Para o conhecimento do ciclo de desenvolvimento do Echinostoma. Comunicação preliminar*
Em meus estudos sobre o Schistosoma mansoni e outros trematódeos encontrei, com muita freqüência, equinostomas em seus estágios iniciais e fiz diversas observações que me parecem dignas de nota, uma vez que, no material de leitura ao qual tive acesso, afora a descrição de algumas cercárias e rédias, encontro poucas observações pertinentes. Em contrapartida, na monografia de Dietz, os equinostomas adultos receberam minucioso tratamento, limitado, no entanto, à anatomia e sistemática destes trematódeos.
O que pude observar sobre os estágios iniciais em diversas espécies de Echinostoma e em algumas variações indica um ciclo de desenvolvimento bastante simples e homogêneo. Os ovos são sempre muito grandes e nunca desenvolvidos. Nesse estado, abandonam o intestino do hospedeiro e pode-se comprovar sua presença nas fezes. Assim, a formação dos embriões tem lugar ao ar livre e pode ocorrer, excepcionalmente, em menos de uma semana, mas em geral leva mais tempo. Infelizmente não tive sorte em minhas numerosas culturas experimentais, pois os ovos geralmente não se desenvolviam ao mesmo tempo e nem em sua maioria. Mas posso dizer que o desenvolvimento se dá de forma semelhante ao do distoma hepático, e os embriões nascem espontaneamente, sob a influência da luz e do calor. Os miracídios são semelhantes aos do distoma hepático e têm ocelos. Penetram em diversos caramujos de água doce, porém não através da pele, por isso o momento da penetração não póde ser observado. Foram observados algumas vezes na cavidade média, o que não exclui a possibilidade de penetrarem também através da cavidade bucal. Os hospedeiros iniciais parecem ser específicos para cada espécie. A ocorrência em limacídeos parece-me pouco provável. Nos poucos bivalves por mim examinados não foi observado nenhum indício de infecção.
Por analogia, é provável que dos miracídios formem-se esporocistos. A procura por estes é uma tarefa ingrata à qual não me dediquei. A geração seguinte parece constituir-se sempre de rédias como de hábito encontradas no fígado ou nas glândulas sexuais. A observação direta e o grande número de rédias encontradas permitem concluir que se sucedem uma ou mais gerações de rédias antes de se iniciar a formação das cercárias.
As rédias foram por mim encontradas nos seguintes moluscos: Planorbis centimetralis, confusus e nigricans, Spirulina cimex e cultrata, Physa rivalis, Ampullaria striata e Semisinus sp. Rédias da mesma espécie são encontradas apenas em caramujos da uma espécie, e normalmente em percentuais reduzidos. Porém, a mesma espécie de caramujo pode servir de hospedeiro intermediário para diferentes espécies de rédias.
As rédias por mim observadas são facilmente reconhecíveis. O órgão denominado ventosa bucal ou faringe é bem fácil de discernir, ao passo que o intestino, cujo comprimento varia de acordo com a espécie, em indivíduos adultos em geral apresenta-se vazio e quase invisível. Os apêndices ambulatórios e o colar são visíveis, ao menos em indivíduos jovens; em contrapartida, nem todas as espécies de rédias apresentam orifício genital. Em geral, o comprimento é de 1,5 - 2 mm, e a espessura chega a 0,5 mm. Algumas espécies apresentam um pigmento amarelo-ocre no lúmen dos capilares da parede do tubo. A mobilidade é acentuada em indivíduos jovens, diminuindo com a idade. A associação de tais rédias aos equinostomas só pode ser suposta, e deve ser comprovada, em casos individuais, pela observação das cercárias e dos cistos por elas formados.
Em Spirulina mellea e cimex, a infecção com rédias e cercárias pode ser observada com freqüência no hospedeiro ainda vivo, graças à transparência da concha.
As grandes cercárias formam-se sempre em quantidades maciças e, nas espécies menores de caramujos, deixam o hospedeiro ainda durante o tempo de vida deste. Em todo caso, um grande número fica retido. Apesar de serem fáceis de reconhecer sob iluminação adequada, ainda assim as cercárias emergentes podem passar despercebidas. A infecção dos caramujos dura um longo tempo, sendo, por isso, encontrada com freqüência durante o exame de exemplares mais velhos e maiores.
Cercárias maduras, das quais encontramos até seis em uma rédia, apresentam bastante mobilidade sob o microscópio, e as variações de suas formas são tão notáveis quanto as da cercária da fascíola hepática. Quando em repouso, o corpo é largo e oval, com sinais de um colarinho que, apenas em casos excepcionais, apresenta indícios do colar de espinhos que surge posteriormente. Ventosa oral, faringe e acetábulo são, em geral, bem definidos. A distância entre as duas ventosas é muito maior do que se poderia esperar pela observação da forma adulta, o que se explica por existirem apenas primórdios do aparelho genital. O intestino furcado em geral está vazio e é pouco nítido, ao passo que a vesícula excretora, com dois ramos nítidos, é mais visível, uma vez que está preenchida com concreções e massas granulosas. A pele provida de espinhos é extremamente fina. Células citoplásticas estão sempre presentes, embora pouco definidas, em fileiras longitudinais. Contêm grânulos ou bastonetes, como na fascíola hepática, mas menos definidos. Os bastonetes nem sempre são identificáveis.
A cauda é bastante comprida, em geral apenas afilada, mais raramente denteada ou em forma de remo na extremidade. Seus movimentos, quando se locomove a cercária, são bastante enérgicos e persistem mesmo depois de separar-se do corpo: a separação ocorre depois de ter sido alcançado o hospedeiro intermediário, ou após o início do encistamento. Os cistos possuem sempre duas membranas, pelo menos, sendo a externa grossa, gelatinosa e algo elástica. Nos caramujos, os equinocistos são em geral arredondados, e as membranas, totalmente transparentes. Por essas características os reconhecemos, mesmo quando tomam a forma de girinos, o que aparentemente só acontece raras vezes, quando as cercárias são engolidas. O experimento de alimentação mostra que os cistos estão vivos e produzem equinostomas, e não há dúvida de que estes provêm dos abundantes cistos dos caramujos. Aqueles que regularmente tomam a forma de girinos são ovais, com membrana externa menos nítida. Nunca os encontrei nos caramujos. Uma espécie de cistos encontra-se sobretudo nas proximidades da cavidade bucal; outra prefere os rins. A rédia dos primeiros é encontrada em Planorbis, a dos últimos, em Physa; as duas espécies comportam-se seletivamente em relação ao primeiro e ao segundo hospedeiro. Aquelas que têm os moluscos como hospedeiros intermediários são menos seletivas. Enquanto as cercárias penetram nos mais diferentes moluscos, as rédias aparecem somente em determinadas espécies. Destas, apenas uma pequena porcentagem apresenta-se contaminada, sabendo-se que todos os indivíduos mantidos em aquário podem contaminar-se após curto período de convivência. Nestes casos, observa-se grande mortalidade decorrente de hiperinfecção. Os exemplares portadores de rédias são os que mais sofrem, depois outros indivíduos da mesma espécie, em geral mais fortemente contaminados do que outras espécies do mesmo aquário. Isso se deve ao contato íntimo. Em todo caso, não é lícito supor que os cistos encontrados junto com as rédias se tenham originado de cercárias não-emigradas; em contrapartida, pode-se aceitar um retorno após a emigração.
Se podemos encontrar uma mesma espécie de cistos em diferentes espécies de moluscos, também o contrário pode suceder.