Vinte e quatro

– Veja isto.

Meu pai entregou uma página dobrada do New York Post de domingo para minha mãe. Ela estava ao lado do balcão da cozinha, picando cogumelos para fazer omeletes.

– O que é?

– Só dê uma olhada.

Ela limpou as mãos em um pano e inclinou-se sobre o ombro do meu pai. Ele levantou o artigo. Enquanto ela lia, rugas se formavam em sua testa. Virou-se para o outro lado.

– Não, obrigada – disse.

– É algo a pensar – meu pai falou.

Greta ainda estava dormindo, e, assim, éramos apenas meu pai e eu à mesa, esperando nossas omeletes. Nós dois gostávamos de cogumelo e queijo suíço. Dei um gole no meu suco de laranja em um copo antigo e riscado de geleia Welch que tinha pedaços do terno de Fred Flinstone, antes estampado nele.

– O que é? – perguntei.

– Nada – minha mãe disse. – Guarde isso.

Meu pai me lançou um olhar imponente, como se, se dependesse dele, eu pudesse ter visto o jornal. Ele o segurou por um segundo.

– Ela tem 14 anos, Danni.

– Não me importo. – Minha mãe arrancou a página da mão dele. – E pronto.

Tomei o último gole do meu suco.

– Eu não sou um bebê – falei, para apoiar meu pai.

Minha mãe suspirou e baixou a faca. Olhou para mim de cima para baixo e suspirou de novo.

– Eu sei, Junie. Eu sei. – Ela olhou para o jornal e, depois, de volta para mim. – Tome – disse, colocando-o em minha mão.

Eu estava esperando outro artigo sobre o retrato. O que não estava esperando era a grande manchete sobre um soldado que tinha feito sexo com um homem e uma mulher embora soubesse que tinha AIDS. Agora, os três tinham AIDS e o soldado provavelmente iria para a prisão por causa daquilo.

– E então? – meu pai falou.

– Não sei.

– Aquele homem... Aquele Toby. Faz a gente pensar.

Meu pai não me olhou nos olhos.

– Você acha que ele devia ir para a prisão?

Pensei no trem, pensei em como ele trouxera aquelas fitas para mim desde a cidade. Pensei que não parecera tão ruim.

– É, é claro que devia. Ele é um assassino.

A voz veio da porta. Greta estava em pé ali, encostada contra a parede. Tinha havido um ensaio na noite anterior e ela trazia manchas cinza de maquiagem em volta dos olhos, o que a fazia parecer algum tipo de assombração. Olhava bem para mim:

– Ele não é?

– Acho que sim.

– Você acha?

Eu não sabia o que dizer. Greta não me dissera uma palavra desde a festa, dois dias antes. Havia caminhado para a escola na manhã seguinte em vez de esperar o ônibus e só voltara para casa bem tarde após o ensaio daquela noite. Naquele momento, ela estava em pé com uma xícara de café na mão, pensando que era descolada. Começara a beber café apenas algumas semanas antes, mas agia como se bebesse desde sempre.

– Por que tudo tem que virar uma discussão com vocês duas? – minha mãe perguntou.

Greta apenas deu um sorriso malicioso.

Mais tarde, naquele mesmo domingo, Greta e eu estávamos sentadas à mesa da cozinha, terminando a lição de casa. Estava nevando, só um pouco, e minha mãe fez para nós duas canecas de chocolate quente. Ela estava pela cozinha, como se estivesse esperando alguma coisa acontecer. Fazia muito isso desde que Finn morrera. Certa vez, quando não sabia que eu a estava olhando, eu a vi pegar o telefone, segurá-lo na orelha e ficar ali assim, esperando. Nunca discou. Naquele momento, ela estava parada ali, olhando a torradeira.

– Meninas – disse depois de um tempo.

Nós levantamos o olhar.

– São para vocês.

Ela estendeu dois pequenos envelopes marrons, um com meu nome e o outro com o de Greta.

– O que são? – Greta perguntou.

– Chaves.

Minha mãe apertou um envelope na mão de cada uma de nós.

– Se forem ao Bank of New York na North Street, podem olhar o retrato a qualquer momento que quiserem. Qualquer uma das duas.

Abri meu envelope com cuidado e deixei a chave deslizar para a minha palma.

– Cofre número 2.963. É tudo o que precisam dizer. Então, vão levar a pintura para fora e colocá-la em uma sala privada e vocês podem demorar o tempo que quiserem.

– Como se eu um dia fosse fazer isso – Greta disse.

– Ninguém está dizendo que precisa fazer, Greta, mas é a sua pintura. Sua e da June, e vocês deveriam poder vê-la sempre que quisessem. É só isso.

Joguei a chave de volta no envelope. Pensei em colocá-la no fundo do guarda-roupa com os bilhetes de Toby e o bule de chá e aquelas fitas do Requiem. Pensei que eu poderia nunca ir olhar o retrato, mas não tinha certeza.

Greta engoliu o final do seu chocolate quente, disse “tanto faz”, pegou sua chave e saiu direto da cozinha sem olhar para mim nem uma vez.

Depois do jantar, depois de todo mundo ter esquecido totalmente o jornal, eu peguei a página sobre aquele soldado. Li de novo e o odiei. Como alguém podia ser tão egoísta? Eu nunca entraria em um trem com alguém assim. Eu nunca aceitaria um donut dele.

Dobrei o artigo, coloquei-o em um envelope e escrevi o nome de Toby e o endereço de Finn nele. Peguei um selo da gaveta da escrivaninha na sala de estar, lambi-o colei-o. Olhei para ele. Poderia mandá-lo só assim, mas não mandei. Escrevi meu nome e endereço no canto superior esquerdo. Queria que Toby soubesse que vinha de mim.

Alguns dias depois, recebi uma carta. Eu costumava ser a primeira pessoa a chegar em casa e pegar as cartas, mas Toby não sabia disso e, assim, esforçara-se bastante para disfarçar a correspondência. O envelope era grande e marrom e tinha um endereço de devolução da Liga dos Jovens Falcoeiros datilografado na frente, o que me fez sorrir, mas apenas por um segundo, porque quase imediatamente fiquei incomodada por Finn ter contado a ele sobre a coisa da falcoaria. No começo, pensei que fosse propaganda, exceto pelo fato de meu nome e meu endereço estarem escritos a mão. Do lado de dentro, havia algumas folhas dobradas de papel em branco, para aumentar a carta e fazê-la parecer real, e uma folha com palavras escritas.

Querida June,

Não foi assim que aconteceu. Eu juro.

Espero que isso faça diferença.

Toby