CAPÍTULO 13
© André Porto/Folhapress
Fernando Dutra Pinto (à esquerda) após ser preso.
A tentativa de prisão do sequestrador do apresentador Silvio Santos no flat em Tamboré havia gerado um mal-estar na Polícia Civil. A Divisão Antissequestro, altamente respeitada, já estava atuando no caso e seguia na investigação. Porém, foram os investigadores de uma delegacia distante que receberam a valiosa pista sobre a sua localização e resolveram, ao que consta, agir por conta própria e efetuar a prisão sem avisar a divisão especializada.
Ouviram-se comentários de que esses policiais estavam atrás do mérito de prender o criminoso, e outros davam conta de que o foco era “recuperar” o valor do resgate que foi pago – meio milhão de reais. O fato foi que subestimaram Fernando, o sequestrador, e, à vista do resultado desastroso, não planejaram a ação de forma eficiente.
De qualquer modo, a morte de dois policiais civis na operação no flat, e o ferimento em outro geraram uma comoção muito grande na Polícia Civil, e isso aumentou o seu empenho para localizar o criminoso.
Quando cheguei à casa do apresentador, vi muitos policiais civis nas redondezas e percebi um comentário que pairava no ar reprovando uma determinação que teria partido do Secretário de Segurança Pública. A ordem era para que “a Civil” abandonasse o local e deixasse tudo sob a responsabilidade da Polícia Militar. Isso os deixou revoltados, e com razão, porque a Polícia Civil, além de já estar nesse caso, tem responsabilidades legais sobre esse tipo de ocorrência. É a Polícia Civil que cuida do inquérito policial, da coleta das provas e dos demais procedimentos pertinentes.
Posteriormente, descobri que o secretário agira daquela maneira por entender que a “instituição Polícia Civil” estava emocionalmente afetada pela morte dos policiais e isso poderia, na sua visão, provocar um sentimento de vingança em relação ao criminoso. Para evitar que isso acontecesse, ele teria preferido retirar a Polícia Civil do contexto. Não é preciso dizer que ele foi amaldiçoado até a quinta geração por ter agido assim. A impressão que passou foi a de que, além de não confiar na Polícia Civil, ele rotulou os policiais de “amadores”, considerando-os incapazes de separar as coisas.
Outro ponto que gerou comentários foi a morte do sequestrador, ocorrida algum tempo depois, quando já estava preso. Lembro que no dia do sequestro, após a sua rendição, Fernando tinha um ferimento sem gravidade nas nádegas, pois fora baleado no flat. Ele foi medicado no local antes de ser conduzido para o presídio.
De acordo com informações que vieram à tona na época, o seu estado de saúde piorou a cada dia. O ferimento agravou-se e evoluiu para uma infecção generalizada, que o levou a óbito.
A situação era delicada e muitas suspeitas foram levantadas sobre a causa da morte. Infelizmente, por conta disso, houve demora de alguns dias para a liberação de seu corpo, a fim de que a família pudesse fazer o enterro com dignidade.
Da morte de Fernando na prisão surgiram “teorias de conspiração”. Houve quem afirmasse que o pessoal do Mossad (Instituto de Inteligência e Operações Especiais, o serviço secreto de Israel) havia sido acionado a pedido do próprio apresentador Silvio Santos (que tem ascendência judaica), para liquidar com o sequestrador, e que a sua morte teria sido provocada por algum tipo de envenenamento. Particularmente não acredito nessa hipótese e a julgo bastante fantasiosa. Minha conclusão é totalmente oposta a isso. A cadeia é um lugar insalubre. As condições de higiene não são adequadas e a infraestrutura é deficiente, e o mesmo ocorre na área destinada aos enfermos.
Fernando Dutra era jovem, megalomaníaco, audacioso e teve todos os seus objetivos frustrados. Quem viu, na época, as cenas na televisão e prestou atenção, notou que ele se entregou cabisbaixo, um tanto inerte, quase deprimido. Além disso, a cadeia tem suas regras e chegar por lá “famoso” é sempre mau negócio. Os presos mais antigos gostam de se aproveitar da fragilidade daqueles que têm “a crista muito alta”. Assim, penso que o que ocorreu foi a falta de tratamento adequado somada às condições higiênicas insatisfatórias. Esse quadro pode dificultar o processo de cura de um sujeito deprimido e agravar sua doença, levando até à morte em certos casos, como o dele.
Antônio Sebastião Dutra Pinto, o pai de Fernando, e Lilian Dutra Pinto, sua irmã, estiveram na residência de Silvio e pediram desculpas ao apresentador, logo que Fernando foi levado para a delegacia.
Terminou assim mais um sequestro sem vítimas, com 21 horas de intervalo entre o assassinato dos dois policiais e o aceno de Silvio Santos, na sacada de sua residência.