I

TEORIA GERAL DO PROCESSO CAUTELAR

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conforme é sabido, compete ao Poder Judiciário a atividade típica de prestar a jurisdição, de dizer “quem tem determinado direito”. No exercício da referida atividade poderá declarar ou constituir um determinado direito ou, ainda, condenar o indivíduo a uma prestação, o que ocorrerá por meio da tutela de conhecimento.

No entanto, a prestação da tutela jurisdicional não se resume apenas em dizer “quem tem um direito”, visto que de nada valeria um “direito reconhecido” pelo Estado-Juiz se ele não pudesse se tornar realidade. Interessaria ao autor apenas a sentença condenando réu a pagar-lhe uma indenização? Não. Por óbvio, o que o autor quer é efetivamente receber os valores pleiteados, ou seja, quer recompor, de forma efetiva, o prejuízo que sofreu diante da violação do seu direito.

Pois bem, diante da legítima busca de uma tutela efetiva, compete ao Poder Judiciário fazer com que o direito reconhecido em favor de alguém seja verdadeiramente satisfeito, ou seja, que seja concretizado faticamente. A esta atividade de “efetivar” um direito, de fazê-lo se tornar realidade através de medidas concretas, dá-se o nome de tutela executiva.

Todavia, em determinadas circunstâncias, pode acontecer que o transcurso do tempo necessário para que o Poder Judiciário reconheça um direito (tutela de conhecimento), ou torne realidade aquele direito que já foi reconhecido anteriormente (tutela executiva), acabe por inviabilizar a prestação da tutela jurisdicional.

De igual modo, determinadas atitudes tomadas pelos litigantes podem interferir negativamente na concretização de um direito já reconhecido pelo Poder Judiciário.

Nesse contexto, de que adiantaria uma sentença condenatória determinando o pagamento de valores por danos causados se, ao tempo da sentença, o réu já tivesse se desfeito de todo o seu patrimônio, impedindo o autor/ofendido de efetivamente receber sua indenização?

Justamente com o objetivo de garantir a utilidade prática de uma tutela de conhecimento ou de uma tutela de execução contra os efeitos nocivos do tempo ou contra atitudes indevidas dos litigantes é que foi idealizada a “tutela cautelar”.

Por meio da “tutela cautelar”, busca-se que o Poder Judiciário tome providências para garantir a conservação de bens, de provas ou de pessoas, eliminando uma ameaça de perigo.

Assim, de modo geral, pode-se afirmar que a finalidade da tutela cautelar é justamente conferir proteção, garantir a utilidade prática das tutelas de “conhecimento” e de “execução” que, por sua vez, serão objeto de processo já existente ou que virá a ser ajuizado. Logo, seu fim não é o “reconhecimento” ou a “satisfação” de um direito.

Nesse sentido, é importante compreender que o jurisdicionado parte do direito (já reconhecido na tutela de conhecimento) em busca do fato (bem da vida almejado – a ser entregue por meio da tutela executiva). No entanto, no transcurso ou mesmo antes de ser proposta a demanda, poderá necessitar de especial proteção para resguardar seus direitos eventualmente ameaçados, o que se dará por meio da tutela cautelar.

A propósito, a “tutela cautelar” encontra seu fundamento na Constituição Federal, ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV).

Ademais, a “tutela cautelar” encontra-se prevista com detalhes no Livro III do Código de Processo Civil, mais precisamente nos arts. 796 a 889. Porém, também há previsão de medidas “cautelares” na legislação esparsa, como é o caso da Lei da Ação Civil Pública, entre outros.

Cabe ressaltar que a citada classificação das tutelas de conhecimento, executiva e cautelar é feita, tão somente, para fins didáticos, ou seja, para facilitar a compreensão da atividade estatal de prestar a jurisdição, sendo importante registrar que a doutrina clássica utiliza-se da seguinte classificação: “processo de conhecimento”, “processo de execução” e “processo cautelar”.

Nota-se que existe uma forte tendência no Direito Processual Civil de aproximar, fundir as atividades de conhecimento, execução e cautelar, confirmando a ideia de um processo sincrético.

Por outro lado, a intenção, ao menos legislativa, de simplificar o sistema é bastante perceptível, exemplo disso pode ser encontrado no art. 273, § 7º, do CPC1, dispositivo legal representativo do importante princípio da fungibilidade, que será tratado oportunamente.

Observa-se que referidos aspectos, entre outros, se alinham ao preceito constitucional da razoável duração do processo, que, por sua vez, deve nortear toda a atividade jurisdicional.

Em outras palavras, o exercício do direito do jurisdicionado deve ocorrer sem óbices capazes de suplantar seu escopo maior, uma vez que, além de representar um meio de remediar a lesão ao direito, deve resguardá-lo de qualquer ameaça, o que significa evitar, inclusive, a concretização de qualquer dano (trata-se da ideia de direito processual preventivo, exigência dos novos tempos).

Por conseguinte, emerge imprescindível a observância de um lapso temporal razoável, capaz de garantir a tutela jurisdicional sem dilações indevidas com a necessária efetividade para cada jurisdicionado.

Por fim, para melhor fixação das modalidades de tutela/processo, seguem alguns exemplos:

Exemplo 1 – (tutela de conhecimento): “A” atravessa uma avenida quando o sinal estava fechado e acaba colidindo com o carro de “J”. “J” busca o Poder Judiciário, levando os fatos ao “conhecimento” do Juiz e pedindo que “A” seja condenado a pagar-lhe uma indenização. O Juiz “conhece” os fatos, analisa as provas e as alegações das partes e presta a tutela jurisdicional, para o fim de declarar que “A” foi o responsável pelo acidente e, ainda, condená-lo no pagamento de uma indenização em favor de “J”.

Exemplo 2 – (tutela executiva): Mesmo após “J” ver reconhecido o seu direito de receber indenização de “A”, este não cumpre a decisão judicial espontaneamente. Assim, “J” busca novamente o Poder Judiciário, com o objetivo de que a sentença indenizatória seja concretizada em seu favor, o que ocorre por meio de métodos de coerção que atingem o patrimônio do devedor, como é o caso, por exemplo, da penhora e venda judicial de bens, ou seja, por meio das regras atinentes à “tutela de execução”.

Exemplo 3 – (tutela cautelar): após “A” ter sido condenado a pagar uma indenização a “J”, este vem a saber que aquele está vendendo todos os seus bens e que, consequentemente, não terá como pagar. No caso, apesar de “J” ter “reconhecido” pelo Poder Judiciário o direito de receber a indenização de “A”, corre o risco de não conseguir “tornar realidade” o comando contido na sentença. Ganhou, mas pode não levar. Assim, “J” bate novamente às portas do Judiciário, pleiteando que lhe seja conferida uma “tutela cautelar”. “J” pede ao Juiz, por exemplo, que “arreste” um bem de “A”, o que faz com o objetivo de “garantir” a utilidade prática daquele processo de “conhecimento” que inicialmente ajuizou e daquele processo de “execução” que está prestes a ajuizar. O bem “arrestado” poderá servir para, ao final de todas as discussões e fases processuais, fazer com que “J” torne realidade aquela sentença que reconheceu o seu direito de receber a indenização de “A”.

2. DIFERENÇA ENTRE TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA

Como visto, a tutela cautelar apresenta-se como o mecanismo inicialmente criado pelo legislador, com o objetivo de afastar ou diminuir os riscos decorrentes da demora do processo ou mesmo de condutas capazes de violar o direito debatido. No entanto, com a necessidade de evolução do sistema processual, surgiram novos mecanismos destinados a resguardar determinadas situações consideradas urgentes, como é o caso da Tutela Antecipada.

A Tutela Cautelar e a Tutela Antecipada são espécies do gênero Tutelas de Urgência, mas o objetivo e a forma como cada uma delas atinge o fim a que se destina são diferentes.

Na Tutela Antecipada, a parte pede ao Juiz que lhe conceda, antecipadamente, aquela providência, aquele direito material, que constitui o objeto da demanda e que lhe seria concedido, normalmente, no final da lide, se seu pedido fosse julgado procedente. Há direta correlação entre aquilo que foi pedido pelo autor como providência jurisdicional final e aquilo que é objeto de antecipação.

Exemplo: “J” ajuíza uma ação de reintegração de posse, pleiteando que volte para as suas mãos um veículo que se encontra indevidamente em poder de “A”. Se o Juiz, analisando o pedido urgente formulado na petição inicial, defere liminarmente o pedido de reintegração de posse, estará, na verdade, concedendo uma medida antecipatória de tutela, já que “J” estará obtendo, antecipadamente, aquilo (o carro) que só lhe seria concedido ao final, quando da prolação da sentença.

Por outro lado, se, no curso da ação de reintegração de posse, “J” verifica que “A” está danificando o automóvel objeto do processo, pode pleitear ao Juiz que lhe conceda uma medida cautelar, sequestrando o bem e o entregando a um depositário judicial, até o final julgamento da lide. Como se vê, o sequestro do bem e a sua entrega a um depositário não é aquilo que “J” pretende obter, ao final da demanda. O que ele quer e pediu ao Poder Judiciário é ser reintegrado na posse do automóvel. Porém, como surgiu um risco para a sua pretensão, teve que pleitear a tomada de uma medida acautelatória, para garantir a utilidade prática da ação por ele intentada. Caso assim não agisse, “J” correria o risco de, ao final do processo de reintegração de posse, não mais existir o automóvel objeto da demanda. Enfim, o processo principal acabaria perdendo a sua utilidade prática.

Nos dizeres de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “Em regra, para distinguir a tutela cautelar da antecipada, basta comparar a medida deferida com a pretensão formulada pelo autor, na inicial. Se há coincidência entre as duas, haverá tutela antecipada; se não, se a medida apenas protege, preserva o direito, sem antecipar os efeitos da futura sentença, será cautelar” (in Direito processual civil esquematizado – Livro Digital, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 712).

3. EXISTE TUTELA “CAUTELAR SATISFATIVA”?

Quando da elaboração do Código de Processo Civil de 1973, não havia no sistema uma regra geral que permitisse ao juiz, em casos de urgência, conceder ao autor, de forma antecipada, a providência jurisdicional por ele buscada. O instituto da “antecipação de tutela”, previsto atualmente no art. 273 do Código de Processo Civil (objeto de estudo específico neste livro), passou a fazer parte de nosso ordenamento jurídico apenas muitos anos após a edição do aludido Código.

Porém, quando da edição do CPC, o legislador fez incluir no Livro III, criado para tratar “Do Processo Cautelar”, a possibilidade de o juiz conceder algumas medidas não cautelares, a fim de que alguns direitos pudessem ser protegidos de forma mais célere e eficaz. Essas falsas “tutelas cautelares”, previstas no citado Livro III, na verdade, são verdadeiras “tutelas de conhecimento” ou “executivas”, visto que efetivamente estabelecem obrigações ou entregam à parte o direito material por ela pleiteado e não uma simples “garantia”, como deve acontecer na tutela cautelar.

Assim, iremos encontrar no Livro III do Código de Processo Civil a previsão de verdadeiras medidas “cautelares”, mas também encontraremos a previsão de algumas “medidas executivas” (também chamadas de satisfativas autônomas), que não visam acautelar nada, mas satisfazer ou efetivar diretamente os direitos materiais subjetivos pleiteados pelos litigantes.

Um exemplo típico de “tutela de conhecimento” inserida dentro do Livro que trata da “tutela cautelar” é a previsão contida no art. 844 do CPC, segundo o qual é possível, dentre outras coisas, que uma pessoa pleiteie em juízo a exibição de um documento comum, mas que se encontra em poder de outrem. Ora, a decisão do juiz de determinar que o réu faça a exibição, na verdade, não proporcionará ao autor qualquer garantia ou cautela de um outro direito (como deve acontecer nas “tutelas cautelares”), mas irá verdadeiramente declarar o direito por ele pleiteado, com a exibição em si daquele documento do qual ele buscou o auxílio do Judiciário para poder ter acesso.

O mesmo acontece quando se trata da comumente ajuizada “ação cautelar” de busca e apreensão de menores, que tem respaldo no art. 839 do Código de Processo Civil. O que se pretende, com o ajuizamento da aludida demanda, não é acautelar algum direito material ou mesmo proteger um direito dos riscos advindos do tempo. O que se quer é a efetiva satisfação do direito, com a realização material da busca e apreensão do menor envolvido, cujo direito de guarda decorre do poder familiar ou mesmo de uma sentença já prolatada anteriormente.

Na verdade, a mencionada “ação cautelar de busca e apreensão de menor” é típica medida satisfativa, executiva, que se exaure em si.

A vantagem de algumas “tutelas de conhecimento” e “tutelas satisfativas” estarem previstas dentro do Livro III do CPC é que o processo que visa a sua análise deve seguir o procedimento previsto para as “tutelas cautelares”, que é muito mais enxuto e rápido do que o previsto para os demais tipos de tutela.

Se a parte tivesse que ajuizar uma “ação de conhecimento” para obter a exibição de um documento que esteja em poder de outrem, o prazo para a apresentação de resposta seria, como regra, o de 15 dias, previsto no art. 297 do CPC. Porém, como o direito de se obter a exibição está previsto dentro do Livro III do diploma adjetivo civil, sendo uma falsa medida cautelar, o prazo para o réu apresentar contestação é o de 5 dias, conforme previsão do art. 802 do mencionado código.

Lembre-se: “tutela cautelar” não é satisfativa, ou seja, não reconhece ou efetiva direitos materiais, mas meramente conservativa. Tem como objetivo garantir a utilidade prática de outro processo.

4. DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS IMPORTANTES

Antes de adentrar-se no estudo da “tutela cautelar” propriamente dita, faz-se necessária a realização de algumas distinções terminológicas importantes, a respeito de termos que possuem certa ligação, mas que se diferenciam na essência.

Como já foi dito, a “Tutela Cautelar” ou “Ação Cautelar” é o direito público subjetivo que todos têm de buscar junto ao Poder Judiciário a obtenção de uma medida de cautela, de garantia.

Já o “Processo Cautelar” é o meio, o instrumento que se utiliza para o exercício do direito público subjetivo de se requerer a “tutela cautelar”.

Chama-se “Medida Cautelar” o provimento judicial cautelar em si. A proteção, a garantia que o Poder Judiciário confere a quem lhe busca. É o “arresto” de um determinado bem, por exemplo.

A “Medida Cautelar”, como será visto, pode ser concedida pelo Juiz no início do “Processo Cautelar”, através de uma “Liminar”, ou mesmo ao final do processo, por meio da “Sentença Cautelar”.

É preciso que se entenda que o “Processo Cautelar” não se esgota na “Medida Liminar” que nele pode ser postulada. Ele segue até a sentença.

Como regra geral, “Medidas Cautelares” só são obtidas no “Processo Cautelar”. Porém, em situações excepcionais, a lei permite que se conceda uma “Medida Cautelar” fora do “Processo Cautelar”, no bojo de um processo de conhecimento ou mesmo de execução.

Um exemplo da possibilidade de se conceder uma medida cautelar dentro de um processo de conhecimento encontra-se previsto no art. 273, § 7º, do CPC2.

Já no processo de execução, o art. 653 do CPC apresenta uma hipótese de concessão de medida tipicamente cautelar, dentro dos próprios autos da execução3:

5. COMO E QUANDO PODE SER REQUERIDA A TUTELA CAUTELAR

O art. 796 do Código de Processo Civil estabelece que o processo cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal. Assim, a doutrina alude que o processo cautelar pode ser “preparatório” ou “incidente”.

Chama-se “preparatória” aquela medida cautelar que é postulada antes da existência de um processo principal, no qual se buscará o reconhecimento ou a satisfação de um direito material.

Exemplo: “J” recebeu um cheque de “A”. Este acabou não pagando a dívida na data do vencimento. “J”, antes de ingressar com a ação de execução para buscar receber o seu crédito, fica sabendo que “A” está vendendo todos os seus bens, prestes a se tornar insolvente. Com receio de não conseguir receber o seu crédito na futura ação de execução, “J” ingressa com uma ação cautelar preparatória, postulando ao Juiz que arreste bens de propriedade de “A”, para que, quando for ajuizada a ação executiva, possa conseguir receber o que lhe é de direito. O arresto será determinado como uma medida de cautela, para garantir a utilidade prática da futura ação de execução.

Por outro lado, chama-se de “incidente” a medida cautelar que é requerida quando já existe em tramitação um processo principal, onde se disputa um direito material ou se busca a satisfação de um direito já reconhecido.

Tome-se como exemplo de medida cautelar incidental o sequestro de veículo e posterior entrega a um depositário judicial, quando já está em trâmite um processo de reintegração de posse, tal como foi exposto no exemplo citado linhas acima.

Como regra, a medida cautelar deve ser requerida através de um processo como outro qualquer, iniciado por meio de uma petição inicial, instruída com provas, documentos etc., observando as regras previstas no Livro I do CPC, naquilo que não for incompatível com os regramentos próprios da tutela cautelar, previstos no Livro III do citado código.

Porém, com o advento do já mencionado § 7º do art. 273 do Código de Processo Civil, passou-se a entender que, quando já está em trâmite a ação principal, não há mais necessidade de a parte pugnar a medida cautelar incidental através de um processo apartado, distribuído por dependência do processo principal. Basta que formule sua pretensão por simples petição, dentro dos próprios autos da ação principal, para que a mesma seja analisada pelo juízo.

Assim, somente haverá a obrigatoriedade de haver a formação de um autêntico processo cautelar, com a formação de um caderno processual diverso, quando se tratar de uma medida preparatória, distribuída anteriormente ao ajuizamento da ação principal. Se a necessidade de se obter uma medida cautelar surgir quando já esteja em curso a demanda principal, a cautela poderá ser pleiteada ao juízo por simples petição, juntada nos autos (caderno processual) já existentes.

Quando a medida cautelar é pleiteada de forma preparatória, ou seja, através de um processo anterior à ação principal, a lei exige que a parte promova a demanda principal no prazo de 30 dias da efetivação da medida liminar eventualmente concedida. Tal é o que prevê o art. 806 do CPC.

Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.

Cabe frisar que o disposto no citado preceito legal só se aplica às verdadeiras ações cautelares constritivas/restritivas de direito, únicas em que há ação principal. Ex.: arresto, seqeestro, busca e apreensão (quando for cautelar), alimentos provisionais, separação de corpos e sustação de protesto. Ou seja, o prazo de 30 dias para a propositura da ação principal não se aplica às cautelares incidentais (uma vez que o processo principal já existe) e às cautelares não restritivas, ou seja aquelas que servem meramente para conservar um direito, como no caso da produção antecipada de provas.

Sobre o tema, é importante registrar o teor do recente enunciado n. 482 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, por sua vez, assevera que a falta de ajuizamento da demanda principal enseja a perda da eficácia da liminar e a extinção do processo cautelar.

Confira-se: Súmula 482: ”A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar”.

A doutrina tem entendido que o prazo previsto no citado art. 806 do CPC é decadencial. Logo, tecnicamente não se prorroga e não se interrompe. Mas a jurisprudência tem atenuado esse entendimento, admitindo a prorrogação do prazo para o primeiro dia útil.

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. PRAZO DECADENCIAL. ART. 806 DO CPC.FÉRIAS FORENSES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Nas hipóteses em que o prazo previsto no art. 806 do CPC tenha seu termo final durante as férias forenses, a parte deve ajuizar a ação principal até o primeiro dia útil seguinte, desde que a causa não seja daquelas que tramitam durante as férias, sob pena de perda da eficácia da medida cautelar concedida. Precedentes.

2. Recurso especial conhecido e provido (REsp 770920/PE, Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA – QUINTA TURMA, Data do Julgamento 14-8-2007, Data da Publicação/Fonte DJ 24-9-2007, p. 358).

A propósito, vale destacar que algumas regras se aplicam somente às cautelares constritivas, a exemplo da propositura da ação principal em 30 dias e da prevenção do juízo para a ação principal.

No que diz respeito ao termo inicial do cômputo do prazo previsto no citado art. 806, entende-se que ele começa a ser contado não do dia em que a medida cautelar é “concedida”pelo juiz, mas a partir do dia em que a media é efetivamente “executada”. Ou seja: o dia em que a cautelar é executada é o termo inicial do prazo de 30 dias para a propositura da demanda principal.

Exemplo: “J” pede ao juiz que sequestre um automóvel de “A”. O juiz concede a medida no dia 10-10-2013. Porém, o veículo somente vem a ser encontrado e efetivamente sequestrado no dia 20-10-2013. Somente a partir da efetiva realização do sequestro, ou seja, do dia 20-10-2013 é que começará a correr o prazo de 30 dias para “J” ajuizar a lide principal.

Cabe frisar que a efetivação de uma medida cautelar restritiva pode ocorrer, inclusive, somente depois de alguns anos, sobretudo quando o magistrado julga a cautelar improcedente e o autor recorre.

Note-se, porém, que, na medida cautelar fiscal, o prazo e o termo inicial de sua contagem são diferentes: o prazo previsto para a propositura da lide principal é de 60 dias, contado da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa (art.11 da Lei n. 8.397/92).

Frisa-se, por oportuno, que há entendimento jurisprudencial no sentido de que também não se aplica o disposto no art. 806 do CPC nas cautelares de família, em razão da prevalência da dignidade da pessoa humana sobre questões processuais (Súmula 10 do TJ/RS). Porém, o Superior Tribunal de Justiça é dividido quanto ao tema.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. EXECUÇÃO.

ALIMENTOS PROVISIONAIS DEFERIDOS EM AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. AÇÃO PRINCIPAL NÃO AJUIZADA. POSTERIOR EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR. DÚVIDA ACERCA DA EFICÁCIA DO TÍTULO QUE EMBASA A EXECUÇÃO E, ASSIM, A LEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO PACIENTE, NÃO ESCLARECIDA NA ORIGEM. MEDIDA EXTREMA QUE NÃO SE JUSTIFICA.

1. Nos termos do enunciado da Súmula n. 482/STJ, “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar”.

2. Tratando-se, entretanto, de ações cautelares envolvendo o Direito de Família, a doutrina majoritária afasta a aplicabilidade da regra do art. 806 do CPC.

3. Em sentido oposto, a Terceira Turma desta Corte, quando do julgamento do REsp 436.763/SP, Rel. o Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 6-12-2007, entendeu que “os arts. 806 e 808 do CPC incidem nos processos cautelares de alimentos provisionais (…)” (RHC 33395/MG, Relator(a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 4-10-2012, Data da Publicação/Fonte DJe de 5-10-2012, RBDFS v. 30, p. 175).

Por fim, não incide o prazo previsto no art. 806 do CPC quando houver impedimento legal expresso ao ajuizamento da ação principal.

Exemplo: é possível que “J” requeira medida cautelar de arresto em desfavor de “A”, sem que a dívida existente entre eles esteja vencida. Nesse caso, “J” somente poderá propor a ação principal (execução) após vencida a dívida, impedimento este que protrai o prazo de 30 dias previsto no art. 806 do CPC.

6. O PROCESSO CAUTELAR E SEUS REQUISITOS

6.1. O regramento legal aplicável

Como toda e qualquer providência que se pretende postular em juízo, a medida cautelar também está sujeita a regras previamente estabelecidas em lei.

Como já foi dito, o detalhamento das regras pertinentes ao processo e às medidas cautelares encontra-se previsto no Livro III do Código de Processo Civil, não obstante outras regras possam ser encontradas em legislações espalhadas. Porém, o regramento principal, a espinha dorsal das medidas cautelares, encontra-se no aludido livro do diploma adjetivo civil.

O Capítulo I do mencionado Livro III apresenta as “Disposições Gerais” aplicáveis a todas as medidas cautelares. Nele são encontradas as regras relativas à competência, aos requisitos para a concessão de uma medida cautelar, ao procedimento a ser seguido no processo cautelar, aos prazos a serem observados, dentre outras coisas.

Já o Capítulo II do aludido Livro III elenca os “Procedimentos Cautelares Específicos”. Nele são apresentadas algumas medidas cautelares com requisitos e hipóteses de incidência expressamente previstos em lei, como o arresto, o sequestro, a caução, dentre outras. Nesse capítulo também se encontram medidas que não possuem natureza cautelar mas que, pela vontade do legislador, foram inseridas no capítulo do CPC relativo às medidas cautelares e, por isso, acabam tendo que seguir os regramentos atinentes a elas. É o caso da “exibição” (art. 844), da “homologação de penhor legal”, dentre outros.

Conforme disposição expressa do art. 812 do CPC, aos procedimentos cautelares específicos, regulados no mencionado Capítulo II, aplicam-se todas as disposições gerais previstas para o processo cautelar.

Não obstante, mesmo existindo as regras gerais atinentes às medidas cautelares, o Capítulo I do Livro III do CPC não apresenta regramentos suficientes para resolver todo e qualquer problema que pode vir a surgir no curso de um processo. Não há, por exemplo, qualquer regra a respeito da citação do réu, da suspeição do juiz, das intimações, dentre outras coisas.

Assim, ao processo cautelar devem ser aplicadas todas as regras processuais previstas no Livro I do CPC, relativas ao Processo de Conhecimento, desde que não contrariem os regramentos específicos criados para o procedimento acautelatório.

6.2. Poder geral de cautela

Além das medidas cautelares específicas, expressamente previstas no Capítulo II do Livro III do CPC (arresto, sequestro, caução e etc), a lei permite ao Juiz que determine a medida acautelatória que melhor julgar adequada ao caso específico, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, possa vir a causar lesão grave e de difícil reparação ao direito da outra parte. Tal é o que se chama de “Poder Geral de Cautela” do magistrado e está expressamente previsto no art. 798 do CPC.

Como seria impossível ao legislador prever todas as situações de perigo que possam surgir, bem como todas as medidas que poderiam ser tomadas para afastá-las, não existe um rol taxativo de medidas cautelares. O juiz tem a liberdade para conceder aquela que lhe parecer mais conveniente e adequada para dar a proteção postulada pela parte.

Por isso é que se distinguem duas categorias de medidas cautelares: as chamadas “nominadas” ou “típicas”, que são aquelas expressamente previstas no Capítulo II do Livro III do CPC, como o arresto, o sequestro, dente outras; e as “inominadas” ou “atípicas”, que são aquelas que não possuem previsão expressa no ordenamento jurídico, mas que podem vir a ser deferidas com base no poder geral de cautela do juiz.

Ainda que a parte ingresse em juízo postulando a tomada de uma medida cautelar típica, como o sequestro, por exemplo, que tem requisitos específicos para que possa ser deferido, nada obsta que o juiz, com base no poder geral de cautela, acabe deferindo uma outra medida acautelatória que lhe pareça mais adequada.

Como o nosso sistema legal de tutelas de urgência vem evoluindo constantemente, sempre com o objetivo de assegurar uma maior proteção à vítima e uma maior efetividade ao provimento jurisdicional, não pode haver restrições ao poder geral de cautela do juiz. Se o credor não possui prova literal da dívida para postular o arresto (requisito específico deste tipo de medida), mas há indícios suficientes da existência da dívida e do perigo da demora, não se pode negar ao juiz a possibilidade de conceder uma tutela cautelar inominada, de efeitos semelhantes a do arresto, dando-se a devida proteção à vítima.

Nesse sentido tem sido a interpretação do tema feita pelo Superior Tribunal de Justiça:

É admissível o ajuizamento de ação cautelar inominada, com os mesmos efeitos do arresto, em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta pelo autor, caso lhe seja favorável. Na hipótese, existe óbice à concessão desse procedimento específico – arresto – em razão da dívida não ser considerada líquida e certa (art. 814 do CPC) pois ainda em trâmite a outra demanda proposta contra o requerido(REsp 753788, Rel. Min. Félix Fischer, Quinta Turma, DJ de 14-11-2005, p. 400).

Com base no poder geral de cautela, pode-se afirmar, inclusive, que o magistrado está autorizado a conceder uma tutela cautelar, ainda que ela não tenha sido requerida pela parte, ou seja, de ofício.

Ora, os mesmos argumentos que sustentam a possibilidade de o juiz conceder uma medida cautelar diversa daquela pretendida pela parte – se preenchidos os requisitos legais –, quais sejam, o de dar uma verdadeira proteção à vítima e de garantir a efetividade do provimento jurisdicional, também justificam a possibilidade de o juiz conceder de ofício uma medida cautelar, ainda que a mesma não tenha sido postulada pela parte.

Nos dizeres de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “Quando o autor formula uma pretensão a um provimento, fica implícito o de que o juiz o conceda de forma eficaz. Caso verifique que o provimento corre risco, pode conceder a tutela cautelar, ainda que não requerida...”4.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já proferiu decisão autorizando o magistrado a, de ofício, decretar medida cautelar de arresto:

“Arresto decretado pelo juiz da execução, de ofício, no exercício do seu poder cautelar e para garantia do processo e da eficácia da decisão, é cabível e pode ser efetivado sem audiência da parte adversa” (REsp. n. 122.583-RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 17-2-1998, DJU de 4-5-1998, p. 154).

Todavia, deve ser frisado que o entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de não ser possível a concessão de uma medida cautelar de ofício, ou seja, sem que ela tenha sido pleiteada pela parte (RT 482/273, 607/57 e 608/204, in Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, 38. ed. São Paulo: Saraiva).

6.3. Condições da ação e mérito do processo cautelar

Assim como nas ações de conhecimento, para o ajuizamento da ação cautelar, a parte deve demonstrar ao juízo a presença das condições da ação: legitimidade de parte, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido.

O interesse processual consiste na demonstração da necessidade do ajuizamento do processo, para se evitar ou afastar uma situação de risco, bem como na adequação da medida solicitada, para o fim a que se destina.

A legitimidade das partes estará presente quando o autor demonstrar que é o titular da relação jurídica de direito material em conflito e que o réu, em tese, é o ocasionador da situação de perigo da qual ele está ensejando o ajuizamento da lide cautelar.

Já a possibilidade jurídica do pedido estará presente se a pretensão formulada não ofender o ordenamento jurídico.

Muito se discute se o fumus boni juris e o periculum in mora (que serão estudados detalhadamente mais adiante) são ou não requisitos específicos da ação cautelar. Para alguns, não havendo a presença dos aludidos elementos, o juiz deve, desde logo, indeferir a petição inicial e determinar a extinção da ação cautelar. Porém, tal entendimento não se revela o mais acertado.

Na verdade, como será visto, a fumaça do bom direito e o perigo da demora representam o próprio mérito da ação cautelar, sendo requisitos para a “procedência” do pedido e não para o processamento da ação.

Em síntese: para que possa ter direito a propor a ação cautelar (direito de ação), o autor não precisa comprovar que existe uma situação de perigo (periculum in mora) e que ele é o detentor do direito material que está sob ameaça (fumus boni juris). A simples alegação nesse sentido, feita na petição inicial, é suficiente para a demonstração da presença das condições da ação. Agora, para que a medida cautelar venha a ser concedida, para que o pedido acautelatório do autor possa vir a ser julgado procedente, aí sim deve haver a pertinente comprovação da existência da fumaça do bom direito e do perigo da demora.

6.3.1. Fumus boni juris (fumaça do bom direito)

Para que o autor possa ter o direito de receber uma proteção cautelar do Estado-Juiz, deve demonstrar a este que “aparentemente” é o detentor do direito que está sob ameaça e que esse direito, “aparentemente”, merece proteção. Deve existir uma “fumaça” a evidenciar o “bom direito” do requerente.

Exemplo: “J” pretende ingressar com uma ação cautelar pedindo ao juízo que sequestre um automóvel que se encontra em poder de “A” e o coloque em poder de um depositário, até que venha a ingressar com uma ação principal de reintegração de posse do bem. Na ação principal, “J” alegará que é o proprietário do automóvel; que emprestou o bem a “A”; e que “A” está se negando a devolver o carro, injustificadamente. Para que possa obter a tutela cautelar, “J” deverá demonstrar ao juízo, na ação cautelar, que “aparentemente” terá reconhecido (na futura ação principal) o direito de ser reintegrado na posse do veículo, porque é seu proprietário e porque apenas o emprestou a “A”. Se assim o fizer, terá evidenciado o fumus boni juris.

Deve ser ressaltado que, nas medidas cautelares, a análise que o juiz faz sobre o pedido do autor é sempre uma análise sumária, ou seja, feita com base em mera probabilidade, plausibilidade. No exemplo citado, o Juiz analisará apenas se é “provável” que “J” terá o direito por ele alegado, de ser reintegrado na posse do carro que emprestou a “A”. Apenas na ação principal é que será feita uma análise mais aprofundada, exauriente, plena, do direito alegado e dos fatos envolvidos.

Ao proferir a sentença na ação cautelar ou mesmo ao analisar o pedido de liminar nela inserido, o juiz se contentará em analisar apenas a plausibilidade, a verossimilhança do direito alegado pelo autor. Não há necessidade de existir prova efetiva do direito invocado, tampouco um conhecimento aprofundado dos fatos e da situação apresentada.

6.3.2. Periculum in mora (perigo da demora)

A tutela cautelar só tem sentido se existir uma situação de urgência.

Não haveria sentido em se pedir ao Juiz o deferimento de uma medida de proteção se não existisse um risco. Por isso é que se diz que a tutela cautelar é sempre de urgência.

O art. 798 do CPC autoriza o Juiz a conceder a tutela cautelar “quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

No exemplo acima citado, além de “J” ter que demonstrar ao juízo que, “aparentemente”, terá o direito de ser reintegrado na posse do automóvel que emprestou a “A” (fumaça do bom direito), deverá demonstrar, também, que, “aparentemente”, se o veículo não for retirado das mãos de “A” – que o está danificando propositadamente –, haverá o risco de não ter utilidade alguma o futuro processo de reintegração de posse que irá ajuizar (periculum in mora).

Vale ressaltar que a lei exige que haja um “fundado” receio da ocorrência de um dano, para que a providência cautelar possa ser concedida. Assim, não há que se falar em deferimento de medida cautelar se o receio de dano alegado decorrer apenas de temores subjetivos do autor ou de fato improvável.

Não basta que “J” “acredite” ou mesmo “suponha” que “A” irá causar danos no automóvel que está na sua posse. Ele deve alegar e demonstrar que “A”, de fato, está praticando atos concretos e gerando danos ao automóvel em questão.

Somente a alegação e comprovação (ainda que através de cognição sumária) da existência de uma situação concreta de risco ou de dano é que ensejam o deferimento de uma medida cautelar.

7. PROCEDIMENTO DO PROCESSO CAUTELAR

Procedimento é a forma como o processo se exterioriza. É a sequência de atos materiais praticados pelas partes, pelo juiz e pelos auxiliares da Justiça, com vistas e se chegar ao objetivo final, que é a prestação da tutela jurisdicional.

Geralmente o procedimento se inicia com a apresentação de uma petição inicial, passa por diversas fases, até redundar numa decisão final e no arquivamento do processo.

No caso do processo cautelar não é diferente.

O CPC prevê um procedimento, uma forma de se dar sequência aos atos próprios do processo cautelar.

Como já foi dito, se a necessidade da obtenção de uma medida cautelar surgir quando já estiver em trâmite uma ação principal, a cautela pode ser requerida no corpo da própria lide já iniciada, mediante a apresentação de simples petição que demonstre a necessidade da medida. Isso se deve por força do disposto no art. 273, § 7º, do CPC.

Porém, se a tutela cautelar tiver que ser postulada antes do ajuizamento da lide principal, ou seja, de forma preparatória a esta, o processo para este fim deve seguir um procedimento característico, o qual está previsto no art. 800 e seguintes do CPC e que será detalhadamente estudado a seguir.

7.1. Competência

Segundo dispõe o art. 800 do CPC, a ação cautelar deve ser ajuizada perante o juiz da causa, quando a lide principal já existir. Trata-se de competência funcional e, portanto, absoluta.

Agora, quando ainda não existe a lide principal e a medida cautelar possui caráter preparatório, a pretensão deve ser ajuizada perante o juiz que seria competente para conhecer a ação principal, segundo as regras de competência previstas para a tutela de conhecimento e de execução.

No entanto, por equívoco, o autor pode ajuizar a ação cautelar preparatória perante juízo que seria absolutamente incompetente para julgar a ação principal. Nesses casos, o juiz incompetente para o julgamento da demanda deverá, de ofício, encaminhar os autos ao juízo competente.

Solução distinta será dada para a hipótese de a incompetência do juízo ser apenas relativa. Nesse caso, não pode haver a declaração de incompetência de ofício pelo juiz; logo compete ao requerido apresentar a pertinente exceção de incompetência na primeira oportunidade que tiver para se manifestar, caso contrário, a falta de apresentação da exceção já na ação cautelar preparatória implicará na prorrogação da competência em favor daquele juízo inicialmente escolhido. Nesse sentido, julgou o Min. Félix Fischer, no REsp n.489485, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça n. 194/373.

O art. 800, parágrafo único, do CPC, estabelece que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”.

A jurisprudência praticamente ignora o mencionado dispositivo legal, entendendo que a expressão “interposto o recurso” deve ser substituída por “subidos os autos do processo”. O que importa, em verdade, é se os autos já subiram à instância superior ou se ainda estão no juízo de origem.

Nesse contexto, imagine a seguinte circunstância fática: Em uma ação de separação de corpos julgada procedente para a mulher, o marido, enfurecido, recorre e, simultaneamente, agride seus filhos. Interposto o recurso, se os autos não subiram, a mulher poderá propor cautelar incidental para obter a guarda das crianças no próprio juízo de base.

Essa regra do art. 800, parágrafo único, do CPC comporta exceção em duas hipóteses.

Ainda que os autos tenham subido ao tribunal, a cautelar deve ser requerida sempre em primeira instância:

1ª exceção: nos casos de alimentos provisionais, tal como preceitua o art. 853 do CPC:

“Ainda que a causa principal penda de julgamento no tribunal, processar-se-á no primeiro grau de jurisdição o pedido de alimentos provisionais”.

2ª exceção: no caso de atentado, tal como dispõe o art. 880, parágrafo único, do CPC:

“A petição inicial será autuada em separado, observando-se, quanto ao procedimento, o disposto nos arts. 802 e 803.

Parágrafo único. A ação de atentado será processada e julgada pelo juiz que conheceu originariamente da causa principal, ainda que esta se encontre no tribunal”.

Importante ressaltar que, ainda que uma ação cautelar preparatória tenha sido distribuída a um juízo absolutamente incompetente, pode este vir a apreciar e até mesmo a deferir uma medida liminar pleiteada, caso a situação de urgência seja extrema, a ponto de não se poder aguardar até o envio do processo ao juízo competente, sem que tal acarrete o perecimento do direito em discussão. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. ARTS. 798 E 799 DO CPC.

1. Recurso especial no qual se discute a validade da decisão proferida pelo Tribunal de origem que, não obstante tenha reconhecido sua incompetência absoluta para apreciar o mandado de segurança originário, manteve o provimento liminar concedido até nova ulterior deliberação do juízo competente, a quem determinou a remessa dos autos.

2. A teor do art. 113, § 2º, do CPC, via de regra, o reconhecimento da incompetência absoluta do juízo implica na nulidade dos atos decisórios por ele praticados. Entretanto, tal dispositivo de lei não inibe o magistrado, ainda que reconheça a sua incompetência absoluta para julgar determinada causa, de, em face do poder de cautela previsto nos arts. 798 e 799 do CPC, conceder ou manter, em caráter precário, medida de urgência, para prevenir perecimento de direito ou lesão grave e de difícil reparação, até ulterior manifestação do juízo competente, o qual deliberará acerca da subsistência, ou não, desse provimento cautelar. Nessa mesma linha: REsp 1.273.068/ES, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 13-9-2011.

3. Recurso especial não provido (REsp 1288267/ES, Rel.(a) Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 14-8-2012, Data da Publicação/Fonte DJe de 21-8-2012).

É óbvio que, nessa situação, enviado o processo ao juízo competente, poderá este rever e até mesmo modificar a decisão liminar proferida pelo juízo absolutamente incompetente.

Por fim, ainda sobre o tema competência, é relevante registrar interessante entendimento externado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça. Trata-se do reconhecimento da derrogação da competência estatal em razão da criação de tribunal arbitral, mesmo na hipótese da demanda cautelar ter sido ajuizada antes da formação do referido tribunal. Em razão da peculiaridade e da atualidade do tema, confira-se o teor do julgamento:

AÇÃO CAUTELAR. COMPETÊNCIA. JUÍZO ESTATAL E TRIBUNAL ARBITRAL. A constituição de tribunal arbitral implica, em regra, a derrogação da jurisdição estatal, devendo os autos da ação cautelar – ajuizada antes da formação do tribunal – ser encaminhados de imediato ao juízo arbitral regularmente constituído. No caso, antes de ser instaurado o procedimento arbitral, a recorrida ingressou com a medida cautelar amparada na possibilidade de que, na pendência da nomeação dos árbitros, admite-se que a parte recorra ao Judiciário para assegurar o resultado que pretende na arbitragem. Negado provimento ao pedido formulado na inicial, foi interposta apelação. Antes do julgamento do apelo recursal, que concedeu a tutela, as partes subscreveram ata de missão confirmando a constituição do tribunal arbitral. Assim, a Turma entendeu que o juízo arbitral deve assumir o processamento da ação na situação em que se encontra, para reapreciar e ratificar ou não a cautelar que foi concedida em caráter precário pelo Poder Judiciário. Precedente citado: SEC 1-EX, DJe 1º/2/2012. REsp 1.297.974-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/6/2012. 3ª Turma. (informativo 499)

7.2. Petição inicial e seus requisitos

O art. 801 do CPC apresenta os requisitos que deve preencher a petição inicial do processo cautelar, a saber:

a) a autoridade judiciária a que for dirigida: serve para se aferir a competência para a apreciação da demanda;

b) o nome e a qualificação das partes: essa indicação tem pertinência para que possa ser aferida a legitimidade das partes e para que possa ser determinada a citação no endereço correto.

Note-se que não necessariamente todas as partes indicadas para compor o polo passivo da ação cautelar deverão compor o polo passivo da ação principal e vice-versa.

Exemplo 1: ajuizada ação cautelar de produção antecipada de provas contra duas pessoas para se descobrir quem foi o autor de um dano, descobre-se que houve a responsabilidade de apenas uma delas. Apenas contra esta, a responsável pelo dano, é que será interposta a ação principal de indenização.

Exemplo 2: em uma ação de cobrança ajuizada contra 3 réus, o autor descobre que um deles está dilapidando o seu patrimônio e que se tornará insolvente. Apenas contra este ele ajuíza pedido de medida cautelar, para que seja realizado o arresto de bens.

c) a lide e o seu fundamento: tal requisito somente é exigido quando se trata de ação cautelar preparatória, visto que, quando já existe a lide principal, já se conhece a mesma e a sua fundamentação.

Na ação cautelar preparatória, é necessário que o autor indique, desde logo, qual será a lide principal que irá interpor e qual será seu fundamento, para que o juiz possa averiguar o que está sob risco e se a medida pleiteada é ou não suficiente e adequada para afastá-la. Igualmente, é conhecendo a lide principal e o seu fundamento que o juiz poderá averiguar a presença ou não da fumaça do bom direito nas alegações do requerente, ou seja, se ele, provavelmente, é o detentor do direito material que está pretendendo proteger.

Exemplo: o autor pretende, antecipadamente, produzir uma prova pericial para analisar se existe algum defeito de fabricação nos pneus de seu carro e se tal defeito foi a causa do acidente que acabou sofrendo, gerando-lhe inúmeros danos. Na ação preparatória ele irá narrar os fatos ao juiz e dizer que, dependendo do resultado da prova, irá ajuizar uma ação reparatória de danos contra o fabricante dos pneus (a lide e seus fundamentos).

d) a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão: esse requisito exige que o autor indique o fumus boni juris e o periculum in mora. É através dele que o autor indica ao juiz qual é o tipo de tutela cautelar de que ele necessita e quais são os fundamentos que indicam a sua necessidade.

Fala-se que a exposição deve ser sumária porque o autor não precisa fazer uma demonstração e defesa exaustivas do seu direito. Basta a sua breve e sintética demonstração, para que haja a apreciação pelo juiz, até porque a própria decisão judicial será tomada com base em um conhecimento superficial dos fatos e provas, de forma sumária e provisória.

e) a indicação das provas que serão produzidas: a indicação é das provas para a demonstração sumária da presença dos requisitos necessários para o deferimento da tutela cautelar: fumus boni juris e periculum in mora. Não para a demonstração do direito em si, que servirá como fundamento da ação principal.

Por fim, deve ser ressaltado que o art. 801 do CPC, que trata dos requisitos da petição inicial da ação cautelar, deve ser complementado com o disposto no art. 282 do CPC, que trata dos requisitos necessários para toda e qualquer petição inicial.

Assim, também na peça primeira da ação cautelar, deve o autor apresentar o pedido e suas especificações, o requerimento de citação do réu e o valor da causa. Este nem sempre coincidirá com o valor da causa principal. Deve corresponder ao proveito econômico que a parte pretende obter com a tomada da medida de cautela. Na ação em que se pede o arresto de um veículo, por exemplo, para a ação cautelar deverá ser dado o valor do bem a ser arrestado, ainda que o valor da dívida cujo pagamento se pretenda garantir seja maior.

7.3. A citação e a resposta do réu

A realização da citação do réu e o prazo legal para a apresentação de resposta, no processo cautelar, têm previsão no art. 802 do CPC. Esse artigo estabelece um prazo de 5 dias, brutalmente menor do que o prazo do procedimento comum, que é de 15 dias (o que é óbvio, em razão do periculum in mora).

Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar, para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir.

Aplicam-se ao processo cautelar os arts. 188 e 191 do CPC. Logo, a Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazo em quádruplo para contestar (20 dias); já os litisconsortes com procuradores distintos têm prazo em dobro (10 dias).

O início da contagem do prazo para a apresentação de resposta no procedimento cautelar está previsto no parágrafo único, do mencionado art. 802:

Parágrafo único. Conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado:

I – de citação devidamente cumprido;

II – da execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.

7.4. Exceção de incompetência

Importante registrar que também cabe, no processo cautelar, a apresentação de exceção de incompetência, a qual deve ser apresentada no prazo de 5 dias que a lei oportuna à apresentação de “resposta”. Além disso, relembre-se que esta defesa deve ser apresentada no processo cautelar, sob pena de o juízo se tornar prevento para o processamento da ação principal.

7.5. Reconvenção

Ao menos em princípio, não se pode falar no cabimento de reconvenção na ação cautelar (pelo menos não nas tipicamente cautelares). Isso porque o processo cautelar não se presta para discutir o direito material, ou seja, não se destina ao desenvolvimento de uma atividade cognitiva sobre a pretensão principal.

Como já foi visto, o Livro III do CPC também prevê procedimentos de jurisdição voluntária, “disfarçados” de medida cautelar. É o caso das notificações, dos protestos e das interpelações (arts. 867 a 873 do CPC).

Existe um costume jurídico equivocado de se ajuizar contranotificação, como se fosse uma espécie de contra-ataque, de reconvenção, a uma notificação anteriormente apresentada. Porém tal não se afigura tecnicamente adequado, uma vez que não existe qualquer fundamento legal para tal conduta processual.

Por fim, é relevante destacar que, apesar de aprioristicamente não se admitir a reconvenção no processo cautelar típico, há entendimento de que referida regra comporta flexibilização, principalmente quando considerada sua natureza de medida fundada nos princípios da economia e da eficiência. Portanto, nessa linha de entendimento, caberá ao julgador, no caso concreto, admitir ou não o seu cabimento. É o que pensa, por exemplo, Cassio Scarpinella Bueno (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 4, p. 211).

7.6. Procedimentos cautelares sem resposta

Há alguns procedimentos cautelares para os quais a lei não prevê a oportunidade de se oferecer resposta, a exemplo do que ocorre na notificação e na justificação.

No que diz respeito à produção antecipada de provas, a doutrina e a jurisprudência divergem bastante quanto à necessidade de contestação.

Existe uma corrente doutrinária que entende que há resposta na produção antecipada de provas, pois o réu poderá contestar questão referente à aptidão e urgência da prova (somente quanto a isso).

Já uma segunda corrente nega o cabimento de respostas na produção antecipada de provas e entende que a citação, nesta medida cautelar, é feita apenas para que o réu acompanhe a prova, e não para que responda ao pedido.

7.7. Prazos especiais

Por fim, é preciso ter cuidado com alguns prazos especiais previstos no Livro III do CPC para a apresentação de manifestação por parte do requerido. Existem algumas cautelares específicas que os preveem, a exemplo do art. 874 do CPC, que estabelece o prazo de 24 horas nos casos de homologação de penhor legal.

Art. 874. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor, ato contínuo, a homologação. Na petição inicial, instruída com a conta pormenorizada das despesas, a tabela dos preços e a relação dos objetos retidos, pedirá a citação do devedor para, em 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou alegar defesa.

7.8. Revelia

No procedimento cautelar, previsto no Livro III do CPC, não há qualquer disposição tratando da revelia. Assim, deve ser realizada a aplicação subsidiária das disposições do Livro I do aludido código, em especial do disposto no art. 319, que preceitua que, “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”.

Existe, pois, revelia no procedimento cautelar, sendo que se o réu não contesta a pretensão do autor de obter uma medida cautelar do Estado, os fatos alegados por aquele, em especial a fumaça do bom direito e o perigo da demora, devem ser presumidos verdadeiros.

Por óbvio que a revelia havida no processo cautelar não afeta a ação principal. Neste, o requerido terá novo prazo para a apresentação de sua resposta e poderá se defender normalmente.

7.9. Intervenção de terceiros

No procedimento cautelar, admite-se apenas duas formas de intervenção de terceiros, quais sejam, a assistência e a nomeação à autoria.

O chamamento ao processo e a denunciação à lide são hipóteses de intervenção que objetivam a condenação do denunciado/chamado. Porém, como no processo cautelar não se fala em condenação, uma vez que sua finalidade é apenas garantir/proteger a pretensão que será objeto de um processo principal, resta impossível realizar-se o chamamento ao processo e a denunciação da lide na ação cautelar.

Igualmente, é inadmissível no processo cautelar a figura da oposição. Como se sabe, nessa modalidade de intervenção de terceiros, o opoente ingressa na lide para disputar determinada coisa ou direito que é objeto do processo. Mas no processo cautelar não há disputa sobre bem ou direito. Neste apenas se busca uma proteção a um direito ou a um bem que será objeto de um processo principal.

Exemplo: “J” ingressa com uma ação cautelar pedindo que o juiz sequestre um automóvel que se encontra na posse de “A”. Alega que, oportunamente, irá ajuizar uma ação de rescisão contratual, com pedido cumulado de reintegração de posse do mencionado automóvel. Julgando-se titular do direito de posse do aludido carro, “L” não poderá ingressar com oposição no procedimento cautelar, justamente porque neste ainda não se discute a quem deve competir efetivamente a posse do bem, se a “J”, a “A” ou a “L”. A oposição deverá ser apresentada quando do ajuizamento da ação principal.

Permite-se no processo cautelar a assistência simples e a litisconsorcial.

Como o assistente é aquele que tem interesse jurídico de que uma sentença seja favorável a uma das partes, nada mais adequado que o assistente tenha interesse de obter uma proteção ao bem ou direito objeto de uma ação principal, por meio de uma tutela cautelar.

Também cabível no procedimento cautelar a nomeação à autoria, o que pode ser feito para corrigir eventual ilegitimidade passiva, nos casos previstos no Livro I do CPC.

Assim, se uma parte engana-se e ajuíza uma ação cautelar contra o mero detentor de um imóvel, por exemplo, poderá o detentor fazer a nomeação do verdadeiro proprietário ou possuidor, para que o polo passivo da ação cautelar seja corrigido.

7.10. Liminar

O Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o juiz conceder uma medida cautelar “liminarmente”, ou seja, antes da prolatação da sentença do processo cautelar, que seria o momento em que ela seria normalmente concedida. Dispõe o art. 804 do CPC: “É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer”.

Como regra geral, a liminar cautelar é obtida em processo cautelar. Porém, em casos excepcionais, o nosso sistema legal permite que se requeira liminar cautelar no próprio processo de conhecimento. Um exemplo claro é a previsão contida no art. 12 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)5.

A concessão da tutela cautelar antes da oitiva do réu – com ou sem justificação – é algo excepcional, como determina o citado art. 804.

A aludida norma deixa claro que o juiz, quando reputar necessário, deve determinar a realização de justificação prévia à concessão da tutela cautelar sem ouvida do réu. Essa justificação, em princípio, é feita sem a presença do réu.

Na verdade, apenas quando não há tempo para convocar o réu para a justificação, ou quando esta convocação possa permitir ao réu frustrar a tutela requerida, é que se legitima a justificação sem a sua presença.

Na justificação, o réu não tem oportunidade de apresentar defesas ou produzir provas, embora tenha a possibilidade de contraditar as testemunhas e até impugnar a idoneidade do perito.

É possível, ainda, que o juiz exija contracautela (caução) como garantia da parte que sofre a tutela cautelar, pouco importando se houve ou não justificação.

Para que possa ser concedida uma medida cautelar de forma antecipada, ou seja, liminarmente, é necessário que o autor demonstre a presença, de pronto, dos requisitos essenciais ao deferimento da cautela, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.

A diferença entre a cautelar liminar e a cautelar concedida na sentença é a intensidade do periculum. Assim, se a situação concreta revelar a existência de uma enorme urgência, onde não se pode nem sequer aguardar o trâmite do processo cautelar para que a situação apresentada receba a apreciação do juiz, pode a medida de cautela ser concedida liminarmente.

Por outro lado, deve ser frisado que o indeferimento da liminar postulada no processo cautelar não acarreta a extinção do processo. É errado o procedimento do juiz que, ao indeferir a liminar, extingue a ação cautelar.

EXCEÇÃO: cautelar inominada para dar efeito suspensivo ao recurso (Súmulas 634 e 635 do STF). Nesse caso, o processo só serve para dar efeito suspensivo à decisão recorrida, de modo que, ausentes os requisitos da liminar, o juiz indefere o pedido urgente (liminar) e extingue a cautelar.

Como o deferimento da medida cautelar de forma liminar é uma medida excepcional, a decisão nesse sentido deve ser muito bem fundamentada, já que o magistrado lida com a mera aparência de direito.

Em algumas hipóteses, a legislação proíbe a concessão de medida liminar contra o Poder Público. Tal é o que ocorre nos casos previstos no art. 1º da Lei n. 8.437/92; art. 1º da Lei n. 9.494/97; art. 5º da Lei n. 4.348/64; e art. 1º da Lei n. 2.770/56.

Basicamente, as leis mencionadas dispõem que não pode ser concedida medida liminar contra o Poder Público nas seguintes hipóteses: questões envolvendo servidor público – equiparação, concessão de aumento, pagamento etc.; desembaraço aduaneiro de mercadoria estrangeira; e compensação em matéria tributária.

7.11. Caução

O juiz pode, com receio de a liminar vir a causar algum prejuízo ao réu, exigir que o autor preste uma caução. A ideia é que a caução prestada venha a ser utilizada para garantir o ressarcimento dos prejuízos que o requerido venha a sofrer com o deferimento liminar da cautela pleiteada. É o que estabelece a segunda parte do art. 804 do CPC: “É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer” (negritou-se).

Ao contrário do que possa parecer pela simples leitura do dispositivo transcrito, o estabelecimento de caução não fica restrito aos casos em que a liminar é concedida antes da oitiva do réu. Mesmo se a medida urgente for concedida após a manifestação do requerido, é prudente a atitude do magistrado que estabelece a obrigatoriedade de se prestar caução. Isso porque, como a liminar é concedida com base em uma cognição sumária dos fatos, quando ainda não se conhece por completo as circunstâncias em que estão envolvidos o autor e o réu, este pode acabar sofrendo um prejuízo com o deferimento da medida, servindo a caução como garantia para o futuro ressarcimento.

Há caso, inclusive, em que o Superior Tribunal de Justiça confirmou ser legítimo o estabelecimento de caução em hipótese em que nem sequer houve a apresentação de contestação na ação cautelar, sendo o réu revel, tudo como forma de se garantir a reparação de eventual prejuízo que a medida urgente pudesse vir a causar:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. OFENSA AO ART. 535, DO CPC, REPELIDA. MEDIDA CAUTELAR. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA IMPORTADA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MEDIANTE CAUÇÃO. COMPATIBILIDADE. REVELIA. IRRELEVÂNCIA.

1. Tendo a matéria controvertida sido debatida e apreciada, irrelevante não haver constado do acórdão recorrido os dispositivos tidos como violados.

2. Inexistindo no julgado impugnado obscuridade, contradição ou omissão, não há que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC.

3. A procedência do pedido no processo cautelar não é incompatível com a exigência de caução, que, por sua vez, não é inconciliável com a ausência de contestação.

4. Recurso conhecido e não provido (REsp 358228/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, data do julgamento 2-4-2002, data da publicação/fonte DJ 29-4-2002, p. 178).

Como a lei não estabelece qualquer obrigatoriedade, a exigência de caução fica dentro da discricionariedade do magistrado.

Um outro tipo de caução também está previsto no Livro III do CPC. Trata-se da caução prestada pelo réu da ação cautelar, para substituir eventual medida cautelar concedida em favor do autor.

Estabelece o art. 805 do CPC: “A medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente”.

Imagine-se que o juiz conceda uma medida cautelar em favor do requerente, determinando o sequestro de um veículo que se encontra em poder de requerido, por entender que este estaria prestes a ficar insolvente, o que prejudicaria o direito de o autor receber seu crédito.

Enquanto tramita a ação cautelar e para que não fique privado do direito de usar o veículo cujo sequestro foi determinado, o requerido poderá pedir ao juiz que substitua a medida cautelar de sequestro pela prestação de uma caução real, oferecendo como garantia um imóvel de sua propriedade. Caso haja o deferimento da substituição, o requerido poderá continuar fazendo uso do veículo aludido, e o requerente não correrá o risco de ficar sem receber o seu crédito que será objeto de uma futura ação, visto que o imóvel oferecido e aceito como substituição servirá como garantia para eventual e futuro pagamento. Em síntese: a medida cautelar pleiteada pelo autor/requerente será substituída pela caução prestada pelo réu/requerido e admitida pelo juiz.

7.12. Sentença e recurso

Como já foi visto, o processo cautelar é autônomo e não se confunde com o processo principal, do qual tem objeto e requisitos bem distintos. Assim, a sentença que encerra um processo cautelar não se confunde com a sentença que encerra o processo principal.

Ao proferir a sentença no processo cautelar, o juiz se limita a verificar a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, concedendo ou não a medida de proteção pleiteada.

Já na ação principal, a sentença analisa o direito das partes, resolvendo uma crise de certeza (tutela de conhecimento) ou uma crise de inadimplemento (tutela executiva).

Deve, pois, o juiz, proferir duas sentenças: uma apreciando o pedido de medida cautelar (seja ela apresentada de forma incidental ou de forma preparatória), e outra apreciando a pretensão principal, ou seja, o direito controvertido entre as partes.

É comum, todavia, ocorrer o julgamento, em uma só sentença, do pedido cautelar e do pedido principal, o que não se revela tecnicamente correto.

Se o juiz julgar em uma só sentença o pedido cautelar e o pedido principal, caso a parte apresente recurso de apelação, deverá o magistrado discriminar em que efeitos recebe o recurso. Isso porque, em regra, as apelações nos processos de conhecimento têm efeito suspensivo, mas nas ações cautelares não. Assim, é possível que a apelação seja recebida com o efeito devolutivo e suspensivo, no que diz respeito à parte da sentença que julgou o pedido principal, mas que seja recebida apenas no efeito devolutivo em relação ao julgamento do pedido cautelar.

Nesse sentido foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência n. 663.570-SP:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR E AÇÃO PRINCIPAL. SENTENÇA ÚNICA. APELAÇÃO. EFEITOS.

– Julgadas ao mesmo tempo a ação principal e a cautelar, a respectiva apelação deve ser recebida com efeitos distintos, ou seja, a cautelar no devolutivo e a principal no duplo efeito.

– Não há razão para subverter ou até mesmo mitigar a aplicação do art. 520 do CPC, com vistas a reduzir as hipóteses em que a apelação deva ser recebida apenas no efeito devolutivo, até porque o art. 558, parágrafo único, do CPC autoriza que o relator, mediante requerimento da parte, confira à apelação, recebida só no efeito devolutivo, também efeito suspensivo, nos casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação. Embargos de divergência a que se nega provimento.

Como a ação cautelar e a ação principal são autônomas, o indeferimento da cautela não obsta que a parte ajuíze a ação principal nem influenciará no julgamento desta. A única exceção é se o juiz, na ação cautelar, acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor, caso em que não mais há que se falar em ajuizamento da ação principal.

O recurso cabível contra a sentença que julga o processo cautelar é o de apelação, o qual não terá efeito suspensivo (art. 520, IV, CPC).

Já quando a medida de cautela é concedida de forma liminar, a revisão desta decisão pode ser feita por meio da interposição de recurso de agravo.

7.13. Sucumbência

No que diz respeito à sucumbência, as regras previstas no art. 20 do CPC são aplicadas normalmente ao processo cautelar. Logo, o vencido deve arcar com os ônus.

Interessante notar que se o juiz julgar a ação cautelar e a ação principal em uma só sentença, ele terá que desenvolver a sucumbência individualizada para cada uma (afinal, são dois processos).

Porém, deve-se atentar para o fato de que em alguns procedimentos previstos no Livro III do CPC não há que se falar em sucumbência, como nos casos da justificação e da notificação, por exemplo, visto que nestes procedimentos não existe uma lide.

Igualmente não se fala em sucumbência na cautelar ajuizada para dar efeito suspensivo a recurso.

7.14. Coisa Julgada

A sentença proferida no processo cautelar, em regra, não faz coisa julgada, salvo nas hipóteses em que nela seja reconhecida a prescrição ou a decadência. Logo, a improcedência do pedido contido na medida cautelar não impede o ajuizamento nem influencia o julgamento de demanda principal. É o que se extrai do teor do art. 810 do Código de Processo Civil.

Porém, não é pelo fato de a sentença da ação cautelar não fazer coisa julgada material que a parte está autorizada a tornar a propor uma mesma medida que já foi julgada improcedente. Para a repropositura de uma medida que já foi rejeitada pelo juiz, deve a parte demonstrar que houve uma modificação fática a ensejar uma nova apreciação da questão.

Em suma, atente-se, a sentença que aprecia tutela cautelar não faz coisa julgada material em decorrência de seu caráter eminentemente instrumental e acessório, salvo nos casos de reconhecimento da prescrição ou da decadência.

8. RESPONSABILIDADE CIVIL DO REQUERENTE DA MEDIDA CAUTELAR

O art. 811 do CPC consagra a responsabilidade civil objetiva do requerente, pelos danos causados em razão da medida cautelar constritiva que lhe foi concedida:

Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:

I – se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;

II – se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;

III – se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código;

IV – se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810).

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar.

Nas situações acima descritas, a responsabilidade civil da parte independe de qualquer tipo de reconhecimento expresso na decisão final, sendo que a liquidação dos danos é feita nos próprios autos em que a cautelar foi concedida e cassada. Basta que o prejudicado arrole e comprove os danos que a medida cautelar lhe causou, para que o juízo estabeleça a obrigação de indenizar.

9. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO E DA TUTELA CAUTELAR

Por tudo o que foi exposto, pode-se concluir que o processo e a tutela cautelar, pelo regramento próprio e todo particular que possuem, acabam sendo dotados de algumas características que comumente são citadas pela doutrina e que valem ser destacadas. Tais características já foram apresentadas, em sua maioria, nos tópicos acima, mas como costumam ser cobradas nominalmente em exames e na vida prática do estudioso do direito, revela-se importante a realização de sua esmiuçada apresentação.

9.1. Autonomia Procedimental

Como visto, o processo cautelar é absolutamente autônomo e seu resultado independe e não influencia o resultado do processo principal. Tem ele uma finalidade e um procedimento próprio, absolutamente distintos da finalidade e do procedimento do processo principal. Daí a característica da “autonomia procedimental”.

9.2. Acessoriedade

Tal como já mencionado, “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente” (art. 796, CPC). Daí que se diz que o processo cautelar é um ACESSÓRIO do processo principal.

Também por conta da aludida acessoriedade, a ação cautelar será sempre julgada pelo juiz do processo principal, sendo apensada a este (art. 800 do CPC).

Ainda em razão da mencionada característica, a extinção da ação principal sempre implica a extinção da ação cautelar (art. 808 do CPC).

9.3. Dupla instrumentalidade

Como o processo é um instrumento que serve para a proteção/efetivação dos direitos materiais, pode-se dizer que a ação cautelar é um instrumento que protege outro instrumento. É um processo que protege outro processo.

9.4. Tutela de urgência

Não existe medida cautelar sem urgência, traduzida pela expressão periculum in mora. A maioria da doutrina entende que tutela de urgência é gênero do qual são espécies a tutela cautelar e a antecipada.

Embora na cautelar haja sempre a necessidade de existir situação de urgência, nem sempre na tutela antecipada é assim. Existe hipótese de concessão de medida antecipatória de tutela quando não se está diante de uma situação de urgência. É o que se dá quando presente a situação prevista no art. 273, II, do CPC6. Nesse caso, há a chamada tutela sanção (restringindo-se à aparência de direito).

No âmbito da tutela antecipada, só a hipótese do art. 273, I, é tutela de urgência.

9.5. Sumariedade da cognição

Cognição é a atividade exercida pelo julgador sobre o conjunto de matérias a ele submetidas; referidas matérias, por sua vez, compõem o objeto de apreciação na prestação da tutela jurisdicional. Ao analisar a atividade cognitiva, em brilhante estudo, o processualista Kazuo Watanabe7 identificou a cognição sob o prisma de dois importantes planos: o plano horizontal e o plano vertical.

No plano horizontal, a cognição diz respeito à extensão ou amplitude das matérias alegáveis. No extremo desse plano, em que se pode alegar todo tipo de matéria, a cognição é plena. Por outro lado, na hipótese em que a lei não permite a alegação de todas as matérias, diz-se que a cognição é limitada.

No plano vertical, observa-se a profundidade com que as matérias alegáveis são apreciadas. Se o juiz esgotar todos os fatos e provas, o objeto da cognição é exauriente. Se o juiz ainda não pode analisar tudo, a cognição é sumária.

O pressuposto do fumus boni juris, necessário para que seja deferida uma medida cautelar, significa exatamente que o juiz está autorizado a tratar da tutela cautelar com base em cognição sumária, ou seja, a partir de uma cognição não aprofundada (no plano vertical) sobre a matéria de fato que integra o litígio. No processo cautelar, o juiz faz um juízo de probabilidade (e não de certeza). É o que se chama de tutela da aparência.

Tanto a tutela cautelar quanto a tutela antecipada admitem a cognição sumária, o que resulta num ganho para a celeridade, mas num recuo para a segurança.

Uma última observação deve ser feita: não se pode confundir “processo de cognição sumária” com “processo com procedimento abreviado”. Enquanto a cognição sumária reflete o grau de convicção com que o juiz aprecia um pedido formulado, o procedimento formalmente sumário diz respeito à aceleração prática dos atos do processo, tal como ocorre no Mandado de Segurança e no Procedimento Sumário, nos quais a cognição é exauriente, havendo coisa julgada material, mas o procedimento é muito mais abreviado e célere do que o procedimento comum.

9.6. Provisoriedade ou precariedade

As medidas cautelares não são definitivas, mas sim provisórias.

Como o juiz aprecia um pedido de medida cautelar sem conhecer amplamente os fatos e provas (cognição sumária), qualquer decisão que venha a ser prolatada será sempre provisória, podendo ser modificada a qualquer momento.

É claro que a modificação referida não pode se dar pela simples vontade ou mudança de entendimento por parte do julgador. Para que possa haver a modificação da decisão, faz-se necessário que tenha ocorrido uma alteração na situação fática que ensejou o pronunciamento judicial anterior.

Dispõe o art. 807 do Código de Processo Civil:

Art.807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas.

Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.

9.7. Fungibilidade

Com fundamento no princípio da instrumentalidade das formas, para a doutrina mais moderna, a fungibilidade consiste em um princípio geral do processo segundo o qual, sempre que possível, o juiz deve receber o “errado” como se “certo” fosse.

Por outro lado, segundo os autores mais tradicionais, a fungibilidade está presente em 4 institutos processuais: Recursos; Ações possessórias (art. 920); Tutela antecipada e tutela cautelar (art. 273, § 7º); Medidas cautelares entre si.

No que diz respeito às medidas cautelares, a fungibilidade implica dizer que o juiz tem o dever de conceder a medida de cautela mais adequada (seja ela mais gravosa ou menos restritiva), mesmo que diversa daquela solicitada pelo autor.

Diante da situação concreta apresentada, pode o magistrado conceder a medida cautelar que lhe parecer mais adequada para afastar a situação de perigo alegada pelo autor, ainda que tal medida não corresponda àquela que foi pleiteada. Conforme preceitua Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “Esse poder independe de o direito sob ameaça ser disponível ou indisponível. Em toda tutela cautelar, há sempre o interesse público de preservar os direitos sob risco”8.

Assim, se a parte ingressa com uma ação cautelar pedindo ao juiz, equivocadamente, que realize um o arresto, por exemplo, vendo o magistrado que a medida cautelar mais adequada ao caso concreto não é o arresto, mas sim o sequestro, deve o julgador valer-se da fungibilidade e conceder o sequestro do bem, ignorando o erro inicial cometido pela parte.

Como já foi dito, com o advento da Lei n. 10.442/2002, que inseriu o § 7º no art. 273 do CPC, a fungibilidade passou a ser aceita para as medidas de urgência em geral. Se a parte pugna, equivocadamente, a concessão de uma medida que dá o nome de cautelar mas, na essência, possui natureza de medida antecipatória de tutela, deve o juiz ignorar o equívoco da parte e conceder a medida que for mais adequada para resguardar a situação de urgência.






1 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

...omissis...

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

2 “Art. 273 (…) § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

3 “Art. 653. O oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução.

Parágrafo único. Nos 10 (dez) dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de justiça procurará o devedor três vezes em dias distintos; não o encontrando, certificará o ocorrido.”

4 Op. cit., p. 743.

5 “Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.

6 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei n. 8.952, de 13-12-1994)

...omissis...

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

7 Da cognição no processo civil, Campinas: Bookseller, 2000.

8 Op. cit., p. 736.