nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais, cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas;

b) às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e noutros programas de cooperação, cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que, nos termos deste acordo, não são consideradas trabalhadores migrantes;

c) às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores;

d) aos refugiados e apátridas, salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado;

e) aos estudantes e estagiários;

f) aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego.

Principais obrigações dos Estados Partes

Não discriminação em matéria de direitos: compromisso de respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou de qualquer outra situação.

Promoção de condições saudáveis, equitativas, dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros das suas famílias.

Direitos garantidos

Convenção tem por objetivo garantir o respeito aos direitos da pessoa humana também com relação aos trabalhadores migrantes, o que inclui direito à vida, direito à liberdade de expressão, direito de associação, dentre outros.

Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias

Composto por 14 peritos de alta autoridade moral, imparcialidade e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção, para exercerem suas funções a título pessoal, eleitos para um período de quatro anos.

Relatórios periódicos apresentados ao Comitê pelos Estados Partes de cinco em cinco anos.

Comitê apresenta relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção.

Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais.

Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações individuais.






1 Para competência, composição e funcionamento do Comitê de Direitos Humanos, conferir Parte II, Capítulo IV, item 3.

2 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos quanto ao peticionamento individual, conferir Parte II, Capítulo IV, item 3.

3 Informação da Exposição de Motivos do Ministro de Estado das Relações Exteriores que acompanha a Mensagem Presidencial n. 924, que submeteu o texto do Protocolo ao Congresso Nacional.

4 Para competência, composição e funcionamento do Conselho de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conferir Parte II, Capítulo IV, item 4.

5 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos, conferir Parte II, Capítulo IV, item 3.

6 LEMKIN. Raphael. Axis Rule in Occupied Europe: Laws of OccupationAnalysis of Government - Proposals for Redress. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 1944, em especial p. 79-95 (Capítulo IX “Genocide”).

7 Observe-se que o Protocolo de Las Leñas, firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, prevê a mesma no âmbito do Mercosul, ao estabelecer, em seu art. 4º, que nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja sua denominação, poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte, o que se aplicará também às pessoas jurídicas constituídas, autorizadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados Partes.

8 Para competência, composição e funcionamento do Comitê, cf. Parte II, Capítulo IV, item 5.

9 Para o funcionamento do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação, conferir Parte II, Capítulo IV, item 6.

10 Para competência, composição e funcionamento do Comitê, cf. Parte II, Capítulo IV, item 7.

11 Para competência, composição e funcionamento do Comitê para os Direitos da Criança, cf. Capítulo IV da Parte II (“Mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos: competência, composição e funcionamento”).

12 Ressalte-se que a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet (Viena, 1999) determina a criminalização da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e propaganda de pornografia infantil.

13 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

14 Observe-se que não se deve falar em “a Declaração e o Programa de Ação de Viena”, e sim “Declaração e Programa de Ação de Viena”. LINDGREN ALVES ressalta: “O simbolismo político do termo no título de um texto negociado entre 171 Estados, que, no período contemporâneo pós-colonial, oficialmente representavam toda a humanidade, compensaria sua imprecisão – e as dificuldades que os dois substantivos de gêneros distintos impõem à sintaxe de um documento singular, sobretudo nas línguas neolatinas” Cf. ALVES, José Augusto Lindgren. Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências. Brasília: IBRI, 2001, p. 104.

15 Citem-se, entre outros, a Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, o Programa Mundial de Ação para as Pessoas Portadoras de Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, as Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência, a Declaração de Viena e Programa de Ação aprovados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em 1993, a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério Americano e, finalmente, o Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano.

16 Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-pessoas-com-deficiencia/>. Acesso em: 4 dez. 2012.

17 Conferir tópico específico sobre o tema no n. 10 do Capítulo IV da Parte II.

18 Em 26 de novembro de 2012.

19 CÂMARA DOS DEPUTADOS. MSC 696/2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=489652>. Acesso em: 26 nov. 2012.