Proposições e considerações relativas à terapia da triquinose e sua fundamentação experimental*
Introdução
Embora o êxito de se descobrir a etiologia de uma doença até então não esclarecida seja comemorado, com todo direito, como um grande triunfo, não podemos esquecer que nestas ocasiões, com muita freqüência, a terapia fica em desvantagem. Felizmente, ela abre seus próprios caminhos e amiúde alcança, por vias empíricas, o rumo correto, mesmo que ainda faltem alguns esclarecimentos sobre a origem da doença. Assim, tratamos com excelentes resultados a poliartrite reumática, a sífilis e outras doenças com etiologia pouco ou até mesmo nada conhecida, enquanto permanecemos no mesmo patamar da impotência terapêutica perante o cólera, a tuberculose e outras invasões bacterianas, apesar das descobertas nesse terreno ocorridas nos últimos anos.
No terreno empírico, mostra-se decisiva uma única feliz coincidência que, com o passar do tempo, acaba por ocorrer vez por outra em meio a inúmeros desacertos; a pesquisa consciente, ao contrário, trabalha com fatores muito mais limitados em termos de qualidade, quantidade, tempo e local. Portanto, para que não seja derrotada nessa batalha desigual, é imprescindível que esta última preste contas, de tempos em tempos, sobre a natureza da tarefa proposta, e que, dentre seu arsenal terapêutico, escolha para seu estudo experimental somente aqueles agentes dos quais tem razões para esperar algum sucesso. Naturalmente isso também é empiria, porém ela segue determinados caminhos definidos pela teoria, e desse modo o trabalho pode ser encurtado, como nos mostra, da melhor forma, o exemplo da sépsis cirúrgica. Afinal, com diferentes meios e por diferentes caminhos, ela chegou em tempo mínimo a um sucesso muito maior do que jamais alcançara em séculos de empiria sem planejamento.
Sob esse ponto de vista, permito-me fazer algumas considerações e propostas a respeito de uma doença, com relação à qual nossos esforços até o momento se tem limitado a uma profilaxia eficaz, porém não totalmente suficiente - refiro-me à triquinose. Tenho consciência de que, com isso, estou assumindo uma tarefa difícil e talvez ingrata, e de que um resultado positivo, ainda que bem insignificante, teria mais valor até mesmo do que as mais bem fundamentadas proposições; por isso tenho já há anos o propósito de colocar a triquinose sob exame em animais e se possível em leitos hospitalares. Como, no entanto, dificuldades atualmente quase incontornáveis para mim opõem-se a este trabalho demorado e em alto grau dependente de circunstâncias externas,1 parece-me quase uma obrigação desviar para esse objeto a atenção de colegas mais bem situados.
Quando investigamos o tratamento da triquinose, as tarefas são de natureza múltipla.
Em primeiro lugar está naturalmente a profilaxia; pretendemos alcançar a mesma principalmente por meio da vigilância da carne contra a triquina e do alerta ao público quanto aos riscos que o consumo da carne de porco traz em si, quando esta não é suficientemente cozida, assada ou defumada. Nesses dois aspectos muito foi feito até agora, e o público, de maneira geral, está mais instruído, principalmente a respeito do último ponto, do que sobre qualquer outro preceito de higiene. Mesmo assim, tais providências não são suficientes e a própria vigilância da carne contra a triquina é capaz de provocar uma despreocupação que não é de todo legítima; por isso é que, a cada ano, são comunicados novos casos de triquinose. Apesar de não possuir dados sobre esses números, não posso considerá-los insignificantes - a julgar pelas notícias nos jornais; além disso, inúmeros outros casos mais simples e esparsos provavelmente permanecem amiúde no anonimato. Ainda que a taxa de mortalidade seja baixa na maioria dos casos, as perturbações à saúde são, em geral, bastante significativas, mesmo quando o desfecho é favorável.
Por isso podemos exigir da medicina a busca de novos medicamentos, para, pelo menos nos casos reconhecidos a tempo, evitar com segurança desfechos fatais. Afinal, a etiologia e a indicação causal estão claras como nunca diante dos nossos olhos e a nossa tarefa, pelo menos no início da doença, não é totalmente desprovida de perspectivas.
A priori essa tarefa parece até relativamente fácil e, mesmo quando um grande número de experiências parece provar o contrário,2 restam-nos ainda vários caminhos para serem examinados, antes de colocarmos em dúvida seus resultados. Basta lembrar aqui a ancilostomíase, cuja terapia por tanto tempo pareceu sem esperanças e é hoje simples e segura.
Nesta comunicação pressupomos que a história do desenvolvimento da triquina, de um modo geral, seja conhecida, bem como as manifestações da triquinose. Essas últimas (em sentido amplo) nos permitem dividi-la naturalmente nos seguintes estágios:
Os diversos estágios da triquinose e suas medicações
1. Da introdução das triquinas encapsuladas até sua liberação no canal intestinal do hospedeiro.
2. Do início do desenvolvimento da triquina intestinal até o nascimento dos embriões.
3. Do início da emigração da jovem ninhada até o desaparecimento dos sintomas.
Não há necessidade especial de se ressaltar que, do ponto de vista cronológico, os três estágios não estão totalmente separados entre si, mas ocorrem em parte lado a lado; isso, aliás, não influencia a utilidade da divisão em estágios.
Quando não se tratar de uma experiência direta, o primeiro estágio, que raramente é observado, em razão da sua curta duração e da carência de sintomas, só pode ser deduzido através da comprovação da triquina muscular em amostras de carne com a mesma procedência da que já foi consumida. Através de experiência direta, Leuckart provou que triquinas livres já podem ser encontradas no estômago após 3 a 4 horas, mas que a liberação em pedaços mais compactos de carne necessita muitas vezes de mais tempo,3 de maneira que uma terapia enérgica de evacuação faz sentido também durante as horas e até mesmo os dias seguintes.4 Nem é preciso dizer que, para se evitar qualquer perda de tempo, lança-se mão do remédio laxante de eficácia mais rápida, e utiliza-se o vomitivo e igualmente a bomba estomacal, quando ainda existe uma perspectiva de resultado.
No segundo período, nossa tarefa ainda é relativamente simples, já que apenas temos de nos esforçar para extinguir as triquinas estomacais. É questionável que os animais possam ser eliminados vivos; não precisamos fazer nada para a evacuação dos vermes mortos, a não ser que ela precise ser acelerada para fins de exame.
Muito mais difícil é uma terapia no terceiro estágio, e não se pode pensar seriamente em uma solução completa do problema através da eliminação da geração imigrante de triquinas. Mesmo para conseguir uma simples eliminação das mesmas, dispomos de poucas perspectivas à mão. Uma substância que atingisse os vermes no interior dos tecidos teria necessariamente que ser incorporada - de forma mais ou menos direta - na circulação. Porém, provavelmente não é tão fácil obter-se uma que possa ser misturada em alto grau de concentração no sangue, de modo a ser danosa para esses resistentes bichinhos, sem prejudicar o organismo. Não podemos esperar muito mais da utilização de outros métodos que atuam de modo mais físico.5
Se, entretanto, renunciamos também à eliminação das triquinas jovens no ato da migração, resta-nos a tarefa de limitar e abreviar esse processo ao máximo, evitando nova proliferação mediante a remoção dos vermes do intestino. Como se sabe, a migração não ocorre de uma única vez, mas sucessivamente, e por isso o estágio dos característicos sintomas de invasão do corpo, que, em geral, demonstra sozinho a triquinose, é também bastante duradouro. Não devemos, portanto, acreditar que, quando o diagnóstico é estabelecido, como de hábito apenas em conseqüência da imigração iniciada, já esteja prescrita a época para tratar; provavelmente as indicações coincidirão, em suma, com as do segundo estágio. Esse será principalmente o caso se a ingestão de alimentos suspeitos não for isolada, mas se repetir no decorrer de vários dias. Antes de voltar-me para a discussão sobre a terapia do segundo estágio, permito-me ainda dizer algumas breves palavras sobre o diagnóstico; pois somente pelo estabelecimento mais exato possível do mesmo estaremos em condições de poder apreciar também os resultados de nossos esforços terapêuticos.
Diagnóstico
A existência da triquina no organismo humano pode ser constatada por diferentes métodos, os quais, no entanto, não podem ser utilizados nem para cada caso e nem a qualquer momento.
O primeiro - através da comprovação da ingestão de triquinas musculares vivas - foi citado acima; em nossos estudos ele tem valor principalmente no caso das experimentações, pois mediante uma estimativa quase exata da incorporação das triquinas encistadas podemos aquilatar a extensão da infecção em animais ainda vivos. Em experiências terapêuticas cuidadosas, um exame preliminar não pode ser, portanto, negligenciado; porém, devemos levar em conta como fonte de erros que a distribuição das triquinas na musculatura é irregular; parece também que, em alguns casos, apenas uma parte proporcionalmente pequena chega a se desenvolver.
O segundo método refere-se à comprovação das triquinas em qualquer estágio de desenvolvimento ou dos fragmentos característicos das mesmas nos dejetos, e será tratado posteriormente.
O terceiro caminho consiste na procura de triquinas em partículas musculares, obtidas mediante excisão ou com o arpão, bem como no sangue e no líquido das cavidades serosas. O mesmo somente tem perspectivas seguras de êxito quando a imigração (e com ela a reação do organismo) já estiver em curso, e caso a infecção seja significativa. O resultado obtido sempre chega relativamente tarde, quando não tarde demais, e em caso de sintomas nítidos torna-se amiúde praticamente desnecessário; além disso, esse exame é desagradável para os doentes e naturalmente só pode ser usado em seres humanos em medida limitada; contudo, pode ser utilizado em experiências helmintológicas de forma extensa, e possui um elevado significado para as mesmas.
Em quarto lugar resta-nos a possibilidade de diagnosticar a doença pelos sintomas. Isso se tornará tanto mais fácil para nós quanto mais freqüente for a ocorrência destes, já que então um caso acentuado é suficiente para que se reconheçam até mesmo doenças não tão bem caracterizadas.
Avaliação diagnóstica dos sintomas
Os sintomas podem surgir já no segundo ou terceiro dia (segundo Leuckart) - ou seja, numa época em que ainda não se pode falar de emigração. Segundo Kuchenmeister e Zürn (Os Parasitas etc., 2a edição), já podem ocorrer até mesmo após poucas horas. Limitam-se principalmente ao canal digestivo (náuseas, vômito, diarréias e sensações desagradáveis no transcurso dos mesmos), enquanto as manifestações gerais são somente do tipo das que ocorrem em outros adoecimentos do trato digestivo (abatimento, dor de cabeça, sede, febre). Em casos extremamente raros, esses sintomas assumiram, bem no início da doença, um caráter tão forte de cólera que conduziram à morte antes mesmo que surgissem manifestações gerais; assim, consta que na epidemia de Hadersleben morreram três pessoas já no sexto dia após a infecção, ou seja, numa época em que, segundo a hipótese corrente, é pouco provável que o nascimento da nova geração pudesse ter começado.6 Nas experiências com animais, a morte pode ocorrer já no quarto dia (segundo Leuckart).
Parece-me estar ainda inexplicado como aconteceram, nestes casos, os fortes sintomas e a morte. Que a quantidade de triquinas estomacais tenha sido muitas vezes maior que nos casos onde o mesmo estágio transcorreu latente e com sintomas insignificantes é uma suposição válida e justa, mas, sob meu ponto de vista, não é uma explicação. A simples presença de nematelmintos, microscópicos ou macroscópicos, ainda que inúmeros e ágeis, não provoca necessariamente esses sintomas, desde que os elementos histológicos do intestino permaneçam intactos. E, além disso, as triquinas intestinais são pequenas demais para provocar estímulos mecânicos como os produzidos pelas lombrigas e ascarídeos. Não me parece improvável que uma atividade vital própria, talvez mesmo uma secreção irritante,7 possa desempenhar aí um papel. Em todo caso, o canal intestinal humano pode hospedar, sem qualquer reação, miríades das chamadas Anguillulae stercorales (isto é, larvas de Rhabdonema strongyloides Leuckart), que se assemelham às jovens triquinas intestinais em tamanho e número, devendo superá-las apenas em mobilidade; da mesma forma, poderão estar contidos no ceco inúmeros oxiúros sem produzir sintomas locais, e as larvas da Filaria bancroftii, as Filariae sanguinis hominis, não conduzem a nenhuma manifestação geral, apesar de circularem no sangue em quantidades intermináveis ou de estarem contidas nas ascites quilosas.
Enquanto na primeira semana após a infecção os sintomas não possuem, de modo algum, nada de patognomônico e, portanto, mesmo em adoecimentos múltiplos só raramente sejam interpretados corretamente, a partir da segunda semana eles começam a se tornar mais característicos; em casos mais simples as perturbações surgem apenas neste momento ou mesmo mais tarde. Um sintoma muito importante é o edema nas pálpebras que, segundo Kuchenmeister, surge quase regularmente no sétimo dia, desaparecendo depois de alguns dias, para mais tarde reaparecer. O mesmo - apesar de seu surgimento precoce - já deve ser compreendido (como o faz Leuckart) como sintoma da imigração de alguns precursores para o músculo ocular, uma vez que nesta época perturbações funcionais do mesmo também são observadas.
Só mais tarde surgem edemas em outros locais do corpo, os músculos incham e ficam rígidos e duros; com isso eles são mantidos na posição de maior repouso possível e os movimentos freqüentemente ficam limitados no mais alto grau. Outras conseqüências do adoecimento da musculatura são a rouquidão, problemas de deglutição e respiração difícil. Dos outros sintomas apenas a transpiração profusa e, até um determinado grau, também a sonolência são característicos. As demais manifestações - febre, aceleração do pulso, sede, urina escassa e concentrada, delírios, decúbitos, extensas diarréias (não constantes), bronquite e pneumonia -observadas nos casos mais graves, não são característicos da triquinose, mas lembram doenças tifóides e poderiam dar margem a equívocos.
A hidropisia no final da doença deve ser considerada como conseqüência do mal geral, especialmente da circulação afetada, enquanto os edemas no começo da doença devem ser tomados como colaterais ou como conseqüência do entupimento dos vasos linfáticos.
A evolução posterior e os diversos graus da doença não serão discutidos aqui, pois são tratados minuciosamente nos livros de medicina e de parasitologia. Na presente comunicação, interessam-nos apenas os sintomas que permitem o diagnóstico e que apontam para o foco da doença.
De resto, o que já foi dito sobre a triquina intestinal vale, em grau ainda mais elevado, para as larvas em emigração, ou seja, não é o parasita como corpo mecânico que provoca os sintomas, tão somente através de seu grande número, mas também fazem parte desse jogo as matérias pirogénicas; estas provêm ou do processo vital dos parasitas, ou das transformações materiais dos tecidos do hospedeiro provocadas por eles, ou ainda dos focos de infecção miliares, pois os vermes do trato intestinal abrem caminho para os agentes patológicos dos focos ou propagam-nos diretamente. Por isso, não podemos ver o processo todo apenas como proveniente de múltiplos ferimentos microscópicos, devendo-se observar que os instrumentos dos mesmos poderiam também agir infecciosamente. Nessa direção apontam inclusive os sintomas da irritação peritoneal (vermelhidão ou turvação), conforme Leuckart os encontrou em experimentos no final da segunda semana. Em seres humanos, a natureza inflamatória do processo pode ser reconhecida pela febre, pelo intumescimento ganglionar do mesentério encontrado em autópsias bem como pelas degenerações parenquimatosas. Provavelmente todos reconhecem que as afecções pulmonares são apenas uma conseqüência indireta da invasão da triquina, e não são provocadas, por exemplo, por exemplares desorientados.
Parte Final8
Voltamo-nos, pois, para a terapia em si, na qual, conforme já foi indicado, damos importância especial à preparação do intestino. Como supomos a presença das triquinas na mucosa, escolhemos, de preferência, laxantes que levem à sua expulsão. Uma série bastante longa de experiências, que noutra ocasião levei a cabo com doentes acometidos por ancilostomíase, levou-me a considerar o uso de álcalis [Alkalien] e salicilatos [Salina] pouco utilizáveis para este fim.9 Dentre os inúmeros medicamentos aplicados nas experiências, calomelano e podofilina deram os melhores resultados. O primeiro, muito apropriado também para experiências com animais (por exemplo, com coelhos) devido à sua insipidez e a seu efeito seguro, sofre forte limitação no caso de humanos devido ao perigo de estomatite. Deve-se ministrar, portanto, um suplemento potencializador, para o que se mostram adequados o Extractum rhei e o pulvis folium sennae alc. extract. Os mesmos podem ser utilizados durante vários dias de modo a prolongar-se o seu efeito. Podofilina em doses altas provoca facilmente vômito e cólicas; em doses baixas pode ser utilizado continuamente por longo tempo como evacuante. Somente em caso de órgãos digestivos pouco sensíveis pode ser vantajoso o uso de calomelano.
Outros experimentos parecem bastante desejáveis, e eu gostaria de recomendar para tal o uso contínuo de enxofre em doses mais elevadas.
Também deveriam ser feitos experimentos com pílulas recobertas com queratina acompanhadas de abundante administração de ácido clorídrico, experimentos nos quais poderia ser testado, por exemplo, o ácido salicílico como medicamento descamativo.
Talvez se consiga por este caminho, especialmente com a ajuda do calomelano (que também possui certa ação ante-helmíntica), expulsar uma quantidade de triquinas intestinais; este resultado por si só justificaria o experimento. Para tal fim, as fezes teriam de ser examinadas sem perda de tempo da forma mencionada acima. Caso o resultado seja negativo, podemos pelo menos decidir o efeito do próximo ante-helmíntico.
Surge assim a questão sobre qual ante-helmíntico tem maiores chances de êxito, e podemos nos aproximar dela de diferentes modos. Um caminho já trilhado diversas vezes é estudar diretamente a influência de cada medicamento sobre as triquinas vivas. Pela lógica, porém, devem ser utilizadas para este fim apenas triquinas intestinais, tanto livres quanto envolvidas por muco intestinal. Além disso, desta forma obter-se-ão somente pontos de referência e não resultados aplicáveis. Afinal, as condições no interior do intestino apresentam-se amiúde bastante diferentes daquelas encontradas em seu exterior, e no primeiro caso a utilização de certos medicamentos é proibitiva - ao menos na dose e concentração necessárias. Por outro lado, é possível que fique comprovada a eficácia de um medicamento que, nas experiências fora do intestino, não parecia prometer muito. Evitar a influência do suco gástrico e da forte diluição através do uso de cápsulas queratinizadas, como recomenda Fiedler,10 é um problema que até o momento tentei resolver em vão, devido às imperfeições técnicas das mesmas.
Podemos dividir em diferentes grupos, nem sempre rigidamente delimitáveis, os medicamentos cuja eficácia sobre os parasitas do intestino é, em parte, conhecida, em parte, provável. Diferencio os seguintes:
1 - As substâncias desidratantes que agridem diretamente o tegumento do verme. Sob esta rubrica, encontra-se um medicamento que, com base em experimentos diretos com triquinas isoladas, também foi recomendado e testado em doentes, a saber, a glicerina. Fiedler, o primeiro a empregá-la, não alcançou resultados satisfatórios nem mesmo em experimentos com animais (os quais permitem as mais descuidadas aplicações), conforme ele mesmo esclarece, com respeitável franqueza, em suas recomendações. Merkel, porém, acredita que deva atribuir à glicerina parte do êxito de um caso que evoluiu favoravelmente. A mim (da mesma forma que a Fiedler), esta última interpretação parece insuficientemente embasada.
Uma solução definitiva para a questão poderia ser facilmente alcançada se, em experimentos com animais, a glicerina fosse injetada diretamente nas partes comprometidas do intestino. Caso um sucesso confiável, sem efeito colateral considerável, fosse alcançado com esta ou outra substância, o mesmo caminho poderia ser trilhado em humanos, em casos adequados (uma utilização até mesmo continuada deste tipo de prática seria possível mediante aplicação de uma fístula estercoral). Feita por mãos experientes, tal intervenção não deve parecer hoje nem mais perigosa nem pior motivada que uma cirurgia de equinococose hepática. Porém, até que esta terapia seja fundamentada por experimentos em animais, considero mais adequado utilizar tempo e oportunidade com experiências voltadas para medicamentos mais promissores, já que a glicerina até agora não se afirmou como ante-helmíntico. O mesmo vale para o álcool, também recomendado por Fiedler.
2 - O segundo grupo inclui os medicamentos anestésico-narcóticos, dos quais alguns foram usados no tratamento da tênia, como o éter e o clorofórmio. Considero especialmente eficaz o sulfeto de carbono, que obviamente só permite doses bastante limitadas. Também o álcool deve ser associado a este grupo, desde que seu efeito não se dê por desidratação. Deste medicamento pode-se esperar algum sucesso, sobretudo se for introduzido diretamente no intestino; naturalmente, também neste caso o efeito local não é irrelevante, e o receio de sintomas gerais impõe, da mesma forma, certo racionamento das doses, ainda que menor do que se poderia crer a priori.
3 - Em terceiro lugar, devem ser citados os próprios parasiticidas.
No grande grupo das substâncias aromáticas, dos óleos etéreos, dos metais e seus sais etc., há numerosos corpos que parecem ter efeito incontestavelmente venenoso em organismos inferiores. No entanto, deve-se considerar que os diversos grupos zoológicos e botânicos comportam-se de modo extremamente diverso, e relacionar a conclusão aplicável um ao que se concluiu a respeito do outro não é, de forma alguma, admissível. Mesmo que entre os inseticidas e fungicidas alguns mereçam ser testados, deixaremos em segundo plano estas substâncias (em parte, muito tóxicas, em parte, testadas apenas em pequenas doses, talvez sem razão necessária). Voltemos nossas atenções primeiro para os medicamentos testados especificamente como vermífugos.
Também aqui temos vários grupos a distinguir, os quais não parecem ser, de modo algum, uniformemente promissores: aqueles nocivos a todos os parasitas intestinais ou, ao menos, a espécies das diferentes ordens, e aqueles que se consolidaram contra determinada espécie. Entre os últimos, interessam-nos em particular os que são eficazes contra nematelmintos, especialmente as espécies difíceis de serem expelidas, ao passo que os medicamentos contra a tênia, no sentido mais restrito, prometem menos sucesso. Para uma divisão mais exata, falta-me, com freqüência, material imprescindível para as observações; provavelmente, seria necessário uma série de novos experimentos. No entanto, tentarei fazer um agrupamento bem provisório.
No grupo dos medicamentos já amplamente testados incluo, em primeiro lugar, o timol, cuja eficácia ainda não falhou totalmente com nenhum dos demais parasitas intestinais. No caso das tênias e dos botriocéfalos, os segmentos são seguramente expelidos já após administração única de 4 a 6 g. (divididas em duas ou três doses); amiúde, deu-se pela falta da cabeça, mas nem sempre ocorria a recidiva (que, no entanto, observei com certeza em casos de botriocéfalos). Algumas vezes, o segmento surge partido, e os diversos anéis, fortemente contraídos. Através de aplicação repetida, seria possível, provavelmente, alcançar um êxito seguro.
Com ancilóstomos, o timol também é bastante eficaz, desde que se observem as medidas preparatórias mencionadas (ver Volkmanns Sammlung klin. Vortâge, n.365)11; com o Rabdonema, acredito ter visto resultados igualmente garantidos, mas não se pode contar seguramente com os mesmos, provavelmente devido às condições de moradia descritas. O áscaris é expelido segura e totalmente, se necessário mediante a repetição da dose. No caso de tricocéfalos, alcançou-se reiteradamente o desaparecimento total dos ovos nas fezes, prova de que mesmo no ceco o medicamento ainda é eficaz. Outras vezes, o êxito não ocorreu; naturalmente só se deu continuidade ao tratamento quando ainda havia outros vermes intestinais. Os oxiúros também são expelidos com freqüência por meio de tratamento com timol, que parece ser o mais eficaz entre os medicamentos administrados por via oral. Associado a purgantes, deve ser suficiente para uma cura total, o que quase não se pode afirmar para outros medicamentos.
Vemos portanto que o timol tem eficácia muito categórica; os fracassos devem-se provavelmente apenas ao contato insuficiente com os parasitas. Mas se puder ser assegurado, em medida considerável, não se pode imaginar porque as triquinas intestinais deveriam, só elas, resistir ao medicamento. Não é de modo algum provável que oponham uma força de resistência especial. Além disso, há, sem dúvida, a possibilidade de um tratamento repetido ou continuado, o qual naturalmente amplia as previsões de sucesso; eu não vi nenhuma conseqüência adversa, mesmo com o uso por vários dias. Porém recomenda-se examinar a urina do paciente à procura de albumina.
Em sua eficácia, o timol está muito próximo ao Extractum filicis alber; bons preparados deste parecem superá-lo, sob vários aspectos (tênias). Porém, em diversos locais é difícil consegui-los, o que talvez explique - juntamente com a insuficiente preparação do intestino - os habituais insucessos; aqui também parece improvável uma verdadeira imunidade das triquinas intestinais; o Extractum filicis também se presta ao tratamento por vários dias; para seu uso, são decisivas as mesmas recomendações aplicáveis à ancilostomíase. Remeto, assim, o leitor, também neste caso, à minha detalhada descrição nas referências supracitadas.
Com estes dois medicamentos, fica esgotada a enumeração dos anti-helmínticos de eficácia geral; no máximo, poderíamos citar ainda o obsoleto Oleum chaberti e a kamala,12 à qual se atribui, além do efeito sobre os cestódeos, um efeito também sobre os ascárides. Também com a kamala, o efeito parece depender bastante da qualidade do preparado, por isso talvez não se tenha ainda garantia definitiva contra os malogros em casos de ancilóstomos e triquinas.13 Com relação aos outros medicamentos eficazes contra as tênias, poderíamos depositar alguma esperança de êxito na benzina14 e na essência de terebintina.15 Ambas permaneceram, porém, até o momento sem resultados seguros e, ao que tudo indica, só oferecem alguma perspectiva se forem aplicadas de forma modificada.
Entre os medicamentos eficazes contra a tênia, a santonina, em combinação com o calomelano, deu muito isoladamente alguns resultados positivos em casos de ancilóstomo, ao passo que em geral é totalmente ineficaz. Portanto, a possibilidade de se alcançarem resultados favoráveis com o uso de pílulas recobertas com queratina ou com a aplicação direta no intestino tampouco pode ser rejeitada por completo neste caso. Os demais medicamentos contra o Ascaris, ao contrário, parecem não oferecer perspectivas especiais. Em parte, também é difícil consegui-los em estados que surtam efeito.
Não podemos recomendar especialmente nenhuma das outras substâncias que, não sendo consideradas vermífugas, têm efeito nocivo sobre organismos inferiores. Em caso de aplicação direta no intestino, algumas poderiam se mostrar eficientes, mas, em virtude de sua toxicidade, justamente, estas permitem apenas uma administração limitada. O ácido pícrico e seus sais (primeiramente recomendados por Friedenreich) não são mais considerados eficazes.
Das drogas recém-apresentadas, gostaria de recomendar o salol para experimentos pormenorizados; a antipirina e a acetanilida podem ser úteis, do ponto de vista sintomático, em casos de triquinose manifestada.
De todos estes medicamentos, recomendo apenas os dois primeiros para experimentos em pacientes, mesmo sem experiências prévias em animais, e considero absolutamente justificada uma utilização cuidadosa deles. Caso se mostrem totalmente inúteis, contra minhas expectativas, acredito que este insucesso signifique um progresso não destituído de valor para as pesquisas sobre triquinas.
Aqui termino estas considerações feitas a partir de cuidadoso exame da extraordinária literatura. Meu objetivo foi apenas expor aos práticos o estado das questões, como imagino que estejam. O especialista não terá dificuldade de discernir o que, entre estes pensamentos, é novo, e o que já é domínio científico; queira ele desculpar as deficiências de minha apresentação, pois foram objetivos humanos que me levaram a publicá-las. Caso minhas sugestões sejam consideradas dignas de testes experimentais a serem executados por observadores em situação mais propícia (mesmo correndo risco de decepção), considerar-me-ei totalmente compensado pela frustrada esperança de levar a cabo, eu mesmo, este dileto plano.