TUTELA ANTECIPADA
O instituto da tutela antecipada foi positivado expressamente no Código de Processo Civil pela Lei n. 8.952/94, que introduziu a redação do art. 273 do CPC, atualizado pela Lei n. 10.444/2002. “A morosidade da prestação jurisdicional, oriunda, como é sabido, das mais diversas causas, também está ligada à ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se superada antes da introdução da tutela antecipatória no CPC. A inefetividade do antigo procedimento ordinário transformou o art. 798 do CPC em autêntica ‘válvula de escape’ para a prestação da tutela jurisdicional tempestiva (...) a tutela antecipatória, em outras palavras, foi tratada como tutela cautelar, embora esta última tenha por fim apenas assegurar a viabilidade da realização do direito”1.
Antes da tutela antecipada, havia abuso na utilização das chamadas “ações cautelares inominadas”. Conforme as lições de Kazuo Watanabe, “a inexistência de instrumento processual adequado para a tutela desses direitos, somada à irritante e desesperadora lentidão da Justiça, provocada por fatores múltiplos, estimulou a criatividade dos operadores do direito, que passaram a utilizar intensamente da ação cautelar inominada como um meio de obtenção da antecipação da tutela postulada ou a ser postulada na chamada ‘ação principal’. Passou a ocorrer, assim, desvio e exagero na utilização da ação cautelar inominada, que passou a servir de instrumento para a postulação de tutela satisfativa, e não simplesmente acautelatória”2.
Como espécie do gênero “tutela de urgência”, a antecipação de tutela trouxe um grande avanço na legislação processual brasileira, permitindo que situações de emergência pudessem receber tutela jurisdicional liminar para atender aos anseios da sociedade brasileira.
É importante considerar que o tempo é um dos elementos inafastáveis da atividade jurisdicional. A demora da prestação da justiça causa prejuízos econômicos, favorece a especulação e geralmente beneficia quem não tem razão. “Cumpre, pois, uma redistribuição dos ônus do processo decorrentes do passar do tempo. Para tanto, impuseram-se formas diferenciadas de tutela, quer buscando abreviar, embora mantida a cognição exauriente, a prolação da sentença de mérito com eficácia de coisa julgada material; quer através de técnicas de preservação provisória e temporária dos interesses daquele litigante que, tendo em seu favor uma aparência do bom direito, razoavelmente possa provocar prejuízo grave decorrente da duração do processo”3. E tutela antecipada busca suprir os prejuízos da demora no processo civil.
“A chamada ‘tutela antecipada’ deve ser entendida como a possibilidade da precipitação da produção dos efeitos práticos da tutela jurisdicional, os quais, de outro modo, não seriam perceptíveis, isto é, não seriam sentidos no plano exterior ao processo – no plano material, portanto – até um evento futuro: proferimento da sentença, processamento e julgamento de recurso de apelação com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito em julgado. Antecipa-se, diante de determinados pressupostos legais, a produção dos efeitos da tutela jurisdicional cujo momento, tradicionalmente, vincula-se à existência de sentença de procedência não recorrida, ou, quando menos, sujeita a apelação despida de efeito suspensivo. É concebível, por isso mesmo, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional até o instante em que a sentença ou o acórdão, por imposição do sistema jurídico, surtirem, eles próprios, seus efeitos no plano material”4.
Tutela antecipada é uma tutela provisória, que será necessariamente substituída por uma tutela definitiva que a confirme ou a revogue, e tem como características a sumariedade da cognição e a precariedade. E o “poder geral de antecipação é aquele conferido ao órgão jurisdicional para que conceda medidas provisórias e sumárias que antecipassem a satisfação do direito afirmado, quando preenchidos os respectivos pressupostos legais (art. 273, e § 3º do art. 461 do CPC). Cuida-se de positivação da atipicidade (generalização) da tutela antecipada satisfativa”5.
É oportuno considerar que “toda antecipação, sem dúvida, significa sacrifício de postulados inerentes ao devido processo legal, especialmente o contraditório e a ampla defesa. É a opção legislativa pelo valor efetividade, em detrimento da segurança do resultado. Mas a provisoriedade permite que, em momento posterior à decisão antecipatória, toda a atividade destinada à cognição plena, ao contraditório e à ampla defesa se desenvolvam, para possibilitar a tutela final e definitiva, que irá efetivamente regular a situação substancial”6.
Tutela antecipada é uma providência que tem natureza jurídica de execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos (Nelson Nery Júnior). Tem caráter satisfativo, pois o autor não pretende apenas evitar o dano decorrente da demora, mas obter, ainda que provisoriamente, a satisfação do seu direito. Tal tutela pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Consultar o CPC, art. 273. O mesmo que “antecipação de tutela”.
3. IMPORTANTE NÃO CONFUNDIR “TUTELA DE URGÊNCIA” COM “LIMINAR”
Desde que presentes os requisitos do CPC, art. 273, o juiz pode conceder liminar satisfativa. Antecipa-se (total ou parcialmente) a própria solução definitiva esperada no processo principal, para que seja evitada a longa e inevitável demora da sentença.
A antecipação da tutela pode ocorrer liminarmente ou não. Sobre o conceito de liminar, é importante conhecer o entendimento de Humberto Theodoro Júnior e destacar que liminar significa “desde logo”, sem mais tardança, sem qualquer outra coisa. Corresponde ao sentido da locução latina in limine: logo à entrada, no começo. Trata-se de providência tomada pelo órgão judicante, antes de discutir o feito, para resguardar direito alegado, evitando dano irreparável. “Costuma-se confundir liminar com medida de urgência e, às vezes, chega-se a afirmar que a liminar, quase sempre, não é mais do que uma medida cautelar. Assim, a primeira tarefa a cumprir, no exame das tutelas diferenciadas, é a de precisar a noção jurídica de liminar para depois cuidar do tema das medidas que compõem a tutela de urgência, ou seja, as medidas cautelares e as medidas de antecipação de tutela”7.
De acordo com Humberto Theodoro Júnior, liminar, lexicamente, é um adjetivo que atribui a algum substantivo a qualidade de inicial, preambular, vale dizer, é tudo aquilo que se situa no início, na porta, no limiar. Na linguagem jurídica, usa-se a expressão “liminar” para identificar qualquer medida ou provimento tomado pelo juiz na abertura do processo – in limine litis.
Ou seja, liminar é o provimento judicial emitido no momento mesmo em que o processo se instaura. Em regra dá-se antes da citação do réu, embora o Código considere, ainda, como liminar a decisão de medida a ser tomada depois de justificação para que foi citado o réu, mas antes ainda de abertura do prazo para resposta à demanda (CPC, arts. 930 e 928, e respectivos parágrafos).
“Não se sabe se aquele que pleiteia a liminar irá ao final vencer a demanda mas é possível ter um conhecimento prévio dos efeitos que uma sentença em seu favor irá produzir no mundo fático. São estes efeitos que a liminar antecipa”8.
A rigor, portanto, liminar qualifica qualquer medida judicial tomada antes do debate em contraditório do tema que constitui o objeto do processo, e nessa categoria entrariam os diversos provimentos, inclusive os de saneamento do processo, como os tendentes a suprir defeitos da petição inicial ou a propiciar-lhe emendas, antes da contestação do réu, e outras como a concessão de prazo ao advogado do autor para que exiba posteriormente, e em prazo certo, o mandato ad judicia que, pela urgência do aforamento da causa, não pode ser previamente obtido. Até mesmo o indeferimento da petição inicial, quando totalmente inviável o ajuizamento da demanda, pode-se ter como medida de caráter unilateral e liminar.
O conteúdo do ato decisório, como se vê, não tem influência alguma sobre a identificação da liminar como categoria processual. Essa identificação liga-se apenas e tão somente ao momento em que o provimento é decretado pelo juiz. Para ter-se como configurada uma liminar, nada importa que a manifestação judicial expresse um juízo cognitivo, executório, cautelar ou até mesmo administrativo, ou de antecipação da apreciação do mérito da causa. O critério a observar, para esse fim, portanto, é o temporal ou de lugar no tempo, dentro da sequência dos atos que compõem a cadeia processual. Incorreta, portanto, a tentativa de confundir sempre a natureza das liminares com a das medidas cautelares.
4. DIFERENÇAS ENTRE TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR
“É importante distinguir a tutela cautelar da tutela antecipatória. A provisoriedade, isto é, o fato de a decisão ser dotada de cognição sumária, não é nota que possa servir para essa distinção. A tutela cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado. A tutela cautelar não pode assumir uma configuração que desnature sua função, pois, de outra forma, restará como simples cognição sumária (...) a doutrina e a jurisprudência anteriores ao ano de 1994 não admitiam que o autor pudesse obter a satisfação de seu direito mediante a ação cautelar que nessa perspectiva seria usada como técnica de antecipação da tutela que deveria ser prestada pelo processo de conhecimento ou pelo processo de execução”9.
A prática forense evidenciou a necessidade de uma tutela mais célere e efetiva, para que a tutela pudesse ser antecipada para a satisfação da parte, o que foi possível com o advento do CPC, art. 273. Porém a tutela antecipada não se confunde com a tutela cautelar, como se verá na tabela abaixo:
Tutela antecipada |
Tutela cautelar10 |
Cabível na ação de conhecimento. |
Própria da ação cautelar (preparatória ou incidental). |
Terminologia correspondente: antecipação da tutela, medida antecipatória dos efeitos da tutela, tutela antecipada, tutela antecipatória. |
Terminologia correspondente: ação cautelar, medida cautelar, poder geral de cautela, tutela cautelar, medidas acautelatórias. |
De cunho satisfativo, ou seja, realiza de imediato a pretensão. |
De cunho preventivo, ou seja, assegura uma pretensão. |
É possível apenas na ação principal, pedida na própria petição inicial (em regra), mas nada impede que a parte postule a antecipação da tutela em outros estágios do curso processual, até mesmo em grau de recurso11. |
Objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal (ação cautelar preparatória) ou no seu curso (ação cautelar incidental). Corre em apenso aos autos do processo principal. |
CPC, art. 273, com redação dada pela Lei n. 8.952/94 e modificada pela Lei n. 10.444/2002. |
CPC, Livro III – do processo cautelar, arts. 796 a 889. |
Pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo (CPC, art. 273, § 4º). |
Pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo (CPC, art. 807). |
A tutela antecipada proporciona à parte medida provisoriamente satisfativa do próprio direito material cuja realização constitui objeto da tutela definitiva a ser provavelmente alcançada no provimento jurisdicional de mérito. |
As medidas cautelares são puramente processuais. Preservam a utilidade e eficiência do provimento final do processo, sem, entretanto, antecipar resultados de ordem do direito material para a parte promovente (são apenas conservativas). |
Várias leis preveem sob a forma de liminares, deferíveis inaudita autera parte (sem ouvir a outra parte, antes da citação), a tutela antecipatória, como:
1) ação civil pública;
2) mandado de segurança;
3) ação popular;
4) ADIN – ação direta de inconstitucionalidade;
5) ADECON – ação declaratória de constitucionalidade;
6) ação de nunciação de obra nova;
7) ações locatícias (revisional de contrato de locação, ação renovatória);
8) ações possessórias;
9) embargos de terceiro;
10) ação de desapropriação.
Mas com a redação do CPC, art. 273, pode-se antecipar a tutela de forma genérica em qualquer ação de conhecimento. A antecipação da tutela pode ser total ou parcial. O juiz que não a conceder liminarmente poderá concedê-la mais tarde.
Quanto ao momento de postular e obter a tutela antecipada, não existe uma oportunidade certa e única imposta com força preclusiva pela lei. Como liminar, a medida encontrará local adequado para ser requerida na própria inicial da ação.
A decisão que concede ou nega a antecipação de tutela é decisão interlocutória (portanto, agravável). Não somente as liminares se prestam para antecipar a tutela, pois esta pode ser deferida em qualquer fase do processo.
Convém destacar as lições de Kazuo Watanabe, ao ensinar que “numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo (trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive questões de mérito; para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação; Celso Neves: quadrinômio, distinguindo pressuposto dos supostos processuais). Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”12.
COGNIÇÃO (Kazuo Watanabe) |
PLANO HORIZONTAL |
É a “extensão” da matéria (pretensão) que é levada a juízo. São os limites objetivos da lide, fixados (delimitados) através do(s) pedido(s). CPC, arts. 128 e 460. |
PLANO VERTICAL |
É a “profundidade” com a qual o pedido será analisado pelo órgão judicante. |
COGNIÇÃO NO PLANO VERTICAL |
Juízo de |
Tutela jurisdicional
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Sumária, superficial, de profundidade limitada, parcial, incompleta, perfunctória, não exauriente. |
Probabilidade, verossimilhança, plausividade, credibilidade, provisoriedade. |
PROVISÓRIA Tutelas ou medidas de urgência (caracterizam-se em regra e basicamente pela sumariedade da cognição e pelo perigo da demora). |
Exauriente (que não será mais objeto da cognição em outro processo – MARINONI), profunda, ampla, plena, definitiva, completa, ordinária (CHIOVENDA). |
Certeza, definitividade, segurança. |
DEFINITIVA (Sentença de mérito). |
TUTELAS DE URGÊNCIA: TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR A concessão de tutela de urgência sempre deve levar em conta o que deve prevalecer no caso concreto: segurança jurídica (contraditório e ampla defesa, CF, art. 5º, LV) ou rapidez na efetividade da prestação jurisdicional (razoável duração do processo, CF, art. 5º, LXXVIII). As tutelas de urgência sempre devem ser estudadas do ponto de vista científico e pragmático, e correspondem no caso concreto à resposta à seguinte pergunta: qual a medida concreta para atender a uma situação de urgência em relação ao direito da parte? Outra característica: a tutela de urgência pode ou não ser concedida liminarmente (no início do procedimento). |
TUTELA ANTECIPADA CPC, arts. 273 (poder geral de antecipação) e 461. |
Providência que objetiva entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos (mérito da ação), de forma antecipada e provisória, perante um juízo de cognição sumária e não exauriente. Tal tutela pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. |
TUTELA CAUTELAR (CPC, arts. 796 a 889)
Objeto de proteção: coisas, pessoas e provas |
Ação cautelar autônoma |
Nominada ou inominada. |
Preparatória ou incidental. |
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Pedido de natureza cautelar na própria ação principal |
Na petição inicial (fase postulatória do processo). Ex.: ação de improbidade administrativa. Lei n. 8.429/92. |
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Em outras fases do processo (por simples petição), inclusive em grau de recurso. |
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De ofício pelo juiz Exige permissão legal e somente pode ser deferida em caráter incidental (não preparatório) a processo já em curso. |
Poder geral de cautela (CPC, art. 798). |
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Outra previsão legal específica. Ex.: CPC, art. 653 (arresto). |
Não se pode perder de vista que a cognição nas tutelas de urgência é sumária, sendo que “cognição é a atividade judicial que produz uma relação entre o magistrado, o sujeito cognoscente e o objeto controvertido, litigioso (ou cognoscível), ou seja, é a atividade que coloca em contato aquele que irá conhecer e o objeto a ser conhecido. Aquele que afirma ser titular de um direito o faz com suporte num fato do qual está crente da existência, existência esta que se conforma com o ordenamento jurídico, portanto, está a parte certa do seu direito. Do mesmo modo, a parte em face de quem se o afirmou, ao contestar, assim procede convicta de seu direito. Ao magistrado é que caberá investigar, no curso da relação jurídica processual, qual das versões é verdadeira ou irá proporcionar-lhe a certeza”13.
5.1.1. Requerimento da parte (CPC, art. 273, caput)
A palavra “requerimento” é utilizada no sentido de que só é possível a concessão de tutela antecipada se a parte pedir, sendo vedada, em regra, sua concessão ex officio. A propósito, somente o autor pode pedir antecipação de tutela. Mas como o conceito de “parte” é mais amplo, ou seja, parte é quem deduz pretensão em juízo, quem pleiteia o reconhecimento de algum direito material. Portanto pode também pedir tutela antecipada o réu-reconvinte que contra-ataca por meio da reconvenção, o opoente (na oposição, espécie de intervenção de terceiros), o denunciado (na denunciação da lide, espécie de intervenção de terceiro), o autor da ação declaratória incidental, o réu que faz pedido contraposto no procedimento sumário, nos juizados especiais, ou nas chamadas ações de natureza dúplice (possessória, renovatória, divisória, demarcatória).
Em regra, a tutela antecipada não pode ser concedida de ofício. Mas a jurisprudência tem enfrentado questões em que a necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana justifica, em caráter excepcional, a concessão de tutelas de urgência de ofício, como nos casos de natureza alimentar ou mesmo previdenciária (implantação de um benefício), relativa a contrato de seguro etc.14.
Um caso interessante é o de quando o autor propõe ação nos Juizados Especiais, sem advogado (quando a lei permite nos casos em que o valor da causa é inferior a 20 salários mínimos), e não pede “expressamente” uma tutela de urgência, por ignorância ou por desconhecer o instituto. Mas pela evidência da situação concreta, somada à necessidade de proteção da dignidade do autor, o juiz vislumbra a urgência na concessão da medida antecipatória (para a concessão de um medicamento, realização de uma cirurgia de urgência etc.).
5.1.2. Produção de prova inequívoca e convencimento do juiz sobre a verossimilhança da alegação da parte (CPC, art. 273, caput)
Outro requisito obrigatório da tutela antecipada é o convencimento do órgão judicante sobre a verossimilhança da alegação da parte, consistente num juízo de probabilidade de acolhimento das alegações deduzidas pelo autor em sua petição inicial.
De acordo com o CPC, art. 273, caput, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação.
Prova inequívoca é a prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado.
Verossimilhança guarda relação com a plausividade do direito invocado (com o fumus boni iuris). É a aparência da verdade.
5.1.3. Reversibilidade da medida antecipada (CPC, art. 273, § 2º)
Conforme o CPC, art. 273, § 2º, não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
O perigo de irreversibilidade não pode ser visto em termos absolutos. O objetivo da medida antecipatória é evitar danos ao direito subjetivo das partes. Assim, é indispensável que o juiz sopese os valores dos bens em conflito, decidindo com bom senso. Em ação declaratória, na qual se questiona o ato de tombamento e a negativa para demolição, a prudência recomenda não antecipar os efeitos da decisão final. Solução diversa poderá ser dada se o imóvel, em razão de perigo de desmoronamento, acarretar grave risco para os vizinhos.
Além dos requisitos obrigatórios, o autor deve preencher pelo menos um dos requisitos alternativos.
5.2.1. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I)
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação pode ocorrer logo no início da lide, ou em seu curso. Por isso que a tutela antecipada daí decorrente pode ser requerida na petição inicial ou no curso da lide.
5.2.2. Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, II)
Trata-se de litigância de má-fé. Exemplos: quando o réu argui defesa contra a evidência dos fatos e de sua conclusão ou requer provas ou diligências, reveladas como absurdas pelas circunstâncias do processo. O autor instrui a inicial com documento comprobatório da propriedade do veículo, e o réu pretende infirmá-lo com prova testemunhal. O réu requer expedição de cartas rogatórias para diversos países, ficando evidenciado que só pretendia procrastinar o andamento do feito.
Neste caso, o autor pode requerer a tutela antecipada somente depois da contestação, pois antes da resposta do réu não se pode saber se houve abuso ou propósito protelatório. Por exigência do CPC, art. 273, II, deve ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
5.2.3. Incontrovérsia dos pedidos formulados (CPC, art. 273, § 6º)
Pedido incontroverso é aquele que não foi contestado pelo réu, e não se constitui ponto controvertido nos autos. De acordo com o CPC, art. 273, § 6º, a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
Exemplo: “Suponha-se que a inicial peça a condenação do demandado a pagar a soma de R$ 10.000,00, e a resposta do réu seja a de que ele só deve R$ 8.000,00. A controvérsia ficará restrita à diferença de R$ 2.000,00. Logo, terá direito o autor à antecipação de tutela para exigir o imediato pagamento de R$ 8.000,00 (parte incontroversa do pedido)”15.
Importante salientar que neste caso específico do CPC, art. 273, § 6º, a antecipação se mostra possível mesmo sem perigo de dano grave, prova inequívoca etc. É que pela não contestação, o fato básico se tornou presumido e a consequência dele extraível não depende mais de outras provas.
6. FUNGIBILIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES E ANTECIPATÓRIAS (CPC, ART. 273, § 7º)
Existem situações fronteiriças que colocam juízes e partes em sérias dificuldades para classificar a medida como antecipatória de tutela e medida cautelar. É que a vida é muito mais rica que a imaginação do legislador e, por isso, não se submete com facilidade às suas previsões legais. Além disso, existe muita dificuldade prática de se diferenciar na dinâmica da vida a tutela antecipada e a tutela cautelar, e a solução dada pela Lei n. 10.444/2002 ao CPC, art. 273, § 7º, foi a de que, se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
De acordo com Humberto Theodoro Júnior16, pode-se utilizar o regime da fungibilidade da seguinte maneira:
a) requerida a medida cautelar sob o rótulo de medida antecipatória, e satisfeitos os requisitos de prova pré-constituída e demais exigências do art. 273, o juiz a deferirá de imediato, como incidente do processo principal, da mesma maneira com que atua perante o pedido de tutela antecipada;
b) se não houver urgência que a torne inadiável ou se faltar algum requisito dos elencados pelo art. 273, o juiz indeferirá o pedido cautelar disfarçado em providência antecipatória; determinará seu processamento apartado, dentro dos padrões procedimentais da ação cautelar;
c) será objeto de autuação à parte, também, a medida cautelar que se requerer incidentalmente no processo principal, em estágio em que não mais será viável formar-se o contraditório próprio das ações cautelares, a não ser fora daquele feito;
d) de maneira alguma, porém, poderá o juiz indeferir medida cautelar sob o simples pretexto de que a parte a pleiteou erroneamente como se fosse antecipação de tutela; seu dever sempre será o de processar os pedidos de tutela de urgência e de afastar as situações perigosas incompatíveis com a garantia de acesso à justiça e de efetividade da prestação jurisdicional, seja qual for o rótulo e o caminho processual eleito pela parte. O que lhe cabe é verificar se há um risco de dano grave e de difícil reparação. Havendo tal perigo, não importa se o caso é de tutela cautelar ou de tutela antecipada: o afastamento da situação comprometedora da eficácia da prestação jurisdicional terá de acontecer.
Pela redação do CPC, art. 273, § 7º, é desnecessária a instauração de processo autônomo para deferimento de providência de natureza cautelar, quando formulado a título de antecipação de tutela no bojo da petição inicial ou no curso do procedimento, porquanto, presentes os pressupostos de concessão, poderá, ou melhor, deverá, o juiz conceder a medida cautelar em caráter incidental. Embora não previsto expressamente no texto do § 7º, a fungibilidade é de mão dupla, pelo que deverá o juiz, presentes os respectivos pressupostos, deferir a antecipação de tutela requerida equivocadamente como medida cautelar. Em nome da efetividade que tal alteração incute no processo de conhecimento, é de bom juízo desprezar diferenças terminológicas entre tutela cautelar e tutela antecipatória.
7. A EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA (CPC, ART. 273, § 3º)
De acordo com a redação do CPC, art. 273, § 3º, a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 475-O (o art. 588 do CPC foi revogado), 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
Em síntese:
a) cabe execução provisória da tutela antecipada.
b) a prudência e bom senso do juiz ditarão a necessidade, ou não, de se exigir caução no âmbito da tutela antecipada.
c) no caso de antecipação da tutela nas obrigações de dar, fazer e não fazer, o juiz pode adotar meios coercitivos (multa diária, busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, se necessário por meio de força policial).
A tutela antecipada pode ser total ou parcial. De acordo com o CPC, art. 273, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. Além disso, CPC, art. 273, § 6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. Neste caso do CPC, art. 273, § 6º, a antecipação é possível mesmo sem perigo de dano grave e prova inequívoca etc.).
9. LEGITIMIDADE PARA REQUERER A TUTELA ANTECIPADA
A tutela antecipada é medida colocada à disposição do autor. Mas também podem pedir tutela antecipada o réu na reconvenção, ou quando formula pedido contraposto nas ações de rito sumário, nos juizados especiais ou nas ações dúplices, como a possessória, renovatória, divisória e demarcatória. Quem faz pedido de declaração incidente (autor ou réu) também pode formular pedido de tutela antecipada. Além disso, nas hipóteses de intervenção de terceiros, o opoente também pode pedir tutela antecipada.
10. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
A expressão Fazenda Pública, em sentido técnico-processual, corresponde às pessoas jurídicas de direito público interno em juízo, e isso inclui a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias e as fundações públicas. Salienta-se que “a Fazenda Pública em juízo desfruta de tratamento especial diferenciado, em princípio legítimo, explicável pela natureza dos interesses que defende e pela complexidade de sua estrutura burocrática. Entre as prerrogativas processuais da Fazenda Pública estão: o juízo privativo; prazos mais dilatados; procedimento próprio para execução de seus débitos; entre outras, sendo que três destas prerrogativas têm sido apontadas como óbices à admissão do instituto da tutela antecipada em face da Fazenda Pública: o procedimento próprio para execução das condenações da Fazenda Pública em pagamento de quantia certa, o duplo grau de jurisdição obrigatório e o regime legal próprio a que se submetem as decisões proferidas contra a Fazenda Pública em caráter provisório”17.
A antecipação de tutela contra a Fazenda Pública não é eficaz sem reexame necessário, CPC, art. 475, corolário do princípio do duplo grau de jurisdição.
A CF, em seu art. 100, exige “sentença” (e não decisão interlocutória) e ordem para pagamento de “precatório”.
O CPC, art. 730, deve ser interpretado sistematicamente com o CPC, art. 273, no sentido de que a decisão interlocutória que concede a antecipação seja apta à expedição de precatório.
Às vezes a antecipação de tutela não versa sobre pagamento de quantia, e sim sobre obrigação de fazer e não fazer e de entrega de coisa (hipóteses alheias ao sistema de precatórios).
A Lei n. 9.484/97 impôs limites à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, mas serviu para confirmar a possibilidade desta tutela de urgência contra o Poder Público.
11. MODELO DE “MANDADO DE CITAÇÃO E INTIMAÇÃO”: CITAÇÃO PARA O RÉU SE DEFENDER E INTIMAÇÃO QUANTO AO DEFERIMENTO OU INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA
MANDADO DE CITAÇÃO E INTIMAÇÃO Modelo simplificado com finalidade didática
Origem: Autos ............................... Ação: Autor: ........................................................................................................................................................................ Réu: ............................................................................................................................................................................ Mandado n. ................................................... MANDADO DE CITAÇÃO E INTIMAÇÃO O Doutor ....................................., juiz de Direito da comarca de .........................., Estado de Mato Grosso do Sul, na forma da lei etc. MANDA a qualquer Oficial de Justiça deste juízo, a quem for entregue o presente, extraído dos autos de ação de .............. n. ....................., que ............(autor) move contra ...........(réu), perante este Juízo e cartório da ........ Vara ......... da Comarca de Campo Grande, sito à Rua 25 de Dezembro esquina com a Rua da Paz, Edifício do Fórum, que em seu cumprimento proceda à INTIMAÇÃO do Requerido nos termos da R. Decisão de fls. 45-47 que INDEFERIU o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Fica, ainda, CITADO de todo o conteúdo da cópia da petição inicial (contrafé) que segue anexa, advertindo-se que o prazo para querendo contestar é de 15 dias na forma do CPC, art. 297, advertindo-se que, não sendo contestada a ação, presumir-se-ão aceitos pelo réu como verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 285 do CPC). Destinatário: .............(réu). Endereço: ............................ CUMPRA-SE na forma da Lei. Eu, ............................(nome do servidor público) o digitei.
............................, .......de ...........de ........(data) Escrivão(ã). Por determinação judicial |
1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 2, p. 195-196.
2 WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. A reforma do CPC. Obra coletiva coordenada por Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 25.
3 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 5.
4 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada. Tutela cautelar. Procedimentos cautelares específicos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 4, p. 29.
5 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2010, v. 2, p. 465.
6 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. As formas diferenciadas de tutela no processo civil brasileiro. Disponível em: www.direitoprocessual.org.br.
7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 2, p. 659-660.
8 ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil e legislação processual civil extravagante. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 11.
9 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 2, p. 197.
10 Elpídio Donizete Nunes apresenta exemplo de medida cautelar: “se no curso do processo de conhecimento, no qual se discute a propriedade de um automóvel, ou mesmo antes da instauração do processo, havendo fundado receio de que o réu venha a danificá-lo, pode o autor pleitear o sequestro do bem (CPC, art. 822). Sequestro: medida cautelar que consiste na apreensão de um bem determinado, objeto do litígio, a fim de assegurar sua entrega ao vencedor da ação de conhecimento. Arresto: medida cautelar de apreensão de bens indeterminados para garantia de execução futura por quantia certa. Busca e apreensão: podem ser objeto de busca e apreensão pessoas ou coisas. É cabível quando não for caso de sequestro ou arresto. Exemplo: discute-se, por exemplo, sobre direitos autorais; podem-se apreender livros que estão em circulação e que teriam sido produzidos por plágio. O artista defende o direito à sua imagem, apreendem-se todas as reproduções fotográficas referentes a ele (produção de prova no processo)”.
11 Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. I, p. 403.
12 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 111-112.
13 NUNES, Luiz Antônio. Cognição judicial nas tutelas de urgência. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 33.
14 “PREVIDENCIÁRIO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EX OFFICIO. CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA MATERIAL E PROVA TESTEMUNHAL. VALIDADE. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Em homenagem à busca de uma real e efetiva prestação jurisdicional, conjugada com a necessária imediatidade que o fato concreto exige (a pretendente ao benefício de natureza alimentar tem sessenta e nove anos de idade), é viável a possibilidade da concessão da medida antecipatória de ofício [...]” (Tribunal Regional Federal, 5ª Região, Apelação Cível n. 345950 (2000.81.00.001652-0), da 4ª Turma, Relator: Desembargador Luiz Alberto Gurgel de Faria, DJ 7-3-2005).
15 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 1, p. 408.
16 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 1, p. 406.
17 BENUCCI, Renato Luís. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2001, p. 115.