III.

O SISTEMA REGIONAL AMERICANO (OEA)

1. A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem: aspectos gerais do sistema

Durante a 9ª Conferência Interamericana realizada em Bogotá, entre 30 de março a 2 de maio de 1948, foram aprovadas a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. A Carta da OEA proclamou, de modo genérico, o dever de respeito aos direitos humanos por parte de todo Estado-membro da organização. Já a Declaração Americana enumerou quais são os direitos fundamentais que deveriam ser observados e garantidos pelos Estados.

A Declaração Americana, que é anterior à Declaração Universal de Direitos Humanos, expressamente reconheceu a universalidade dos direitos humanos, ao expressar que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão ou nacional de um Estado, mas, sim, de sua condição humana (Preâmbulo da Declaração).

As disposições de direitos humanos da Carta da OEA estão previstas já no seu preâmbulo, que estabelece que o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar um regime de liberdade individual e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem. Os Estados americanos reconhecem ainda “os direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo...” (art. 3, alínea k ). Já o artigo 16 da Carta estipula que o desenvolvimento deve ser feito respeitando-se “os direitos da pessoa humana e os princípios da moral universal”. Finalmente, o art. 44 da Carta estabelece direitos sociais, tais como o direito ao bem-estar material, o direito ao trabalho, direito à livre associação, direito à greve e à negociação coletiva, direito à previdência social e à assistência jurídica para fazer valer seus direitos. O art. 48 estabelece o direito à educação, considerado como “fundamento da democracia, da justiça social e do progresso”.

Além desses dispositivos da Carta, os Estados-membros da OEA estão vinculados ao cumprimento dos direitos mencionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que é considerada interpretação autêntica dos dispositivos genéricos de proteção de direitos humanos da Carta da OEA, conforme decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Parecer Consultivo sobre interpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem – art. 64 da Convenção, 1989, § 45).

Após a adoção da Carta da OEA e da Declaração Americana, iniciou-se um lento desenvolvimento da proteção interamericana de direitos humanos. O primeiro passo foi a criação de um órgão especializado na promoção e proteção de direitos humanos no âmbito da OEA. Na 5ª Reunião de consultas dos Ministros de Relações Exteriores, realizada em Santiago do Chile em 1959, foi aprovada moção pela criação de um órgão voltado para a proteção de direitos humanos no seio da OEA, que veio a ser a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Pela proposta aprovada, a Comissão funcionaria provisoriamente até a adoção de uma “Convenção Interamericana de Direitos Humanos”. Após a edição do Protocolo de Buenos Aires em 1967 (entrou em vigor em 1970), que emendou a Carta da OEA, a Comissão passou a ser órgão principal da própria Organização dos Estados Americanos, superando a debilidade inicial de ter sido criada por mera resolução adotada em reunião de Ministros. Assim, a Comissão incorporou-se à estrutura permanente da OEA, tendo os Estados a obrigação de responder aos seus pedidos de informação, bem como cumprir, em boa-fé, com suas recomendações, pois essas eram fundadas na própria Carta da OEA, agora reformada. A Comissão é composta de sete comissários, que são pessoas de alta autoridade moral e notório saber na área de direitos humanos, indicados por Estados da OEA e eleitos em escrutínio secreto pela Assembleia da organização, para mandato de quatro anos, com a possibilidade de uma recondução. Apesar da indicação governamental, os membros da Comissão atuam a título pessoal, ou seja, devem desempenhar suas funções com independência, com base em suas convicções pessoais, sem se ater a considerações políticas ou nacionais.

Atualmente, a OEA possui dois órgãos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral, voltados à promoção de direitos humanos. Incumbe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a tarefa principal de responsabilização dos Estados por descumprimento dos direitos civis e políticos expressos na Carta e na Declaração Americana. Já o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral deve zelar pela observância dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais.

O próximo salto no desenvolvimento do sistema interamericano de proteção de direitos humanos foi a aprovação do texto da Convenção Americana de Direitos Humanos em São José, Costa Rica, em 1969. A Convenção, entretanto, só entrou em vigor em 1978, após ter obtido o mínimo de 11 ratificações. Essa Convenção, além de dotar a já existente Comissão Interamericana de Direitos Humanos de novas atribuições, criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, como o segundo órgão de supervisão do sistema interamericano de direitos humanos.

Em relação aos direitos protegidos, a Convenção aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana, vinculando os Estados (cabe lembrar que a Declaração Americana era tida como um texto não vinculante por não ser um tratado propriamente dito).

A partir da entrada em vigor da Convenção, a Comissão passou a ter papel dúplice. Em primeiro lugar, continuou a ser um órgão principal da OEA, encarregado de zelar pelos direitos humanos, incumbido até do processamento de petições individuais retratando violações de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana. Em segundo lugar, a Comissão passou a ser também órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos, analisando petições individuais e interpondo ação de responsabilidade internacional contra um Estado perante a Corte1. Caso o Estado não tenha ratificado ainda a Convenção (como os Estados Unidos) ou caso tenha ratificado, mas não tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte, a Comissão, pode apenas acionar a Assembleia Geral da OEA.

Além da Convenção Americana de Direitos Humanos, o sistema interamericano conta com diversos instrumentos internacionais que protegem direitos específicos. O mais importante deles é, sem dúvida, o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Diretos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), adotado em 1988 e ratificado pelo Brasil em 1996. Em uma região marcada por desigualdades sociais e pelo contraste entre a riqueza ostensiva de poucos e a miséria de milhões, o Protocolo Adicional veio ao encontro da necessidade de aferir o cumprimento dos direitos sociais em sentido amplo pelo Estado.

Quanto aos demais instrumentos internacionais do sistema interamericano de direitos humanos, cite-se, entre outros, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir o Crime de Tortura, adotada em 1985 e ratificada pelo Brasil em 1989; o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos relativo à Abolição da Pena de Morte, adotado em 1990 e ratificado pelo Brasil em 1996; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada em 1994 em Belém do Pará (Brasil) e ratificada pelo Brasil em 1995, e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas adotada em 1994 e em vias de ratificação pelo Brasil.

2. Atuação específica da Organização dos Estados Americanos (OEA)

2.1. A OEA E A VALORIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA

Entre as várias atuações específicas da OEA na área dos direitos humanos, destaca-se a valorização do trabalho dos defensores públicos na promoção de direitos humanos.

Nesse sentido, foi editada pela OEA a Resolução n. 2.656/2011, intitulada “garantias de acesso à justiça: o papel dos defensores públicos oficiais”, na qual se enfatizou a importância do trabalho realizado pelos defensores públicos oficiais, em diversos países do Hemisfério, na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos, que assegura o acesso de todas as pessoas à justiça, sobretudo daquelas que se encontram em situação especial de vulnerabilidade.

A OEA recomendou, pela resolução, aos Estados (como o Brasil) que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas que garantam que os defensores públicos oficiais gozem de independência e autonomia funcional. Também incentivou os Estados-membros que ainda não disponham da instituição da defensoria pública oficial (o chamado “modelo brasileiro”) que considerem a possibilidade de criá-la em seus ordenamentos jurídicos e ainda pugnou pela celebração de convênios para a capacitação e formação de defensores públicos oficiais.

Em 2012, a OEA editou a Resolução n. 2.714, de 2012, ressaltando a necessidade dos Estados americanos em assegurar o acesso à justiça, bem como garantir a independência e autonomia funcional da Defensoria Pública.

Apesar de não possuírem força vinculante, essas resoluções indicam a posição da OEA sobre as defensorias, delineando o dever dos Estados de promover os direitos humanos por intermédio da adoção do modelo de defensoria pública oficial.

2.2. OS RELATÓRIOS ANUAIS E RELATORIA PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A Organização dos Estados Americanos criou, ao longo dos anos, Relatorias Especiais sobre temas de direitos humanos, vinculadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A mais importante dessas Relatorias é a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, criada em 1997 e com caráter permanente, independência funcional e estrutura própria (que inclusive conta com financiamento externo). A criação dessa Relatoria permanente busca incentivar a plena liberdade de expressão e informação nas Américas, direito essencial para o enraizamento da democracia em Estados de passado ditatorial recente (a maior parte dos Estados americanos vivenciaram períodos longos de ditaduras no século XX).

Cabe à Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão:

1) elaborar relatório anual sobre a situação da liberdade de expressão nas Américas e apresentá-lo à Comissão para apreciação e futura inclusão no Relatório Anual da Comissão IDH à Assembleia Geral da OEA;

2) preparar relatórios temáticos;

3) obter informações e realizar atividades de promoção e capacitação sobre a temática;

4) acionar imediatamente a Comissão a respeito de situações urgentes para que estude a adoção de medidas cautelares ou solicite a adoção à Corte Interamericana de Direitos Humanos; e

5) remeter informação à Comissão para instruir casos individuais relacionados com a liberdade de expressão.

Há ainda as seguintes Relatorias Especiais da OEA:

a) Relatoria sobre os direitos da mulher;

b) Relatoria sobre os direitos dos trabalhadores migrantes e suas famílias;

c) Relatoria sobre os direitos da criança.

Apesar de não possuirem força vinculante e serem considerados meras recomendações, os relatórios temáticos são amplamente divulgados e podem servir para que a Comissão IDH venha a processar os Estados infratores perante a Corte IDH (ver abaixo).

Por isso, em 2011, o Equador sugeriu uma série de mudanças na Comissão IDH, que atingem diretamente a Relatoria sobre liberdade de expressão. Entre as mudanças pretendidas (mas ainda não adotadas, em virtude de forte crítica de movimentos organizados de direitos humanos) estavam a eliminação dos relatórios temáticos, com a elaboração de um relatório anual único da Comissão IDH que incorporaria as recomendações dos relatores especiais.

3. Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”)

A Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José da Costa Rica, foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969, em São José, na Costa Rica. Entrou em vigor internacional somente em 18 de julho de 1978, conforme determinava o § 2º de seu art. 74, após ter obtido 11 ratificações.

Em seu preâmbulo, a Convenção ressalta o reconhecimento de que os direitos essenciais da pessoa humana derivam não da nacionalidade, mas sim da sua condição humana, o que justifica a proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados. Ressalta-se também que o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, só pode ser realizado se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar não só dos seus direitos civis e políticos, mas também dos seus direitos econômicos, sociais e culturais.

O Brasil aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992, depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, e a promulgou por meio do Decreto n. 678, de 6 de novembro do mesmo ano. O ato multilateral entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de 1992, data do depósito de seu instrumento de ratificação (art. 74, § 2º).

A Convenção Americana é composta por 82 artigos, divididos em três partes: Parte I sobre os Deveres dos Estados e Direitos Protegidos; a Parte II sobre os “Meios de Proteção” e a Parte III, sobre as “Disposições Gerais e Transitórias”.

A Parte I, portanto, enuncia os deveres impostos aos Estados Partes por meio da Convenção e os direitos por ela protegidos.

O Capítulo I enumera os deveres dos Estados: respeitar os direitos e garanti-los, adotando disposições protetivas de direito interno. O primeiro dos deveres, portanto, é a obrigação de respeitar os direitos e as liberdades reconhecidos na Convenção e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social (art. 1º). Explicita-se, nesse ponto, que, para efeitos da Convenção, pessoa é todo ser humano. O segundo dos deveres enunciados é o de adotar disposições de direito interno (medidas legislativas ou de outra natureza) que forem necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades, caso o seu exercício ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza (art. 2º).

O Capítulo II já passa a enunciar os direitos civis e políticos garantidos pela Convenção. Deve-se observar que a Convenção conferiu ênfase a tais direitos, apresentando um largo rol de direitos civis e políticos protegidos e explicitando situações decorrentes de sua proteção.

O art. 3º inicia o rol anunciando o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, conferido a toda pessoa.

O art. 4º, por sua vez, reconhece o direito à vida. Nesse sentido, expõe-se que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida, o qual deve ser protegido por lei “e, em geral, desde o momento da concepção”. Assim, ninguém pode ser privado de sua vida arbitrariamente. A possibilidade de autorização legal de hipóteses de aborto ou eutanásia não foi vedada pela Convenção, mas deve ser regrado de modo fundamentado como exceção à proteção geral da vida desde a concepção.

Como decorrência do reconhecimento do direito à vida, a Convenção dispõe que nos países em que a pena de morte não tiver sido abolida, esta poderá ser imposta apenas para delitos mais graves, após a sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. A pena de morte não poderá ter sua aplicação estendida aos delitos aos quais não se aplique atualmente e, nos Estados Partes que a tenham abolido, não poderá ser restabelecida. Em nenhum caso poderá ser aplicada a delitos políticos ou a delitos comuns conexos com políticos. Ademais, a Convenção determina que não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento do cometimento do delito, for menor de 18 anos, ou maior de 70, nem se pode aplicá-la a mulher grávida. Finalmente, garante-se que toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Enquanto tal pedido estiver pendente de decisão perante a autoridade competente, a pena de morte não pode ser executada.

O art. 5º dispõe sobre o direito à integridade pessoal. Nesse sentido, enuncia-se que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral, não podendo qualquer pessoa ser submetida a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Como decorrência desse direito, a Convenção determina que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano e que a pena não pode passar da pessoa do delinquente. Ademais, os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, devendo ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas, e os menores devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. Finalmente, o art. 5º determina que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a ressocialização dos condenados.

No art. 6º, a Convenção veda a submissão de qualquer pessoa a escravidão ou servidão, que são proibidas em todas as suas formas, assim como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres. Ademais, ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Entretanto, nos países em que se prevê a pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, essa disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento dessa pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. De qualquer forma, o trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.

A Convenção explicita as situações que não podem ser consideradas como trabalhos forçados ou obrigatórios: serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bem-estar da comunidade; trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

Além disso, os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente não podem ser considerados como trabalhos forçados ou obrigatórios, mas devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado.

No art. 7º, garante-se que toda pessoa tem direito à liberdade e segurança pessoais. Nesse sentido, a Convenção prevê que ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo por causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições dos Estados ou pelas leis conformes com elas. Ademais, ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários e toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela. A pessoa nessas condições deve também ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Entretanto, sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

A Convenção garante ainda a toda pessoa privada da liberdade o direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e de que se ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes que contemplem a previsão de que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, este recurso não pode ser restringido nem abolido e poderá ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.

Finalmente, como decorrência do direito à liberdade e segurança pessoais, o art. 7º estabelece que ninguém deve ser detido por dívidas, salvo os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Observe-se que essa disposição da Convenção foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro por ocasião da decisão sobre a impossibilidade de prisão civil por dívidas do depositário infiel2, hipótese viabilizada pela Constituição brasileira (art. 5º, LXVII), mas não prevista na Convenção Americana. O STF decidiu que a “subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel” (HC 87.585, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 26-6-2009).

O art. 8º, por sua vez, enuncia as garantias judiciais contempladas pela Convenção. Assim, garante-se a toda pessoa o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Toda pessoa acusada de um delito tem também o direito à presunção de inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Ademais, toda pessoa tem direito, durante o processo, de ser assistida gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada; direito de lhe serem concedidos o tempo e os meios necessários à preparação da defesa; direito de defender-se pessoalmente ou de ser assistida por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; direito de ser assistida por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se, acusada, não se defender ela própria, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

O direito ao duplo grau de jurisdição, previsto no Pacto de San José, não é pleno no Brasil, pois a própria Constituição de 1988 prevê casos de competência criminal originária de Tribunais cujas decisões não podem ser questionadas por recursos de cognição ampla. Isso sem contar os casos de competência original criminal do próprio STF, cujas decisões não podem ser questionadas de qualquer forma perante outro Tribunal doméstico. Para o STF, “se bem é verdade que existe uma garantia ao duplo grau de jurisdição, por força do Pacto de São José, também é fato que tal garantia não é absoluta e encontra exceções na própria Carta” (AI 601.832-AgR, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 3-4-2009).

Garante-se também que a confissão do acusado só será válida se feita sem coação de nenhuma natureza e que o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. Finalmente, a Convenção estabelece que o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

No art. 9º, garante-se o princípio da legalidade e da retroatividade da lei penal benéfica. Assim, a Convenção estabelece que ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Ademais, não se pode impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito, e se, após o cometimento do delito, a lei estabelecer a imposição de pena mais leve, o indivíduo será beneficiado.

O art. 10 determina que toda pessoa tem direito a ser indenizada por erro judiciário, conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença transitada em julgado.

O art. 11, por sua vez, volta-se ao direito à proteção da honra e da dignidade. Assim, a Convenção reconhece que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade, de forma que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. Nesse sentido, garante-se também o direito de toda pessoa à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

Já o art. 12 garante a liberdade de consciência e de religião a toda pessoa. A Convenção explicita que esse direito implica a liberdade de conservar ou mudar sua religião ou suas crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como privadamente. Nesse sentido, não se pode submeter qualquer pessoa a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudá-las, e os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. Essa liberdade pode ficar sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

O art. 13 contempla o direito de toda pessoa à liberdade de pensamento e de expressão, que inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha. Pela Convenção, esse direito não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. Também não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

De outro lado, a lei poderá submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, e deverá proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Observe-se que a manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (órgão judicial criado pelo próprio Pacto de San José) sobre esse dispositivo da Convenção foi utilizada pelos Ministros do STF como fundamento para declarar não recepcionada pela Constituição de 1988 a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista. Na ementa do RE 511.961 (Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009), sintetizou-se o fundamento: “A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso ‘La colegiación obligatoria de periodistas’ – Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985)”3.

O art. 14, por sua vez, versa sobre o direito de retificação ou resposta. Assim, explicita-se que toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. Tal retificação ou resposta não exime, em nenhum caso, de outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. Ademais, para garantir a efetiva proteção da honra e da reputação, a Convenção determina que toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável, que não seja protegida por imunidades, nem goze de foro especial.

No art. 15, reconhece-se o direito de reunião pacífica e sem armas, cujo exercício só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

O art. 16 versa sobre a liberdade de associação. Assim, garante-se a todas as pessoas o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza. Restrições a esse direito também devem estar previstas em lei e somente podem ser impostas se forem necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. Entretanto, tal disposição não impede a imposição de restrições legais ou a privação do exercício do direito de associação aos membros das forças armadas e da polícia.

No art. 17, a Convenção cuida da proteção da família, apresentando-a como o núcleo natural e fundamental da sociedade, que deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. Reconhece-se o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família, se tiverem a idade e as condições para tanto exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido na Convenção. A Convenção prevê também que o casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre e pleno dos contraentes e que a lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento. Por meio da Convenção, os Estados se comprometem a adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução e, neste caso, devem ser adotadas disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência deles.

A Convenção garante ainda que toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes, devendo a lei regular a forma de assegurar a todos esse direito, ainda que mediante nomes fictícios, se for necessário (art. 18).

O art. 19, por sua vez, busca assegurar que toda criança tenha direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

No art. 20, garante-se a toda pessoa o direito a uma nacionalidade. O direito à nacionalidade do Estado é garantido a toda pessoa em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra, não se podendo privar arbitrariamente qualquer pessoa de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la. Ressalte-se que o Pacto de San José é ousado, ao dispor que o Estado Parte deve dar a sua nacionalidade a quem tiver nascido no seu território, caso a pessoa não tiver direito a outra: elimina-se, assim, a condição de apátrida.

O art. 21 assegura o direito à propriedade privada. Nesse sentido, toda pessoa tem o direito ao uso e gozo de seus bens, mas a lei pode subordiná-los ao interesse social. A Convenção assegura que ninguém poderá ser privado de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. Ademais, a usura ou qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei.

O art. 22, por sua vez, garante o direito de circulação e de residência. Assim, toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir, em conformidade com as disposições legais, bem como o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do seu próprio. O exercício desses direitos não pode ser restringido, senão em virtude de lei, na medida indispensável, em uma sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. Ademais, restrições também podem ser feitas pela lei em zonas determinadas, por motivo de interesse público.

A Convenção determina que ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional nem ser privado do direito de nele entrar. Ademais, determina que o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso dele em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas, consagrando o princípio do non-refoulement na Convenção Americana de Direitos Humanos. Ademais, proíbe-se a expulsão coletiva de estrangeiros. A Convenção garante ainda que toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais.

No art. 23, são garantidos os direitos políticos. Assim, a Convenção estabelece que todos os cidadãos devem gozar dos direitos e oportunidades de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. O exercício de tais direitos e oportunidades pode ser regulado por lei exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

No art. 24, a Convenção garante o direito à igualdade perante a lei, de forma que todas as pessoas têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei.

O art. 25 versa sobre a proteção judicial. Assim, garante-se que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela Convenção, mesmo quando a violação for cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. Para tanto, os Estados assumem o compromisso de assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; de desenvolver as possibilidades de recurso judicial e de assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha julgado procedente o recurso.

O Capítulo III, composto apenas pelo art. 26, versa sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, mencionando o compromisso dos Estados Partes de adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, para alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. Vê-se, portanto, que a Convenção, redigida em 1969, deu ênfase à implementação dos direitos civis e políticos, apenas mencionado o vago compromisso dos Estados com o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Posteriormente, esses direitos foram objeto do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1988, quase vinte anos depois do Pacto de San José).

Já o Capítulo IV (arts. 27 a 29) cuida da suspensão, interpretação e aplicação da Convenção.

O art. 27 dispõe ser possível ao Estado Parte suspender as obrigações assumidas em virtude da Convenção em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado e desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações impostas pelo Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. Todo Estado que fizer uso desse direito de suspensão deve comunicar imediatamente, por meio do Secretário-Geral da OEA, aos outros Estados Partes na Convenção sobre as disposições cuja aplicação foi suspensa, os motivos determinantes da suspensão e a data em que foi finalizada.

Observe-se que essa autorização não permite a suspensão dos seguintes direitos:

direito ao reconhecimento da personalidade jurídica;

direito à vida;

direito à integridade pessoal;

proibição da escravidão e da servidão;

princípio da legalidade e da retroatividade;

liberdade de consciência e religião;

proteção da família;

direito ao nome;

direitos da criança;

direito à nacionalidade e direitos políticos;

nem permite a suspensão das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

O art. 28 disciplina a chamada “cláusula federal”: quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado Federal, o governo nacional deve cumprir todas as disposições da Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial. Para as disposições relativas a matérias cuja competência é atribuída a entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, para que as autoridades competentes de tais entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento da Convenção. A Corte Interamericana de Direitos Humanos interpretou restritivamente esse dispositivo, que não exonera o Estado Federal de cumprir a Convenção em todo o seu território.

No caso brasileiro, não poderia o Brasil alegar não ter responsabilidade sobre um ato de um Estado-membro ou município da Federação brasileira. É o Estado como um todo que possui personalidade jurídica de Direito Internacional, não podendo, como é óbvio, alegar óbice de direito interno para se eximir de sua responsabilidade (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Parecer Consultivo sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo legal, Parecer Consultivo n. 16/99, de 1º-10-1999, Série A, n. 16).

O art. 29 traz as normas de interpretação. Determina que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada para permitir a qualquer dos Estados, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista. Ademais, a interpretação não pode limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; não pode excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e não pode excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. Consagra-se, nesse dispositivo, o princípio da norma mais favorável ao indivíduo, ou seja, entre duas normas (não importando a origem, se nacional ou internacional), cabe ao intérprete adotar a norma mais protetiva ao indivíduo (veja acima a impossibilidade de invocação desse princípio na atualidade de colisão de direitos).

O art. 30, por sua vez, dispõe sobre o alcance das restrições ao gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos da Convenção. Nesse sentido, determina-se que as restrições permitidas de acordo com a Convenção não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas.

O art. 31, enfim, dispõe que outros direitos e liberdades reconhecidos de acordo com os processos estabelecidos nos arts. 69 e 70 podem ser incluídos no regime de proteção da Convenção.

O Capítulo V, composto pelo art. 32, cuida da correlação entre direitos e deveres. Assim, dispõe que toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade e os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática. Fica patente aqui a adoção da dupla dimensão dos direitos humanos (dimensão subjetiva e dimensão objetiva, conforme já visto acima na Parte I desta obra).

Na Parte II, a Convenção Americana prevê os meios de proteção. O Capítulo VI, composto apenas pelo art. 33, prevê os órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados Partes na Convenção: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Observe-se que a Corte Interamericana foi criada pela Convenção, mas a Comissão Interamericana já existia, como visto acima. Dessa forma, a Convenção apenas ampliou suas atribuições.

O Capítulo VII (arts. 34 a 51) estabelece a organização, as funções, a competência da Comissão, determinando também como deve ser conduzido o processo em seu âmbito. Com a Convenção, a Comissão passou a ter um papel dúplice: órgão principal da OEA, encarregado de zelar pelos direitos humanos, e órgão da Convenção Americana. A atuação da Comissão é idêntica nos dois âmbitos. Entretanto, apenas no âmbito da Convenção há possibilidade de processar o Estado infrator perante a Corte IDH.

Observe-se que o Governo brasileiro, ao depositar a carta de adesão à Convenção Americana, fez a declaração interpretativa de que “os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado”4. Assim, caso a Comissão queira fazer visitas ao território brasileiro, deve obter a anuência prévia do nosso governo.

O Capítulo VIII (arts. 52 a 69), por sua vez, determina a organização, a competência, as funções e o processo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), cuja sede é em San José da Costa Rica, sendo por isso denominada “Corte de San José”5.

O Capítulo IX, finalmente, apresenta as disposições comuns a ambas, que dizem respeito aos juízes e membros da Corte: gozo das mesmas imunidades reconhecidas aos agentes diplomáticos pelo Direito Internacional, privilégios diplomáticos, impossibilidade de responsabilização por votos ou opiniões no exercício da função, incompatibilidade com atividades que possam afetar independência e imparcialidade, recebimento de honorários e despesas de viagem e sanções aplicáveis.

Por fim, a Parte III contempla as disposições gerais e transitórias. O Capítulo X (arts. 74 a 78) versa sobre assinatura, ratificação, reserva, emenda e denúncia.

A denúncia consiste no ato unilateral do Estado pelo qual é manifestada sua vontade de não mais vincular-se a determinado tratado. A denúncia ao Pacto de San José é prevista no art. 78, pelo qual o Estado deve conceder o aviso prévio de um ano, notificando o Secretário-Geral da Organização, o qual deve informar as outras partes. Nesse ano de aviso prévio, o Estado deve cumprir normalmente seus deveres de proteção de direitos humanos, estando ainda obrigado a obedecer as determinações da Corte IDH a respeito das violações cometidas por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito.

Já o Capítulo XI (arts. 79 a 82, divididos em duas seções) versa sobre as disposições transitórias que tinham por fim permitir que, com a entrada em vigor da Convenção, fossem apresentados e eleitos os membros da Comissão e os juízes da Corte.

QUADRO SINÓTICO

Convenção Americana de Direitos Humanos “Pacto de San José da Costa Rica”

Aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, mas vinculando os Estados.

Principais direitos protegidos

DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS:

Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica

Direito à vida (o que incluiu a impossibilidade de restabelecimento da pena de morte para os países que a aboliram)

Direito à integridade pessoal (integridade física, psíquica e moral)

Proibição da escravidão e da servidão

Direito à liberdade e à segurança pessoais

Garantias judiciais (direito de ser ouvido por tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei; presunção de inocência; direito de tempo e meios necessários para a defesa; direito de ser assistido por defensor; direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo; direito de recorrer a tribunal superior, dentre outros)

Princípio da legalidade e da retroatividade

Direito à indenização por erro judiciário

Proteção da honra e da dignidade

Liberdade de consciência e de religião

Liberdade de pensamento e de expressão

Direito de retificação ou resposta

Direito de reunião

Liberdade de associação

Proteção da família

Direito ao nome

Direitos da criança

Direito à nacionalidade

Direito à propriedade privada

Direito de circulação e de residência

Direitos políticos

Igualdade perante a lei

Proteção judicial

 

DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS: menciona-se apenas o compromisso dos Estados Partes com seu desenvolvimento progressivo. Posteriormente, foi o Protocolo de San Salvador que versou sobre esses direitos.

Meios de proteção

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (observação: possui papel dúplice no sistema interamericano – órgão da OEA e órgão da Convenção Americana), sede em Washington (sede da OEA)

Corte Interamericana de Direitos Humanos, sede em San José da Costa Rica, também chamada “Corte de San José”

4. Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Protocolo de San Salvador”)

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador, foi adotado pela Assembleia Geral da OEA, em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador, sendo voltado aos direitos econômicos, sociais e culturais garantidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.

O Congresso Nacional brasileiro aprovou o ato por meio do Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de 1995. O Brasil aderiu ao Protocolo em 8 de agosto de 1996 e o ratificou em 21 de agosto de 1996, entrando o ato em vigor para o Brasil em 16 de novembro de 1999. Finalmente, deu-se a promulgação por meio do Decreto n. 3.321, de 30 de dezembro de 1999.

Em seu preâmbulo, o Protocolo ressalta a estreita relação existente entre os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos, uma vez que as diferentes categorias de direito constituem um todo indissolúvel que protege a dignidade humana. As duas categorias de direitos exigem uma tutela e promoção permanentes, com o objetivo de conseguir sua vigência plena, sem que jamais possa ser justificável a violação de uns a pretexto da realização de outros.

O Protocolo é composto por 22 artigos, não divididos expressamente em seções, mas que podem ser assim classificados: (i) obrigações dos Estados (arts. 1º a 3º), (ii) restrições permitidas e proibidas e seu alcance (arts. 4º e 5º), (iii) direitos protegidos (arts. 6º a 18), (iv) meios de proteção (art. 19), disposições finais (arts. 20 a 22).

No art. 1º, o Protocolo estabelece a obrigação de adotar medidas necessárias, de ordem interna ou por meio de cooperação entre os Estados, até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta o grau de desenvolvimento do Estado, a fim de conseguir, progressivamente e de acordo com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos nele reconhecidos. No art. 2º, determina-se ainda a obrigação de os Estados Partes adotarem as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos esses direitos. Vê-se o linguajar tímido, que permite ao Estado implementar os direitos sociais previstos no Protocolo de maneira lenta e progressiva.

Por sua vez, o art. 3º fixa a obrigação de não discriminação, ou seja, os Estados se comprometem a garantir o exercício dos direitos enunciados no Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

O art. 4º ressalta que não se admite restrição ou limitação de qualquer dos direitos reconhecidos ou vigentes em um Estado em virtude de sua legislação interna ou de convenções internacionais, sob pretexto de que o Protocolo não os reconhece ou os reconhece em menor grau. Novamente, fica aqui consagrado o princípio da norma mais favorável ao indivíduo. Restrições ou limitações ao gozo ou ao exercício dos direitos estabelecidos no Protocolo só poderão ser estabelecidas mediante leis promulgadas que tenham por objetivo a preservação do bem-estar geral da sociedade democrática, na medida em que não contrariem o propósito e razão dos mesmos (art. 5º).

A partir do art. 6º, o Protocolo passa a enunciar os direitos nele protegidos. O primeiro deles é o direito de toda pessoa ao trabalho, que inclui a “oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita” (art. 6º). Nesse sentido, os Estados se comprometem a adotar medidas que garantam a plena efetividade desse direito, especialmente quanto à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados às pessoas com deficiência. Comprometem-se ainda a executar e fortalecer programas que auxiliem o adequado atendimento da família, para que se possa dar à mulher a real possibilidade de exercer esse direito.

Os Estados devem ainda reconhecer que esse direito pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias no trabalho (art. 7º). Nesse sentido, os Estados devem garantir em sua legislação nacional uma remuneração que assegure, no mínimo a todos os trabalhadores, condições de subsistência digna e um salário equitativo e igual por trabalho idêntico, sem nenhuma distinção. Devem assegurar ainda o direito de todo trabalhador de seguir sua vocação; de dedicar-se à atividade que melhor atenda a suas expectativas e de trocar de emprego de acordo com a respectiva regulamentação nacional.

Ainda, devem assegurar o direito do trabalhador à promoção ou avanço no trabalho, à segurança e higiene, ao repouso, ao gozo do tempo livre, a férias remuneradas, a remuneração nos feriados nacionais e a limitação razoável das horas de trabalho, que deverão ser ainda mais reduzidas quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos. Devem também garantir a estabilidade no emprego, de acordo com as características das profissões e, nos casos de demissão injustificada, o direito a indenização ou a readmissão no emprego ou outras prestações previstas pela legislação nacional.

Finalmente, devem proibir o trabalho noturno ou em atividades insalubres e perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral. Se se tratar de menores de 16 anos, a jornada de trabalho deve subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e em nenhum caso pode constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiar-se da instrução recebida.

O art. 8º versa sobre os direitos sindicais. Assim, os Estados devem garantir o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses; de outro lado, ninguém poderá ser obrigado a pertencer a um sindicato. Devem também permitir que os sindicatos formem federações e confederações nacionais, que se associem aos já existentes, bem como que formem organizações sindicais internacionais e que se associem à de sua escolha e, ainda, que funcionem livremente. Garante-se também o direito de greve.

Limitações e restrições a tais direitos seguem as condições abaixo expostas:

a) devem estar previstas somente em lei;

b) devem ser apenas aquelas próprias a uma sociedade democrática e necessárias para salvaguardar: (i) a ordem pública e (ii) proteger a saúde ou a (iii) moral pública e os (iv) direitos ou liberdades dos demais;

c) ademais, os membros das forças armadas, da polícia e de outros serviços públicos essenciais estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei.

O art. 9º estabelece o direito à previdência social, para proteção quanto a consequências da velhice e da incapacitação que impossibilite a pessoa, física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa. No caso de morte do beneficiário, estabelece-se que as prestações da previdência social beneficiarão seus dependentes. Para as pessoas em atividade, esse direito deve abranger pelo menos o atendimento médico e o subsídio ou pensão em casos de acidentes de trabalho ou de doença profissional e, quando se tratar da mulher, licença remunerada para a gestante, antes e depois do parto.

O art. 10, por sua vez, garante o direito à saúde a toda pessoa, entendendo-a como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. Para torná-lo efetivo, o Protocolo determina que os Estados o reconheçam como bem público, adotando medidas para garanti-lo: atendimento primário de saúde (assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade); extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; imunização total contra as principais doenças infecciosas; prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; educação sobre a prevenção e o tratamento dos problemas de saúde; e, finalmente, satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.

O Protocolo prevê ainda o direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos (art. 11). Os Estados, de outro lado, devem promover a proteção, a preservação e o melhoramento do meio ambiente.

O próximo direito garantido é o direito à alimentação, devendo-se garantir a toda pessoa uma nutrição adequada, que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Para torná-lo efetivo e eliminar a desnutrição, os Estados se comprometem, pelo Protocolo, a aperfeiçoar os métodos de produção, abastecimento e distribuição de alimentos e a promover maior cooperação internacional, com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema.

O art. 13, por sua vez, garante a toda pessoa o direito à educação. Por meio do Protocolo, os Estados convêm em que a educação deve orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e no sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais pela justiça e pela paz, capacitando todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, para conseguir uma subsistência digna, para favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e para promover as atividades em prol da manutenção da paz.

Para alcançar o pleno exercício do direito à educação, por meio do Protocolo, os Estados reconhecem que o ensino de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente; que o ensino de segundo grau deve ser generalizado e tornar-se acessível a todos, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; e que o ensino superior deve tornar-se igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um, pelos meios apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito.

Os Estados reconhecem ainda que se deve promover ou intensificar, na medida do possível, o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau; e que devem ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para as pessoas com deficiência, com a finalidade de proporcionar instrução e a formação dessas pessoas.

O Protocolo prevê ainda que os pais terão direito a escolher o tipo de educação a ser dada aos seus filhos, de acordo com a legislação interna dos Estados Partes e desde que esteja de acordo com aqueles princípios. Ademais, estabelece que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada como restrição da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituições de ensino, de acordo com a legislação interna dos Estados.

O art. 14 cuida dos direitos culturais. Assim, os Estados Partes, pelo Protocolo, reconhecem o direito de toda pessoa de participar na vida cultural e artística da comunidade, de gozar dos benefícios do progresso científico e tecnológico e de beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais que lhe caibam em virtude das produções científicas, literárias ou artísticas de que for autora. Dentre as medidas adotadas pelo Estado para assegurar esse direito, devem figurar as necessárias para a conservação, desenvolvimento e divulgação da ciência, da cultura e da arte. O Protocolo ainda enuncia que os Estados se comprometem a respeitar a liberdade indispensável para a pesquisa científica e atividade criadora. Ademais, prevê que os Estados reconhecem os benefícios que decorrem da promoção e desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais em assuntos científicos, artísticos e culturais, comprometendo-se, assim, a propiciar maior cooperação internacional nesse campo.

O art. 15, por sua vez, versa sobre o direito à constituição e proteção da família. Enuncia-se, assim, que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pelo Estado, que deverá velar pelo melhoramento de sua situação moral e material. Garante-se, nesse sentido, o direito de toda pessoa de constituir família, o qual deve ser exercido de acordo com as disposições da legislação interna. Finalmente, o Protocolo determina que os Estados Partes se comprometam a proporcionar adequada proteção ao grupo familiar, especialmente dispensando atenção e assistência especiais à mãe, por um período razoável, antes e depois do parto; garantindo às crianças alimentação adequada, tanto no período de lactação quanto na idade escolar; adotando medidas especiais de proteção dos adolescentes, a fim de assegurar o pleno amadurecimento de suas capacidades físicas, intelectuais e morais; e, finalmente, executando programas especiais de formação familiar, a fim de contribuir para a criação de um ambiente estável e positivo em que as crianças percebam e desenvolvam os valores de compreensão, solidariedade, respeito e responsabilidade.

A partir do art. 16, o Protocolo passa a apresentar os direitos garantidos em seu âmbito a grupos vulneráveis. O art. 16 cuida do direito das crianças. Nesse sentido, prevê que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado e tem direito de crescer ao amparo e sob a responsabilidade de seus pais, salvo em circunstâncias excepcionais reconhecidas judicialmente. A criança de tenra idade não deve ser separada de sua mãe. Ademais, prevê-se que toda criança tem direito à educação gratuita e obrigatória, pelo menos no nível básico, e a continuar sua formação em níveis mais elevados do sistema educacional.

No art. 17, o Protocolo versa sobre a proteção das pessoas idosas, garantindo o direito de que toda pessoa tenha proteção especial na velhice. Assim, a obrigação de realizar progressivamente uma série de medidas é atribuída ao Estado Parte, que deve: proporcionar instalações adequadas, bem como alimentação e assistência médica especializada, a idosos que careçam dela e não estejam em condições de provê-las por meios próprios; executar programas de trabalho destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produtiva adequada às suas capacidades e respeitando sua vocação ou desejos; e, por fim, promover a formação de organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade da vida das pessoas idosas.

Finalmente, o art. 18 versa sobre a proteção das pessoas com deficiência. Nesse sentido, garante-se que toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial, com a finalidade de permitir que alcance máximo desenvolvimento de sua personalidade. Os Estados, assim, comprometem-se a adotar medidas para: proporcionar aos deficientes os recursos e o ambiente necessário para alcançar esse objetivo, inclusive programas trabalhistas adequados a suas possibilidades e que deverão ser livremente aceitos por eles ou, se for o caso, por seus representantes legais; proporcionar formação especial às famílias dos deficientes, para que possam ajudá-los a resolver os problemas de convivência e convertê-los em elementos atuantes no desenvolvimento físico, mental e emocional destes; incluir em seus planos de desenvolvimento urbano, de maneira prioritária, a consideração de soluções para os requisitos específicos decorrentes das necessidades das pessoas com deficiência; e, por fim, promover a formação de organizações sociais nas quais as pessoas com deficiência possam desenvolver uma vida plena.

No art. 19, o Protocolo cuida dos meios de proteção (relatórios periódicos e, em certos casos, possibilidade de petição das vítimas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos). Assim, os Estados se comprometem a apresentar ao Secretário-Geral da OEA relatórios periódicos sobre as medidas progressivas que tiverem adotado a fim de assegurar o respeito dos direitos consagrados no Protocolo. O Secretário-Geral deve transmiti-los ao Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral, para que possa examiná-los, e deve enviar cópia desses relatórios à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos organismos especializados do Sistema Interamericano, dos quais sejam membros os Estados Partes no Protocolo, à medida que tenham relação com matérias que sejam da competência de tais organismos, de acordo com seus instrumentos constitutivos.

Os relatórios anuais que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral apresenta à Assembleia Geral devem conter um resumo da informação recebida dos Estados Partes e dos organismos especializados sobre as medidas progressivas adotadas a fim de assegurar o respeito dos direitos reconhecidos no Protocolo e as recomendações de caráter geral que considerarem pertinentes.

Se os direitos sindicais (excetuado o direito de greve) e o direito à educação forem violados por ação imputável a Estado Parte do Protocolo, é possível a utilização do sistema de petições individuais (regulado pelos arts. 44 a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, caso entender cabível, pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos, processando o Estado faltoso (ver o mecanismo de acionamento da Corte IDH abaixo).

Sem prejuízo disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pode formular observações e recomendações que considerar pertinentes sobre a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais nos Estados Partes, podendo incluí-las no Relatório Anual à Assembleia Geral ou num relatório especial, conforme considerar mais apropriado.

O Protocolo estabelece ainda que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem levar em conta natureza progressiva da vigência dos direitos protegidos no Protocolo.

Finalmente, o art. 20 estabelece a possibilidade de formulação de reservas e o art. 21 versa sobre assinatura, ratificação, adesão e entrada em vigor. O art. 22 cuida da possibilidade de apresentação de propostas de emendas para incorporação de outros direitos e ampliação dos reconhecidos.

QUADRO SINÓTICO

Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Protocolo de San Salvador”)

Aprofunda os direitos econômicos, sociais e culturais protegidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.

Principais direitos protegidos

Direito ao trabalho

Direito de gozar do direito ao trabalho em condições justas, equitativas e satisfatórias (incluindo direito à promoção ou avanço no trabalho, direito à segurança e higiene, direito a repouso, direito a férias remuneradas, direito a limitação de horas de trabalho, dentre outros)

Direitos sindicais (direito de filiar-se ou não, direito de greve, dentre outros)

Direito à previdência social

Direito à saúde

Direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos

Direito à alimentação

Direito à educação

Direito aos benefícios da cultura

Direito à constituição e proteção da família

Direitos das crianças

Direitos das pessoas idosas

Direitos das pessoas com deficiência

Mecanismos de monitoramento

Relatórios periódicos

Petições individuais para o caso de violação aos direitos sindicais e o direito à educação

5. Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte foi adotado em Assunção, em 8 de junho de 1990, durante a XX Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, na esteira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que já restringira a aplicação da pena de morte. Entrou em vigor internacional em 28 de agosto de 1991.

Foi assinado pelo Brasil em 7 de junho de 1994. O Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de 1995, e o instrumento de ratificação foi depositado em 13 de agosto de 1996. Apôs-se reserva, entretanto, para assegurar ao Estado brasileiro o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar. Finalmente, o Protocolo foi promulgado por meio do Decreto n. 2.754, de 27 de agosto de 1998.

O Protocolo é composto, além do seu preâmbulo, por apenas quatro artigos. No primeiro deles, fica estabelecido que os Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição.

No art. 2º, determina-se que não se admitirá reserva alguma ao Protocolo. Entretanto, os Estados podem declarar, no momento de ratificação ou adesão, que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar, o que foi feito pelo Brasil. Quando o Estado formular essa reserva, deve comunicar ao Secretário-geral da OEA, no momento da ratificação ou adesão, as disposições pertinentes de sua legislação nacional aplicáveis em tempo de guerra que se referem à reserva. Ademais, o Estado que a tiver feito deve notificar o Secretário-Geral da OEA sobre todo início ou fim de um estado de guerra aplicável ao seu território.

Finalmente, os arts. 3º e 4º dizem respeito às disposições finais: abertura à assinatura e ratificação ou adesão de todo Estado Parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e depósito do instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria-Geral da OEA; e entrada em vigor.

QUADRO SINÓTICO

Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte

Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição.

Não se admite reserva, salvo para o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar.

O Brasil fez a reserva.

6. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em Cartagena das Índias, na Colômbia, em 9 de dezembro de 1985. Foi assinada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1986; foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 5, de 31 de maio de 1989, e foi ratificada em 20 de julho de 1989. Finalmente, foi promulgada pelo Decreto n. 98.386, de 9 de dezembro de 1989.

A Convenção é composta por 24 artigos, não divididos expressamente em seções específicas. No art. 1º, determina que os Estados Partes, por meio dela, obrigam-se a prevenir e punir a tortura, nos termos da Convenção.

O art. 2º estabelece a definição de tortura:

todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais;

com fins de investigação criminal;

ou como meio de intimidação;

ou como castigo pessoal, ou como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim.

Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.

Exclui-se expressamente do conceito de tortura, entretanto, as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura.

O art. 3º, por sua vez, determina quais são os responsáveis pelo delito de tortura. São considerados responsáveis os empregados ou funcionários públicos que, nessa condição, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam. São também consideradas responsáveis as pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos anteriormente mencionados, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, ou nela sejam cúmplices.

A Convenção é clara ao determinar que o fato de se ter agido por ordens superiores não exime da responsabilidade penal correspondente (art. 4º). Ademais, não se admite como justificativa para a prática de tortura a existência de circunstâncias como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o estado de sítio ou emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das garantias constitucionais, a instabilidade política interna, ou outras emergências ou calamidades públicas. Também não se admite como justificativa a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário (art. 5º).

Os arts. 6º e 7º versam sobre medidas a serem tomadas pelos Estados Partes da Convenção, para prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição. Nesse sentido, devem assegurar que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos penais, estabelecendo penas severas para sua punição, que levem em conta sua gravidade, constituindo mais um mandado internacional de criminalização. Obrigam-se também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, no âmbito de sua jurisdição. Ademais, devem tomar medidas para que, no treinamento de polícia e de outros funcionários públicos responsáveis pela custódia de pessoas privadas de liberdade, provisória ou definitivamente, e nos interrogatórios, detenções ou prisões, ressalte-se de maneira especial a proibição do emprego da tortura, bem como de evitar outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Nos arts. 8º e 9º, a Convenção determina a adoção de medidas com foco na pessoa vítima de tortura. Nesse sentido, os Estados devem assegurar que qualquer pessoa que denunciar ter sido submetida a tortura terá o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial. Se houver denúncia ou razão fundada para supor que ato de tortura tenha sido cometido no âmbito de sua jurisdição, o Estado deve garantir que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso, iniciando, se for cabível, o respectivo processo penal. Esgotado o procedimento jurídico interno do Estado, inclusive em âmbito recursal, o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais, cuja competência tenha sido aceita por esse Estado. Os Estados se comprometem ainda a estabelecer, em suas legislações nacionais, normas que garantam compensação adequada para as vítimas do delito de tortura.

O art. 10 determina que nenhuma declaração que se comprove haver sido obtida mediante tortura poderá ser admitida como prova em um processo, salvo em processo instaurado contra a pessoa ou pessoas acusadas de haver obtido prova mediante atos de tortura – mas unicamente como prova de que, por esse meio, o acusado obteve tal declaração.

De acordo com o art. 12, todo Estado Parte deve adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o delito de tortura:

i) quando houver sido cometida no âmbito de seu território;

ii) ou quando o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate;

iii) ou quando a vítima for nacional do Estado Parte de que se trate e este o considerar apropriado;

iv) ou quando o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o extraditar (aut dedere aut judicare – ou entrega ou julga).

Os arts. 11, 13 e 14 versam sobre a extradição. Os Estados Partes da Convenção devem tomar as medidas necessárias para conceder a extradição de toda pessoa acusada de delito de tortura ou condenada por esse delito, em conformidade com suas legislações nacionais sobre extradição e suas obrigações internacionais na matéria.

Ademais, os delitos de tortura devem ser considerados incluídos entre os delitos que são motivo de extradição em todo tratado de extradição celebrado entre Estados Partes e os Estados se comprometem a incluir o delito de tortura como caso de extradição em todo tratado de extradição que celebrarem entre si no futuro. Caso receba de outro Estado Parte, com o qual não tiver tratado, uma solicitação de extradição, todo Estado que sujeitar a extradição à existência de um tratado poderá considerar a Convenção como a base jurídica necessária para a extradição referente ao delito de tortura. Os Estados Partes que não sujeitarem a extradição à existência de um tratado devem reconhecer esses delitos como casos de extradição entre eles, respeitando as condições exigidas pelo direito do Estado requerido.

A Convenção determina ainda que não se concederá a extradição nem se procederá à devolução da pessoa requerida quando houver suspeita fundada de que sua vida corre perigo, de que será submetida à tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, ou de que será julgada por tribunais de exceção ou ad hoc no Estado requerente. Isso consagra o princípio do non-refoulement, ou proibição do rechaço, em caso de tortura.

No art. 15, a Convenção determina que nada do que nela disposto pode ser interpretado como limitação do direito de asilo, quando for cabível, nem como modificação das obrigações dos Estados Partes em matéria de extradição.

O art. 16 explicita que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura deixa a salvo o disposto pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por outras Convenções sobre a matéria e pelo Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos com relação ao delito de tortura.

Por meio da Convenção, os Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação. A Comissão Interamericana procurará analisar, em seu relatório anual, a situação prevalecente nos Estados-membros da OEA, no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura, em conformidade com suas atribuições (art. 17).

A partir do art. 18 a Convenção traz suas disposições finais: assinatura (art. 18), ratificação (art. 19), adesão (art. 20), reservas (art. 21), entrada em vigor (art. 22), denúncia, apesar da vigência indefinida da Convenção (art. 23), notificações (art. 24).

QUADRO SINÓTICO

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

Definição de tortura: Todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Exclui-se expressamente do conceito de tortura, entretanto, as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura.

Direitos das pessoas vítimas de tortura: direito de ser examinada de maneira imparcial; direito à compensação adequada.

Convenção contém mandado de criminalização da tortura.

Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação. A Comissão procurará analisar, em seu relatório anual, a situação prevalecente nos Estados-membros da OEA, no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura, em conformidade com suas atribuições.

No caso de o Estado não poder extraditar por algum motivo o torturador, deve julgá-lo (aut dedere, aut judicare).

7. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”)

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) foi concluída pela Assembleia Geral da OEA, em Belém do Pará, no Brasil, em 9 de junho de 1994, como resposta à situação de violência contra mulheres existente na América.

O Brasil a assinou na mesma data e o Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 107, de 31 de agosto de 1995. O governo brasileiro depositou a carta de ratificação em 27 de novembro de 1995, data em que a Convenção começou a vigorar para o Brasil. Finalmente, a promulgação deu-se com o Decreto n. 1.973, de 1º de agosto de 1996.

A Convenção é composta por 25 artigos, divididos em cinco capítulos: definição e âmbito de aplicação (arts. 1º e 2º); direitos protegidos (arts. 3º a 6º); deveres dos Estados (arts. 7º a 9º); mecanismos interamericanos de proteção (arts. 10 a 12); disposições gerais (arts. 13 a 25).

No art. 1º, a violência contra a mulher é definida como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.

O art. 2º, por sua vez, determina que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual ou psicológica, quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual, quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa. Nesse caso, compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar. A violência contra a mulher abrange ainda aquela perpetrada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

No Capítulo II, a Convenção enumera os direitos das mulheres a serem protegidos. O primeiro deles, estabelecido no art. 3º, é o direito de toda mulher ser livre de violência, tanto na esfera pública quanto privada. O direito a uma vida livre de violência inclui, entre outros, o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação (art. 6º).

A Convenção ainda enuncia que toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos, os quais compreendem: o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física, psíquica e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito a não ser submetida a torturas; o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família; o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei; o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; o direito à liberdade de associação; o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões (art. 4º).

O art. 5º da Convenção ainda reafirma que toda mulher pode exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e deve contar com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos, devendo os Estados reconhecer que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.

No Capítulo III (arts. 7º a 9º), a Convenção apresenta os deveres dos Estados. Em primeiro lugar, esclarece-se que os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas a preveni-la, puni-la e erradicá-la.

Nesse sentido, devem abster-se de prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas cumpram essa obrigação e devem atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher. Ademais, devem incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas que sejam necessárias para tais fins, adotando as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso. Devem também adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade. Ainda, devem tomar medidas apropriadas para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher. Têm ainda a obrigação de estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes, que incluam, entre outros, medidas de proteção, para que a mulher vítima de violência doméstica tenha um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos, bem como a obrigação de estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar o acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes (art. 7º).

Esses inúmeros deveres do Estado foram fundamentais para que o Brasil, finalmente, editasse uma lei específica de combate à violência doméstica, a Lei n. 11.340/2006, também denominada “Lei Maria da Penha”. Tal lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

De forma progressiva, os Estados devem ainda adotar medidas específicas (art. 8º), inclusive programas para fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos. Devem adotar programas também para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres para eliminar preconceitos e costumes e práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher.

Os programas também devem se destinar a fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher; a aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores público e privado (inclusive abrigos e cuidado e custódia dos menores afetados); e a oferecer à mulher vítima de violência acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na vida pública, privada e social.

Ademais, devem voltar-se a fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente e a estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher. Finalmente, devem voltar-se à investigação de estatísticas e outras informações sobre as causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias, bem como à promoção da cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher vítima de violência.

Para adoção das referidas medidas, os Estados devem ter em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em consequência, entre outras, de sua raça ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada. Devem ter em conta também a situação da mulher vítima de violência que estiver grávida, for pessoa com deficiência, menor de idade, anciã, ou estiver em situação socioeconômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade (art. 9º).

No Capítulo IV, a Convenção versa sobre os mecanismos interamericanos de proteção. No art. 10, com o fim de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência, os Estados devem incluir, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres, informações sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a mulher afetada pela violência, assim como sobre as dificuldades que observem na aplicação dessas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher.

O art. 11 permite que os Estados Partes da Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres requeiram opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No art. 12, permite-se ainda que qualquer pessoa, grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, apresente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação de deveres previstos na Convenção para o Estado Parte. A Comissão deve considerá-las de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para a apresentação e consideração de petições determinados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, podendo, se cabível, processar o Estado infrator perante a Corte IDH (caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte, como é o caso do Brasil desde 1998).

Finalmente, no Capítulo V, a Convenção apresenta as disposições gerais (arts. 13 a 25). Os arts. 13 e 14 determinam que as disposições da Convenção não poderão ser interpretadas como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados Partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, nem à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outras convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema. Novamente, o princípio da norma mais favorável ao ser humano é adotado em um tratado internacional.

O art. 23 determina que o Secretário-Geral apresente um informe anual aos Estados-membros da OEA sobre a situação da Convenção, inclusive quanto a assinaturas, depósitos de instrumentos de ratificação, adesão ou declarações e reservas.

O art. 24, finalmente, permite que os Estados denunciem a Convenção mediante depósito de instrumento na Secretaria-Geral da OEA, mas ressalva que a Convenção vigorará indefinidamente.

Outros artigos do Capítulo versam sobre assinatura (art. 15), ratificação (art. 16), adesão (art. 17), reservas (art. 18), proposta de emenda (art. 19), entrada em vigor (art. 21), dentre outros aspectos.

QUADRO SINÓTICO

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”)

Definição de violência contra a mulher

Qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

A violência contra a mulher abrange a violência física, sexual ou psicológica, quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa.

Direitos protegidos

Direito de toda mulher ser livre de violência, tanto na esfera pública quanto privada, o que inclui o direito de ser livre de toda forma de discriminação e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação.

Direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos, os quais compreendem: o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física, psíquica e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito a não ser submetida a torturas; o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família; o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei; o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; o direito à liberdade de associação; o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões.

Mecanismos de proteção

Informes à Comissão Interamericana de Mulheres.

Pedido de opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Petição de qualquer pessoa, grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Caso cabível, a Comissão pode processar o Estado infrator perante a Corte IDH.

8. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência

A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em 7 de junho de 1999, na Cidade da Guatemala, Guatemala. O Brasil a assinou um dia depois, em 8 de junho de 1999. O Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 198, de 13 de junho de 2001, e a ratificação se deu em 15 de agosto de 2001. A Convenção entrou em vigor em 14 de setembro de 2001 e, finalmente, foi promulgada, por meio do Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001.

É composta por 14 artigos, não divididos em seções ou capítulos específicos. Em seu preâmbulo, a Convenção já reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas, os quais emanam da dignidade e igualdade inerentes a todo ser humano. Possuem, assim, o direito de não serem submetidas à discriminação com base na deficiência.

O artigo I apresenta as definições dos termos utilizados na Convenção.

Deficiência é definida como:

uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória;

que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Apesar de a Convenção Interamericana utilizar a expressão “portador de deficiência”, anote-se que, após anos de discussão, a expressão utilizada atualmente é pessoa com deficiência, como se vê na Convenção da ONU de 2006 (comentada acima).

A discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, nos termos da Convenção, é apresentada como:

toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada;

que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

O mesmo dispositivo abre margem para a adoção de ações afirmativas em benefício das pessoas com deficiência ao explicitar que não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Ademais, também não constituirá discriminação a previsão, pela legislação interna, de declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o bem-estar da pessoa com deficiência.

O artigo II deixa claro que o objetivo da Convenção é prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade.

Os artigos III e IV listam os compromissos assumidos pelos Estados Partes para que alcancem esse objetivo. Assim, determina, inicialmente, que os Estados devem tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade.

Nesse sentido, algumas medidas devem ser tomadas, em especial: medidas das autoridades governamentais e de entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração; medidas de acessibilidade, para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas com deficiência, bem como medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos nesses meios; e, finalmente, medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar a Convenção e a legislação interna sobre a matéria estejam capacitadas a fazê-lo.

O Estado deve ainda trabalhar prioritariamente nas áreas de prevenção de todas as formas de deficiência possíveis; de detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação, formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas com deficiência; e de sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais.

Os Estados se comprometem ainda a cooperar entre si para contribuir para a prevenção e eliminação da discriminação contra as pessoas com deficiência e colaborar de forma efetiva na pesquisa científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências, o tratamento, a reabilitação e a integração na sociedade e o desenvolvimento de meios destinados a facilitar ou promover a vida independente, a autossuficiência e a integração total à sociedade, em condições de igualdade, das pessoas com deficiência.

A Convenção determina ainda, em seu artigo V, que os Estados devem promover, se isso for coerente com as suas legislações nacionais, a participação de representantes de organizações de pessoas com deficiência, de organizações não governamentais que trabalham nessa área ou, se estas não existirem, de pessoas com deficiência, na elaboração, execução e avaliação de medidas e políticas para aplicá-la. Ademais, devem criar canais de comunicação eficazes que permitam difundir entre as organizações públicas e privadas que trabalham com pessoas com deficiência os avanços normativos e jurídicos ocorridos para a eliminação da discriminação.

O artigo VI estabelece a criação da Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, que é constituída por um representante designado por cada Estado Parte. Os Estados se comprometeram a, na primeira reunião da Comissão, apresentar um relatório ao Secretário-Geral da OEA. Essa reunião ocorreu entre 28 de fevereiro e 1º de março de 2008, no Panamá, quando foi aprovado o Regulamento da Comissão. Após essa primeira reunião, os Estados Partes da Convenção se comprometeram a apresentar relatórios a cada quatro anos, que devem incluir as medidas que os Estados-membros tiverem adotado na aplicação da Convenção, qualquer progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência, bem como toda circunstância ou dificuldade que afete o grau de cumprimento de obrigação decorrente da Convenção.

Com efeito, a Convenção explicita que a Comissão será o foro encarregado de examinar o progresso registrado na sua aplicação e de trocar experiências entre os Estados Partes. Os relatórios que a Comissão vai produzir devem refletir os debates, incluindo informações sobre as medidas que os Estados Partes tenham adotado para aplicar a Convenção, o progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência, as circunstâncias ou dificuldades que tenham tido na implementação da Convenção, bem como as conclusões, observações e sugestões gerais da Comissão para o seu cumprimento progressivo.

A partir do artigo VII, a Convenção traz as disposições finais. Inicia mencionando que nenhuma disposição poderá ser interpretada para restringir ou permitir que os Estados limitem o gozo dos direitos das pessoas com deficiência reconhecidos pelo Direito Internacional consuetudinário ou pelos instrumentos internacionais vinculantes para um determinado Estado Parte. Em seguida, dispõe sobre assinatura, ratificação e entrada em vigor (artigo VIII), adesão (artigo IX), depósito dos instrumentos de ratificação e adesão (artigo X), propostas de emenda (artigo XI), reservas (artigo XII), denúncia, a despeito da vigência indefinida (artigo XIII), idiomas das cópias do instrumento original da Convenção e notificações (artigo XIV).

QUADRO SINÓTICO

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência

Objetivo

Prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade.

Definição de deficiência

Restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Definição de discriminação contra pessoas com deficiência

Toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Ademais, também não constituirá discriminação a previsão, pela legislação interna, de declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o bem-estar da pessoa com deficiência.

Mecanismos de monitoramento

Relatórios periódicos ao Secretário-Geral da OEA.

Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência é encarregada de examinar o progresso registrado na aplicação da Convenção e de trocar experiências entre os Estados, produzindo relatórios.






1 CARVALHO RAMOS, André de. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

2 Ver RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009; RE 349.703, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009; HC 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009. Tais leading cases e outros precedentes deram origem ao enunciado de Súmula Vinculante n. 25 do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

3 O Autor deste livro, à época Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Estado de São Paulo (Ministério Público Federal) foi quem propôs a ação civil pública contra a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista.

4 O art. 43 dispõe que: “Art. 43. Os Estados-partes obrigam-se a proporcionar à Comissão as informações que esta lhes solicitar sobre a maneira pela qual seu direito interno assegura a aplicação efetiva de quaisquer disposições desta Convenção”. Já alínea d do art. 48 dispõe que: “Art. 48. 1. A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue a violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira: (...) d) se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados lhe proporcionarão, todas as facilidades necessárias”.

5 Para competência, composição e funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, conferir Capítulo IV da Parte II.