CAPÍTULO 5
A partir da eleição de Orestes Quércia para governador de São Paulo, em 1987, o plano da renovação da polícia não tinha mais volta. A polícia trabalhou a todo vapor para cumprir as metas e o Comandante Geral da Polícia Militar convocou um oficial para iniciar a criação do Grupo de Ações Táticas Especiais, o GATE. O Capitão Clóvis José Mentone foi escolhido para realizar a transição e colocar no papel os detalhes e a sequência para a execução do plano de criação da nova tropa de elite; estávamos no final de 1987.
O Comandante Geral acreditava no projeto do GATE, e quando chamou Mentone para essa missão determinou que ele se inspirasse no que havia de melhor em outras partes do mundo. Não era para economizar, era para fazer o melhor. Era preciso olhar para fora do país, porque, até então, no Brasil, não havia nenhuma referência à altura do que se pretendia. As poucas referências que tínhamos executavam rotinas que já não eram compatíveis com o que se esperava para aquele momento e para o futuro da sociedade paulista. Mentone escolheu outros quatro oficiais para formar o seu time de pioneiros na criação do Grupo. Eu fui um deles.
As primeiras reuniões foram feitas e logo se decidiu que as SWATs (Special Weapons and Tatics, em português, Armas e Táticas Especiais) americanas formavam o modelo que mais se aproximava do que considerávamos adequado para a nossa polícia. Em meados de
1988, a implantação do projeto Rádio Patrulhamento Padrão (RPP) nos batalhões já dava sinais de fadiga e, ao mesmo tempo, as pesquisas e consultas para a formalização do GATE ganhavam força.
A saída do Capitão Mentone do projeto do GATE não emperrou a implantação do Grupo. O Curso de Armas e Táticas Especiais realizado pela SWAT de Miami teve início no Brasil depois que Dr. Maurício José Lemos Freire, ex-Delegado Geral da Polícia Civil de São Paulo, o frequentou e se formou na própria SWAT norte-americana. Talentoso e competente, Dr. Maurício concluiu o curso e representou bem a polícia paulista no final da década de 1980.
A estrutura da Segurança Pública do Estado de São Paulo ampliava o número de Distritos Policiais e se esforçava pela implantação do projeto RPP e, em particular, pela criação dos Grupos Especializados. Na Polícia Civil foi criado o Grupo Especial de Resgate, o GER, e na Polícia Militar, o GATE.
Não tínhamos know-how para atuar de forma técnica e não existia a Doutrina de Gerenciamento de Crises no país. A criação desses grupos aconteceu por meio de fragmentos de informação que foram coletados de maneira precária de materiais que estavam disponíveis, como apostilas e livros que chegavam até nós, sendo que boa parte deles era trazida do exterior.
Passamos a observar os grupos europeus, além dos norte-americanos. Conhecemos grupos especializados das tropas de comando existentes nas Forças Armadas de alguns países, e eles foram a referência de onde tiramos o que podia ser implantado em nossa realidade e que atendia nossa necessidade. Nessa época, lembro-me do frenesi que aconteceu quando, dentro do Comando da Polícia Militar de São Paulo, foi disponibilizado um manual tático, em inglês, que ensinava como organizar um grupo nesses moldes, além de explorar técnicas e táticas de operações especiais em área urbana. Mal havia terminado o trabalho de tradução e quisemos colocar nossas mãos naquele material para devorar o seu conteúdo, tamanha a vontade de aprender as novas técnicas e táticas.
Nesse contexto, a figura do Dr. Maurício foi importante por romper os obstáculos institucionais, com risco para a própria carreira, e propor a organização da vinda de instrutores da SWAT de Miami ao Brasil, a fim de ministrar o Curso de Armas e Táticas Especiais para os integrantes das Polícias Civil e Militar.
Foram selecionados os 28 melhores policiais do GATE, sob o ponto de vista do condicionamento físico e da perícia em tiro. Da Polícia Civil, foram indicados 35 policiais, a maioria pertencente ao GER e à Delegacia de Roubo a Bancos.
Na aula inaugural, o Tenente O’Brien, líder da equipe de instrutores SWAT, explicou o desenvolvimento do curso, destacou que o nível de exigência seria bastante elevado e afirmou que a experiência que tinha demonstrava que apenas 40% dos que iniciavam o curso conseguiam concluí-lo. Naquele momento, nós, que estávamos na sala, olhamos uns nos olhos dos outros colegas e, com ar de incredulidade, pensamos: “Aqui no Brasil a coisa vai ser diferente... a sua experiência vai tombar, Tenente O’Brien”. Aquilo não deveria ser tão rigoroso a ponto de a maioria dos nossos policiais não suportar.
O ambiente de um bom curso promove, para os participantes, crescimento em três níveis. O primeiro é o crescimento vertical que ocorre pela aquisição de novos conhecimentos que são incorporados ao nosso repertório. O segundo é o crescimento horizontal, a revisão daquilo que sabemos, mas que é explorado de outra maneira, com nova abordagem e pequenas adaptações. E o terceiro nível de crescimento ocorre na rede de relacionamentos, que é construída entre integrantes de grupos distintos, nesse caso, representada pelas diferentes corporações. Nesse nível, aparam-se as arestas, minimizam-se os atritos e uns compreendem melhor os outros.
No curso realizado em 1990, todo esse crescimento aconteceu. Houve outras duas edições do curso, uma em 1995 e outra em 2000, as quais também tiveram o Dr. Maurício à frente. As inovações que ele promoveu foram significativas e o seu esforço foi notável, tendo conseguido ampliar o rol de corporações participantes, trazendo as Forças Armadas, a Polícia Federal e Polícias Estaduais. Iniciativas assim ferem vaidades, invadem territórios, destroem corporativismos. Anos depois eu fui surpreendido por um telefonema do Dr. Maurício, que me convidou para participar da quarta edição do Curso da SWAT, em 2005, como um dos instrutores brasileiros.
A seleção inicial, conforme proposta da própria SWAT, previa um exame seletivo nos seguintes termos:
• Corrida de 2.400 m em 12 minutos;
• Corrida de 100 m em menos de 15 segundos;
• Corrida de 100 m em menos de 45 segundos, com carga correspondente ao próprio peso corporal;
• 10 barras completas;
• 50 abdominais em 1 minuto;
• 60 flexões de braço em 1 minuto;
• 200 m de natação sem interrupção;
• Subida na corda lisa com apoio dos pés;
• Transposição de obstáculo com 2,80 m de altura.
Nessa última edição, mais de 400 candidatos interessados compareceram para o exame de seleção, 80 foram selecionados e 78 começaram o curso, uma vez que dois desistiram antes do início. Após duas semanas difíceis, 48 profissionais, embora excelentes, foram eliminados por detalhes. Apenas 30 receberam o certificado na cerimônia de encerramento do curso, confirmando a previsão do Tenente O’Brien de que apenas cerca de 40% dos alunos chegam ao final do curso.
Hoje o know-how da polícia brasileira nos aspectos tático e técnico é altíssimo em relação à realidade de 1990. Passada a euforia de um evento como esse, quando perguntamos o que foi assimilado de novo, constatamos que há pouco crescimento vertical, pois nada de tão novo é realmente acrescentado. A polícia brasileira evoluiu e possui conhecimento próprio devidamente adaptado à nossa realidade. Concluímos que o “estilo SWAT” representa um modelo conhecido pela maioria dos nossos policiais.2
Sobre as previsões do Tenente O’Brien para a minha turma de formatura, em 1990, e a nossa descrença de que cerca de 60% não terminaria o curso, erramos feio. Ao final do curso, dos 28 policiais da PM, 10 haviam sido desligados. Dos 35 indicados pela Civil, 27 não suportaram. Do total, apenas 26 terminaram o curso, portanto, dentro dos 40% previstos pelo Tenente O’Brien.