I

TEORIA GERAL DOS RECURSOS CÍVEIS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

De início, o recurso apresenta-se como instrumento processual previsto em lei e que se destina a promover a revisão das decisões judiciais, ante a insatisfação/inconformismo do indivíduo que buscou a tutela jurisdicional.

Para melhor compreensão do tema, o estudo deve partir do pressuposto de que o recurso, quanto aos seus elementos, representa verdadeira extensão do direito de ação. Em outras palavras, é de se ter em mente que os pressupostos relacionados ao direito de ação aplicam-se, mutatis mutandis, ao estudo dos recursos, como se verá a seguir.

De um modo geral, a Teoria Geral dos Recursos se ocupa dos temas referentes ao conceito, classificação, princípios, efeitos, juízo de admissibilidade e de mérito dos recursos, bem como dos delineamentos contidos nos arts. 496 a 512 do Código de Processo Civil, os quais são aplicados subsidiariamente a todo sistema recursal brasileiro.

2. CONCEITO, OBJETIVOS E NOÇÕES GERAIS (ERROR IN PROCEDENDO – ERROR IN JUDICANDO)

O recurso apresenta-se como instrumento processual destinado a promover o reexame dos atos judiciais recorríveis, revelando-se como um meio legítimo para a impugnação de decisões judiciais.

Segundo as precisas palavras do grande processualista José Carlos Barbosa Moreira, recurso pode ser conceituado “no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugnar”1.

Partindo-se da lição do eminente professor, é possível extrair alguns elementos essenciais ao conceito de recurso, quais sejam: um meio de impugnação voluntário, que é manejado dentro do mesmo processo, com o objetivo de reformar, invalidar, esclarecer ou integrar decisão emanada da atividade jurisdicional e que tenha carga decisória, aspectos que serão decompostos a seguir.

O fato de ser um meio de impugnação voluntário impõe a ideia de que sua utilização dependerá da provocação da parte interessada, logo, não há falar em recursos de ofício no sistema processual brasileiro, aspecto que confirma, com maior rigidez, o princípio da inércia, que deve nortear toda atividade jurisdicional.

Diante disso, apresenta-se equivocada a expressão “recurso de ofício”, comumente utilizada por alguns para se referir ao reexame necessário, que, na verdade, não é recurso, mas sim condição de eficácia da sentença (aplicável em hipóteses específicas), como será visto oportunamente (art. 475).

O manejo do recurso dentro do mesmo processo traz a percepção de que referido instrumento representa a extensão da demanda em curso, pois, quando a parte recorre, não dá origem a um novo processo, característica relevante para diferenciá-lo dos demais meios de impugnação das decisões judiciais, pois estes são verdadeiras demandas autônomas e, de modo algum, poderiam ser compreendidos como uma extensão do direito de ação originariamente proposto.

Por outro lado, ensejar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial consiste na pretensão recursal motivadora da providência, ou seja, no objetivo/resultado que se busca alcançar diante de um eventual equívoco da decisão, o que, de consequência, deverá nortear a adequação do pedido recursal a ser formulado (é o pedido que delimitará a atividade cognitiva a ser exercida em segundo grau – princípio dispositivo).

Em outras palavras, o recurso deverá observar a adequada correlação entre o eventual vício motivador da insurgência (causa de pedir recursal) e o resultado que se busca alcançar (pedido recursal).

Nessa concepção, se o ato judicial recorrível apresentar vício de conteúdo/direito, haverá error in judicando e, consequentemente, o recorrente deverá pleitear sua reforma, com a prolação de nova decisão pelo órgão de segundo grau, em substituição ao provimento impugnado, pois, segundo o art. 512 do CPC, o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

Por outro lado, se o vício for de forma/procedimento, estar-se-á diante de um error in procedendo, impondo-se a interposição de recurso que pleiteie a invalidação do ato judicial impugnado, caso em que não haverá substituição, mas sim declaração de nulidade e, por conseguinte, a determinação de que órgão recorrido profira nova decisão sobre a mesma questão. Logo, invalidar uma decisão é desfazê-la, em razão de um defeito, como é o caso, por exemplo, de cerceamento de defesa ou falta de intimação do Ministério Público em feitos cuja sua participação seja imprescindível.

Já o esclarecimento é pleiteado por recurso no caso de a decisão restar obscura ou contraditória, ao passo que a integração aparece nos casos de omissão. Ambos representam “objetivo exclusivo dos embargos de declaração. Nenhum outro recurso possui tal finalidade. Nos casos em que sejam cabíveis embargos de declaração obscura ou contraditória, sua finalidade será o esclarecimento da decisão impugnada. Nos casos em que os embargos estiverem pautados em omissão, o objetivo do recurso será o de integração da decisão impugnada”2.

 

Necessária correlação entre a causa de pedir e o pedido recursal:

Causa de pedir

Pedido

error in procedendo

Invalidação

error in judicando

Reforma

Obscuridade ou contradição

Esclarecimento

Omissão

Integração

3. OS RECURSOS E OS DEMAIS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Os meios de impugnação das decisões judiciais representam um gênero, no qual se inserem três espécies: os recursos, as ações autônomas de impugnação e os chamados sucedâneos recursais.

Como visto, os recursos representam os meios de impugnação voluntários, previstos em lei, para, no mesmo processo, reformar, invalidar, aclarar ou integrar uma decisão.

Nesse prisma, Fredie Didier Jr. e Leonardo da Cunha Carneiro aduzem que “O recurso é o meio de impugnação da decisão judicial utilizado dentro do mesmo processo em que é proferida. Pelo recurso, prolonga-se o curso (a litispendência) do processo3.

Logo, é relevante afirmar que a providência recursal não incidirá nas hipóteses em que já tenha havido coisa julgada, tanto é que a interposição do recurso cabível dentro do prazo obstará o trânsito em julgado da decisão que se pretenda impugnar, estabelecendo o que parte da doutrina denomina como prolongamento do estado de litispendência do processo.

Já as ações autônomas podem ser delineadas como meios de impugnação que dão origem a um novo processo. Ademais, a priori, sua utilização não está condicionada aos aspectos do trânsito em julgado da decisão, visto que referidas ações podem ser promovidas antes ou após a formação da coisa julgada.

Entre referidas ações, encontram-se a ação rescisória, a querela nullitatis insanabilis, a reclamação constitucional, o mandado de segurança contra ato judicial irrecorrível, entre outros que serão tratados em item específico. Ressalte-se a divergência sobre a Reclamação, que, para alguns, é ação constitucional, e, para outros, incidente.

Por fim, os sucedâneos recursais podem ser identificados por exclusão, uma vez que albergam todos os meios de impugnação não enquadráveis como recurso ou ação autônoma de impugnação, mas que podem ser manejados com o escopo de impugnar decisão judicial, a exemplo do reexame necessário, do pedido de reconsideração, da suspensão de segurança.

4. PRINCÍPIOS RECURSAIS

4.1. Princípio do duplo grau de jurisdição

O duplo grau de jurisdição, cujo objetivo é o exercício do maior controle das decisões judiciais, aponta para o necessário exercício da atividade cognitiva por dois órgãos julgadores, distribuídos na estrutura do Poder Judiciário, ou seja, o sistema processual brasileiro, em regra, possibilita que as decisões judiciais proferidas possam ser revistas por outro órgão julgador, o que comumente se dá por meio dos recursos.

No entanto, há divergência sobre a natureza do princípio do duplo grau de jurisdição, no que se refere ao status de garantia constitucional a ele atribuído. O núcleo da discussão decorre do próprio texto da Lei Maior, que, apesar de assegurar a todos os litigantes o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes, não explicitou o duplo grau de jurisdição como um de seus preceitos garantidores.

Embora referido princípio não esteja previsto expressamente na Constituição da República, parte da doutrina identifica o duplo grau de jurisdição como um dos princípios constitucionais implícitos derivados do devido processo legal.

Nesse sentido, como bem delineado por Gilson Delgado Miranda e Patricia Miranda Pizzol, “... enquanto consectário do devido processo legal, consiste, em linhas gerais, na possibilidade de provocar o reexame da matéria apreciada e decidida, isto é, de pleitear, mediante a interposição de um recurso (o adequado, segundo as normas constantes da legislação infraconstitucional), novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior”4.

Em que pese tratar-se de tema bastante polêmico, de outra parte, registre-se que há entendimento no sentido de que referido princípio não teria conteúdo de garantia, corrente a qual nos filiamos.

Logo, partindo da premissa de que o princípio do duplo grau de jurisdição não é garantia constitucional, como bem destacam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, há hipóteses em que “o próprio texto constitucional comete a tribunais superiores o exercício do primeiro grau de jurisdição, sem conferir a possibilidade de um segundo grau. Nessas situações, ao tribunal superior se comete o exercício de grau único de jurisdição, revelando-se, com isso, que o duplo grau de jurisdição não está referido, na estrutura constitucional, em termos absolutos. Daí se infere que a Constituição Federal prestigia o duplo grau de jurisdição como princípio, e não como garantia”5.

De outro norte, diante do formato delineado para os Juizados Especiais Cíveis, alguns preferem utilizar a expressão duplo juízo, considerando o fato de que, por meio de suas Turmas Recursais, compostas por juízes de primeira instância, os juizados dão peculiar efetividade ao referido princípio.

Vale elucidar que, excepcionalmente, algumas decisões não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição ordinário, como é o caso das decisões proferidas no exercício da competência originária atribuída ao Supremo Tribunal Federal, bem assim a hipótese dos embargos infringentes de alçada previstos no art. 34 da Lei de Execução Fiscal. Confira-se:

Art. 34. Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração.

Sobreleva dizer que há casos em que, por expressa disposição legal, estabelece-se a irrecorribilidade de atos judiciais, como na hipótese da decisão que releva a pena de deserção (art. 519, parágrafo único, do CPC).

Ainda, atento aos limites desta obra e a par da divergência quanto ao alcance de sua incidência no processo civil, é importante destacar que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), tratado do qual o Brasil é signatário, prevê, como garantia processual mínima do preso, o direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior (art. 8º, 2, h), aspecto que ganha maior relevo no processo penal.

Registra-se, por fim, que há entendimento pela possibilidade de se impetrar mandado de segurança nos casos em que o recurso previsto em lei apresenta-se ineficaz, aspecto bastante peculiar.

4.2. Princípio da taxatividade/tipicidade

Segundo a doutrina, o recurso é aquilo que a lei diz que é, ou seja, o recurso deve ser definido como tal a partir das escolhas feitas pelo Poder Legislativo, o que implica dizer que o rol dos recursos representa numerus clausus, não sendo permitido aos litigantes criarem novas modalidades recursais.

De acordo com a repartição de competência prevista na Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF). Logo, partindo-se do pressuposto de que cabe a lei federal determinar o que é recurso, também seria adequada a utilização da expressão princípio da legalidade para referir-se a tal comando.

A propósito, em cumprimento ao princípio da taxatividade, segundo o que dispõe o art. 496 do Código de Processo Civil, são recursos os seguintes instrumentos processuais:

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

I – apelação;

II – agravo;

III – embargos infringentes;

IV – embargos de declaração;

V – recurso ordinário;

VI – recurso especial;

VII – recurso extraordinário;

VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Atente-se, contudo, ser importante compreender que, para a observância da taxatividade/titpicidade, não se faz necessário que todas as modalidades de recurso estejam previstas no Código de Processo Civil. Assim, basta que o seu veículo normativo seja lei federal em sentido formal, mesmo que a previsão esteja contida em legislação especial, como é o caso da Lei de Execução Fiscal (L. 6.830/80), Lei de Ação Civil Pública (L. 7.437/85), Lei dos Juizados Especiais Cíveis (L. 9.099/95), entre outras.

Por fim, registre-se que o Projeto do Novo Código de Processo Civil, ainda em construção, não contempla o agravo retido e os embargos infringentes como modalidades recursais.

4.3. Princípio da singularidade/unicidade/unirrecorribilidade

O princípio em questão revela o comando segundo o qual para cada decisão caberá um único recurso, o que, inclusive, se alinha ao valor segurança jurídica, visto que a admissão de vários recursos poderia fazer eternizar sucessivas interposições e negativas de seguimento a recursos referentes a uma única decisão.

Referido mandamento representa a regra, uma vez que o sistema comporta exceções, como é o caso do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial, os quais podem ser interpostos de uma mesma decisão.

Rui Portanova, ao discorrer sobre o princípio da singularidade, elucida que “No sistema brasileiro não há possibilidade de ser interposto mais de um recurso contra uma mesma decisão. A mesma questão não pode ser objeto de mais de um recurso simultaneamente”6.

Assim, a possibilidade de a parte recorrer apresenta-se como uma verdadeira faculdade processual, que, quando exercida, não mais poderá ser utilizada como forma de insurgência contra a mesma decisão, pois a conduta de recorrer faz incidir o fenômeno da preclusão consumativa (conforme visto no capítulo referente às modalidades de preclusão). Daí a importante relação entre esses dois institutos processuais, quais sejam: preclusão e unicidade.

A propósito, Teresa Arruda Alvim Wambier, apoiada nas palavras de Chiovenda, ao tratar da preclusão processual, aduz com proficiência que “Bastante operativa, pois, que se presta a resolver diversos problemas práticos, é a conhecida definição de Chiovenda. Há preclusão quando se perde, se extingue ou se consuma uma faculdade processual, por se ter perdido o prazo ou deixado de praticar o ato na ordem ou nos termos peremptórios previstos pela lei; por se haver realizado atividade incompatível com o exercício da faculdade; ou por já se haver exercido validamente a faculdade”7.

Nesse sentido, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser “incabível o recurso que pretende rediscutir questões já decididas, em face da preclusão consumativa e do Princípio da Unirrecorribilidade das decisões judiciais” (STJ – EDcl no AgRg nos EDcl no Ag 938.784/GO – Rel. Min. Massami Uyeda – Terceira Turma – j. 26-8-2008 – In DJe de 26-9-2008).

Acresça-se que, segundo o entendimento atual, da tutela antecipada concedida no corpo da sentença caberá, tão somente, apelação, superado, portanto, o entendimento anterior no sentido de que a decisão seria agravável (Resp. 1.293.631/SP, julgado em 11-12-2012), dúvida esta que, inclusive, autorizava a aplicação de importante princípio, qual seja, o da fungibilidade recursal, a ser tratado a seguir.

4.4. Princípio da fungibilidade

Trata-se de princípio invocado para, em casos específicos, admitir-se o recurso inadequado como se adequado fosse, o que ocorrerá somente quando forem atendidos os requisitos de aplicação da fungibilidade, permitindo-se o conhecimento e julgamento do recurso que, a princípio, não seria o instrumento apropriado para impugnar determinada decisão judicial.

Ressalta-se que referida possibilidade é excepcional, visto que, apesar de tal princípio não estar previsto expressamente no Código de Processo Civil, encontra seu fundamento na instrumentalidade das formas.

Ademais, o Princípio da Fungibilidade é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência como instrumento válido à solução de determinadas incongruências encontradas no sistema processual.

De um modo geral, os requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidade são os seguintes:

a) Dúvida objetiva acerca do cabimento do recurso: A dúvida acerca do recurso cabível não pode ser apenas do recorrente (subjetiva), o que implica dizer que o debate deve transcender seu estado anímico (dúvida interna), alcançando, inclusive, o status de divergência doutrinária ou jurisprudencial (dúvida externa).

b) Inocorrência de erro grosseiro: Não é possível admitir, por exemplo, recurso especial interposto contra decisão de Juizado Especial, visto que a Constituição é categórica ao afirmar que referido recurso só poderá ser manejado em face de decisões proferidas pelos tribunais (art. 105, III, CF).

c) Observância do prazo do recurso adequado: Este requisito contribui para a preservação do pressuposto da tempestividade com relação ao recurso cabível, ou seja, nos casos de dúvida a parte deverá observar o menor prazo recursal.

Corroborando referidos requisitos de aplicação da fungibilidade, o Superior Tribunal de Justiça assentou que “Os princípios da fungibilidade e da instrumentalidade das formas só têm o condão de amparar as situações em que haja dúvida objetiva quanto ao recurso cabível na espécie, inexistência de erro grosseiro e observância do prazo do recurso adequado. Precedentes do STJ. 3. Agravo regimental desprovido (STJ; AgRg-AREsp 133.720; Proc. 2012/0008953-4/SP; Quarta Turma; Rel. Min. Marco Buzzi; j. 12-6-2012; DJE 18-6-2012).

Outros Julgados:

“1. Trata-se de Agravo interposto com base no art. 522 do CPC contra decisão que indeferiu o pedido de liminar em Mandado de Segurança de competência originária do STJ. 2. Prescreve o art. 258 do Regimento Interno do STJ que o meio de impugnação adequado é o Agravo Regimental. 3. Diante da existência de norma expressa, afasta-se a possibilidade de dúvida razoável ou objetiva sobre o recurso adequado a ser utilizado, o que, por seu turno, impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. 4. Agravo não conhecido” (STJ; Ag-MS 18.376; Proc. 2012/0070011-0/DF; Primeira Seção; Rel. Min. Herman Benjamin; j. 26-9-2012; DJE 31-10-2012).

“1. Ao invés de interpor o agravo regimental previsto no artigo 557, § 1º, do Código Processual Civil, o agravante apresentou agravo de instrumento fundamentado no artigo 544 do mesmo diploma, o que, de acordo com jurisprudência desta Corte, configura erro grosseiro, sendo inaplicáveis os princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas, ante a ausência de dúvida objetiva consubstanciada na existência de controvérsia na doutrina ou na jurisprudência sobre qual o recurso adequado à espécie. 2. A interposição de Agravo de Instrumento ao invés de Agravo Regimental impede a incidência do princípio da fungibilidade, posto dilargar o prazo do recurso corretamente cabível, além de configurar erro inescusável (AGRG nos EDCL nos ERESP 999.662/GO, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe 4-8-2009). 3. Agravo não conhecido” (STJ; AG-RESP 1.328.220; Proc. 2012/0119571-9/RJ; Segunda Turma; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; j. 6-9-2012; DJE 14-9-2012).

Importante registrar que, em discussão recente, debateu-se sobre o não cabimento dos embargos de declaração contra decisão proferida monocraticamente pelo relator do recurso. Referido tema ainda provoca muita divergência no âmbito doutrinário, uma vez que a lei processual não estabelece tamanha restrição ao cabimento de tal modalidade recursal.

No entanto, a par da polêmica instaurada, atualmente, prevalece na jurisprudência o entendimento segundo o qual não cabem embargos de declaração, e sim agravo interno (também conhecido como agravo regimental), contra as decisões monocráticas proferidas pelo relator.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido o preenchimento dos requisitos necessários para a incidência do Princípio da Fungibilidade e, de consequência, recebido como agravo interno/regimental os embargos de declaração opostos contra decisão monocrática de relator.

Nessa linha: “Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. EDcl no AREsp 102413/SP – 7-8-2012.1. ‘Admite-se receber de embargos declaratórios, opostos à decisão monocrática do relator, como agravo regimental, em atenção aos princípios da economia processual e da fungibilidade recursal’” (EDcl nos EREsp 1.175.699/RS, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 6-2-12).

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça não admitiu a aplicação do princípio da fungibilidade no caso em que a parte interpôs apelação em demanda que comportava, segundo a lei, a incidência dos embargos infringentes de alçada (art. 34 da Lei n. 6.830/80), uma vez que a Lei de Execução Fiscal traz regramento expresso sobre o tema, delimitando categoricamente sua aplicação (Resp n. 413.827/PR).

Por fim, frise-se que, nos termos do enunciado n. 272 da Súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança”, portanto, inaplicável o princípio da fungibilidade para esses casos.

4.5. Princípio da proibição da reformatio in pejus

Quando da análise da decisão impugnada, o recorrente não poderá receber do órgão reformador (em regra, o tribunal ad quem) resposta que agrave seu estado anterior, ou seja, com tal princípio veda-se a reforma para pior da parte que recorreu sozinha.

Nesse contexto, em observância ao princípio da proibição da reformatio in pejus, o Tribunal ficará limitado, no mínimo, a manter o que foi decidido em primeiro grau, ou, no máximo, poderá reformar, dentro dos limites do que consta no pedido recursal.

Por óbvio, esse raciocínio não se aplica para os casos em que, diante de uma mesma decisão, ambos, autor e réu, interpõem seus recursos, visto que, na hipótese, a análise das teses recursais pelo tribunal comportará resultado capaz de conduzir ao agravamento do status quo ante de qualquer um dos recorrentes.

Deve ficar claro que também é vedada a melhora da situação do recorrente para além do que foi pedido no recurso. Nesse contexto, como bem observado por Gilson Delgado Miranda e Patricia Miranda Pizzol, “... não pode ser admitida, à luz do princípio dispositivo, a reformatio in melius, uma vez que o pedido do recorrente delimita a atividade jurisdicional do órgão ad quem, não podendo este, ao julgar o recurso, melhorar a situação do recorrente além do foi pedido, sob pena de proferir decisão ultra petita8.

É importante ressalvar a exceção à aplicabilidade do referido princípio para os temas considerados como matérias de ordem pública (a exemplo dos requisitos de admissibilidade, pressupostos processuais, condições da ação, entre outros), pois, em tais casos, o órgão julgador deverá conhecer a matéria de ofício, ou seja, independentemente de manifestação das partes, razão pela qual não se opera preclusão e tampouco há falar em proibição da reformatio in pejus. Trata-se do efeito translativo, aspecto que será visto oportunamente no item referente aos efeitos dos recursos.

Por fim, quanto ao reexame necessário que, apesar de, como já visto, não ser recurso, prevalece o entendimento pela aplicação do princípio em questão. A propósito, o enunciado n. 45 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, especificamente quanto ao referido sucedâneo, determina que: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

4.6. Princípio da dialeticidade

Nas razões recursais, a parte recorrente deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão, sentença ou acórdão que pretende reformar ou invalidar. Assim, em regra, caso o recorrente se limite a repetir no recurso as alegações que já lançou no curso do processo, haverá óbice ao conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade.

Portanto, ao interpor, por exemplo, uma apelação, o apelante tem o ônus de fundamentar seu pedido recursal, insurgindo-se contra os fundamentos lançados na decisão, assim, em regra, será insuficiente que no recurso conste mera repetição dos argumentos já articulados antes da decisão recorrida. Assim, nota-se que o princípio da dialeticidade está diretamente relacionado ao requisito da regularidade formal que, por sua vez, deve ser observado quando da interposição dos recursos.

Em outras palavras, no recurso a parte deverá expor, de forma específica, as razões que motivam sua pretensão de ver reexaminada a decisão com a qual não concorda, caso contrário, sua peça recursal poderá ser considerada inepta e, consequentemente, não terá seu mérito apreciado ante a sua inadmissibilidade.

Nesse sentido, ao tratar do tema, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser “... inepta a apelação quando o recorrente deixa de demonstrar os fundamentos de fato e de direito que impunham a reforma pleiteada ou de impugnar, ainda que em tese, os argumentos da sentença”9.

5. DECISÕES RECORRÍVEIS: DEFINIÇÕES DO ART. 162 DO CPC

Para o objetivo do estudo dos recursos no Processo Civil, deve-se partir do pressuposto de que só se pode recorrer de decisão judicial, que, por sua vez, deve ser alocada entre atos processuais possíveis de serem praticados pelo juiz.

Nessa linha, o Código de Processo Civil enumera sentenças, decisões interlocutórias, despachos e acórdãos, entre os atos processuais (Título V, Seção III, arts. 162-163), os seguintes atos do juiz:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

§ 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§ 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§ 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.

Primeiramente, é relevante afirmar que, dos despachos e dos atos meramente ordinatórios, não caberá recurso, ante a ausência de carga decisória. Com relação aos despachos, referida conclusão pode ser extraída do art. 504 do Código de Processo Civil (com a redação determinada pela Lei n. 11.276/2006).

Portanto, a irrecorribilidade dos despachos – já que não enquadráveis como sentença ou decisão interlocutória (art. 162, § 3º) – revela-se como expressa escolha legislativa, o que inviabiliza qualquer interpretação capaz de ensejar o exercício do direito de recorrer.

Por outro lado, como bem descrito por José Carlos Barbosa Moreira: “Em matéria de recorribilidade, relevante é mesmo a classificação feita no art. 162, notadamente no que diz respeito aos atos emanados dos órgãos de primeiro grau de jurisdição – que podem ser ou não recorríveis, e, no caso de o serem, nem sempre o serão pela mesma via. Com efeito, “dos despachos de mero expediente não cabe recurso” (art. 504), ao passo que as sentenças são passíveis de apelação (art.513), e as decisões interlocutórias comportam agravo (art.522)”10.

Aspecto relevante é o do “novo” conceito de sentença, pois, como visto, o atual conceito legal se limita a defini-la pelo conteúdo, ao dispor tratar-se de ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, não repetindo, portanto, a definição quanto ao seu efeito, no sentido de ser o ato que põe fim ao processo.

5.1. Conceito de sentença e suas variações

Diante do atual cenário, emergem algumas circunstâncias que, apesar de se enquadrarem, pelo conteúdo, nas hipóteses dos arts. 267 e 269, não terão por efeito a extinção do processo em primeiro grau, como é o caso, por exemplo, da exclusão de um dos litisconsortes com o prosseguimento do feito quanto aos demais, o que também será abordado no capítulo referente à apelação. Tratam-se das denominadas sentenças parciais, já tratadas em capítulo próprio.

A propósito, ao tratarem do conceito de sentença, os processualistas Fredie Didier Jr. e Leonardo da Cunha Carneiro, sustentam que: “Não se pode, a despeito da literalidade do texto normativo, identificar ‘sentença’ pelo seu respectivo conteúdo. Após essa alteração legislativa, é preciso compreender sentença como o ato que encerra o procedimento nas fases de conhecimento ou de execução; a sentença encerra a primeira instância”.

E continuam os ilustres professores, “... pela redação do CPC, sentença se define pelo seu conteúdo; sucede que o conteúdo que se diz próprio de sentença não lhe é exclusivo, pois, como visto, pode estar relacionado a uma decisão que não encerra o procedimento – e, portanto, não pode ser sentença”.

Por outro lado, apesar de a última reforma ter alterado o conceito de sentença (art. 162, § 1º, do CPC), não o fez com relação ao sistema recursal brasileiro, permanecendo a estrutura para o recurso de apelação e de agravo (retido ou por instrumento), tanto que “O procedimento da apelação, recurso cabível contra sentença, foi estruturado a partir da premissa de que uma fase do procedimento encerrou-se. O do agravo, recurso contra decisão interlocutória, pressupõe que o procedimento continua em primeira instância11.

Ressalta-se que o sistema processual estabelece recursos específicos a serem interpostos em face de decisões proferidas no âmbito dos tribunais, seja por meio de decisão monocrática do relator ou, ainda, por meio de acórdãos proferidos pelas câmaras, seções, tribunais plenos ou órgãos especiais.

Os acórdãos podem ser impugnados por diversas modalidades recursais, as quais devem ser utilizadas adequadamente. Referidos instrumentos estão pormenorizados nos itens destinados ao estudo dos recursos em espécie.

Quadro para fixação – DECISÃO × RECURSO CABÍVEL:

 

DECISÃO – (Juiz)

RECURSOS

Decisão Interlocutória

Agravo Retido ou Agravo de Instrumento (art. 525) e Embargos de Declaração

Sentença

Apelação e Embargos de Declaração

DECISÃO – (Tribunal)

RECURSOS

Decisão do Relator

Agravo Interno/Regimental

DECISÃO – (Tribunal)

RECURSOS

Decisão de presidente ou vice-presidente de tribunal

Agravo Interno/Regimental – Art. 39 da Lei n. 8.038/90 (regra geral)

DECISÃO – (Tribunal)

RECURSOS

Acórdão (Colegiado)

Embargos de declaração

Embargos infringentes

Recurso ordinário constitucional

Recurso especial

Recurso extraordinário

Embargos de divergência

6. ALGUMAS PECULIARIDADES CONTIDAS NA LEGISLAÇÃO (REGRAS ESPECIAIS SOBRE O CABIMENTO DOS RECURSOS)

Considerados os objetivos desta obra, neste item, serão feitos breves apontamentos informativos sobre algumas regras específicas acerca do cabimento dos recursos, inclusive, contidas na legislação especial, o que se dará por meio de uma análise panorâmica e objetiva.

Primeiramente, com relação aos Juizados Especiais Cíveis, é importante destacar que, em regra, não cabe agravo de decisão interlocutória. No entanto, nos Juizados Especiais Federais, serão admitidos, excepcionalmente, recurso interposto contra as decisões proferidas em tutela de urgência (arts. 4º e 5º da Lei n. 10.259/2001).

Por fim, caberá o chamado recurso inominado das sentenças proferidas no âmbito da competência dos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099/95). Ressalva deve ser feita para a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001), que, em dispositivo peculiar (art. 5º), prevê o cabimento de recurso, tão somente, de sentença definitiva, o que, a priori, impediria a interposição de recursos contra as sentenças que extinguissem o feito sem resolução do mérito, aspecto que, segundo doutrina, deve ser flexibilizado.

No âmbito da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/80), como já mencionado, nas sentenças proferidas em execução fiscal, cujo crédito não supere 50 ORTN, não são apeláveis, cabendo peculiar forma recursal, trata-se do denominado recurso de embargos infringentes de alçada (art. 34). Merece nota o fato de que referido recurso é admitido e julgado pelo próprio juiz, e não pelo tribunal, emergindo como uma exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Atente-se aqui que, apesar de ser homônimo, o recurso acima mencionado pode ser confundido com os embargos infringentes que poderão ser utilizados contra as decisões por maioria, quando satisfeitos os requisitos do art. 530 do CPC, recurso este que será objeto de análise detalhada na parte desta obra destinada ao estudo dos recursos em espécie.

Sobre a Lei de Assistência Judiciária (Lei n. 1.060/50), vale destaque o comando contido em seu art. 17, cujo texto dispõe que as decisões que lhe aplicam seriam impugnáveis por apelação. Confira-se:

Art. 17. Caberá apelação das decisões proferidas em consequência da aplicação desta lei; a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença conceder o pedido.

Ocorre que, algumas dificuldades podem surgir da aplicação literal do referido dispositivo, como, por exemplo, na hipótese em que a decisão interlocutória aprecia pedido incidental de gratuidade da justiça utilizando como fundamento referida lei, o que ensejaria, a princípio, um caso de apelação contra decisão interlocutória.

No entanto, atualmente, referido dispositivo deve ser interpretado da seguinte forma: 1) Se a decisão se funda na Lei de Assistência Judiciária (Lei n. 1.060/50), mas foi proferida nos mesmos autos, por meio de decisão interlocutória, caberá recurso de agravo de instrumento; 2) Por outro lado, se a decisão, além de ser fundamentada na Lei de Assistência Judiciária, for proferida em autos apartados, caberá recurso de apelação, incidindo, portanto, o mencionado art. 17.

Com relação ao Processo Falimentar (Lei n. 11.101/2005), é interessante notar que para se impugnar sentença que decreta falência caberá agravo de instrumento (visto que, até o encerramento do processo falimentar, muitos atos ainda serão praticados pelo juiz). Por outro lado, da sentença que julga improcedente o pedido falimentar, ou seja, da sentença que nega o decreto de falência, caberá recurso de apelação, aspecto que reafirma a ideia de que a estrutura recursal brasileira não admite o recurso de apelação interposto contra ato do juiz que não põe fim ao processo em primeiro grau.

Por fim, da decisão que julgar Liquidação de sentença caberá agravo de instrumento (art. 475-H do CPC). Trata-se de recente modificação introduzida pela última reforma, e que encontra seu fundamento na concepção de processo sincrético, para o qual a liquidação passou a ser uma etapa eventual nas hipóteses em que o processo de conhecimento é concluído por sentença ilíquida (alocada entre a fase de conhecimento e a fase de cumprimento de sentença).

Diante de sua peculiaridade, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, admitiu a interposição de recurso de apelação contra as decisões proferidas em liquidação de sentença com resultado zero.

Primeiramente, o STJ considerou que “não sendo possível apurar, na liquidação, o montante devido, sem culpa das partes, extingue-se o processo sem resolução do mérito, facultando-se à parte reiniciar a liquidação no futuro, caso reúna, com novos elementos, provas suficientes para revestir de certeza seu direito à reparação” (REsp 1.280.949-SP, j. 25-9-2012).

A propósito, diante da impossibilidade de se chegar ao quantum debeatur, por ausência de valor a liquidar, a mesma Corte decidiu que: “Excepcionalmente, porém, a decisão prolatada em sede de liquidação pode efetivamente encerrar o processo, hipótese em que terá natureza de sentença, contra ela cabendo o recurso de apelação” (REsp 1.291.318, j. 24-2-2012).

Em que pese a importância e atualidade dos citados julgados, referida solução jurisprudencial não encontra sustentáculo no texto do atual Código de Processo Civil, uma vez que o art. 475-H é categórico ao prever o agravo de instrumento como meio recursal adequado para impugnar a decisão que julgou a liquidação de sentença.

7. CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS

7.1. Quanto ao âmbito dos recursos (total e parcial)

Considerado que o alcance do recurso será delimitado pelo recorrente, a partir da concretização de sua faculdade recursal (princípio dispositivo), o âmbito de análise a ser exercido pelo órgão julgador poderá ser total ou parcial.

Nesse contexto prevalece o entendimento segundo o qual o recurso será total quando o recorrente impugna tudo quanto poderia ter sido por ele impugnado. Por outro lado, o recurso será parcial quando o recorrente impugna apenas parte do que poderia ter sido impugnado.

A propósito, nas lições de José Carlos Barbosa Moreira, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, é destacado que o: “Recurso parcial é aquele que, em virtude de limitação voluntária, não compreende a totalidade do conteúdo impugnável da decisão. (...) Recurso total é aquele que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida (não necessariamente o seu conteúdo integral, pois há decisões que têm o conteúdo impugnável restringido pela lei, como acontece em relação aos embargos infringentes, quando, havendo divergência parcial, apenas esta matéria poderá constituir objeto do recurso. Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, entender-se-á total o recurso” (Curso de..., p. 27-28).

Exemplo de recurso total: “A” propõe demanda em face de “J”, ocasião em que formula, em sua petição inicial, três pedidos 1, 2 e 3. No entanto, apesar de seu direito ser claro e evidente, a sentença julga procedente apenas os pedidos 1 e 2 e improcedente o pedido 3, equívoco que impede a justa vitória plena do autor. Diante do resultado obtido em 1º grau, “A” interpõe recurso de apelação pedindo a reforma da sentença para o fim de que também lhe seja reconhecido o direito contido no pedido 3, ou seja, recorre de tudo aquilo que poderia impugnar (recurso total).

7.2. Quanto à fundamentação (livre ou vinculada)

No que se refere ao exercício do direito de recorrer e dos eventuais limites da impugnação do recorrente, o recurso poderá ser de fundamentação livre ou de fundamentação vinculada.

No recurso de fundamentação livre, qualquer vício poderá servir de fundamento para a impugnação contida no recurso, o que implica dizer que a matéria reexaminada pelo julgador poderá ser a mais ampla possível. Em geral, os recursos são de fundamentação livre, como é o caso do recurso de apelação.

Por outro lado, para os recursos de fundamentação vinculada, a cognição é delimitada pela lei processual, pois estabelece previamente os limites da impugnação e, em via oblíqua, os limites da cognição a ser exercida pelo órgão julgador. Referidos limites devem estar acobertados pela tipicidade, ou seja, devem ser expressamente previstos na lei processual.

Ademais, a hipótese de cabimento prevista em lei deve constar na peça recursal, como é o caso do recurso de embargos de declaração, que somente pode ser manejado em face de um dos vícios específicos contidos no Código de Processo Civil (omissão, contradição ou obscuridade – art. 535).

De outro norte, os recursos extraordinários/excepcionais (gênero dos quais são espécies o recurso especial e o recurso extraordinário), a serem julgados, respectivamente, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal (chamados tribunais de superposição) são dotados de requisitos bastante rígidos.

Vale mencionar, por exemplo, que a análise, nas referidas modalidades recursais, ficará restrita à matéria de direito, não podendo, portanto, recair sobre questões fáticas ou que demandem reexame probatório, pois sua finalidade imediata é a análise do direito objetivo, enquanto o objetivo apenas mediato é a tutela do direito subjetivo.

7.3. Quanto ao modo de interposição (principal ou adesivo)

No que tange ao modo e a eventual autonomia estabelecida no momento de sua interposição, o recurso poderá ser principal ou adesivo.

O recurso principal é aquele no qual o recorrente exerce de forma autônoma sua faculdade de recorrer, independentemente da atividade recursal da parte contrária.

Já o recurso adesivo tem por característica a inércia da parte em um primeiro momento, seguida de uma atividade recursal condicionada ao ato de recorrer exercido pela parte contrária, o que se dá por meio de adesão e, por essa razão, estabelece uma dependência com relação ao principal.

8. RECURSO ADESIVO – REQUISITOS PARA O PROCESSAMENTO E NATUREZA JURÍDICA

Ao tratar do tema, a redação contida no Código de Processo Civil apresenta-se bastante elucidativa, uma vez que o próprio texto legal estabelece o recurso principal, ou seja, prevê que a parte poderá recorrer, em regra, de forma autônoma, o que implica dizer que seu recurso será independente em relação ao recurso do adversário. No entanto, o mesmo dispositivo reconhece o direito de a parte impugnar o ato judicial na forma de recurso adesivo. É o que se extrai do disposto no art. 500, caput, do Código de Processo Civil:

Art. 500. Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes.

Como se observa, o recorrente poderá utilizar-se do recurso adesivo desde que preenchidos os seus requisitos específicos, quais sejam, a ocorrência de sucumbência recíproca (demandante e demandado parcialmente vencidos e vencedores em suas pretensões) e a interposição de recurso pelo adversário (a parte contrária efetivamente exerceu sua faculdade recursal). Além disso, referida forma de interposição será admissível somente na apelação, nos embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial (art. 500, II, do CPC).

A propósito, o recurso adesivo será interposto perante a autoridade competente para admitir o recurso principal, o que deverá se concretizar no prazo em que a parte terá para responder.

Deve-se frisar que ao recurso adesivo são aplicadas as mesmas regras do principal no que se refere às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior, ressalvado o fato de que ele não será conhecido caso o recurso principal seja declarado inadmissível. Daí sua característica de dependência em relação ao principal (art. 500, III e parágrafo único).

Apesar do nome, o recurso adesivo revela-se como verdadeiro modo de interposição de algumas modalidades recursais, não sendo adequado, portanto, classificá-lo como espécie autônoma de recurso.

A propósito, corroborando nosso entendimento sobre a adequada identidade que deve ser atribuída ao recurso adesivo, Marcus Vinicius Rios Gonçalves observa com clareza que: “O recurso adesivo não é uma espécie, mas uma forma de interposição de alguns recursos. Podem ser opostos sob a forma adesiva a apelação os embargos infringentes, o recurso especial e o extraordinário”12.

Recurso adesivo: Quadro para fixação – Pressupostos × Requisitos

 

Pressupostos

Requisitos

Sucumbência recíproca

Conhecimento do recurso principal

Recurso de uma parte e silêncio da outra

Demais requisitos de admissibilidade exigidos para a generalidade de recursos

 

9. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS

De início, é importante ressaltar que os pressupostos recursais estão alocados entre as denominadas matérias de ordem pública, razão pela qual podem ser conhecidos de ofício pelo órgão julgador. Ressalva feita para o art. 526, parágrafo único, do Código de Processo Civil, pois referido dispositivo traz em seu bojo hipótese cujo reconhecimento dependerá de provocação do agravado, que será tratado no item referente ao recurso de agravo de instrumento.

Como dito anteriormente, o recurso representa, em sua estrutura, uma verdadeira demanda e, como tal, se submete a um juízo de admissibilidade e a um juízo de mérito. Nesse sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensina que “Da mesma forma como, antes de examinar o mérito, o juiz deve verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais e condições da ação, antes de examinar a pretensão recursal, deve-se examinar os requisitos de admissibilidade do recurso13.

Com efeito, o juízo de admissibilidade de uma demanda e, portanto, de um recurso é o juízo sobre a validade do procedimento, ou seja, é o juízo que o órgão julgador fará com a finalidade de avaliar se poderá, ou não, examinar o pedido recursal.

Sendo assim, o juízo de mérito é o juízo sobre o pedido, ou seja, consiste na análise que recai sobre o ponto da insurgência, sobre aquilo que realmente foi impugnado por meio do recurso, oportunidade em que a tese recursal será acolhida ou rejeitada.

Note-se, no juízo de admissibilidade, o órgão jurisdicional conhece ou não conhece do recurso. Logo, as soluções possíveis poderão ser, respectivamente, o juízo positivo e o juízo negativo de admissibilidade.

Desse modo, não conhecer de um recurso é o mesmo que não admiti-lo em razão de não ter havido o preenchimento de seus pressupostos/requisitos, deixando-se, portanto, de apreciar o mérito recursal.

De outra parte, no exercício do juízo de mérito, fala-se em dar provimento ou negar provimento.

Assim, como no juízo de admissibilidade a cognição exercida refere-se aos requisitos para se conhecer ou não reconhecer do recurso, referido ato representa etapa prejudicial à análise do mérito recursal.

É muito importante compreender que só se pode falar em juízo de mérito depois de ter sido superada a admissibilidade recursal. Logo, não se pode, ao mesmo tempo, não conhecer do recurso e dar-lhe ou negar-lhe provimento, pois somente o recurso conhecido pode ter seu mérito provido ou improvido.

Em outras palavras, somente após ser apreciada a admissibilidade do recurso (recurso admitido), poder-se-á passar ao juízo de mérito recursal, oportunidade em que o tribunal dará provimento ou negará provimento ao recurso.

Importante ressaltar, ainda, que não se pode confundir mérito do recurso com o mérito da demanda.

Nesse contexto, o mérito recursal nem sempre irá referir-se ao mérito da demanda discutido originariamente, uma vez que a pretensão contida no recurso poderá apontar equívoco de ordem formal ocorrido em primeiro grau (error in procedendo), argumento que, se acolhido, implicará na anulação da decisão impugnada, sem adentrar-se no mérito da demanda.

9.1. Competência e momento do juízo de admissibilidade

Convém, ainda, diferenciar o órgão a quo do órgão ad quem. O primeiro é o juízo de origem – aquele que proferiu a decisão recorrida. O segundo, por seu turno, é o juízo de destino, ou seja, o órgão julgador para o qual seguirá o recurso manejado pela parte.

No direito processual brasileiro prevalece a regra de que o recurso deve ser interposto perante o órgão a quo, ou seja, perante o juízo que proferiu a decisão impugnada. Logo, nesse juízo será recebido o recurso, bem como será exercido o primeiro juízo de admissibilidade.

Nesse contexto, é fácil concluir que a admissibilidade de um recurso passa por, no mínimo, duas análises destinadas a avaliar sua regularidade. A primeira é realizada pelo juízo que proferiu a decisão (juízo a quo), enquanto a segunda é exercida pelo órgão de destino (juízo ad quem). A partir dessa estrutura de interposição dos recursos, a doutrina costuma afirmar que, no Brasil, o juízo de admissibilidade seria binário.

Dentro da referida concepção binária é possível identificar um juízo de admissibilidade provisório ou um juízo de admissibilidade definitivo. Aliás, Fredie Didier Jr. e Leonardo da Cunha Carneiro elucidam que: “Muitas vezes, o recurso é interposto perante o órgão a quo, que exerce o juízo provisório de admissibilidade. Já o órgão ad quem exerce o juízo definitivo de admissibilidade”.

Outro aspecto que merece destaque é o da recorribilidade do juízo de admissibilidade, uma vez que segundo os autores: “Em regra, o juízo provisório negativo é passível de recurso, enquanto o juízo provisório positivo é irrecorrível, exatamente porque, recebido o recurso, ele será remetido ao órgão ad quem que irá exercer o juízo definitivo de admissibilidade”14.

No entanto, caso o órgão a quo não conheça do recurso, o sistema processual garante solução capaz de disponibilizar ao recorrente instrumento de impugnação dessa decisão, o que se dará por meio de novo recurso, cujo objeto específico será o juízo negativo de admissibilidade inicialmente proferido. Desse modo, em última análise, sempre será garantida a apreciação do primeiro juízo pelo órgão ad quem. É o caso do agravo de instrumento a ser interposto da decisão de inadmissão do recurso de apelação (art. 522).

Para melhor visualização, por exemplo, se o recorrente interpôs apelação e o juiz prolator da sentença impugnada considerar tal recurso intempestivo, poderá ele manejar, perante o tribunal, o recurso de agravo de instrumento, cujo objetivo será possibilitar a análise da tempestividade do recurso de apelação anteriormente proposto, ou seja, constatar se o primeiro juízo acertou, ou não, ao não admiti-lo.

Por outro lado, há hipóteses excepcionais nas quais os recursos são interpostos diretamente no juízo ad quem. Por óbvio, nos casos em que os recursos são apresentados perante o tribunal, não haverá duplo juízo de admissibilidade, ao menos na forma anteriormente delineada. Como exemplo é possível destacar o recurso de agravo de instrumento.

Caso ainda mais interessante é o dos recursos que admitem o exercício do juízo a quo e do juízo ad quem pelo mesmo órgão, ou seja, caso em que o prolator é o destinatário do recurso e, portanto, será o único detentor da competência para a análise da admissibilidade e do mérito recursal. Nessa categoria, destacam-se os embargos de declaração e os embargos infringentes (de alçada), este último previsto no art. 34 da Lei de Execução Fiscal.

Por fim, a regra quanto ao mérito do recurso é de que este juízo será exercido pelo órgão ad quem. No entanto, há recursos que comportam o denominado efeito regressivo, o que enseja a possibilidade de retratação do juízo a quo, ou seja, permite que o prolator da decisão impugnada possa rever sua própria decisão.

9.2. Natureza jurídica do juízo de admissibilidade

Sabe-se que o juízo de admissibilidade poderá ser positivo ou negativo, culminando, respectivamente, no conhecimento/admissibilidade ou não conhecimento/inadmissibilidade da pretensão recursal.

Assim, nos casos em que o juízo de admissibilidade for positivo, ou seja, na hipótese de o órgão jurisdicional conhecer do recurso (recurso admitido), os litigantes estariam diante de uma decisão declaratória com eficácia retroativa, entendimento que emerge pacífico na doutrina e na jurisprudência.

Por outro lado, quanto à natureza jurídica, ao se apreciar o juízo negativo de admissibilidade, ou seja, na hipótese de o órgão jurisdicional não conhecer dos recursos (recurso não admitido), é possível identificar duas correntes, quais sejam:

A primeira corrente, considerada clássica, sustenta que o juízo de admissibilidade negativo é declaratório com eficácia retroativa. Segundo esse entendimento, quando o recurso não é conhecido a inadmissibilidade retroage seus efeitos à data do vício que o contaminou (ex tunc) (José Carlos Barbosa Moreira e Nelson Nery Júnior).

A segunda corrente, majoritária, defende que o juízo de admissibilidade negativo é declaratório sem efeitos retroativos (ex nunc), salvo nas hipóteses de recurso manifestamente incabível ou intempestivo (Araken de Assis).

A propósito, o enunciado n. 100 da Súmula de jurisprudência do TST confirma referida concepção. Confira-se:

TST Enunciado n. 100

Prazo de Decadência – Ação Rescisória Trabalhista

I – O prazo de decadência, na ação rescisória, conta-se do dia imediatamente subsequente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não.

[...] III – Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial.

Algumas consequências práticas decorrem da referida divergência doutrinária. Para melhor visualização, imagine o seguinte exemplo: “J” não se conforma em ter sido vencido em demanda proposta por “A”, pois o claro e evidente direito do autor foi reconhecido por sentença proferida em 2009. Diante desse inevitável resultado, “J” interpõe recurso de apelação que é admitido em 1º grau e, de consequência, remetido ao tribunal. Ocorre que apenas em 2012 o tribunal profere o seguinte julgamento: por ser absolutamente inadmissível não conheço do recurso de apelação.

Diante do cenário apresentado no exemplo acima, é possível concluir que:

Para a primeira corrente, minoritária, o fato de o Tribunal não ter conhecido o recurso de apelação repercute a mesma ideia que se teria caso o recorrente não tivesse apelado. Logo, para referida corrente é como se o trânsito em julgado dessa decisão já tivesse ocorrido em 2009, pois, para os que defendem a natureza declaratória com eficácia retroativa do juízo negativo de admissibilidade, o recurso inadmissível não impede o trânsito em julgado da decisão. Nessa concepção, já teria se extinguido o direito de a parte propor ação rescisória (prazo de dois anos do trânsito em julgado – art. 495).

Para a segunda corrente, majoritária, o trânsito em julgado teria ocorrido em 2012. Assim, segundo referido entendimento, a data do trânsito em julgado é a da última decisão, pois, para a maioria da doutrina, o juízo negativo é declaratório sem eficácia retroativa, salvo nas hipóteses de recurso manifestamente incabível ou intempestivo.

9.3. Requisitos de admissibilidade

Sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira, em lição que traduz o posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, classifica os requisitos de admissibilidade em dois grandes grupos, subdividindo-os em “requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo). Alinham-se, no primeiro grupo: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, e a inexistência de fato impeditivo (v.g., o previsto no art. 88, I, caput, fine) ou extintivo (v.g., os contemplados nos arts. 502 e 503) do poder de recorrer. O segundo grupo compreende: a tempestividade, a regularidade e o preparo”15.

9.3.1. Requisitos intrínsecos

9.3.1.1. Cabimento

Para análise deste primeiro requisito intrínseco, deve-se concentrar a apreciação em dois elementos, quais sejam a recorribilidade do pronunciamento jurisdicional e a escolha da via recursal adequada para impugnar determinado ato judicial.

Nessa linha, para se concluir pelo cabimento do recurso, o operador do direito deverá obter resposta positiva para dois questionamentos muito simples: 1º) “A decisão é recorrível?” e 2º) “O recurso interposto é o correto?”.

Por fim, acresça-se que referido requisito de admissibilidade está diretamente relacionado com 3 princípios aplicados à teoria dos recursos, quais sejam: a taxatividade, a unirrecorribilidade e a fungibilidade, já tratados linhas atrás, em item próprio.

9.3.1.2. Legitimidade para recorrer

Para compreender o requisito da legitimidade recursal, o texto da lei processual é bastante direto, dispensando maior esforço interpretativo, pois elenca entre os legitimados a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público.

Sobre o tema, dois aspectos merecem atenção. Quanto ao terceiro, o dispositivo determina a necessidade de demonstração do nexo de interdependência entre o seu interesse e a relação jurídica a ser apreciada. Por outro lado, no que se refere ao órgão ministerial, reconhece sua legimitidade tanto como parte quanto na qualidade de fiscal da lei. Confira-se:

Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.

§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial.

§ 2º O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

De início, é necessário compreender que parte vencida abrange o litisconsorte, o sucessor processual, o substituto processual, o nomeado à autoria, o opoente, o chamado ao processo, o denunciado à lide e o assistente litisconsorcial.

Nesse contexto, vê-se que nas hipóteses de intervenção de terceiro, para o exercício do direito de recorrer, aquele que era terceiro passa a ser verdadeiramente parte da relação jurídica processual. Contudo, há discussão na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de o assistente simples manejar recurso nas hipóteses em que o assistido não houver recorrido.

A propósito, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento no sentido de que “o assistente simples não tem legitimidade recursal se o assistente não interpõe recurso” (AgRg no REsp 1.217.004/SC, 4-9-2012).

Ao falar de terceiro prejudicado, deve-se ter em mente aquele que, até então, não participava da relação jurídica processual, mas que poderia ter atuado no processo e agora, diante do resultado que lhe é juridicamente prejudicial, decidiu intervir, justamente na fase recursal.

Quanto ao prazo do terceiro prejudicado, vale frisar, não há qualquer tratamento diferenciado, pois seu prazo será o mesmo conferido ao recurso a ser eventualmente interposto pelas partes. No entanto, em que pese não ser intimado, seu termo inicial será a data em que a parte foi intimada da decisão impugnada.

Registre-se que, para todo aquele que se enquadra na condição de terceiro prejudicado, estarão abertas tanto a via recursal quanto a do mandado de segurança, aspecto que inclusive é confirmado pelo teor do enunciado 202 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao apontar que: “A impetração de segurança por terceiro contra ato judicial não se condiciona à interposição de recurso”.

No que se refere ao Ministério Público, na atuação de custos legis, é relevante destacar o enunciado n. 99 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cujo texto assevera que: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.

De outro norte, segundo outro comando sumular, “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de acidente do trabalho, ainda que o segurado esteja assistido por advogado” (Súmula 226 do STJ).

9.3.1.3. Interesse recursal

O interesse recursal guarda correspondência direta com o conceito de interesse de agir, sendo certo que o recurso deverá ser útil e necessário para o fim de impugnar a decisão judicial objeto do inconformismo da parte, ou seja, o recurso deve ser apto a conferir alguma vantagem ou benefício jurídico à parte recorrente. Nesse contexto, todo o estudo sobre o interesse de agir, como uma das condições da ação, é útil para a apreciação do presente pressuposto recursal.

A propósito, com a precisão que lhe é peculiar, José Carlos Barbosa Moreira ensina que a “... noção de interesse, no processo, repousa sempre, ao nosso ver, no binômio utilidade + necessidade: utilidade da providência judicial pleiteada, necessidade da via que se escolhe para obter essa providência. O interesse em recorrer, assim, resulta da conjugação de dois fatores: de um lado, é preciso que o recorrente possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado que corresponda a situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida; de outro lado, que lhe seja necessário usa o recurso para alcançar tal vantagem”16.

É possível identificar uma tendência de se relacionar interesse recursal com o tema da sucumbência, o que se revela impreciso, pois, interesse relaciona-se com a ideia de utilidade e não, necessariamente, de sucumbência, sendo possível que haja interesse recursal sem que tenha havido sucumbência.

Em um exemplo prático, “J” propõe indevida demanda em face de “A”, na qual este obtém sentença terminativa de extinção do processo sem resolução do mérito (por ilegitimidade passiva) o que, a princípio, lhe é favorável. No entanto, “A”, mesmo não sendo sucumbente, terá interesse recursal para o fim de obter um julgamento de mérito, com a declaração de improcedência do pedido inicial, por meio de sentença definitiva.

Outra discussão doutrinária interessante se refere ao interesse recursal da parte que pretenda impugnar, tão somente, os fundamentos contidos na decisão recorrida, o que, em um primeiro momento, implicaria inutilidade do recurso. Ocorre que, nas hipóteses de coisa julgada secundum eventum probationis, como sabido, a improcedência por falta de provas não faz coisa julgada material, assim, para a parte requerida, a troca da fundamentação poderá ser útil. Em outras palavras, o réu tem interesse em trocar o fundamento da falta de prova para a falta de direito, para que ocorra a coisa julgada material.

Há, ainda, posicionamento no sentido de haver interesse recursal, quando se objetive a discussão acerca da fundamentação lançada na decisão recorrida, com a única finalidade de fixar precedente, aspecto que ganha relevo em tempos de demandas de massa e consequente multiplicidade de recursos com idêntico fundamento. Nessa linha, a legislação processual já dispõe de mecanismos que valorizam referida sistemática, como é o caso do Recurso Repetitivo e da Repercussão Geral, tratados em capítulo vindouro.

9.3.1.4. Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer

De início, nota-se que referido pressuposto é o único de natureza negativa, pois os fatos, sejam impeditivos ou extintivos, não deverão ocorrer para que o recurso seja admitido. Assim, o recurso terá juízo de admissibilidade negativo quando houver:

a) Renúncia ao recurso: Revela-se como ato prévio, pois a parte, antes mesmo de recorrer, renuncia a este direito, o que, até mesmo por preclusão lógica, faz incidir fato impeditivo e, por consequência, conduz a inadmissibilidade do recurso.

b) Aceitação da decisão: Cuida-se de outra hipótese de preclusão lógica que surge quando a conformismo com o resultado da lide, seja tácito ou expresso, enseja a extinção do direito de recorrer.

c) Desistência: Ao contrário do que ocorre na renúncia, a desistência é ato posterior, pois a parte, depois de recorrer, manifesta seu desinteresse no julgamento da pretensão recursal antes expressamente manifestada. Portanto, é correto afirmar que só se desiste de recurso já interposto. Tanto a desistência como a renúncia, não admitem condição.

Especificamente sobre desistência, não se pode confundir desistência do recurso com desistência do processo, na medida em que enquanto aquela independente de concordância (do litisconsorte ou da parte contrária) e de homologação judicial, podendo ser oferecida até o início do julgamento, esta precisa ser homologada pelo juízo de primeiro grau, e, tendo havido citação, depende do consentimento do réu.

9.3.2. Requisitos extrínsecos

9.3.2.1. Tempestividade

A tempestividade é o pressuposto que delimita, no tempo, o exercício da faculdade recursal, ou seja, toda parte que pretenda recorrer deverá observar o prazo fixado pela lei processual, sob pena de incidência do instituto da preclusão temporal. Logo, será inadmissível, por intempestividade, todo recurso interposto além do prazo previsto no Código de Processo Civil.

O limite temporal para interposição da maioria dos recursos no processo civil está unificado em 15 (quinze) dias, como é o caso da apelação, dos embargos infringentes, do recurso ordinário, do recurso extraordinário, do recurso especial e dos embargos de divergência (art. 508).

É importante observar que, no mesmo dispositivo, o Código de Processo Civil estabelece prazo idêntico tanto para recorrer quanto para responder ao recurso interposto pela parte contrária, o que faz nos seguintes termos:

Art. 508. Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial, no recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de 15 (quinze) dias.

Por outro lado, para o agravo (na forma retida ou por instrumento) e para o agravo nos próprios autos (ante a inadmissibilidade dos recursos extraordinários), o Código de Processo Civil reserva o prazo de 10 (dez) dias (arts. 522 e 544, ambos do CPC). Já para os embargos de declaração, o art. 536 estabeleceu o prazo de 5 (cinco) dias.

Esclareça-se que, no Juizado Especial, caberá recurso inominado contra sentença, cujo prazo para interposição é de 10 (dez) dias (art. 42 da Lei n. 9.099/95).

Quadro para melhor fixação dos principais prazos:

 

PRAZO

RECURSOS

15 (quinze) dias

apelação

embargos infringentes

do recurso ordinário

recurso extraordinário

recurso especial

embargos de divergência

10 (dez) dias

agravo (retido ou por instrumento – art. 522)

agravo nos próprios autos (art. 544)

recurso inominado (art. 42 da Lei n. 9.099/95)

5 (cinco) dias

embargos de declaração (art. 536)

 

Referidos prazos devem ser computados e, eventualmente, prorrogados nos termos do art. 184 do Código de Processo Civil, sendo que o termo inicial para o cômputo do prazo será a data da intimação que, de acordo com o art. 506, poderá variar conforme a concretização do ato a ser impugnado. Confira-se:

Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data:

I – da leitura da sentença em audiência;

II – da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência;

III – da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial.

Ocorre que, durante o transcurso do prazo, poderá ocorrer evento inesperado capaz de repercutir na realização da faculdade recursal, como é o caso do falecimento da parte, falecimento do advogado ou motivo de força maior, casos em que, de acordo com o art. 507 do CPC, o prazo deverá ser devolvido integralmente. Veja-se:

Art. 507. Se, durante o prazo para a interposição do recurso, sobrevier o falecimento da parte ou de seu advogado, ou ocorrer motivo de força maior, que suspenda o curso do processo, será tal prazo restituído em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, contra quem começará a correr novamente depois da intimação.

Há, ainda, em determinados casos, a possibilidade de prorrogação dos prazos, o que se dará, por até 60 (sessenta) dias, nas comarcas onde for difícil o transporte, nos termos do art. 182. Confira-se:

Art. 182. É defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios. O juiz poderá, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de 60 (sessenta) dias.

Parágrafo único. Em caso de calamidade pública, poderá ser excedido o limite previsto neste artigo para a prorrogação de prazos.

Nota-se, ainda, que o prazo será suspenso se houver superveniência de férias (art. 179); em razão de obstáculo criado pela própria parte (art. 180) ou pelo juízo; ou perda da capacidade processual de qualquer das partes ou de seu procurador.

Nesse ponto, o operador do direito deve ter em mente que, enquanto os casos de suspensão implicam retomada do transcurso do prazo iniciado (do ponto onde parou), a interrupção enseja a devolução do prazo, desde o seu início, como se não tivesse transcorrido qualquer lapso temporal (desde o início). Para fixação de alguns casos de suspensão e interrupção de prazo, segue o quadro abaixo:

 

Suspensão do prazo

Interrupção do prazo

Superveniência de férias

Embargos de declaração

Obstáculo criado pela parte ou pelo juiz

Falecimento da parte ou do advogado

Perda da capacidade processual de qualquer das partes ou de seu procurador

Motivo de força maior que suspenda o processo (ocorrerá devolução do prazo)

Embargos de declaração no Juizado

 

 

Outra peculiaridade se refere aos prazos da Fazenda Pública e do Ministério Público, uma vez que referidos sujeitos processuais terão prazo em dobro para recorrer, benefício que incidirá mesmo nas hipóteses em que eles recorram na qualidade de terceiro.

Mas, atente-se, referida regra do prazo em dobro só incide para o ato de recorrer, não sendo aplicável para responder ao recurso, ou seja, não há prazo em dobro para contra-arrazoar recurso pelo adversário. Assim, a Fazenda Pública e o Ministério Público, terão prazo simples para apresentar contrarrazões.

Para a Defensoria Pública haverá prazo em dobro para recorrer, com fundamento na Lei de Assistência Judiciária, o que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica aos outros serviços de assistência judiciária, como é caso dos núcleos de prática das universidades.

Como já foi visto quando do estudo do processo de conhecimento, nas hipóteses de litisconsórcio, havendo representação por advogados diferentes, as partes gozarão de prazo em dobro, de modo geral, para falar nos autos (art. 191), o que, por certo, também repercute no ato de recorrer. No entanto, é preciso conhecer a ressalva lançada no enunciado n. 641 da Súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que: “Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”.

Outro tema interessante refere-se ao denominado recurso prematuro ou precoce, que, por sua vez, pode ser definido como aquele recurso interposto antes mesmo do início do transcurso do prazo recursal, o que, em um primeiro momento, para o Supremo Tribunal Federal, ensejaria a intempestividade e consequente inadmissibilidade do recurso. No entanto, em recente julgamento, a mencionada posição foi, acertadamente, revista para o fim de se considerar tempestivo o recurso interposto antes do seu termo a quo.

Nessa linha, reputamos acertada a decisão, pois, de acordo com a tese inicial, aquele que recorresse previamente ao início do prazo era punido por uma conduta de boa-fé e claramente não desidiosa, o que representaria verdadeira subversão do instituto da preclusão, além de afrontar o preceito constitucional da razoável duração do processo. Por sua importância, sugerimos a leitura dos fundamentos emblemáticos contidos na referida decisão (STF; HC-ED 101.132/MA; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; j. 24-4-2012; DJE 22-5-2012).

Por outro lado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é importante conhecer o teor da Súmula n. 418, que, por sua vez, assevera ser “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Invocando o comando sumular acima, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “Embargos de Declaração, sem a posterior reiteração ou ratificação da peça recursal, é extemporâneo (prematuro). Incide na espécie o óbice da Súmula n. 418 do STJ. 4. Constata-se, portanto, que o escopo perseguido nestes aclaratórios é obter o rejulgamento do Agravo Regimental, e não a integração do decisum. 5. Embargos de Declaração rejeitados.” (STJ; EDcl-AgRg-AREsp 201.696; Proc. 2012/0142467-9/SC; Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; j. 13-11-2012; DJE 19-12-2012)

9.3.2.2. Preparo

A ausência de preparo enseja a inadmissibilidade do recurso pelo motivo da deserção, ou seja, recurso não preparado é recurso deserto.

Veja que a hipótese é diversa da insuficiência, que, por sua vez, poderá ensejar a intimação do recorrente para que possa promover a complementação do preparo, no prazo 5 (cinco) de dias, (art. 511, § 2º), assim, em princípio, o juiz não pode inadmitir o recurso, salvo se o recorrente, intimado, não complementar.

O valor do preparo abrangerá o pagamento das despesas relacionadas ao processamento do recurso, os quais, segundo o comando legal, deverão ser comprovados no ato de interposição do recurso. Essas despesas são de duas espécies: há as despesas tributárias (taxas) e as despesas postais (os portes de remessa e de retorno dos autos). Logo, não se pode confundir custas processuais com preparo recursal, pois aquelas estarão contidas neste.

A propósito, o estudioso do tema deverá conhecer o teor do art. 511 do CPC. In verbis:

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

§ 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

§ 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.

Da leitura do dispositivo acima, extrai-se a regra de que o preparo deverá ser feito antes da interposição do recurso e a sua comprovação deve ser concretizada no ato da interposição. No entanto, em recente enunciado (Súmula 484), o Superior Tribunal de Justiça lançou novo entendimento, e passou a autorizar a comprovação do preparo no dia seguinte à interposição de recurso, nos casos em que o pagamento é realizado após o término do expediente bancário. Confira-se:

Súmula 484 do STJ. Admite-se que o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente, quando a interposição do recurso ocorrer após o encerramento do expediente bancário.

Existem, ainda, outras duas exceções previstas na legislação especial e que, por sua peculiaridade, merecem o devido destaque, quais sejam: 1) Nos juizados especiais cíveis, o preparo pode ser feito em até 48 horas após a interposição do recurso; 2) Os recursos interpostos contra a sentença no âmbito da Justiça Federal, de acordo com o art. 14, II, da Lei n. 9.289/96, podem ser preparados em até 5 dias após a interposição dos recursos.

Exceção importante pode ser identificada nas hipóteses representativas de justo motivo para não fazer o preparo, visto que, nesses casos, havendo comprovação pela parte, não haverá incidência da pena de deserção (art. 519 do CPC). Regra que, apesar de ser prevista entre os regramentos da apelação, possui aplicação geral para as demais modalidades recursais.

Art. 519. Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo.

Quanto às modalidades, destacam-se que alguns recursos que dispensam o preparo, quais sejam:

Agravo interno;

Agravo nos próprios autos (art. 544);

Agravo retido;

Embargos de declaração;

Embargos infringentes de alçada;

Recursos no ECA.

Por outro lado, no que tange aos recorrente, alguns sujeitos processuais são dispensados de realizar o preparo, quais sejam:

Fazenda Pública, Ministério Público;

Beneficiário da gratuidade da justiça.

A propósito, “o INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual” (Súmula 178 do STJ).

9.3.2.3. Regularidade formal

O recurso, como todo ato processual, deve obedecer uma série de formalidades necessárias ao seu regular processamento, cuja ausência, muitas vezes, poderá culminar na sua inadmissibilidade.

Entre as formas que devem ser atendidas para o cumprimento do pressuposto da regularidade formal, podem ser destacadas a necessidade de que:

– o agravante junte as peças agravo do instrumento;

– o recurso tenha pedido, sob pena de inépcia;

– a peça recursal seja assinada por advogado devidamente registrado na OAB;

– o recurso seja escrito, (ressalva feita para as hipóteses em que é possível a interposição de recurso oral, como é o caso do agravo retido e dos embargos de declaração opostos nos Juizados Especiais).

A propósito, como já dito, o princípio da dialeticidade conduz ao raciocínio de que todo recurso deve ser formulado por meio de petição pela qual a parte não apenas manifeste sua inconformidade com o ato judicial impugnado, sendo, ainda, necessário que se indique os motivos de fato e de direito aptos a sustentar o pedido de novo julgamento, aspecto que está diretamente ligado ao pressuposto da regularidade formal.

Assim, à luz do referido princípio, justamente para possibilitar o contraditório, todo recurso deve estar acompanhado de sua fundamentação e da impugnação dos fundamentos da decisão que se pretenda anular/reformar.

A ausência de procuração pode ser alocada entre as irregularidades sanáveis, pois, o art. 13 do CPC possibilita que o recorrente, por meio de seu advogado, regularize a representação, sob pena de não ser admitido o recurso.

A propósito, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha lembram que “O STF e o STJ, no âmbito dos recursos excepcionais, não aceitam a aplicação do referido art. 13 do CPC, adotando a orientação de que, não havendo procuração, não se conhece do recurso. A propósito, o enunciado 115 da Súmula do STJ estabelece que na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”17.

Por fim, quanto ao agravo de instrumento, O professor Cândido Rangel Dinamarco, ao discorrer sobre as peças essenciais na interposição do agravo, ensina que: “Serão peças essenciais ao instrumento de agravo as cópias (a) da própria decisão agravada, (b) da certidão de sua intimação (destinada ao controle do prazo). Faltando alguma das peças essenciais, o recurso estará mal interposto e dele não conhecerá o tribunal (falta o requisito de regularidade formal, que é pressuposto de admissibilidade de qualquer recurso)”18.

 

QUADRO PARA FIXAÇÃO DO OBJETO DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Requisitos intrínsecos

Requisitos extrínsecos

Cabimento

Preparo

Legitimação

Tempestividade

Interesse

Regularidade formal

Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer

 

10. EFEITOS DOS RECURSOS

10.1. Devolutivo

Por este efeito, o recurso devolve a matéria efetivamente impugnada. Trata-se de efeito comum a todos os recursos e que se alinha ao princípio dispositivo.

De início, é importante salientar que o efeito devolutivo pode ser visto sob dois ângulos, o horizontal (em extensão) e o vertical (em profundidade).

A dimensão horizontal (em extensão) pode ser identificada no pedido recursal (art. 515), pois, devolve-se apenas o que for objeto de impugnação, uma vez que a sentença poderá ser impugnada no todo ou em parte (art. 505), a depender dos limites delineados pela insatisfação do próprio recorrente.

A propósito, ao tratar da dimensão horizontal (extensão) do efeito devolutivo, Dorival Renato Pavan ensina, com proficiência, que “o julgamento a ser feito pelo órgão ad quem nunca poderá ter objeto mais extenso do que a pretensão formulada pela parte em seu recurso, porque haverá, aí, ofensa ao princípio dispositivo e, consequentemente, será nulo o decisum proferido, porque haverá julgamento extra petitum, com ofensa ao princípio tantum devolutum quantum appelatum19.

Já a dimensão vertical (em profundidade) do efeito devolutivo está alocada nos fundamentos que poderão ser analisados pelo tribunal (art. 515, § 1º e 2º). Nesse particular, a repercussão do referido efeito deve ser compreendida de forma bastante ampla.

Nesse prisma de amplitude, como destaca o processualista acima, a análise do órgão julgador do recurso poderá abranger “tanto as questões efetivamente resolvidas na sentença, quanto aquelas que poderiam ter sido resolvidas e não o foram, nela se compreendendo”, o que, à luz dos ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, alcançará as questões que podem ser analisadas de ofício – mesmo que não tenham sido objeto de exame pelo juízo de primeiro grau.

Assim, podemos afirmar que o órgão julgador ficará, em extensão/horizontal, vinculado ao pedido formulado pelo recorrente. No entanto, em profundidade/vertical (em relação aos fundamentos da peça recursal) não haverá vinculação de análise.

De acordo com o efeito devolutivo, a matéria impugnada é submetida ao novo órgão. Por outro lado, para determinados recursos, há também o efeito interativo, no qual o recurso não será submetido a um órgão ad quem, como é o caso dos embargos de declaração.

Por fim, existem recursos de efeitos mistos, considerando que o próprio relator poderá alterar sua decisão e, não o fazendo, o remeterá ao órgão ad quem, como é o caso da apelação interposta em face da decisão que indeferiu a petição inicial.

10.2. Suspensivo

Referida modalidade impede a produção imediata dos efeitos da decisão recorrida, terá início com a simples possibilidade de se recorrer (abertura do prazo) e terminará com o advento da preclusão para o exercício do direito de recorrer ou, ainda, com a intimação da decisão que julgou eventual recurso interposto. Para parte da doutrina representa verdadeiro efeito impeditivo/obstativo.

Em outras palavras, o efeito suspensivo emerge como característica que alguns recursos têm de prolongar a ineficácia da decisão recorrida. Em algumas modalidades recursais, o efeito suspensivo incide automaticamente por expressa previsão legal, é a hipótese que recai sobre o recurso de apelação (art. 520, caput) que, em regra, terá duplo efeito. No entanto, em outras hipóteses sua incidência dependerá de análise e concessão por meio de decisão judicial, como é o caso do recurso de agravo de instrumento (art. 558).

Anote-se que, no direito brasileiro, vige a regra de que os recursos, ordinariamente, são dotados de efeito suspensivo. Assim, se o recurso não possuir este efeito, deverá constar expressamente do texto legal.

Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei.

Alguns autores sustentam que, rigorosamente, não é o recurso que suspende os efeitos da decisão, mas sim a recorribilidade (o fato de a decisão ser recorrível). Nessa linha, recurso com efeito suspensivo é aquele que prolonga a ineficácia da decisão.

Por fim, de acordo com o Projeto do Novo CPC, ainda em construção, em regra os recursos terão somente efeito devolutivo. Nessa linha, na legislação vindoura, nas hipóteses em que o texto legal for silente, mesmo no recurso de apelação, não será presumido o duplo efeito (devolutivo + suspensivo).

10.3. Substitutivo

De acordo com o art. 512 do Código de Processo Civil: “O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.”, o que implica dizer que o julgamento de um recurso substitui a decisão recorrida. Logo, a decisão originária e impugnada por meio do recurso, deixa de existir e, em seu lugar, é aposta a decisão que julgou o recurso, passando esta a ser o título executivo judicial (art. 475-N). Nesse mesmo sentido, nota-se que o objeto de eventual ação rescisória será a última decisão, ou seja, aquela julgou o recurso.

Importante notar que o recurso não conhecido não substitui a decisão recorrida. De outra parte, no caso de error in procedendo e consequente invalidação, não incidirá o efeito substitutivo, pois outra decisão deverá ser proferida pelo juízo a quo.

10.4. Regressivo (efeito devolutivo diferido)

Trata-se de efeito atribuído aos recursos que permitem o reexame e eventual retratação por parte do órgão que prolatou a decisão impugnada. Em outras palavras, em determinadas hipóteses o Código de Processo Civil permite ao próprio juiz ou órgão julgador reconsiderar o que foi por ele decidido e que agora é objeto de recurso, o que, por consequência, dá maior celeridade à solução de alguns equívocos decisórios.

Nessa linha, constata-se que no agravo (retido ou por instrumento) atribui-se ao órgão a quo a possibilidade de rever a decisão interlocutória atacada no recurso (art. 526). Atente-se que, se houver retratação, o agravo ficará prejudicado por perda de seu objeto.

De igual modo, o efeito regressivo incide no recurso de apelação interposto contra sentença que indefere a petição inicial, com ou sem resolução do mérito (art. 296 no prazo de 48 horas), bem como naquele que impugna a sentença que se utilizou da técnica do Julgamento Liminar de Improcedência (285-A no prazo de 5 (cinco) dias) e, ainda, as apelações manejadas no procedimento especial previsto no ECA, casos em que haverá possibilidade de retratação pelo órgão/juiz prolator da sentença.

10.5. Translativo

Sobre o tema, como já afirmado linhas atrás, o Efeito Translativo incidirá nas hipóteses identificadas como matérias de ordem pública (a exemplo da falta dos requisitos de admissibilidade, dos pressupostos processuais, das condições da ação, entre outros), pois, em tais casos, o órgão julgador deverá conhecer das questões de ofício, independentemente de impugnação formulada pelas partes, razão pela qual não se opera preclusão, tampouco há falar em proibição da reformatio in pejus.

Por fim, quanto ao reexame necessário (em que pese não tratar-se de recurso), prevalece o entendimento pela aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus, o que representaria, nesses casos, óbice para a incidência do efeito translativo.

A propósito, o enunciado n. 45 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, especificamente quanto ao referido sucedâneo, determina que: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

Assim, conclui-se que o órgão julgador, ao analisar o recurso, terá o dever/poder de conhecer de ofício das matérias de ordem pública, o que ocorrerá independentemente de qualquer provocação. No entanto, existe tendência nos tribunais de superposição (STJ e STF) pela inadmissibilidade desse efeito, mormente considerando a necessidade de prequestionamento para o Recurso Especial e para o Recurso Extraordinário, assunto que será pormenorizado em item específico.

10.6. Expansivo (objetivo e subjetivo)

Trata-se de efeito peculiar, pois, como visto, a decisão quanto ao mérito recursal é de natureza restrita, o que implica dizer que abrangerá, em regra, tão somente a matéria efetivamente impugnada e as partes envolvidas no recurso.

No entanto, o efeito expansivo consiste na possibilidade de a decisão proferida no julgamento de um recurso ensejar resultado mais abrangente do que o pretendido pelo recorrente, ou seja, em algumas hipóteses, é possível notar que a decisão do órgão repercutirá além da matéria expressamente impugnada. Referido efeito poderá ocorrer de modo objetivo ou subjetivo.

Primeiramente, ocorre efeito expansivo objetivo quando a decisão proferida em um recurso tem a capacidade de atingir outros atos decisórios que não foram por ele impugnados. É o que ocorre no caso do julgamento de agravo por instrumento, visto que com o eventual provimento do recurso, por uma questão de prejudicialidade, serão atingidos os atos processuais realizados após sua interposição.

Por exemplo, quando o tribunal julgar um agravo retido (como preliminar da apelação) e acolhe a alegação de cerceamento de defesa, determinará a produção de prova antes indeferida na fase instrutória, o que por certo atingirá os atos realizados após esta fase.

Por outro lado, o efeito expansivo subjetivo considera o alcance do julgamento tendo em vista as partes. Nesse prisma, sabe-se que os recursos, em princípio, só produzem efeitos para aqueles que recorrem e em face dos recorridos. No entanto, há casos em que se nota uma expansão subjetiva do recurso capaz de atingir outros sujeitos.

Nesse contexto, é possível destacar alguns exemplos, quais sejam:

1º O recurso de um litisconsorte unitário aproveita aos demais (art. 509, caput);

2º O recurso de um devedor solidário aproveita ao outro, desde que verse cobre questão comum;

Art. 509. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns.

3º – embargos de declaração opostos por uma parte interrompem o prazo recursal para ambas as partes (art. 538).

Nota-se que, por opção legislativa, o recurso interposto por um devedor solidário estende seus efeitos aos demais, mesmo não sendo unitário o litisconsórcio, não cabendo ao intérprete restringir tal hipótese.






1 Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol. V, p. 233.

2 SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008.

3 Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 26.

4 Recursos no processo civil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 8.

5 Curso de direito processual... p. 25.

6 Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 271.

7 Os agravos no CPC brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 474.

8 Recursos no processo civil..., p. 15.

9 REsp 1.320.527/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 23-10-2012, DJe 29-10-2012.

10 Comentários..., p. 241.

11 Curso de direito processual civil,... p. 30-31.

12 Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 480.

13 Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 470.

14 Curso de..., p. 43.

15 Comentários..., p. 262-263.

16 Comentários..., p. 297.

17 Curso de..., p. 64.

18 A Reforma do Código de Processo Civil, 2. ed., p. 282-283.

19 Teoria geral dos recursos cíveis, p. 192.