As reformas processuais penais vêm sendo feitas gradativamente, desde o advento das Leis 11.689/2008, 11.690/2008, 11.719/2008 e 11.900/2009, até atingir, hoje, a Lei 12.403/2011. As anteriores cuidaram de júri, provas, procedimentos, videoconferência e outros temas, provocando várias modificações, que estão sendo testadas na prática, já causando problemas e conflitos, a serem solucionados pela jurisprudência. Algumas dessas reformas, entretanto, aprimoraram o processo penal e deram maior efetividade à realização de justiça. Outras, infelizmente, deixaram a desejar, provocando mais desgaste do que solução.
A Lei 12.403/2011, em nosso entendimento, trouxe mais vantagens que pontos negativos. Atendeu a um reclamo majoritário da doutrina e da jurisprudência pátrias, razão pela qual merece particular atenção por parte dos operadores do Direito, para que seus preceitos sejam, realmente, aplicados.
Novas medidas cautelares foram criadas, com o objetivo de substituir a aplicação da prisão preventiva ou de atenuar os rigores da prisão em flagrante, dentre as quais o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para narrar e justificar suas atividades; a proibição de frequência a determinados lugares, desde que relacionados ao fato, evitando-se o risco de novas infrações; a proibição de manter contato com pessoa certa, mantendo-se distante; a vedação de se ausentar da Comarca, conforme a conveniência da investigação ou da instrução; o recolhimento domiciliar, à noite e durantes as folgas; a suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica ou financeira, conforme o caso concreto; a internação provisória do enfermo ou perturbado mental, havendo risco de reiteração do fato; a fiança, com novos valores e parâmetros e a monitoração eletrônica.
Expressamente, menciona-se a proibição de deixar o País, com o recolhimento do passaporte e o alerta às autoridades competentes.
A proibição à fiança passa a ter exatamente o mesmo alcance constitucional (racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo, delitos hediondos, ação de grupos armados), com alguns retoques do legislador ordinário (quando, no mesmo processo, tiver ocorrido a quebra da fiança anterior; em casos de prisão civil ou militar; quando presentes os requisitos da preventiva).
Há novas faixas de fixação da fiança, utilizando como base o salário mínimo, bem como permitindo ao juiz que diminua ou aumente os valores, conforme a concreta situação econômica do indiciado ou réu.
Colocam-se novas situações para a quebra da fiança (prática de ato de obstrução ao processo, descumprimento de medida cautelar imposta e resistência a ordem judicial), regulando-se o procedimento para a devolução do valor da fiança, devidamente atualizado por correção monetária.
Permanece a possibilidade de concessão de liberdade provisória, sem fiança, se o indiciado ou réu apresentar precária situação econômica.
Para o estabelecimento das novas medidas cautelares, criam-se dois critérios básicos: necessariedade e adequabilidade. Sob o manto do primeiro, deve-se verificar a indispensabilidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou para a instrução criminal, além de servir para evitar a prática de infrações penais. Sob o segundo, atende-se à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
As medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, constituindo instrumento para evitar a prisão cautelar.
Autoriza-se a requerer qualquer medida cautelar, inclusive a prisão, o assistente de acusação, o que antes não era permitido.
Deixa-se claro na lei processual penal o âmbito constitucional para a realização da prisão de qualquer pessoa: flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Neste último caso, advindo de sentença condenatória, com trânsito em julgado, prisão temporária ou prisão preventiva.
Moderniza-se o cumprimento de mandados de prisão, autorizando-se a sua remessa a outra localidade por qualquer meio de comunicação, desde que se comprove a origem autêntica da ordem.
A comunicação da prisão será feita, agora, também ao Ministério Público, além de se manter informada a família e a pessoa por ele indicada. Quem não tiver advogado, receberá a assistência da Defensoria Pública.
Estipula-se, com clareza, quais são as únicas opções do juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante: relaxar a prisão ilegal; mantê-la, convertendo o flagrante em preventiva ou conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. Qualquer medida deve ser fundamentada.
Mantêm-se os requisitos da prisão preventiva, previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, mas firma-se menor âmbito para a sua aplicação: crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; reincidência em crime doloso; violência doméstica e familiar, não somente contra a mulher, mas também contra a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo e a pessoa com deficiência.
Cria-se uma inédita hipótese de prisão preventiva utilitária, voltada ao indiciado ou réu cuja identidade civil for duvidosa e não houver elementos para esclarecê-la; porém, a prisão cessa seus efeitos assim que a dúvida for sanada.
Mantém-se a vedação da aplicação de prisão preventiva a quem tiver cometido o fato típico sob o manto protetor de alguma excludente de ilicitude (art. 23, CP).
Emerge inédita a prisão domiciliar, que será o cumprimento de prisão cautelar em residência, voltada aos agentes maiores de 80 anos, extremamente debilitados por doença grave, imprescindíveis aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência e gestantes a partir do sétimo mês ou sendo a gravidez de alto risco.
Todos esses fatores, em nossa visão, são positivos e podem aprimorar, verdadeiramente, o sistema processual penal brasileiro, no cenário da prisão e da liberdade. Espera-se que a novel legislação seja bem conhecida e aplicada pelos operadores do Direito, particularmente os juízes, que poderão promover uma revolução no âmbito das medidas cautelares processuais.
Por outro lado, a lei continha alguns pontos falhos: a) possibilidade – ou não – de reconhecimento da detração, em face da aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão; b) viabilidade de decretação da prisão preventiva, quando o indiciado ou réu descumprir medidas cautelares alternativas, nos casos de crimes com penas máximas não superiores a quatro anos, visto que, em tese, seria vedado pelo disposto no art. 313, I, do CPP.
A primeira questão foi resolvida pela edição da Lei 12.736/2012, reconhecendo, no art. 387, § 2.º, do CPP, a viabilidade de ser admitido o tempo de prisão provisória como cumprimento de pena pelo próprio juiz sentenciante. Diante disso, na decisão condenatória, o magistrado desconta o período de prisão cautelar e, em face do resultado, escolhe o regime inicial pertinente. Exemplo: réu condenado a nove anos de reclusão; preso há dois anos em prisão cautelar; resta a cumprir, aplicando-se a detração, sete anos; diante disso, em lugar de fixar o regime inicial fechado (para penas superiores a oito anos), é possível estabelecer o semiaberto.
Além disso, merece comentário específico a prisão temporária, outra das medidas cautelares privativas da liberdade, embora prevista em lei especial.
Em suma, a nossa meta é manter o leitor atualizado, a cada nova edição, introduzindo textos doutrinários e jurisprudência recente.