De matéria clínica sobre parasitos do homem e dos animais domésticos comunicada segundo experiências de uma práxis médica no Brasil*
I - Ascaris lumbricoides
Se me permito comunicar algumas observações clínicas sobre Ascaris lumbricoides, sou levado a isto menos pela expectativa de apresentar algo de novo, que pelo desejo de confirmar observações anteriores. De fato, as condições clínicas da ascaridíase já foram expostas com pormenores reiteradas vezes em obras de Davaine, Leuckart, Küchenmeister e outros. Apesar disso, elas não são de modo algum familiares aos práticos por toda parte, e, mesmo em tratados de medicina interna e pediatria de ampla difusão, alguns pontos importantes não estão presentes. Também no ensino da clínica este assunto amiúde é tratado com pouca consideração, já que nas condições hospitalares não tem, nem de longe, a importância que assume na práxis particular, sobretudo rural. Assim, não posso me lembrar de ter sido alertado, durante meus anos de clínica, para o mais importante auxílio de diagnose, que é a procura de ovos nas fezes, embora tenha freqüentado três universidades de língua alemã (entre as quais, duas na Alemanha). É possível que nestes últimos sete anos alguma coisa nesse sentido tenha mudado, de modo que uma nova digressão sobre o assunto não deve ser de todo supérflua.
Não me deterei em pormenores sobre a freqüência das lombrigas, visto que já tratei desta questão várias vezes, sobretudo em consideração às condições brasileiras. Basta que se diga que a freqüência varia muito segundo a região, mas apresenta, em toda parte, uma relação com as condições de vida, de profissão e de higiene. Onde se torna possível uma aglomeração de ovos de ascárides em terrenos habitados ou construídos, adoecem os indivíduos, cujos hábitos promovem freqüente contato com esses focos. Neste sentido, são predispostas a idade infantil, a jardinagem, a agricultura, as obras de aterro etc. A freqüência do parasito é influenciada, ceteris paribus, pelas providências tomadas contra ele; em alguns lugares, certos vermífugos são tão populares que, pelo menos em caso de crianças, são dados em antecipação a qualquer tratamento médico.
Naturalmente eles se tornam então, facilmente, um tormento inútil; por outro lado, com freqüência o êxito visado não é obtido por carência de conhecimento da matéria.
Em meu consultório brasileiro, de aproximadamente 3.500 pacientes, na maioria vindos da população rural, fui consultado apenas trinta vezes por ter sido a presença de lombrigas verificada ou suposta. No dobro dos casos, ela foi observada como complicação ou constatada pelo respectivo exame.
Entretanto, essa proporção (algo acima de 2,5%) seria muito inferior à proporção dos infestados, de forma crônica ou transitória, em relação à população total.
A diagnose das lombrigas, como a da maioria dos parasitos intestinais, pode dar-se de três formas, a saber, pelos sintomas, pela expulsão de exemplares inteiros ou de seus fragmentos macroscopicamente reconhecíveis e, em terceiro lugar, pelo exame microscópico das fezes, que nos permite reconhecer os ovos (em certos casos embriões) destinados ao meio externo. Tratarei destas formas por ordem.
Embora o número de sintomas atribuído às lombrigas seja considerável, a diagnose a partir deles permanece altamente incerta, pois as manifestações mencionadas não só são inconstantes como, amiúde, pouco características. Isto vale, por exemplo, para a diferença pupilar, a comichão no nariz, o ranger de dentes e os sobressaltos noturnos das crianças, o mau hálito etc.
Um pouco mais confiáveis são, pela minha experiência, a inchação habitual do ventre, a aumentada necessidade de alimento e o retardamento nutricional geral das crianças; porém, estes sintomas só se manifestam no caso de um número maior de ascárides. Os ventres inflados devem ser, via de regra, atribuídos ao meteorismo, somente com a presença de um número muito grande de lombrigas expressando o aumento do conteúdo intestinal sólido (pelo parasito). Retardamento do estado nutricional geral só é observado em infestações mais longas e intensas. Em alguns casos são relatadas sensações dolorosas à feição de cólicas; parece que às vezes a movimentação dos vermes pode ser sentida, ainda que de maneira difusa. Mesmo que nem um único desses sintomas ocorra exclusivamente no caso de lombrigas, e mesmo que sua combinação seja mais característica para vermes, em geral, do que para ascárides, em particular, levando-se em consideração todas as condições consegue-se, contudo, com boa probabilidade, chegar a uma diagnose. Todavia, não raro faltam todos os sintomas evidentes, apesar da presença de numerosas lombrigas; porém, também neste caso é desejável que sejam reconhecidas e combatidas.
A expulsão de lombrigas isoladas é, com muita freqüência, observada tanto pela boca como pelo ânus. A rigor, não podemos concluir daí que ainda existam vermes no intestino, já que amiúde os emigrantes são indivíduos isolados; todavia, constitui um ponto de apoio prático de algum valor, porque é muito comum em forte infestação a eliminação de ascárides isolados. Sobre as causas da emigração falarei mais adiante.
O único método confiável para verificar a presença dos ascárides é o exame microscópico, mas também a ele se associam alguns inconvenientes. Por esse meio não podemos diagnosticar nem machos nem fêmeas não desenvolvidas; todavia, entre vários ascárides uma parte sempre pertencerá ao sexo feminino, habitualmente a maioria, e com o rápido desenvolvimento dos animais, em um exame posterior feito após algumas semanas, serão detectadas as fêmeas que antes não estavam ainda desenvolvidas.
Esse exame, sabidamente, revela a presença de ovos, que, como na maioria dos nematódeos, são evacuados em quantidade colossal. Para sua descrição remeto aos tratados de helmintologia e aos manuais mais recentes de clínica médica; para a técnica do exame fecal, às regras análogas na ancilostomíase (Volkmann's Klin. Vortr., n.365). O caminho correto para quem quer se familiarizar com ovos de helmintos (correspondentemente embriões) é retirá-los para fim de comparações do útero do animal materno. Nesse procedimento há que se considerar que, na passagem pelo duto intestinal, ainda podem modificar-se. Em áscaris isto não ocorre por um desenvolvimento ulterior, mas pelo fato de o envólucro moriforme externo (o assim chamado envólucro de albumina) tornar-se pardacento sob influência da bilifucsina, enquanto antes era esbranquiçado e transparente. Para averiguar essa não insignificante diferença, é recomendável comparar os ovos do útero do parasito e as fezes do intestino terminal do hospedeiro, reconhecendo nestas últimas os ovos pela forma e tamanho coincidentes (semelhança grosseira oferecem apenas alguns grãos de amido compostos, por exemplo, de feijões, os quais ocorrem freqüentemente nas fezes e que, por causa das precedentes transformações químicas, não dão mais a reação do iodo). Os ovos encontram-se nas dejeções sob duas formas: uma, comumente descrita e figurada, deixa reconhecer em seu interior o vitelo ainda não contraído, enquanto as saliências do envólucro externo, quando examinadas em líquido com aumento moderado, só são nitidamente reconhecíveis em perfil. A outra forma provavelmente serviu de base aos desenhos de Schneider (Monogr. der Nematoden), já que estes não oferecem a imagem habitual que se poderia esperar de suas representações, normalmente tão primorosas. Esses ovos são mais finos, mais esguios, e as saliências do envólucro externo saltam mais aos olhos na superfície voltada ao observador; o conteúdo mal pode ser reconhecido e não contém um vitelo bem conservado. Estes últimos ovos, que nas dejeções são encontrados ora exclusivamente, ora misturados aos primeiros, são estéreis, seja porque o animal materno não foi fecundado, seja porque apenas os referidos ovos não o foram, ou ainda (o que é menos provável) por haver algum processo patológico. (Leuckart menciona em sua obra sobre parasitos que, por vezes, culturas inteiras não se desenvolvem, o que atribui ao fato de as mães terem sido virginais; menciona também outros ovos estéreis, tratando, porém, tão pouco desta notável diferença morfológica quanto os outros autores aos quais tive acesso.) A questão de saber se os ascárides também põem ovos não fecundados seria certamente digna de exame.
Verificando-se como correta esta possibilidade, poderíamos concluir, a partir da evacuação exclusiva de ovos estéreis, a existência de uma fêmea que não foi fecundada. Em todo caso, as mesmas condições poderiam ser encontradas quando uma fêmea antes fecundada tivesse esgotado sua reserva espermática. Porém, em caso de ovos em boas condições, poderíamos supor que houve ou há ainda a presença de machos desenvolvidos (outros ovos estéreis teriam permanecido assim provavelmente apenas por causa de condições inadequadas de cultura).
A experiência mostrou-me que fêmeas isoladas também podem ser facilmente reconhecidas a partir dos ovos eliminados. Isto é conseqüência, por um lado, da grande fertilidade do parasito, e, por outro, da íntima mistura do conteúdo intestinal com os ovos, de maneira que estes são encontrados mesmo em pequenas porções. Considerando-se as proporções desses ovos, que nos permitem reconhecê-los, com iluminação adequada, a olho nu, podemos nos valer de fraco aumento.
Volto-me agora aos hábitos dos ascárides e às perturbações ocasionadas por eles.1
À questão sobre se os vermes fazem movimentos intensos no trato intestinal do hospedeiro, posso contribuir com o que segue:
A lombriga adulta é via de regra muito lerda, amiúde inteiramente imóvel, como é possível verificar em animais abatidos ou em dissecções logo empreendidas, antes mesmo da abertura das vísceras (fiz o mesmo achado durante a aplicação de um anus praeternaturalis em que, na alça intestinal irrompente, era possível apalpar duas lombrigas. Nestes casos, a presença do parasito provavelmente indica uma parte superior, e portanto menos propícia, do intestino). Porém, observações diretas e alguns casos das assim chamadas lombrigas errantes não deixam dúvidas de que são capazes de movimentos muito enérgicos. Sua fixação no lúmen do intestino parece ocorrer quando, por leves flexões serpentiformes, obtêm apoio em diferentes pontos das paredes intestinais que se opõem, sobretudo onde as alças apresentam leve inflexão. Mesmo assim, provavelmente são arrastadas pelos movimentos dos intestinos e seu conteúdo, e talvez o empenho em recuperar sua posição explique em parte sua atividade. Um segundo motivo pelo qual os vermes empreendem sua migração jaz certamente no impulso sexual, sem dúvida presente aqui também, para cuja satisfação a migração de pelo menos um dos sexos é indispensável. Caso - em lombrigas isoladas - não dê resultado, a migração pode ser estendida para além dos limites habituais. Assim poderia ser explicada a emigração de lombrigas sexualmente maduras - especialmente masculinas. Uma terceira causa para a emigração deve ser procurada em condições patológicas do hospedeiro, sobretudo aqueles com febre alta, que torna a permanência desagradável ao parasito. Mesmo que alguns medicamentos, o quinino, por exemplo, atuem nesse sentido, sua administração não é absolutamente necessária. Os vermes podem, aliás, manter-se bastante bem no trato intestinal apesar de períodos de várias semanas de febre alta e apesar de fortes diarréias. A esse respeito posso acrescentar mais algumas provas às primeiras. Para casos isolados, quando se trata de indivíduos muitos jovens, nenhuma destas explicações parece correta; é provável que estes últimos sejam, porém, por via de regra, muito mais ágeis. Os mais jovens estágios apresentam atividade totalmente conspícua.
A emigração dos ascárides para o estômago, de onde em geral são eliminados por vômito, parece ser freqüente; pelo menos pude observar muitos casos. Obviamente, tratava-se com grande freqüência de indivíduos adoentados, em particular febris. Nestes casos, os vermes eram normalmente adultos. A expulsão do parasito pode ser, porém, em vez de causa, apenas a conseqüência do vômito, quando este, sendo de longa duração, também remete o conteúdo intestinal para fora, por exemplo em caso de íleo. Em enjôo marítimo é freqüentemente observado, sendo aqui, sem dúvida, efeito e não causa.
Sobre a penetração de ascárides em canais estreitos, observei um exemplo no fígado de um porco recém-abatido. Dos grandes dutos biliares que desembocam na porta hepatis, dois encontravam-se obstruídos por lombrigas não inteiramente desenvolvidas que ali se infiltraram. Pareciam ter se introduzido ali à força, e decididamente não haviam se desenvolvido no local. Ambos estavam, aliás, mortos e - um mais outro menos - macerados.
Às chamadas perfurações por lombrigas também posso dar uma contribuição interessante: tratava-se de um escravo que, após prolongado mal-estar não tratado, mostrou repentina piora. Quando fui chamado, a morte acabara de ocorrer, com sintomas de dor, e a pedido de seu amo empreendi a autópsia no corpo ainda quente para verificar a causa. Foi encontrada uma peritonite generalizada por perfuração, e o orifício foi imediatamente localizado em função da emergência de bolhas gasosas. A alguma distância (cerca de seis polegadas) dele, encontrava-se uma lombriga adulta imóvel, solta no espaço peritoneal entre as alças intestinais superficiais, enquanto a alça perfurada localizava-se no fundo da região ileocecal. O local da perfuração situava-se um metro acima da válvula de Bauhin, o orifício era de margens lisas, circular, com aproximadamente o tamanho de uma ervilha, e correspondia precisamente à grossura do verme. Ela ocupava a metade de uma placa de Peyer, enquanto a outra metade apresentava infiltração um tanto forte. Os aglomerados foliculares e glândulas linfáticas vizinhos mal mostravam algum vestígio de entumescimento; o trato intestinal restante estava normal e não continha outros parasitos. Pareceu-me fora de dúvida que aqui a perfuração fora primordialmente ocasionada pela lombriga; tornaram provável esta convicção a ausência de outras alterações patológicas, a localização em um ponto não propício a úlceras pépticas, o desenvolvimento fulminante de uma peritonite com abundante exsudação e o encontro da lombriga a alguma distância da perfuração, já que esta se encontrava numa parte do intestino que normalmente não é mais habitada por lombrigas, e ainda não se apresentava um motivo para migração por esfriamento do cadáver.
Parecia muito provável que nesse ponto houvesse ocorrido anteriormente uma alteração da parede intestinal; não havia, porém, indício algum para esclarecer sua natureza. Contudo, o enigma não teve que aguardar muito tempo sua solução. Revelou-se que este caso e outros dois adoecimentos febris constituíam apenas o começo de uma epidemia que acometeu 25 pessoas (mais da metade do pessoal da plantação), na qual ocorreram todas as gradações, desde os casos de início leve e severo, mas subitamente abortados, aos mais graves, com duração de várias semanas. A doença pôde ser reconhecida com segurança como tifo, em parte pelos sintomas clínicos, em parte mediante uma segunda autópsia. Esta última envolveu uma negra septuagenária que jazia havia vários dias sem sentidos e com extremidades frias, e apresentava os sintomas físicos de uma peritonite. (Encontrava-se também aqui abundante exsudação fibrinoso-purulenta, e uma afecção tifosa muito extensa da extremidade inferior do íleo. As crostas haviam caído em toda parte e deixado como base das ulcerações apenas uma serosa papirácea, correspondendo a uma meia dúzia de placas de Peyer. Em um ponto também esta estava perfurada, em outros rompia-se ao mais simples movimento de um pedaço de intestino.) Em mais dois casos (dos quais um começou com tratamento ambulatorial para mais tarde se tornar muito intenso, enquanto o outro já começou muito severo, permanecendo longo tempo acima de 41 graus), apresentavam-se nitidamente os sintomas de um princípio de peritonite, não chegando, porém, a uma exsudação líquida; ficaram ambos curados, como os demais doentes a que me referi. O tratamento consistiu principalmente na administração de antipirina, mas fora dado também, sobretudo no começo, quinino. A infecção deu-se provavelmente pela água de um córrego junto ao qual e no qual eram lançadas as imundícies de uma fazenda situada mais a montante (na qual já haviam ocorrido antes casos semelhantes). A infecção surgiu em conexão com fortes e prolongados aguaceiros. O fazendeiro e sua família, que só se serviam de uma água mais pura, porém situada a maior distância, ficaram ilesos. Por comodidade, porém, os escravos bebiam com freqüência a água impura do riacho próximo às suas moradas.2
Entre esses pacientes, o maior número estava afetado por lombrigas, amiúde em grande quantidade (o que também indicava terem eles ingerido água contaminada por fezes ou, da mesma forma, terra). Algumas vezes foram expelidas lombrigas por vômito ou pelo ânus. Apesar disso, encontravam-se ainda em uma parte dos doentes, mesmo após febre de várias semanas às vezes superior a 40 graus, numerosas lombrigas, que só foram eliminadas com anti-helmínticos. Isto comprova, de acordo com antigas observações, que nem febre alta, nem grandes doses de quinino atuam com segurança como expulsores de lombrigas.
Dos demais sintomas atribuídos às lombrigas habitualmente aqui no país, a maioria é explicável por perturbações da dentição ou por outras doenças. Isto vale, sobretudo, para diarréias que também ocorrem em portadores de lombrigas, mas em geral não são conseqüência da presença dos ascárides. O mesmo pode ser dito sobre a maioria das convulsões de crianças, se bem que a possibilidade de serem ocasionadas por vermes decididamente existe, tendo eu mesmo observado duas vezes esse modo de origem em adultos. Considero absolutamente possível que, na presença de numerosas lombrigas, o íleo possa ocorrer em conseqüência de deslocamento do intestino, sua torção etc.; as aglomerações que os ascárides com freqüência formam nos intestinos não se constituem apenas após a morte do hospedeiro, como muitas vezes se afirma, mas antes vi em porcos recém-abatidos os mais massudos novelos de lombrigas (também posso confirmar a ocorrência de injeção nesses pontos).
Considero, por isso, de bom alvitre, em caso de perturbações no fluxo dos intestinos, empreender sempre uma busca a ovos de parasitos; o quantum de microscopia necessário para isto pode ser conseguido mesmo em caso de íleo (por lavagem do reto etc.). Também em icterus considero o exame oportuno.
Tenho ainda que fazer um breve relato acerca de dois casos de convulsão por verminose em adultos. O primeiro diz respeito a uma moça de 16 anos de idade que, até então, nunca havia apresentado sintomas histéricos ou perturbações sexuais, e que, de resto, era completamente sadia. O ataque consistia em opisthotonus extremamente intenso e só a muito custo foi aliviado com narcóticos. Uma vez eliminadas 78 lombrigas por ação de anti-helmínticos, não ocorreu nenhum ataque novo. Teria sem reserva declarado a convulsão como histérica (isto é, histero-epiléptica) se para isto não faltasse toda a etiologia característica, de maneira que não foi possível considerar a paciente, sem mais nem menos, como histérica; porém, a melhora que rapidamente sobreveio após a expulsão das lombrigas indica inequivocamente a verdadeira causa.
No segundo caso, tratava-se de uma paciente que já oferecera várias vezes leves indícios de histeria. Ao infestar-se uma vez com febre intermitente, o paroxismo diurno manifestou-se através de um ataque histérico, de modo que só a temperatura elevada permitiu reconhecer a verdadeira natureza da doença e proporcionar rápida cura por meio do quinino. A mesma enferma apresentou mais tarde uma seqüência semelhante de ataques histéricos diários, mas sem elevação de temperatura. Um exame microscópico revelou numerosos ovos de ascárides, e a melhora ocorreu depois que, por meio de santonina, foi eliminado um número maior de lombrigas (pelo menos trinta). Neste caso, os ataques, embora ocasionados por lombrigas, devem ser considerados, sem reserva, como histéricos. Que estes não são obrigatoriamente desencadeados a partir da genitália mostra, também, a experiência aqui relatada, com febre intermitente, da qual se podem encontrar várias analogias na literatura.
Resta-nos apenas dizer algumas palavras sobre a terapia. Dos medicamentos conhecidos por sua natureza, são de uso mais geral hoje em dia apenas as Flores Cinae (sêmen-contra) e a santonina produzida a partir delas. Quando de boa qualidade, ambos são eficazes; mas aponto expressamente o fato de que não devemos nos contentar apenas com a constatação da saída dos vermes, sendo necessário verificar se não restou mais nenhum. Obtém-se este resultado somente pela repetição da dosagem por vários dias. Devo assinalar aqui, como grande carência, que a dosagem da santonina ainda não está de maneira alguma bem estabelecida. Quem se der ao trabalho de compulsar algumas obras sobre o assunto, confirmará isto facilmente. Mesmo tratados de pediatria distinguem amiúde somente duas doses, uma para crianças menores e outra para maiores, o que no caso de uma substância tão diferenciada é decerto sumamente inadequado. Amiúde também a quantidade de cada dose parece preocupante. Seria uma tarefa gratificante confeccionar uma tabela para as diferentes faixas etárias que estabelecesse as doses mais baixas eficazes e as mais altas ainda permitidas (isto é, destituídas de risco). Pelas minhas experiências, já a 0,1, três vezes ao dia, podem surgir em adultos expressivos efeitos colaterais da santonina. Obviamente, pode ser bastante grande a diferença entre doses levemente tóxicas e realmente perigosas.
De maneira geral, costuma-se obter o efeito quando se administra uma dose, calculada para adulto, de 0,1, três vezes ao dia, durante três dias; às vezes, com isto os ascárides morrem só no terceiro dia, sendo muitas vezes eliminados inteiramente macerados se não for aplicado um forte purgativo. Em caso de necessidade, pode-se facilmente prolongar o tratamento, já que é possível administrar a santonina de maneira fácil e cômoda. Com timol também se alcança o objetivo, com segurança, como me convenci reiteradas vezes ao tratar de ancilostomíase; contudo, aqui também uma repetição é necessária, já que os ascárides sucumbem menos facilmente que outros helmintos, decerto por causa de seu tamanho. À semelhança do timol deverá se comportar o éter do Extractum filicis maris de boa qualidade; também são louvados os bons resultados da kamala, mas, do mesmo modo, parece variar em sua qualidade.
Caberia ainda assinalar que os ascárides eliminados com freqüência (e com certeza mais que outros parasitos) estão nitidamente vivos, o que eventualmente pode ser comprovado por imersão em água com a temperatura do corpo. Para exterminá-los, parece ser necessária uma ação mais prolongada - quer dizer, repetida - dos medicamentos.
No que concerne à ocorrência de espécies de ascárides em animais domésticos, observei o Ascaris lumbricoides no Brasil, como já mencionado, freqüentemente também em porcos. Ascaris mystax foi por mim muito amiúde encontrado em gatos e em cães, mas na espécie humana, ao contrário, nunca me foi possível obter uma prova de sua ocorrência, embora em muitos lugares as condições para uma infestação certamente tenham sido muito propícias.
II - Oxyuris vermicularis3
Entre os “parasitos” intestinais humanos, o Oxyuris vermicularis assume, sob vários aspectos, uma posição especial. Tanto em sua distribuição como em sua diagnose e terapia, apresenta diversas peculiaridades determinadas por seu paradeiro, sua reprodução e seu modo de desenvolvimento. Apesar de ser em alto grau independente das condições climáticas, acompanhando o homem por todas as zonas, em alguns lugares raramente ele tem encontro com o clínico. Apesar disso, tem distribuição muito mais homogênea pelas diferentes classes sociais que as demais espécies de vermes, os quais com freqüência constituem mais propriamente uma doença profissional. Ainda que mal represente um perigo real para o hospedeiro, os oxiúros causam sintomas tão molestos que o reconhecimento e combate de sofrimento tão pertinaz merece maior consideração que a que se lhe atribui comumente.
A julgar por minhas experiências clínicas, teria de considerá-los parasitos raros em meu antigo círculo de atuação na região de Limeira, província de São Paulo, Brasil, posto que, de 3.300 pacientes, só sete procuraram a minha ajuda por causa deles, portanto apenas pouco mais que dois por mil do número de enfermos. Com freqüência um pouco maior encontrei-os nos exames de fezes, contudo, por razões que logo mais serão comentadas, eles também não dão uma noção exata de sua distribuição. Somente com autópsias cuidadosas, a respeito das quais não disponho de dados, poder-se-ia ter uma noção precisa de sua distribuição.
Como se sabe, é especialmente um sintoma que revela a presença dos vermes: a desagradável sensação de comichão que surge durante a emigração espontânea pelo ânus, especialmente no âmbito dos esfíncteres, enquanto os movimentos na mucosa intestinal nem são percebidos e também após a defecação mal se tornam molestos. Se alguns indivíduos parecem bastante insensíveis a essa irritação, para outros ela é, ao contrário, extraordinariamente penosa. Um único vermículo basta para tornar o paciente, durante o tempo da defecação, insensível a tudo que não se relacione à eliminação ou ao alívio da sensação de comichão.
Se, apesar de tudo, o médico é raramente molestado com essa queixa, há para isto várias circunstâncias explicadoras. Justamente os enfermos mais sensatos envergonham-se de expor seu sofrimento; posto que eles próprios não têm explicação para isto, acreditam, ademais, que não podem esperá-la de outra parte.
Infelizmente, amiúde demais eles têm esse ponto de vista confirmado, já que entre os próprios médicos não está de maneira nenhuma difundido o suficiente o princípio de que em todo pruritus analis, principalmente no periódico, deve-se procurar Oxyuris. Boa parte dos casos e, aliás, justamente os mais intensivos e duradouros, atingem também pessoas que não estão em condições de se queixar, a saber, crianças e doentes mentais. Assim, na maioria das vezes, só se procura ajuda quando os vermes são descobertos por acaso ou como conseqüência de investigação. Isto normalmente só ocorre quando eles se tornam muito numerosos. Como de qualquer maneira é importante estabelecer o diagnóstico, devo dedicar algumas palavras à sua técnica.
Enquanto para outros vermes intestinais a diagnose pelo exame fecal microscópico é, sabidamente, o método mais seguro, isto não é absolutamente o caso com Oxyuris, como me permito afirmar com base em uma experiência bastante grande. Encontrar-se-ão por vezes os peculiares ovos, bem caracterizados pelo achatamento unilateral, sobretudo quando se colhem amostras apenas do induto mucoso ou da camada externa das fezes do maior número de pontos possível; contudo, mesmo nos hospedeiros incontestes de Oxyuris, o achado positivo não constitui, de forma alguma, a regra. Isto decorre, por um lado, do fato de que os ovos provavelmente não são expelidos isoladamente, mas em maiores quantidades separadas por longas intermitências; por outro lado, o conteúdo mais consistente do intestino grosso não permite distribuição tão uniforme dos ovos e embriões, como acontece com parasitos do intestino delgado.
O principal motivo, porém, deve ser procurado no fato de que muitas vezes -acredito poder dizer via de regra - a oviposição só ocorre fora do intestino humano, depois que a fêmea, formalmente abarrotada de ovos, leva a cabo sua migração antes de se livrar deles.
Colocando-se tais exemplares evacuados numa lâmina, pode-se observar com freqüência como os ovos são eliminados como que em torrente - talvez em conseqüência do estímulo causado pelo frio - formando, em segundos, uma mancha branca facilmente perceptível em torno do organismo materno colapsado.
Se o paciente, como amiúde ocorre, for exortado pelo médico a inspecionar a evacuação à procura de vermes eliminados, também aqui o resultado pode ser facilmente negativo. Mesmo sem levar em conta o fato que a muitos doentes falta a necessária condição visual ou o treino no seu uso, a descoberta de vermezinhos isolados - mesmo com boa vontade - não é tarefa fácil, principalmente em dejeções volumosas e pouco consistentes. De modo geral, a eliminação dos oxiúros durante a defecação é mais fortuita, enquanto a emigração ativa, ao contrário, constitui a regra.
Por isso, posso recomendar como realmente adequado e, ao mesmo tempo, sintomaticamente eficaz o seguinte procedimento: o enfermo é instruído a, tão logo comece a comichão, introduzir sob leve pressão um clister tão pequeno quanto possível com água bem fria, e evacuar de novo imediatamente. A água fria paralisa o verme prontamente, sendo fácil verificá-lo no escasso líquido pouco turvado, já que de maneira alguma ele resiste à evacuação passiva. Com isso, a sensação de comichão cessa de pronto, o que não sucede nem tão rapidamente nem de modo certeiro após sua satisfação mecânica. Se o procedimento falhar na primeira vez, certamente não será este o caso numa segunda ou terceira tentativa. O alívio instantâneo que se instala não só favorece a repetição do exame como é, em si mesmo, um valioso indício diagnóstico.
Com relação à diagnose diferencial, ainda há que se observar que o encontro de uma infecção local, por exemplo, de eczema ou hemorróidas, não dispensa uma busca por Oxyuris, já que pode se tratar de complicação casual ou de seqüela. Nestes casos e em pruritis nervosus, a comichão em si não está relacionada a determinadas horas e também não começa e termina tão bruscamente, como acontece com a passagem dos vermículos, cujos movimentos, além do mais, podem ser sentidos com bastante nitidez. Pelo menos em casos recentes, a sensação de comichão é certamente conseqüência de sua atividade mecânica.
Em crianças e deficientes mentais, o momento favorável para o exame revelase amiúde por gestos inequívocos, e as providências necessárias devem ser tomadas por seus acompanhantes.4
O parasitismo de Oxyuris pode muitas vezes representar apenas um breve episódio - para felicidade dos pacientes que só raramente devem sua cura a cuidados médicos. Em outros casos, porém, é um mal pertinaz de longa duração. Ceteris paribus a prognose é em alto grau influenciada pela intensidade da primeira infecção, já que de acordo com a convicção corrente uma duração mais prolongada do mal só é possível com reiterada importação.
As condições necessárias para tal apresentam-se mais facilmente em caso de auto-infecção, da qual não se podem excluir totalmente nem mesmo as pessoas mais asseadas. O papel de mediador cabe à comichão, a qual é por demais imperiosa para não ser, às vezes, aliviada, nem que seja inconscientemente, à maneira de um reflexo. Está claro que contra isso o asseio habitual de se lavar e banhar não oferece proteção suficiente, como nas invasões de bactérias. Helmintólogos houve que experimentaram, para seu próprio dano, com que facilidade a ocupação com esses animaizinhos pode levar a uma transmissão; como o contato com os vermes é evitado pelos pesquisadores, a responsável por ela seria, sobretudo, a manipulação, isto é, a lavagem e limpeza de lamínulas e lâminas usadas. Deve-se notar, contudo, que, segundo nossos conhecimentos atuais, para o aparecimento e manutenção da infestação é preciso haver, a todo momento, a importação de vários ovos, pois somente assim fica garantida uma reprodução sexuada dos oxiúros. Chama por isso a atenção quando o mal permanece durante anos em algumas pessoas, apesar de limpeza meticulosa e de cuidados. Deve-se culpar aqui, em parte, o ambiente e as condições insatisfatórias de higiene; mas estas últimas provavelmente não desempenham papel tão importante como no caso de outros parasitos, em razão das condições peculiares de desenvolvimento dos oxiúros, que não permitem a permanência mais prolongada dos ovos na água. Parece-me existir, porém, uma outra possibilidade até agora não discutida. Apesar de haver Leuckart esclarecido ser pouco provável que uma nova geração cresça ao lado da antiga sem prévia migração, não há como negar que as condições clínicas sugerem freqüentemente a possibilidade de uma reprodução continuada no trato intestinal. Porém talvez se possa assumir uma posição intermediária na questão.
Basta apenas supormos que, de tempos em tempos, uma entre as fêmeas grávidas, amiúde tão numerosas, encete seu caminho em sentido inverso, alcançando finalmente o estômago, para vermos garantida, por período mais longo, nova e copiosa geração. Parece-me difícil excluir tal possibilidade.
A expectativa de vida dos oxiúros individualmente só pode ser muito curta, como se depreende, com bastante segurança, de observações que não cabe discutir aqui. Se nesse ínterim for evitada a auto-infecção, pode ocorrer que a infestação facilmente se extinga. Todos os meios que previnem a comichão, reduzindo com isso o perigo de auto-infecção, podem ser úteis à interrupção da doença; porém, há um total desconhecimento das condições quando se acredita poder influenciar os parasitos intestinais por aplicações locais no ânus. Só uma noção errônea das condições do paradeiro dos vermes pode tornar compreensível este modo de agir.
Provavelmente pertence também às ilusões terapêuticas considerar como medida eficiente a eliminação de vermes por purgativos; em todo caso, para que fosse considerada profícua esta medida isolada, seria necessário apresentar evidências de que os parasitos são evacuados em número mais avultado. No entanto não visamos aqui, de forma alguma, uma simples redução dos vermes, mas sua total erradicação, a qual só pode ser esperada se forem mortos ou ao menos anestesiados. Através de remédio administrado internamente não se consegue isto com facilidade, e decerto só raramente se tentou essa medida com êxito.
Também no tratamento com clisteres com freqüência deve ter faltado uma compreensão correta. Uma infinidade de fármacos sob forma de clisteres é louvada como eficaz, porém falta à maioria qualquer comprovação. Contentam-se os seus usuários em verificar certo número de vermezinhos móveis ou imóveis, sem levar em consideração a temperatura dos constituintes do preparo e sem examinar se os vermículos estavam mortos ou em rigidez causada pelo frio. Já me referi ao fato de que seguramente se podem evacuar os oxiúros com o uso de simples água fria, desde que entrem suficientemente em contato com ela; naturalmente, todos os fármacos dissolvidos nesse veículo têm o mesmo efeito. Abstemo-nos, porém, deles, caso sua toxidez não permita preencher todo o intestino grosso com a solução por algum tempo - o único método que poderia fornecer a perspectiva de uma rápida cura por meio de clister, caso o líquido realmente atuasse de maneira deletéria sobre os vermes. Seria uma incumbência gratificante definir, por via experimental, uma tal solução anti-helmíntica eficaz e ao mesmo tempo irrepreensível.
No que tange aos remédios de uso interno, Bremser já se queixa de que, em seu longo percurso, os anti-helmínticos perdem sua eficiência. De fato, não podemos esperar nada de substâncias facilmente solúveis e rapidamente absorvíveis. Faltam também na literatura médica dados utilizáveis sobre uma terapia eficaz através de anti-helmínticos; os pretensos sucessos com a administração da santonina parecem, contudo, ilusórios, sendo explicáveis pela saída espontânea de emigrantes, amiúde bastante numerosa quando o número de parasitos é grande. Porém, embora o oxiúro tenha permanecido como uma espécie de patinho feio do tratamento interno, podemos aproveitar algumas experiências relativas ao Trichocephalus. Este compartilha seu paradeiro com os oxiúros, mas sem acompanhá-los tão profundamente intestino abaixo; podemos supor, portanto, que o mesmo medicamento seja utilizável contra os dois. Ora, conhecemos dois antihelmínticos que freqüentemente se mostraram eficazes contra o tricocéfalo, a saber o Extractum Filicis maris aethercum e o timol; estes são ao mesmo tempo os anti-helmínticos mais versáteis e aqueles cuja ação se estende mais profundamente, de tal maneira que mesmo nas evacuações ainda podem ser detectados pelo seu cheiro específico. Este último fato comprova que são absorvidos apenas lentamente. Para o seu uso remeto à minha exposição anterior (Volkmann's Sammlung Klin. Vortr., n.265, p.2481ss). Também aqui valem os fundamentos por mim estabelecidos para o tratamento da ancilostomíase, das solitárias e da triquinose. Ambos os fármacos prometem também bons resultados em clisteres.
De minhas análises resulta a terapia que considero mais eficiente, quase que por si só. Os fármacos necessários podem ser usados por via oral ou mediante clister. Quando se quer atuar de forma rápida e segura, ambos os métodos devem ser de preferência combinados, caso não haja um empecilho especial. Pela simples introdução de água fria por meio de um irrigador ou funil de Hegar pode-se, em tratamento continuado, obter êxito seguro, se a temperatura da água for baixa e sua quantidade medida com abundância. As massas fecais, que são impeditivas ao enchimento do intestino grosso, são previamente eliminadas por um purgativo ou por lavagem intestinal com água morna, antes que se aplique o clister de água fria, que deve ser mantido apenas por breve tempo. Este último deve ser usado diariamente uma vez e, aliás, pouco antes da hora habitual de emigração dos oxiúros; com isto previne-se a comichão, reduzindo o perigo da auto-infestação a um mínimo. Os alimentos são selecionados de tal maneira a deixarem um mínimo possível de resíduos. Ainda que neste tratamento os oxiúros situados mais ao alto não sejam atingidos com certeza, o seu número será ao menos fortemente reduzido e logo ocorrerá a cura total por extinção espontânea.5
Que a administração interna do timol é eficaz observei reiteradamente no tratamento de Ankylostoma, quando freqüentemente, de maneira inesperada, encontrei fêmeas de Oxyuris mortas nas evacuações. Infelizmente não posso informar se todos os exemplares foram expelidos, e se o êxito é certeiro; mas creio que ao se fazer a aplicação duas ou três vezes, com intervalos semanais, obtém-se uma cura completa, reconhecível pelo cessar da comichão. De modo geral, recomendo que se comece o tratamento com a administração do timol após prévia preparação do intestino, e que, caso ainda surja comichão, se realize durante alguns dias a lavagem com água fria. Os pacientes por mim tratados deste modo não tiveram do que se queixar mais tarde; todavia, esses casos não podem ser considerados inteiramente comprobatórios, pois todos pertencem à práxis ambulatorial.
De qualquer modo, é desejável tratar o padecimento por oxiúros nos seus primórdios; por este motivo, os outros membros da família do enfermo não devem ficar fora de mira. No caso do acometimento de pequenas crianças, encontrei regularmente em minha práxis a mãe igualmente acometida por oxiúros. Não há dúvida de que a dormida em comum favorece muito uma transmissão, ainda que hoje em dia provavelmente ninguém mais atribua ao parasito a capacidade de penetração espontânea per anum. A transmigração do reto para a genitália parece ser, ao contrário, uma ocorrência bastante freqüente no sexo feminino, e também foi várias vezes observada por mim. Em leucorréia, sobretudo em crianças pequenas, tal possibilidade nunca deverá ser desconsiderada.
Nunca pude verificar sintomas gerais graves como os relatados por alguns observadores; parecem em todo caso só ocorrer em infestações de grau muito alto. Como curiosidade, quero ainda mencionar que pude observar numa fêmea emigrante um macho no ato da cópula. Este estava transversalmente entrelaçado no corpo da fêmea, porém se separou espontaneamente dela durante o exame microscópico.
Rhabdonema strongyloides Leuckart e longum Grassi
Em comunicação anterior, assinalei que a assim chamada Anguillula stercoralis é freqüentemente encontrada em exames fecais, e que a partir dela pude criar a forma adulta bissexuada de vida livre. Já na época manifestei minhas dúvidas sobre o vínculo entre esse parasito freqüente e numeroso e a diarréia da Cochinchina, regionalmente tão restrita e desconhecida no Brasil; desde então ainda não tive nenhum motivo para mudar minhas opiniões a respeito.
Sendo bastante reduzida a reprodução das Anguillula stercoralis, individualmente, seria necessário um longo e minucioso exame fecal para excluir a presença de exemplares isolados.
Encontrei novamente a espécie anteriormente observada por mim em porcos -provavelmente idêntica à descrita por Grassi como Rh. longum - em cerca de 25 exemplares em São Paulo, aliás, novamente em um animal bem jovem (janeiro de 1888). A criação da geração livre a partir das fezes malogrou principalmente porque o reduzido número de ovos na massa volumosa dificultava a observação.
Dochmius ankylostoma e espécies afins
Às minhas comunicações anteriores sobre este assunto tenho apenas poucas achegas a fazer. O tratamento com timol ali descrito muitas vezes tem dado resultado desde então - aliás, também em outras mãos. Devo acrescentar ainda uma peculiaridade, qual seja, a de que nos exemplares expelidos dá-se geralmente, se não sempre, pela falta dos dentes-ganchos da cápsula bucal; eles provavelmente ficam presos na mucosa quando o verme é expelido.
Ao histórico de seu desenvolvimento, tenho a acrescentar que consegui criar alguns ancilóstomos em cobaia humana previamente isenta, através da ingestão de várias larvas desenvolvidas, em parte ainda cobertas pela antiga cutícula em forma de bainha.
Os dados fornecidos por outra fonte sobre um desenvolvimento ulterior dessas larvas ao ar livre parecem baseados em um equívoco.6 Talvez tenha sido motivado pelo fato de não raro haver nematódeos de vida livre, capazes de desenvolvimento, na água potável comum. Pela diluição das culturas nesta última, consegui várias vezes que se desenvolvesse grande número de uma espécie de Diplogaster. Estes se distinguiam pelo fato de serem invulgarmente resistentes a processos de putrefação, desenvolvendo-se até a maturidade sexual até mesmo em meios bastante fluidos. Precisavam, contudo, de muito tempo para uma proliferação expressiva, de modo que, na verdade, só em culturas mais velhas poderiam induzir a equívocos.
Quanto ao ancilóstomo em animais domésticos, observei apenas uma espécie em cão, que parece ser idêntica àquela descrita por Ercolani. Distingue-se pela posse de três robustos dentes-ganchos de cada lado e, em função do forte desenvolvimento da cápsula bucal, presta-se bem a estudos anatômicos. Ela foi encontrada pela primeira vez pelo Dr. Havelburg em Santos, e é sem dúvida uma espécie hematófaga. Segundo comunicação escrita de Grassi (recebida há cerca de dois anos), essa espécie é muito comum na Itália; naquela época, ele a considerou idêntica à D. trigonocephalus, e conseqüentemente a declara hematófaga. Infelizmente não estou de posse de toda a literatura a respeito; porém, que o D. trigonocephalus dos antigos pesquisadores era uma espécie inteiramente diferente, parece-me fora de questão. Mesmo em obras mais recentes, parece não haver clareza sobre os ancilóstomos do cão. Assim Johne (em Birch-Hirschfeld, Lehrbuch der pathologischen Anatomie, 2.ed.) declara serem do cão três espécies (D. trigonocephalus, stenocephalus, duodenalis); considero um equívoco achar que a espécie humana ocorre no cão. Talvez isso decorra de uma confusão com o Strongylus (corretamente Dochmius) caninus de Ercolani, embora um olho treinado perceba as diferenças à primeira vista.
De nematódeos afins, o Sclerostomum pinguicola (Stephanurus dentatus) é extraordinariamente freqüente em porcos e, com certeza, tem importância patológica. No estômago do mesmo hospedeiro, encontrei um macho de uma espécie menor de Strongylus com bursa bem desenvolvida.
Como curiosidade quero ainda mencionar que encontrei três vezes no esquilo brasileiro (Sciurus aestuans) exemplares de machos e fêmeas sexualmente maduros de uma espécie de Strongylus, que se destacavam pelo seu paradeiro inusitado. Eles se encontravam nas cavidades cistiformes de um órgão abdominal que só poderia ser considerado como pâncreas. Em conformidade com isso, também se encontravam no trato intestinal ovos de nematódeos, os quais assemelhavam-se inteiramente aos das fêmeas sexualmente maduras, e que, portanto, só podem ter chegado ali através do duto pancreático. A extrema delicadeza desses vermes, que não me permitiu conservá-los, impediu-me até agora de estudar mais minudentemente suas não insignificantes peculiaridades morfológicas.7
Trichocephalus dispar
Encontrei freqüentemente tricocéfalos no homem e no porco; também no gato doméstico há uma espécie ainda não descrita e, ao que parece, muito menor. O Trichocephalus dispar humano estava amplamente disseminado em meu círculo de observações, encontrando-se em cerca de um terço dos exames fecais empreendidos. Aparentemente ocorre com mais freqüência e abundância nos hospedeiros de Ascaris lumbricoides, de Dochmius ankylostoma e de Rhabdonema strongyloides, mas mesmo assim não raro foi encontrado sozinho e, às vezes, inesperadamente. Notório é o fato de que, apesar de sua disseminação, sempre ocorre em pequeno número de exemplares, sendo o mais alto número verificado o de nove (seis fêmeas e três machos). Os exames fecais indicam muitas vezes a presença de apenas uma ou duas fêmeas. Algumas observações apontam para o fato de que fêmeas não fecundadas talvez possam eliminar ovos também. (Em porcos, o tricocéfalo foi encontrado com freqüência, mas sempre em número pequeno de exemplares.)
Não tive, portanto, motivos para tomar providências contra este verme; mas para os casos em que estas possam ser necessárias, quero transmitir minha experiência a respeito. Sabidamente, o tricocéfalo é tido como difícil de expelir, e só muito poucas vezes foi encontrado em fezes durante o tratamento de solitárias. Só mais recentemente, desde a introdução do timol, as condições se modificaram um pouco, tendo sido feitas, reiteradas vezes, notificações de tricocéfalos expelidos. Eu mesmo possuo vinte exemplares de cinco diferentes indivíduos expelidos por meio de timol. Foram obtidos por ocasião de tratamento de Ankylostoma e Ascaris, porém representam apenas uma parte dos exemplares que fiz expelir, posto que em outros pacientes tratados do mesmo modo o desaparecimento dos ovos de tricocéfalo permite concluir que os organismos maternos foram expulsos. Porém, ainda que o timol se apresente até agora como o mais seguro medicamento contra o tricocéfalo, superando provavelmente até mesmo o melhor extrato de feto macho,8 ele falha freqüentemente quando administrado em uma dose única; afinal, ainda se considera o tricocéfalo como um dos vermes mais difíceis de eliminar. Talvez seja possível modificar isso no futuro mediante novos estudos sobre a forma de aplicação do timol (por exemplo, evitando a administração de purgativos). De outros anti-helmínticos conhecidos até o momento, apenas a raiz de feto-macho e seus preparados parecem ter algum efeito sobre este verme.
Tênias
Não encontrei cestóides com freqüência especial na província de São Paulo (cerca de 0,5 por cento dos enfermos), porém com certeza ocorrem tanto a Taenia solium como a Taenia saginata. É difícil comparar sua freqüência, pois ocorre uma peculiar separação por nacionalidades. Três exemplares - provenientes de brasileiros bem situados, citadinos - bem como um verme procedente de pessoa com idênticas condições, expelido por ação de um colega, pertenciam, sem dúvida, a T. saginata. Nos meus casos, a infestação provavelmente se deu por ingestão de bifes meio crus. Entre alemãs observei, entretanto, oito casos de solitárias (T. solium), das quais apenas uma foi importada da Europa. Além disso, conheci ainda seis casos que ocorreram entre as crianças de duas famílias alemãs. Quando se pôde proceder a um exame, tratava-se sempre de Taenia solium, e nos outros casos poderia se supor a mesma espécie pela semelhança de condições. Todos os casos ocorreram em famílias em que porcos eram regularmente abatidos (em geral para venda); salsichas também eram feitas, o que não é costume entre os brasileiros. Provavelmente a infestação sempre ocorria através da ingestão da carne moída ainda crua (que muitas vezes era oferecida - até mesmo às crianças) e não pelas salsichas prontas, que também eram consumidas por brasileiros. (Nesta região, presuntos não entram em cogitação como meios de infestação.) Além disso, tomei conhecimento de dois casos de solitária em um negro e uma negra; trabalhavam numa fazenda onde muita carne de porco e quase nenhuma carne bovina eram consumidas. Também aqui a probabilidade fala a favor de Taenia solium.
Das demais tênias que ocorrem no homem, até agora não pude encontrar nenhum exemplar no Brasil.
Em animais domésticos, encontrei T. elliptica no cão e T. crassicillis no gato; o Cysticercus fasciolaris pertencente a este último foi por mim encontrado diversas vezes em camundongos e ratos.
Fiz algumas observações de cisticercos humanos; eles, porém, não são freqüentes. Lembro-me de três casos, dos quais dois tiveram a diagnose confirmada pela extirpação da larva. Duas vezes tratava-se de cisticercos da solitária nas faces anterior e lateral do tórax; um dos hospedeiros, um alemão, abrigava também uma Taenia solium. O terceiro paciente apresentava múltiplos cisticercos, seis debaixo do peritônio, dois ou três nas coxas e um entre as duas abas do prepúcio; estes últimos somente foram notados vários meses mais tarde, ao se empreender um segundo exame. A larva do prepúcio foi extirpada, deixando atrás de si uma pequena cavidade cistiforme. Um quarto caso foi observado igualmente em um brasileiro que antes tinha sofrido de solitária. O tumor do tecido hipodérmico, do tamanho de um caroço de laranja, distinguia-se por sua notável dureza. Durante a extirpação, revelou-se constituído de uma massa esbranquiçada fortemente calcificada, caseosa, que apresentava, somente em direção a um pólo, uma aglomeração preta de pigmento que obviamente correspondia à cabeça do antigo cisticerco. (Estando excluída a possibilidade de equívoco com um ateroma, a julgar pela forma e localização do tumor só podia tratar-se de um cisticerco obliterado.) Uma cuidadosa descalcificação permitiu produzir a forma de uma vesícula do tamanho e com a forma de um caroço de laranja, que abrigava em si um conteúdo não estruturado, com massa de pigmento; apesar de meticulosíssimo exame, não consegui encontrar nenhum vestígio de ganchinhos quitinosos. Não me parece, portanto, inteiramente impossível que o cisticerco morto e calcificado tenha pertencido ao ciclo evolutivo daTaenia saginata. Tal suposição ganharia em verossimilhança se o próprio portador tivesse possuído a Taenia.
Isso, porém, não pôde mais ser verificado, ainda que as mencionadas condições de distribuição o corroborem.
À terapia das tênias preciso ainda dedicar breves palavras. Os medicamentos contra cestóides, que perdem facilmente sua eficácia, não deram resultados realmente bons aqui no país. Isto vale também para o extrato etéreo do feto macho. Dos medicamentos conhecidos, somente a casca de raiz de romã pode ser encontrada com facilidade aqui em condições de eficácia, e muitas vezes já deu bons resultados também na aplicação de doses maiores (80-100 gramas por adulto) (certa vez vi uma Taenia saginata da qual apenas a metade da cabeça com duas ventosas fora eliminada). Infelizmente, esse remédio ataca com freqüência os órgãos digestivos de maneira apreensível. Por isto e por seu gosto desagradável, sua utilização fica bastante cerceada.
Uso por isso presentemente o mesmo tratamento por timol que descrevi por ocasião da ancilostomíase (Volkmann's Vortr., n.265). Já o utilizei, acredito que como pioneiro, há uma série de anos no tratamento de tênia, e somente a escassez de material e a imperfeição das observações impediram-me de chamar anteriormente a atenção para ele; entrementes já posso comunicar alguns fatos seguros. Com o uso do meu método à base de timol, no caso de T. solium, T. saginata e Bothriocephalus latus (dois casos com dois exemplares cada um), a cadeia solta-se rapidamente, amiúde já após a segunda cápsula, sendo encontradas sempre as suas partes mais delgadas, verificando-se com freqüência a falta da cabeça. Infelizmente nestes casos não pude, eu mesmo, efetuar os exames porque a maioria de meus pacientes morava a grande distância. Contudo recebi de vários casos (Taenia solium e signata) notícia fidedigna da ausência de subseqüentes recidivas, de modo que nestes casos a cabeça deve ter sido expelida, ou seja, morta. Nos dois enfermos de Bothriocephalus, ao contrário, reapareceram novamente mais tarde trechos de segmentos. Julgo portanto necessário prosseguir nos estudos para que se verifique sob que condições se pode esperar uma cura radical. De qualquer maneira, o timol em forma de cápsula não só é fácil de tomar e é o tratamento mais agradável, segundo muitos pacientes (excluindo talvez Pellitierin e Koussin), como também pode ser repetido sem perigo e utilizado mesmo durante períodos mais prolongados. Em comparação aos demais medicamentos contra as tênias, tem a vantagem de ser uma substância quimicamente pura, não sujeita a decomposição, o que, perante a instabilidade de outros anti-helmínticos, é de grande importância, sobretudo em países quentes.
Entretanto, se se dispuser de um extrato etéreo de feto macho realmente bom, é de melhor alvitre utilizá-lo, já que em doses de 6,0-10,0, em cápsulas de gelatina, representa um tratamento não muito desagradável, e insuperável em termos de segurança.
Não pude constatar cisticercos de Taenia echinococcus com segurança no homem, mas nos porcos, ao contrário, parecem ser muito comuns.