Comunicação provisória*
Nos últimos anos, dediquei-me novamente aos problemas helmintológicos, em especial ao estudo dos trematódeos brasileiros. As observações dos primeiros estágios ensinaram-me a conhecer gradativamente as fases mais importantes, ainda desconhecidas, do ciclo de desenvolvimento dos holostomídeos. Naturalmente, os meus resultados não coincidem de modo algum com as hipóteses tradicionais, porém se baseiam numa observação e em experimentos cuidadosos, os quais foram repetidos muitas vezes durante extensos períodos. Um artigo, ilustrado com desenhos e fotografias, será publicado nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, o que, no entanto, só deverá acontecer, na melhor das hipóteses, bem mais tarde. Assim sendo, decidi apresentar, desde já, os resultados mais importantes, esperando que esta comunicação provisória não seja considerada precipitada.
Até o presente, conhecemos formas adultas de holostomídeos, com ovos ainda não desenvolvidos, e formas de larvas enquistadas, das quais aqueles são provenientes. As outras fases de desenvolvimento continuam praticamente desconhecidas, o que vale, sobretudo, para as cercárias, cuja existência comumente é contestada. Elas foram mencionadas recentemente por um autor, porém parece ter havido um engano no que tange às cercárias providas de cauda. Na verdade, as cercárias que importam aqui foram vistas e descritas muitas vezes, mas não foram reconhecidas como tais, e as razões disso serão facilmente depreendidas de minha exposição.
Pressuponho que o corpo das cercárias não se enquista imediatamente após a penetração no hospedeiro intermediário. Pelo contrário, precede-o um longo estágio pré-cístico, no qual o parasita vive livremente nos tecidos, continuando a se desenvolver com transformações notáveis. O cisto forma-se somente bem mais tarde, deixando reconhecer aos poucos, com maior nitidez, a forma larval. No entanto, para que haja o desenvolvimento dos órgãos sexuais e a formação definitiva do corpo, torna-se necessária a transferência para o hospedeiro principal.
Parece que raramente foram observados ovos com embriões e miracídios livres de holostomídeos. Examinei ambos, tanto no Holostomum como no Hemistomum, e não encontrei nada que pudesse apoiar a hipótese de um desenvolvimento direto, a qual se refere à estrutura dos miracídios e ao tamanho dos ovos, mas carece de fundamento. O tamanho, comparado ao de algumas espécies, sem dúvida formadoras de partenitos1 não é nada excepcional; quanto à estrutura, cita-se principalmente uma informação mais antiga de v. Linstow. Porém, a imagem que a acompanha dificilmente pode ser considerada por uma pessoa imparcial como prova de desenvolvimento direto.
É preciso lembrar que, até há pouco tempo, supunha-se também que o esquistossomo se desenvolvia sem partenitos, o que, desde então, revelou-se um erro. Se isto também puder ser demonstrado para os holostomídeos, o mesmo ciclo evolutivo será válido para todos os endotrematódeos, o que, desde logo, é bem mais plausível. Por causa da restrita produção de ovos dos holostomos, seria pouco compreensível que todos os exemplares de certas espécies de Planorbis de alguns lugares apresentassem numerosos Tetracotyle,2 se cada um deles proviesse de um ovo separado. As minhas observações, ao contrário, mostram a existência de caramujos infectados que liberam inúmeras cercárias por dia, o que torna facilmente compreensível esse fato.
Um dos grupos morfológicos que são diferençados para fins práticos abarca as chamadas cercárias furcocercas. No lugar dessa forma pouco admissível, proponho o adjetivo dicranocerca e o substantivo dicranocercária, o que pode ser traduzido por cauda forcada e cercária forcada. As formas nas quais a parte forcada não aparece separada (como nos esquistossomídeos) também podem ser denominadas esquistocercárias e cercárias de cauda fendida.
Apesar da freqüência das cercárias forcadas, até recentemente elas foram pouco notadas, uma vez que seu destino permanecia tão obscuro quanto o dos estágios prévios de alguns endotrematódeos. Na verdade, teria sido evidente correlacioná-los, mas parece que ninguém pensou nisso.
Como desculpa, pode-se alegar que a maioria das cercárias forcadas é muito pequena e pouco desenvolvida. A sua estrutura, dificilmente reconhecível e, de modo geral, bastante elementar, só permite conclusões muito restritas sobre a sua pertinência. No entanto, diversos tipos são diferençáveis. As cercárias esquistos-somídeas, ao que consta, são desprovidas de faringe, mas possuem grandes glândulas salivares situadas muito para trás, cujas células glandulares sinuosas desembocam na parte frontal, onde se encontram pequenos espinhos que parecem destinados a inocular a secreção. A cauda carrega um pedaço forcado relativamente curto e separado. O desenvolvimento se realiza em esporocistos muito longos. Aqui também deve enquadrar-se a Cercaria cristata La Valette, cujas ventosas são subdesenvolvidas, o que também ocorre nos esquistossomídeos.
As três cercárias, que identifiquei como seguramente pertencentes ao Holostomum, possuem uma faringe, um intestino pouco nítido e encurtado, uma cauda comprida e profundamente fendida, cujas extremidades variam quanto à forma, mas quase sempre são um pouco achatadas bilateralmente. Não apresentam olhos, e o desenvolvimento também acontece em longos esporocistos. As ventosas são semelhantes às das cercárias previamente citadas, isto é, a ventosa bucal é oval, o acetábulo pequeno, e, por vezes virado para fora, outras para dentro. As glândulas salivares e os condutos excretores não são nitidamente perceptíveis. Os tecidos, muito transparentes, não apresentam estruturas características, nem no estado fresco, nem no estado fixado ou tingido. Os espinhos da pele, se existentes, são extremamente tênues. Apesar disso, as cercárias são nitidamente distintas do primeiro grupo quanto ao seu aspecto geral, e também suficientemente diferentes entre si. Porém, divergem mais nitidamente quanto ao seu comportamento em relação a novos hospedeiros.
Contudo, entre as cercárias forcadas locais também existem algumas com estigma. Em uma espécie de Planorbis, já citada no meu trabalho sobre os esquistossomos, ela desenvolve-se em rédia. Ao contrário, em uma espécie de Physa, próxima do primeiro grupo e encontrada apenas uma vez, ela se desenvolve, da mesma forma, em esporocistos. Nesta última, o intestino parece ter forma de saco e não ser bifurcado.
Além disso, duas espécies muito conspícuas de um melanelídeo, que vive em rios e pertence ao gênero Semisinus, transformam-se em esporocistos. Uma possui cecos consideravelmente largos e longos, a outra possui um intestino simples em forma de um saco grande e amplo. O mesmo caramujo contém uma terceira espécie de cercária, que apresenta ocelos.
O encistamento imediato parece não ter sido provado em nenhuma cercária forcada. No máximo poderiam formar-se cistos muito tênues, uma vez que sempre parecem faltar células cistoplásticas nítidas. Nos holostomídeos, os quais provavelmente abarcam a maior parte das cercárias forcadas, o encistamento provavelmente ocorre apenas após um lapso de tempo mais prolongado depois da penetração no segundo hospedeiro.
Entre as cercárias forcadas descritas na literatura e as que observei há inúmeras diferenças que permitem distinguir, com alguma prática, as diversas espécies. O melhor meio de classificação será encontrado imperativamente no seu comportamento por ocasião da mudança de hospedeiro. Por isso, onde foi possível, procurei determinar o hospedeiro seguinte através de experiências com as cercárias e, deste modo, cheguei a resultados altamente interessantes, embora com certa dificuldade.
Quanto aos esquistossomídeos, era de esperar que as cercárias penetrassem na pele de mamíferos ou de pássaros. Não consegui fazer essas observações, que realizei à vontade e sem dificuldade no Schistosomum mansoni, em nenhuma das outras cercárias. Estas últimas foram então colocadas em contato com pequenos peixes, girinos, caramujos, pequenos crustáceos e larvas de insetos de água doce, tendo sido escolhidas formas particulares da mesma região. Alguns desses animais, como os girinos e as larvas de insetos, engolem as cercárias, bem como outros pequenos animais aquáticos; elas podem, então, ser encontradas maciçamente, ainda vivas, no intestino deles, porém, na maioria dos casos, não são mais comprováveis no dia seguinte.
São consideradas bem-sucedidas apenas as experiências nas quais a penetração das cercárias foi observada diretamente, ou nas quais as cobaias estavam abundantemente infectadas após a confrontação. A seguir, acompanhou-se a continuação do desenvolvimento dos corpos das cercárias que haviam penetrado, até seu enquistamento. O resultado final foi a formação de Tetracotyle típicos. Uma vez libertados dos cistos, evidenciavam a forma nítida de Holostomum; dentro do quisto estavam suficientemente caracterizados pelas formações laterais, semelhantes a ventosas, às quais alude o nome Tetracotyle.
As cobaias foram criadas por meio de ovos, ou obtidas de locais seguramente livres de infecção.
As três cercárias de Holostomum que observei comportaram-se de modo diverso, a saber, uma (Dicranocercaria molluscipeta) só penetrava em caramujos de água doce, a segunda (D. gyrinipeta) apenas em girinos, e a terceira (D. bdellocystis) somente em sanguessugas. A penetração direta através da pele externa foi observada nas três espécies, e, em primeiro lugar, na D. molluscipeta. Aqui, por um feliz acaso, foi constatada, através de um fraco aumento, a penetração na antena de uma Physa rivalis, e o órgão afetado logo amputado. Cortes em série desse órgão revelaram a larva do trematódeo deitada livremente embaixo da pele. A seguir, acompanhou-se a penetração direta da D. gyrinipeta. As cercárias penetravam pela pele da cauda e, nos dias subseqüentes, se dirigiam para a extremidade da cabeça sem enquistar-se. Graças a uma pequena particularidade foi possível determinar a sua identidade. A grande transparência de algumas larvas de raineta que utilizei permitiu o acompanhamento de uma parte do processo no animal vivo. As últimas observações, em compensação as mais brilhantes, foram realizadas em sanguessugas dos gêneros Haementeria e Hemiclepis. Aqui, acompanhou-se uma penetração maciça através do microscópio. Os Hemiclepis triseriata muito jovens não foram tão intensamente atacados quanto exemplares mais velhos e maiores desta e de outras espécies; em contrapartida, a transparência dos tecidos permitiu a observação direta de cada exemplar que havia penetrado. O processo de penetração leva algum tempo e, por conseguinte, pode ser acompanhado com facilidade em todos os seus estágios.
A penetração através da pele externa não exclui a de cavidades internas; nos molluscipeta esta última parece ser até mesmo a regra geral. As espécies Planorbis, Spirulina e Physa foram atacadas por igual; também foram atacados sem uma seleção particular diversos gêneros e espécies de girinos e sanguessugas. Durante as tentativas de infecção é preciso utilizar um grande número de cercárias, uma vez que apenas uma parte delas penetra, e mesmo esta somente algum tempo após a emigração do primeiro hospedeiro. Tal circunstância deve ser levada em conta durante a experiência. Porém, invasões em massa conduzem facilmente à morte dos hospedeiros intermediários, seja de imediato ou após algum tempo.
Infecções espontâneas de hospedeiros intermediários foram observadas muitas vezes na natureza, e nos mesmos meios aquáticos nos quais havia moluscos infectados. Tais infecções não costumam ser muito intensas. Contudo, se moluscos providos de cercárias permanecerem junto com hospedeiros intermediários em pequenos aquários durante um tempo prolongado, poderão sobrevir infecções muito fortes.
A transição para Tetracotyle das cercárias forcadas que penetraram foi acompanhada através de todos os estágios em girinos e caramujos de água doce; quanto aos hirudíneos, o material teve de ser tratado com mais cuidado, porém, também aqui todos os estágios foram observados. O processo é praticamente o mesmo em todos. Deixando a cauda para trás, o corpo da cercária penetra no hospedeiro intermediário, onde é encontrado livre e pouco transformado nos dias seguintes. Os movimentos são nítidos, porém não muito intensos. As duas ventosas são facilmente identificáveis por sua forma e localização características. Os tecidos ainda são muito transparentes; o intestino e o aparelho sexual um pouco mais nítidos do que antes. Inicia-se, logo a seguir, um crescimento que conduz mais ao alargamento do corpo do que ao seu alongamento. Grãozinhos minúsculos, manifestamente situados nos capilares do sistema de excreção, formam uma rede que vai cobrindo, cada vez mais, as outras estruturas. Os troncos maiores nem sempre são injetados, mas, por vezes, deixam perceber anastomose transversal. É provável que células cistoplásticas, as quais todavia não são facilmente identificáveis, contribuam para o aumento da opacidade. Finalmente surge um quadro bem característico: podem ser vistos trematódeos grandes e largos, mas não muito grossos, muito brancos na luz incidente, opacos na luz penetrante, e cuja estrutura é encoberta pela granulação e turvação gerais. Ambas as extremidades são iguais, ou uma delas evidencia o rudimento de um segundo segmento. Tais elementos com certeza foram vistos por Faust e atribuídos aos holostomídeos. Contudo, parece que ele as tomou por cercárias. Pode-se facilmente compreendê-las como cercárias desprovidas de cauda ou com um coto dela, tanto mais que preferem penetrar nos esporocistos e rédias de outros trematódeos. Inúmeras vezes encontrei-as livres ou já enquistadas nos partenitos de Xiphidiocercaria e Echinocercaria, mais raramente nos de cercárias forcadas, as quais podem pertencer à mesma espécie. As cercárias pertencentes aos partenitos são facilmente distinguidas quando já estão formadas, o que, no entanto, nem sempre é o caso. Uma vez que os estágios pré-císticos dos holostomídeos forem reconhecidos como tais, o seu aspecto característico será interpretado corretamente sem problemas, onde quer que se depare com os mesmos.
Os planos estágios pré-císticos mostram-se bem maiores do que as contraídas e arredondadas formas enquistadas, as quais, além do mais, eliminaram uma quantidade importante de material cístico e de grãos de excreção. Em conseqüência, os primeiros são muito mais transparentes e deixam reconhecer cada vez mais nitidamente a sua natureza de Tetracotyle. A membrana externa é muito grossa, de aparência gelatinosa, e disposta em nítidas camadas concêntricas nos quistos de sanguessugas.
O desenvolvimento destes Tetracotyle em holostomídeos pode ser considerado caso consumado, já que outros trematódeos adultos estão fora de cogitação. Eu mesmo fiz inúmeras tentativas de alimentação, com e sem êxito. Os insucessos podem ser explicados de várias maneiras: em primeiro lugar, é possível supor que a cobaia não seja o hospedeiro correto. Isto vale, por exemplo, para pequenos pássaros, em cujos intestinos, após cerca de 15 horas, são encontrados holostômulos em movimento, sem que se pudesse contar com um desenvolvimento completo. Em segundo lugar, os quistos ainda não teriam podido atingir uma maturidade suficiente, e, finalmente, algumas espécies de holostomídeos são tão pequenas, que podem facilmente passar despercebidas, sobretudo numa infecção fraca.
Os hospedeiros em primeiro lugar pertinentes para esta zona de observação são os pássaros aquáticos, como garças, galinhas-d’água, gaivotas e patos, nos quais foram encontrados holostomos, embora pouco freqüentes e nem tampouco em abundância. (Porém, é bem possível que estes, mormente as espécies menores, permaneçam apenas pouco tempo no intestino.) Com gaivotas e garças consegui realizar somente experiências isoladas, que não vingaram. De modo geral, foram utilizados patos mansos, quase sempre exemplares jovens, criados impecavelmente e que não eliminavam ovos de trematódeos. Neste caso, tive um êxito incontestável com um Tetracotyle de Planorbis. Dez dias depois de alimentados com Tetracotyle, foram encontrados inúmeros holostomos na parte superior do intestino, tendo em média 2 mm de comprimento, e um aparelho sexual já bem desenvolvido. Por outro lado, em apenas três houve a formação de um ovo, enquanto um outro apresentava sete. Esses Tetracotyle podem ser designados como típicos, e o holostomo como Strigea tarda (Steenstr.), mas esses nomes, assim como os aplicados às cercárias, têm apenas um valor provisório. Contudo, é certo que esta espécie provém de cercárias forcadas que são próximas da Cercaria gracilis La Val. Esse prazo de dez dias é o mínimo para que Holostomídeos menores cheguem à maturidade no hospedeiro definitivo, o que se sabe através de uma experiência paralela com uma larva de Hemistomum de Girardinus. Esta se transformou em um Hemistomum pequeno, aparentemente ainda não descrito, numa garça noturna (Nycticorax spec.). Aqui também, apenas alguns dentre numerosos exemplares haviam iniciado a formação de ovos.
A criação das espécies restantes de holostomo depende de condições favoráveis, porém provavelmente terá êxito com o passar do tempo.
No que se refere às inúmeras diplocercárias que não se ajustam totalmente nem ao esquistossomo, nem ao holostomo, creio que a maior parte se revelará pertinente aos outros holostomídeos. Eu utilizei o nome holostomo, conforme era uso geral antigamente, para o gênero que, mais recentemente, é designado como Strigea, um nome que, no entanto, é apenas conhecido pelos helmintólogos.
Terminarei aqui esta comunicação provisória e reservarei as provas para outra ocasião. É de prever que a minha nova orientação cause protestos. Contudo, quem se der ao trabalho de examinar experimentalmente os meus dados, poderá se convencer facilmente da sua veracidade com um dispêndio de trabalho bem menor do que aquele que eu necessitei para coligir e controlar o meu material de observação.
Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1920.