O ciclo vital do Distoma hepaticum*
Na nota preliminar a seguir pretendo sumariar as observações que pude efetivar acerca de uma epizootia que campeou nas llhas Sandwich.1 Esta foi causada por um Distoma, o qual, segundo pude depreender da literatura pertinente, não se distingue do Distoma hepaticum nem por sua constituição e tamanho, nem por seu ciclo vital. Também as cercárias e rédias, por exemplo, apresentam tão poucas diferenças, como ressaltará minha descrição, que me sinto autorizado a designar a espécie como Distoma hepaticum.
No que concerne à disseminação de nosso Distoma, ele certamente se instalou em três das ilhas havaianas, a saber, Oahu, Maui e Kauai (todavia também na ilha Havaí não deve estar de todo ausente). Em Oahu ele foi achado há uma série de anos na vertente de Koolau, voltada para os alísios e portanto mais pluviosa, e finalmente também reconhecido como Distoma hepaticum. Porém, só muito recentemente a atenção oficial dirigiu-se ao parasito em conseqüência das condições precárias do gado de corte. Parece que agora também a outra vertente está amplamente infectada; em algumas localidades quase todo o plantel de gado bovino pereceu de distomíase e em outros lugares, ainda que menos intensivamente, a doença está também igualmente generalizada.
Dos animais domésticos o que mais sofreu até então foi o gado bovino; cavalos mantidos nos mesmos locais parecem também padecer do mal, embora em menor grau. Sobre cabras, ovelhas e porcos, cuja criação é de menor importância nos arredores de Honolulu, faltam informações. Contudo, soube que o dístomo hepático foi também encontrado em porcos selvagens (isto é, asselvajados) abatidos nas vizinhanças de pastagens infestadas.
Meu primeiro conhecimento dessas condições proveio de informações de um de meus pacientes sobre a grande mortalidade em sua quinta usada como produtora de leite nas vizinhanças da cidade. Pela descrição supus tratar-se de dístomo hepático, mas lhe requeri que mandasse abater um dos animais doentes na minha presença. Isso foi feito então com uma vaca muito emagrecida e levemente ictérica. Encontramos o fígado pequeno, fortemente aderente e cheio de dístomos que se deixavam espremer em massa para fora dos dutos biliares. A vesícula biliar fortemente recheada continha duas mãos cheias de dístomos vivos, sendo por mim levados para fins de cultura. Menciono ainda que encontrei nos pulmões três pequenos focos lobular-pneumônicos semelhantes aos de pneumonia por filária; em um deles pude verificar um dístomo jovem; dos dois outros os inquilinos pareciam já ter partido novamente.
Os ovos levados e cuidadosamente lavados emitiram em duas a três semanas embriões; mas como na época eu estava intensamente absorvido em outro afazer, a maior parte da cultura perdeu-se sem ser aproveitada com o sucessivo eclodir e morrer dos embriões. Apenas uma pequena parte serviu a experiências de infestação.
Mais tarde fiz outra cultura para a qual aproveitei o conteúdo da vesícula biliar de seis animais abatidos acometidos pelo dístomo. A eclosão dos primeiros embriões foi observada no 12° dia, em temperatura do ar bastante elevada, mas isso só ocorreu para os ovos que foram mantidos sob uma camada mínima de líquido. Uma parte foi também guardada da mesma forma como descrevi anteriormente as culturas de ovos de Ascaris, a saber, introduzidos com pouco líquido em uma garrafa posta a rolar para que estes se espalhassem uniformemente nas paredes, a fim de que ficassem umedecidos apenas e protegidos do ressecamento; essa parte desenvolveu-se com a mesma velocidade. Observei ainda, em concordância com Leuckart, que com uma coluna de líquido mais elevada o desenvolvimento retardase, de modo que mesmo com um nível de água apenas um pouco alto, ele se dá muito mais lentamente, podendo, em plena natureza, levar facilmente semanas e meses. Processos de decomposição na água são nocivos às culturas; sobre os ovos medram micélios que provavelmente podem penetrar também em seu interior; em outros casos o ovo recheia-se de uma massa de bactérias que o faz inflar à feição de um balão, detonando por fim o opérculo. Na natureza, onde o desenvolvimento se dá em água mais ou menos corrente, as condições são, não raro, mais favoráveis, mas provavelmente muitos ovos devem sucumbir de modo semelhante ou morrer com o rebaixamento do nível das águas, por não conseguirem suportar ressecamento, ainda que breve.
Mesmo que o embrião esteja formado e já faça nítidas contrações, não se deve esperar logo a eclosão; a melhor maneira de reconhecer a maturidade é dada pela forma do estigma ocular composto, cuja constituição, aliás, não é de fácil descrição. Visto de frente ele deve se apresentar nitidamente em forma de X com os ramos inferiores mais longos; aí se pode então fazer o embrião emergir pelo método de Leuckart, por iluminação após prévia escuridão ou por água fria. Já observei, aliás, com nitidez o movimento dos cílios no interior do ovo ao examiná-lo numa solução de amoníaco, cuja concentração, contudo, não posso dar com precisão. Os embriões emersos são tão vivazes e tão habilidosos nadadores que sem dúvida podem, mesmo sem a ajuda de correntezas, percorrer distâncias consideráveis; contudo, seus movimentos são tateantes e pouco regulares.
Importava-me examinar o destino subseqüente dos embriões, e já que aprendemos pelas pesquisas de Leuckart a reconhecer em Limnaeus minutus o hospedeiro intermediário do dístomo, desejei primeiramente verificar se ele ocorreria aqui ou não. Lembrei-me de ter visto formas semelhantes em uma plantação de taro2 permanentemente inundada, bem como em um córrego. Porém, o primeiro local de achado havia sido, nesse ínterim, drenado. Mas logo descobri que caracóis parecidos podiam ser encontrados em toda plantação de taro. As formas por mim encontradas eram pequenas, no máximo do tamanho de L. minutus e também de resto não dessemelhantes dele. Continham comumente de seis a vinte exemplares de um Distoma encapsulado em cistos hialinos que se assemelhava ao D. echinatum, sem, porém, que a alimentação de um jovem pato com esses caracóis desse algum resultado. Estágios de desenvolvimento do dístomo hepático não eram de se esperar pela natureza das localidades, não sendo também encontrados.
A fim de mais facilmente comprovar a penetração dos embriões, escolhi para minhas experiências os exemplares menores, que, extraídos das conchas e esmagados entre duas lâminas, deixam-se examinar mais facilmente in totum.
Resultou que a infestação se deu rapidamente e sem dificuldade; os embriões estabelecidos eram facilmente reconhecíveis pelas duas manchas pigmentares arredondadas, que se originam logo após a clivagem da aglomeração de pigmento em forma de X. Após doze dias encontrei as primeiras rédias emigrantes em número moderado. Também esse estágio, como todos os anteriores, coincidia inteiramente com a precisa descrição de Leuckart, só que as rédias, provavelmente em conseqüência da temperatura mais alta dominante, desenvolveram-se algo mais rápido.
Após ter encontrado dessa maneira o provável hospedeiro intermediário para as Ilhas Sandwich, esforcei-me por detectar em lugares adequados exemplares espontaneamente infestados.
Duas amostras de localidades suspeitas deram resultado negativo; na minha terceira busca, ao contrário, obtive um sucesso tão demonstrativo como eu não poderia ter esperado, e ao mesmo tempo um material tão favorável como não estivera à disposição de nenhum dos pesquisadores precedentes.
Como soube por outro de meus pacientes, o qual sofria de ancilostomíase adquirida em Oahu, que em uma pastagem pertencente a ele e outros a maior parte do gado vacum morrera por ação de dístomos e que o resto encontrava-se adoentado, pedi-lhe, dando uma amostra, que trouxesse do bebedouro das reses o maior número possível de caracóis.
Após alguns dias ele retornou com cerca de cem caracóis de diferentes tamanhos. O primeiro grande exemplar que examinei continha mais de cem rédias, na maioria com cercárias maduras, das quais várias centenas encistaram-se sob meus olhos. Mostrou-se que todos os exemplares maiores estavam infestados, aliás, em geral abundantemente. O número de rédias pode chegar a alcançar até mesmo duzentos; contudo, tais caracóis apresentam uma mortalidade muito elevada, sucumbindo em breve, obviamente em consequência da infestação. Encontra-se então a parte superior da concha preenchida por densa trança de rédias que, com a fratura das voltas superiores, extravasa “como se o caracol tivesse sido devorado por varejas” no dizer muito apropriado de um leigo. O fígado pode desaparecer reduzindo-se a pequenos restos, de maneira que no caso dos caracóis se pode falar também, tanto quanto ou mais ainda que no caso dos herbívoros, de uma morbidez hepática. Também os órgãos genitais parecem atrofiar-se.
As conchas trazidas pareciam, à primeira vista, pertencer todas a uma espécie, obviamente um limneídeo, idêntico ao que encontrei. Contudo, havia também exemplares consideravelmente maiores, que coincidiam completamente na forma e no tamanho da casca com a ilustração de Leuckart para limneídeos da espécie pereger. Acresce a isso que meus exemplares anteriores, os quais apresentavam filamentos seminíferos, mas não ovos, e que, portanto, não poderiam estar ainda completamente desenvolvidos, tinham mais semelhança com a ilustração de L. pereger que com a de L. minutus. Ainda que não tivesse outros pontos de apoio além das duas ilustrações na obra de Leuckart, suspeitei, com alguma probabilidade, que o verdadeiro hospedeiro pudesse ser L. pereger, porque justamente os caracóis bem grandes (que não poderiam pertencer a L. minutus) apresentavam as proles de cercárias mais copiosas, e porque, também, logo me convenci de que somente exemplares muito jovens de minha espécie se deixavam infestar, o que concordava com os dados de Leuckart sobre L. pereger. A probabilidade aumentou ainda mais quando recebi, por bondade de Leuckart, a descrição de ambas as espécies, que falava decididamente a favor da minha opinião. Entretanto, como a espécie local daqui também poderia ser uma espécie distinta, eu remetera pouco antes a Leuckart certo número de conchas que ele submeteu a uma autoridade conquiliológica. A decisão dizia: L. pereger, e assim podemos considerar como um fato, que pelo menos em clima tropical L. pereger pode funcionar como hospedeiro intermediário muito prolífico do dístomo, enquanto na Europa, de acordo com as experiências de Leuckart, essa espécie só permite que os embriões de Distoma hepaticum se desenvolvam até rédias.3
Entre os caracóis ultimamente recebidos encontravam-se alguns cujas conchas eram sinistrógiras, se bem que fossem do mesmo tamanho e bastante semelhantes na forma.
Depois de atentar para isso, encontrei uma leve diferença na abertura da concha, uma rádula bem diferente, um pé enegrecido e afilado e cornos antenais filiformes mais longos, caracteres pelos quais identifiquei o gênero Physa, com base no Claus’ Handbuch. Algumas dessas conchas estavam também entre as enviadas para a Europa, sendo igualmente identificadas como Physa.4 Essa Physa não se deixou infestar com D. hepaticum em nenhuma fase etária, embora apresentasse os mesmos cistos hialinos de Distoma. Portanto, o embrião de D. hepaticum revela-se não só mais seletivo do que outros dístomos, mas oferece também uma brusca oposição à capacidade de adaptação do dístomo hepático adulto.
Uma outra espécie de caracol que poderia ser cogitada para infestação não foi encontrada até agora nos lugares contaminados.
Desde então encontrei em duas diferentes localidades caracóis infestados, e cheguei à convicção de que em lugares fortemente infestados seria possível, via de regra, comprovar os portadores de infestação, naturalmente desde que as condições da região não tenham se alterado e que se saiba o que é importante. Que eu saiba, algo semelhante não foi comunicado até agora, motivo pelo qual talvez seja interessante descrever brevemente as condições dos lugares infestados.
O entorno de Honolulu é constituído essencialmente de uma cadeia de montanhas vulcânicas de dois a três mil pés de altitude e de uma estreita planície situada em frente a ela. A primeira apresenta para o lado de Honolulu encostas suaves que são, todavia, sulcadas por um sistema adensado de vales de erosão, cujas largura e profundidade variam, mas sempre apresentando declives muito íngremes. Cada um deles contém um ou dois fortes córregos que no alto verão secam inteiramente ou quase, mas que sob certas circunstâncias podem encher-se de maneira extraordinariamente rápida e violenta. Essas águas corroeram os vales, e seus sedimentos, apoiados em corais formadores de recife, constituíram a planície. Enquanto na porção superior dos vales, de cerca de três a dez quilômetros de comprimento, a quantidade de precipitação é extraordinariamente elevada, em direção à extremidade inferior ela decresce rapidamente, sendo na planície bastante reduzida ou inteiramente insuficiente. Esta depende, por isso, em parte dos córregos mencionados, em parte de poços artesianos para alimentar os arrozais e as plantações de taro sempre mantidos encharcados que constituem as principais culturas na planície, estendendo-se em parte ao sopé dos vales. A criação de gado é, por isso, restrita às partes não ocupadas dos vales e às encostas adjacentes.
Nosso limneídeo encontra-se então tanto nos córregos até o sopé das montanhas quanto nos campos por eles irrigados. Ele é encontrado ali ou pousado nas pedras e rochas, em parte abaixo, em parte acima da água, ou trepado pelos talos de taro e decerto também em tufos de confervas5 flutuantes ou folhas putrescentes. Sua alimentação é constituída de algas e plantas em decomposição. Em cativeiro preferem folhas de couve maceradas a qualquer outra folha, podendo-se até mesmo empregá-las vantajosamente como isca para capturá-los no meio externo. Em experiências de infestação encontrei o seu intestino abarrotado de ovos de Distoma sem que estes tivessem sofrido eclosão ou se alterado de alguma maneira perceptível.
Minhas duas últimas localidades de coleta foram os riachos que percorriam dois desses vales usados para criação de gado e servindo, ao mesmo tempo, de bebedouro das reses. Eles abrigavam limneídeos em grande quantidade, todavia freqüentemente pequenos. Nenhum deles mostrava tamanho pleno. No exame dos exemplares maiores encontrei aproximadamente em cada cinco ou seis indivíduos um portador de rédias e cercárias livres. Levando-se em consideração o grande número de caracóis e de obstáculos que a forte correnteza e a ocasional enchente oferecem ao tranqüilo desenvolvimento dos ovos, esse resultado foi notavelmente favorável e a comprovação fácil o suficiente. Porém, mesmo em reduzida infestação, esta seria fácil de se alcançar se um número maior de caracóis coletados ligeiramente amassados fosse guardado por algum tempo em um pouco d’água, já que as cercárias e seus cistos logo se aglomerariam, não podendo, em boas condições de iluminação, deixar de ser vistas, mesmo que apenas um caracol estivesse infestado. Em ambos os casos a infestação só poderia ter ocorrido nos córregos, pois que fora deles, em alagadiços e poças, não eram encontrados caracóis. E mesmo lá, como distinguirei mais adiante, a infestação ocorria mais no bebedouro que no pasto. Dos ovos evacuados apenas chegaram a desenvolver-se aqueles que foram liberados junto com as fezes diretamente nos córregos, ou que tenham sido levados por fortes aguaceiros para dentro deles antes que estas se ressecassem.
Muito mais simples e claras apresentavam-se as condições no primeiro local de coleta, que visitei reiteradamente. Aqui brotava nas vizinhanças do pasto uma fonte pouco acessível que fluía entre as pedras, mas que num dado local formava uma bacia bastante rasa, mais ou menos do tamanho de um quarto, com paredes de pedras vulcânicas, mas fundo plano e barrento, no qual medravam exuberantemente agrião e lentilhas d’água. Que os animais ao beber adentravam bastante a água, ficou nitidamente provado em parte pelas pegadas, em parte por seus excrementos. Os ovos que não foram carregados pela reduzida correnteza podiam facilmente desenvolver-se nas águas rasas, e os embriões logo encontravam caracóis à disposição, pois encontrei nas pedras várias centenas deles ou mandei que outros os coletassem, sem que com isso eles fossem exterminados. Nas lentilhas d’água pude, eu mesmo, encontrar alguns cistos, que só estavam à espera de serem recolhidos. Os excrementos na água, os caracóis repletos de rédias e cercárias, os quais à mais leve danificação deixavam brotar em massa sua cria de parasitos, e finalmente, a ossada de uma rês sucumbida pela distomíase na imediata vizinhança, ilustravam o ciclo vital do dístomo e a relação entre causa e efeito da maneira mais drástica possível.
Volto-me agora para as observações que pude realizar utilizando os caracóis naturalmente infestados procedentes das localidades descritas. Aos pormenores anatômicos fornecidos por Leuckart sobre rédias e cercárias pouco teria a acrescentar; reexaminei-os em sua maior parte e posso confirmá-lo. Graças à notável transparência dos tecidos pode-se utilizar com sucesso, mesmo no animal vivo, as fortes ampliações às vezes necessárias; apenas para umas poucas minudências é necessário proceder-se a exames de cortes.
Para fixação podem ser utilizadas as soluções de ácido pirolenhoso, sublimado ou ácido pícrico; como corante utilizei carmim borácico ou picrocarmim, mas talvez a hematoxilina glicerinada desse resultados melhores.
O tamanho das rédias é dado por Leuckart (na liberação da prole de cercárias) como de 1 mm; considero-o inconstante. Amiúde concorda com o dado acima, porém em casos isolados alcança o dobro e chega mesmo a ultrapassá-lo significativamente. Aliás, esses exemplares gigantes são muito escassos. Vi o número de cercárias mais ou menos desenvolvidas chegar a vinte, mas amiúde seu número era menor, não raro encontrando-se apenas duas ou três cercárias desenvolvidas por rédia. Quero considerar como aumentada em pelo menos um triplo (segundo minhas observações e para as condições locais daqui) a estimativa de que uma cercária produziria em média sessenta cercárias; porém, a estimativa da descendência de um esporocisto como de seis rédias parece-me baixa demais, já que nunca encontrei um número tão reduzido de rédias nos caracóis maiores.
Encontro o conteúdo das células granulosas em cercárias imaturas constituído de grânulos uniformemente grandes e regulares, lembrando cristais em forma de pedras de amolar. Com o avanço da maturidade eles se tornam menores, portanto devem ter-se, em parte, diluído.
Na formação do cisto é segregado um invólucro de finas fibras, no interior do qual os grânulos formam uma casca mais compacta. O primeiro é obviamente uma substância adesiva que é secretada em forma líquida, fixando os cistos no substrato; provavelmente também se origina nas mesmas células. No interior desses cistos forma-se logo uma parede nova, bastante hialina, que sob pressão se esvazia in totum. Dentro destes, preenchendo-os completamente, situa-se a larva inteiramente conglobada em uma perfeita esfera, à feição de um ouriço-cacheiro, apenas pouco se movimentando. Seu tegumento é extremamente delicado e também seus tecidos abdicaram, com a formação do cisto, de toda sua solidez, de maneira que somente as ventosas, a faringe e as concreções apresentam alguma consistência; por isso é bastante difícil extrair a larva mais ou menos intacta e com sinais de vida das paredes do cisto. Em cistos mais velhos pode-se então, com grande aumento, reconhecer claramente a ainda fina guarnição espinular, enquanto o intestino se apresenta nitidamente serpeante; ao contrário de Leuckart, vejo os bastonetes nos vermes encistados reduzirem-se rapidamente e finalmente desaparecerem. Às vezes uma pequena fração deles é encontrada também mais tarde nas células, enquanto outros são achados entre a cutícula larval e a parede do cisto. Como não se vê nenhum equivalente para eles, penso que, dissolvidos, servem para reforçar a parede do cisto, enquanto as transformações na larva mal são suficientes para que sejam tomadas como nutrientes para ela.
O material dos bastonetes é, conforme se pode concluir de sua tingibilidade muitíssimo menor, distinto dos grânulos do órgão lobar. Estes últimos têm uma afinidade bem notável com os diferentes corantes, podendo, na cercária imatura, já estar intensamente corados no interior da rédia, quando esta ainda não apresenta nenhum constituinte corado. Essa propriedade também se conserva nos grânulos da parede do cisto; esta última é originalmente puramente branca, logo assumindo, porém, um matiz castanho-amarelado; havendo, todavia, apenas traços de algum corante na água, ela aparece prontamente tingida na respectiva cor. Assim, basta introduzir um pedaço de papel cor-de-laranja no recipiente em questão, o que quase não tinge visivelmente a água, para obter cistos vermelho-alaranjados; traços de carmim borácico coram-nos de vermelho intenso. No momento, valho-me desse tingimento inteiramente inócuo para tornar os cistos bem nítidos.
Enquanto trabalhava sobre Distoma hepaticum encontrei uma outra espécie de rédia que provavelmente não fora ainda descrita. Ela encontra-se às centenas e mesmo aos milhares nas vísceras, sobretudo rins, de uma grande Melania; as esguias cercárias encapsulam-se igualmente no meio exterior e, aliás, em cistos peculiares lageniformes, dos quais a qualquer momento as larvas podem espontaneamente emergir. Esse dispositivo digno de nota será descrito em outra ocasião; apenas mencionei aqui a espécie porque em algumas condições, que serão mencionadas logo mais, ela coincide com D. hepaticum.
A partir da literatura fiquei com a impressão de que se supõe que as cercárias maduras irrompem voluntariamente do animal hospedeiro. Para as espécies citadas tenho que contestar absolutamente uma tal ocorrência. A cercária pode, sim, emergir da abertura de nascimento da rédia, porém fica então repousando no interior dos tecidos do hospedeiro, relativamente quieta e sem absorver alimento sólido, até que é posta em liberdade pela morte do hospedeiro ou pela fratura da concha. Portanto cada caracol intacto encerra ainda o número integral das cercárias até então produzidas. Retirando-se um limneídeo fortemente infestado da concha, o que se consegue com bastante facilidade, pode-se então esquadrinhar in totum a extremidade superior do saco visceral, plena de parasitos, e observar bem os lentos movimentos das cercárias maduras, enquanto as rédias maduras ainda se mostram bastante móveis, sobretudo com a parte correspondente ao pescoço. Acres-centando-se alguma água, as cercárias se tornam algo mais vivazes, mas só assumem sua plena mobilidade quando a parede corporal do hospedeiro é rompida e a água as toca diretamente. A cauda começa então a trabalhar tão vigorosamente que só se podem ver seus contornos nas duas extremidades da trajetória de deslocamento em forma de oito.
Só posso reconhecer aí a expressão de desconforto no novo meio, do qual ela se livra o mais rapidamente possível com a formação de um cisto. Contudo, o material para a formação do cisto só pode ser expelido quando o corpo consegue um ponto de apoio, para o que freqüentemente uma longa natação se torna necessária; isto acontecendo, é formado, sem perda de tempo, um cisto, e em seguida a larva cai novamente em apatia, que forma um crasso contraste com os movimentos convulsivos da cercária livre.
Da mesma forma que a cercária quase não emigra de um limneídeo (correspondente da melania) vivo e ileso, ela também quase não se encapsula dentro dele. Isso só pode acontecer se a parte superior da concha tiver sido danificada, o que, aliás, ocorre tanto mais facilmente, quanto mais freqüentemente as primeiras voltas da concha aparecerem erodidas (provavelmente por microrganismos solubilizadores do calcário). (Às vezes são também ocupadas por um feixe de confervas.) Em contato com a água, mesmo cercárias imaturas e pouco ágeis encistam-se; reconhecem-se seus invólucros por serem de material muito mais grosseiro; freqüentemente ficam incompletos, porém são sempre inúteis, pois tais nascituros precoces perecem rapidamente. Também as rédias sob tais circunstâncias ficam primeiramente imóveis, morrendo gradualmente.
Mantidas em um recipiente maior, as cercárias encapsulam-se tanto na superfície quanto no fundo. Partes de vegetais são amplamente utilizadas, todavia sem nítida indicação de preferência; no aquário vêem-se não raro outros limneídeos com cistos sobre as conchas; na livre natureza isso deve ocorrer naturalmente de maneira muito mais rara. Encontrei os dístomos cativos ainda com vida após dois meses; mas uma parte deles perece, provavelmente pelos mesmos motivos que os ovos. Isso acontece, sobretudo, quando a água não é renovada com freqüência. Na água corrente sua duração de vida deve ser bem considerável.
Quando os cistos situam-se em partes de vegetais que se decompõem gradualmente, eles se soltam pouco a pouco, descendo para fundo. Porém, de uma forma ou de outra, o vínculo com o substrato torna-se com o tempo mais ou menos frouxo, sobretudo quando este é liso, de modo que bastam correntes na água para deslocar os cistos. O local onde a maioria dos cistos finalmente se aglomera é, portanto, o sedimento no fundo das águas, com o qual decerto podem ser facilmente levantados em turbilhão em virtude de seu baixo peso específico. Dessa maneira podem, durante o beber dos animais, parar facilmente em seus estômagos, especialmente quando estes adentram antes a água rasa. Quem já alguma vez observou essas condições sabe que animais maiores ao beber sorvem juntamente com a água grandes quantidades do depósito do fundo. Considero, por isso, esse modo de infestação de longe o mais freqüente e, para a localidade por mim examinada, o único importante. A deglutição de caracóis acontece com certeza, ainda que não com freqüência; é, porém, altamente questionável, se dessa maneira pode ser provocada uma infestação. Em todo caso as cercárias não encapsuladas são mais facilmente engolidas durante o abeberar-se.
No que se refere à ingestão de plantas cheias de cistos, esta certamente pode ocorrer no bebedouro; afinal as folhas de couve por mim lançadas na água para a captura de caracóis foram consumidas pelo gado. Todavia, sabe-se que o capim que ocorre nos lugares brejosos é, de modo geral, desprezado pelo gado, e em inundações dos pastos os cistos devem perecer rapidamente quando o nível das águas baixa. Em casos isolados tais condições devem ser consideradas, como, por exemplo, em epidemias entre lebres. Entretanto, não está provado que lebres não bebam água. A forragem que estas encontram em plena natureza não é, com certeza, tão suculenta quanto a que meus coelhos comem, e estes não se abstêm absolutamente de receber água.
A influência de anos mais úmidos sobre a epidemia hepática já é explicada o bastante pelo desenvolvimento mais fácil dos ovos de dístomos; também a disseminação dos limneídeos é favorecida; o local e a maneira de infestação, ao contrário, provavelmente não foram influenciados.
A experiência conduzida por Leuckart, citada em Friedberger e Frõhner (Lehrbuch derspez. Pathologie und Therapie der Hausthiere. Stuttgart, 1886, p.332),6 de alimentação com caracóis das gramíneas de uma pastagem de ovelhas suspeita, nada comprova sem os pormenores, e a designação “caracóis de gramíneas” mal pode relacionar-se a limneídeos. Espero, aliás, fazer experimentos em breve com limneídeos infestados.
Para fins de exame podem-se deixar as cercárias se encistarem sobre placas de vidro ou em recipientes nos quais se tenha colocado folhas finas de gelatina insolúvel. Para experiências tomo um pedaço de papel no qual está anotada a data, e o coloco dobrado como um filtro em uma vasilha de porcelana ou com as margens dobradas para cima em uma tigela fotográfica. A seguir verte-se água em cima e o caracol é aí colocado, após sua concha ter sido aberta mediante um corte de tesoura da extremidade superior da abertura até o ápice. Obtêm-se assim todos os cistos sobre papel, se se quiser corados, e após o enxágüe, livres de qualquer mistura. Eles podem ser guardados tanto tempo quanto se quiser na água, deixando-se raspar do papel amolecido, mesmo após algum tempo, sem danificar-se, ou deixando-se recortar do papel por meio de uma tesoura curva, para serem adicionados à comida ou à bebida (sobre papel de seda prestam-se mesmo para exame microscópico). Fragmentos de plantas só são recomendáveis para consumo imediato.
Volto-me agora aos resultados das experiências de transmissão por mim encetadas. Até o presente elas foram feitas somente em três cobaias, um cabrito e um leitão. Meus primeiros êxitos, que provavelmente são também os primeiros nesse terreno, foram obtidos em cobaia que até agora não era conhecida como hospedeira do dístomo hepático, mas que se revelou como objeto de experiência adequado, pelo menos para os primeiros estágios. O cabrito morreu casualmente vinte horas após ser alimentado com centenas de cistos mais velhos, provavelmente em conseqüência do desmame muito precoce. No estômago e nas vias biliares nada foi encontrado de cistos ou de seus ocupantes, e, portanto, estes provavelmente passaram (decerto por insuficiente vigor digestivo) por todo o canal digestivo ou pela sua maior parte, sem eclodir. Também no leitão, que no decorrer de uma semana recebeu reiteradas vezes numerosos cistos de diferentes idades, não foram encontrados dístomos jovens; infelizmente, o estômago estava repleto, apesar do longo jejum, e no fígado já apreciavelmente grande não foi possível fazer um exame absolutamente rigoroso dos animálculos de no máximo um milímetro de comprimento.
Depois de assinalar esses insucessos, passo a falar sobre os resultados positivos. As cobaias eram dois porquinhos-da-índia adultos e um muito jovem, mal chegado à maturidade. Os cistos foram administrados parcialmente sobre forragem verde, parcialmente sobre pão molhado. De um modo geral, o sucesso foi tanto que se poderia supor que a maioria das larvas dos cistos de dístomos com pelo menos uma semana e, de resto, bem conservados, chegou a seu local de destinação. Os dois animais maiores pereceram em conseqüência da infestação, e o menor foi sacrificado.
A primeira cobaia recebeu em 23 e 24 de dezembro cerca de vinte cistos mais velhos de cada vez e, ademais, no dia 27, cerca de vinte que tinham uma semana de idade. Com alguma perda nas primeiras porções da alimentação era de se contar, já que os cistos foram raspados das paredes do recipiente de vidro; os últimos encapsularam-se sobre capim mantido com as raízes na água. De ambas as categorias algo pode ter se perdido durante o ato de comer.
Essa cobaia foi encontrada morta em 23 de janeiro (1892) fornecendo na dissecação o seguinte resultado:
Na cavidade abdominal uma grande quantidade de sangue líquido, que se coagula logo após a abertura; além disso, um considerável derramamento seroso que pouco se misturou com o sangue. A superfície do fígado apresenta um comportamento normal somente em algumas partes do lobo direito; de resto está hiperêmico, finamente granulado, coberto de numerosos coágulos de fibrina. Sob a serosa encontravam-se muitas pequenas cavidades preenchidas de sangue e no parênquima numerosos pequenos coágulos vermiformes de sangue. Em uma das primeiras é encontrado sem dificuldade um dístomo com cerca de 8 mm de comprimento, que executa vivas contrações, o que modifica extraordinariamente sua forma. O intestino ricamente ramificado está repleto de uma massa fluida castanha que durante as contrações flui para lá e para cá, mas logo é expelida em sua maior parte. Vasos excretores e escamas espiniformes estão bem nítidos, as últimas sobretudo na extremidade cefálica.
Já que as grandes vias biliares (incluindo a vesícula) se apresentavam vazias e as vias biliares mais finas não puderam ser seguidas em função da pequenez do objeto, foi encetado na investigação o seguinte caminho:
O fígado é conservado em água morna, enquanto um lobo após outro é examinado; o último, cerca de um quarto de toda a massa, é colocado em álcool, a fim de posterior testagem. Cada um dos diferentes lobos é retalhado em pedaços e estes esmagados entre duas placas de vidro. Dessa maneira, todo o fígado (com exceção do lobo mencionado) é esquadrinhado sob luz incidental, e todos os dístomos são coletados; da água são ainda pescados posteriormente um certo número de exemplares que foram liberados na disrupção da continuidade da superfície hepática. A contagem deu 29 dístomos, o menor tendo cerca de 4 ¾ mm de comprimento em uma largura máxima de 1 ½ mm; as medidas do maior são 9 ½: 2 ½ mm. As medidas foram feitas em animais mortos ou enrijecidos pelo frio, e não se pode deixar de reconhecer as diferenças no grau de contração dos diferentes exemplares. De qualquer maneira existem diferenças consideráveis no tamanho, as quais não podem ser explicadas apenas pelas diferenças de idade, devendo antes outros fatores ter colaborado para isso. No pulmão encontra-se um pequeno nódulo onde talvez tenha se encistado um parasito perdido.
O exame dos outros órgãos foi mais sumário e não revelou nada de anormal; o fígado em si foi tão precisamente esquadrinhado, que dificilmente algum exemplar pode ter passado despercebido.
No dia seguinte, a outra cobaia sucumbiu, do mesmo modo, à peritonite serosa e à hemorragia hepática. O fígado apresenta exatamente as mesmas condições; também aqui os lobos esquerdos estão bastante distendidos, os direitos algo menos; as camadas fibrinosas são muito fortes, mas restritas à superfície hepática.
Neste caso foram administrados 32 dias antes da morte cerca de vinte cistos mais velhos. Foram encontrados 17 dístomos, dos quais apenas um no fígado enquanto os demais 18 estavam espalhados pela cavidade abdominal. O tamanho deles era mais uniforme, porém também mostrava diferenças acentuadas.
A terceira cobaia, ainda muito jovem, foi sacrificada depois de ter recebido, 44 dias antes, alguns cistos menos velhos e, tanto nove, quanto oito dias antes, muitos cistos de duas semanas. Foram encontrados em uma camada fibrinosa, além de um dístomo maior, cerca de vinte com 1 mm de comprimento. O encontro deles foi bastante difícil e, além disso, eram tão delicados que só em pequena fração puderam ser isolados intactos. O fígado estava atravessado por uma quantidade de canais sinuosos cujas paredes pareciam purulentamente infiltradas; essas infiltrações eram significativamente mais grossas que o diâmetro de seus inquilinos e não correspondiam, obviamente, aos canais normalmente existentes. Dessas experiências tiro as seguintes conclusões:
Nos porquinhos-da-índia (e o mesmo provavelmente deve valer também para outros pequenos roedores) os dístomos imigrados deslocam-se bem rápido à periferia do fígado, e quando os colédocos normais se tornam estreitos demais, eles progridem, independentemente, perfurando o tecido macio. Ao atingirem a superfície, perfuram o peritôneo, conseguindo assim alcançar a cavidade peritoneal, onde devem viver por algum tempo. Porém, ainda que o hospedeiro sobreviva a essa emigração, eles não alcançam o pleno desenvolvimento. (Aqui talvez esteja a explicação para o resultado negativo do experimento de Leuckart com coelho.)
No que concerne à natureza dos dístomos por mim observados não pode haver nenhuma dúvida de que se originaram dos cistos ministrados com a alimentação, já que correspondem inteiramente às descrições de Thomas e de Leuckart, e além disso minhas cobaias nunca apresentaram dístomos. Para ilustração das relações de forma dou os contornos precisos de alguns deles, os quais foram guardados em glicerina diluída. Deve-se observar que nesses exemplares o alongamento predomina mais do que em estado de repouso. Tenho que reservar a descrição exata da história do desenvolvimento para uma ocasião futura, e dou aqui apenas alguns resultados sumários.
A guarnição de espinhos e o sistema excretor já aparecem muito cedo desenvolvidos por completo. Em meus exemplares menores (observados preenchidos) o intestino parecia apresentar somente voltas e nenhuma ramificação nítida ainda; mas estas surgem logo, tornando-se rapidamente completas. Em dístomos jovens a ventosa ventral situa-se num cone bem proeminente, o que certamente deve ser importante para a locomoção. Dos órgãos genitais surgem como primeiros indícios a bolsa do cirro e a glândula da casca, seguindo-se então útero, ovário, tubos testiculares e aparelho vitelar. O reconhecimento das proporções é, porém, bastante difícil pois os pimórdios estruturais têm pouco de característico e o parênquima apresenta, em lugar das futuras formações vesiculosas, apenas pequenas células globosas densamente apinhadas.
Também as primeiras formas juvenis parecem capazes de grande vivacidade de considerável dinamismo.
Por fim, tenho que mencionar ainda brevemente o seguinte experimento:
Uma quantidade de cistos com três dias de idade, em parte repousando sobre pedacinhos de papel de seda, foi atada, com um pouco de água, dentro de um saquinho de papel pergaminho e empurrada esôfago abaixo até o estômago em um coelho. Após quatro horas o animal foi sacrificado, e o saquinho procurado e aberto. Revelou-se que a parede externa do cisto, corada pelo carmim, estava, por toda parte, mais ou menos rompida, ao que parece pela inchação da parte interior não corada dos cistos. Esta última estava freqüentemente estufada, mas ainda inteira. Em seu interior as larvas executavam, à temperatura do corpo, movimentos muito vivazes; conseguiu-se, por pressão, fazer que uma parte delas emergisse relativamente intacta, e mostrar, com toda segurança, que em todas faltavam os bastonetes. Emergência espontânea não foi possível observar com segurança.
Pretendo continuar estas investigações.