Na vez seguinte em que vi Toby, ele estava me esperando bem do lado de fora da escola. Estava sentado no capô do mesmo pequeno carro azul em que eu o vira entrar no funeral, o qual, de repente, entendi que era o mesmo carro que eu costumava ver estacionado do lado de fora do prédio de Finn. Eu sempre pensara que fosse o carro de Finn, porque às vezes ele descia para pegar coisas no porta-malas, como telas ou, certa vez, uma capa de chuva verde.
Quando Toby me viu, ficou em pé ao lado do carro e começou a balançar os longos braços como louco. Como se estivesse naufragando ou algo assim. Uma onda de alfinetes e agulhas subiu dançando pelas minhas costas porque, embora eu soubesse quão errado era, estava meio animada de ver que Toby viera me procurar.
Era um dia claro e fresco. O sinal acabara de tocar e os alunos estavam saindo pelas portas. Por um segundo, pensei em andar para o outro lado, mas sabia que precisava fazer com que ele parasse de fazer sinais para mim. Nem queria pensar no que aconteceria se Greta o visse lá acenando para mim como se fôssemos melhores amigos ou algo do tipo. Eu rapidamente olhei para baixo, para o que estava usando: as botas que ganhara de Finn (bom) uma saia cotelê preta e longa (não muito bom) e uma malha marrom que minha mãe dizia ser três tamanhos acima do meu (bom). Olhei ao redor de novo e, depois, dei uma corridinha até o carro, a cabeça baixa, tentando parecer o mais casual que conseguia.
Quando cheguei ao carro, Toby segurou minhas mãos nas dele como se fôssemos primos que havia muito não se viam.
– June, que maravilha. Eu não sabia que poderia ser difícil encontrá-la – ele disse. – Venha, entre.
Fiquei parada ao lado do carro por alguns segundos, olhando-o de cima a baixo. Minha cabeça estava pensando que eu não deveria entrar em um carro com aquele cara que era quase um total estranho, mas meu coração pensava: E se houver um lápis caído ali ou uma caixa perdida de doces Good & Plenty ou um único fio de cabelo loiro ou uma marca do lugar onde Finn costumava se sentar? E se houver um único átomo de ar que Finn costumava respirar ali dentro?
Eu ainda estava olhando o carro quando Toby entrou nele. Estendeu o braço por cima do banco do passageiro, puxou a maçaneta para abri-la e empurrou a porta para mim. Olhei por cima do ombro. Alunos estavam vindo de todas as direções, mas eu não conseguia ver ninguém que pudesse se importar com o que eu estava fazendo. E, assim, joguei minha mochila no chão do carro e entrei.
O veículo cheirava a cigarro e frutinhas. Morangos falsos. Vi que o motivo era Toby estar mascando um enorme bolo de chiclete. Ele estava usando um casaco de tweed muito pequeno e, por baixo, trazia uma camiseta verde com grandes cactos saguaros por toda parte. Percebi que Finn fizera aquela camiseta e devo ter fixado o olhar nela por um tempo um pouco longo, pois Toby puxou o casaco mais apertado no corpo.
Ele me deu um sorriso furtivo e balançou a cabeça para cima e para baixo.
– Eu sabia que você não ligaria.
– Bem...
– Não, não, não se preocupe. Eu entendo. Sou apenas um estranho para você. A culpa é minha.
Apertei os olhos o mínimo possível na direção de Toby.
– Bem... Eu sou apenas uma estranha para você também, não sou? Então, tanto faz.
– É claro que é – ele disse.
Ficou me olhando por alguns segundos, como se estivesse pensando se me falaria mais alguma coisa. Depois, sorriu e girou a mão no ar.
– Você está certa. Como disse, “tanto faz”.
Toby colocou a mão no bolso do casaco, tirou um pedaço grande de chiclete e o ofereceu para mim.
– Obrigada – eu disse.
Ele olhou para fora da janela.
– Acho que foi uma má ideia. Eu vir aqui.
Encolhi os ombros.
– Você é adulto. Pode ir aonde quiser.
Eu me arrependi no mesmo instante. Era algo tão infantil para dizer. Esperei Toby me dar uma bronca, mas, em vez disso, ele sorriu. Depois, virou-se para olhar para mim.
– E quanto a você, então?
– O que tem eu?
– Bem, você pode ir aonde quiser?
Olhei para a minha mochila. Meu coração disparou. Tudo aquilo estava tão além da minha vida normal. Lá estava eu no antigo carro de Finn como aquele namorado dele, que todos na família pareciam odiar. Lá estava eu fazendo algo muito, muito errado. Porém, quando levantei o olhar, lá estavam o sorriso caloroso de Toby, seus olhos castanhos e uma expressão que, de alguma forma, informava que, se eu dissesse sim, tudo ficaria bem. Mas como poderia ficar bem? Olhei pelo carro e, no começo, não pude ver nenhum sinal de Finn. Olhei para o painel e para o volante e para o chão. Depois, meus olhos acharam o câmbio e um sorriso inchou em meu peito. Colada bem ali, bem em cima daquele câmbio, havia uma pequena mão azul. A mãozinha de um Smurf. Estendi a mão e coloquei um dedo sobre ela. Lá estava um pedaço novinho de Finn que eu nunca vira antes. Espiei Toby e pensei que aquilo devia ser apenas o começo. Devia haver centenas de coisinhas como aquela – milhares, talvez –, e Toby era minha maneira de vê-las. E, assim, tombando só um pouco a cabeça, fiz um aceno, concordando.
– É claro que posso – respondi. – Por que eu não poderia ir para onde quisesse?
Naquele instante, o sorriso de Toby abriu-se por completo e ele bateu as mãos no volante como se aquela fosse a melhor notícia que recebia em anos. E foi uma sensação boa a de fazer alguém feliz. Não havia muitas pessoas que se animariam com um simples aceno da minha cabeça.
Pela janela, vi Diane Berger, da minha turma de matemática, atravessando o estacionamento em nossa direção. Afundei no banco.
– Olhe – eu disse –, podemos ir para outro lugar?
– Ah, sim. Claro.
Toby acelerou o carro. Os pneus guincharam conforme ele se afastava do meio-fio e eu afundei ainda mais. Ele riu.
– Opa.
Atravessamos o meio da cidade. Passamos a igreja luterana e o Seven Eleven e, depois, saímos para a Youngstown Road. Toby virou para a Taconic Parkway em direção ao sul.
– Então... Bem... Eu estava pensando... Que tal o Playland?
– Playland? Com os brinquedos? – perguntei.
– É. Mas não só brinquedos. Tem outra coisa.
– Como o quê?
– Você vai ver.
A Taconic é uma rodovia estreita, e Toby não era um motorista muito bom. Ele correu o caminho todo, dirigindo tão perto da mureta que, às vezes, eu tinha de fechar os olhos. Agarrei-me ao banco. Não tinha relógio e não tinha dinheiro. Tudo o que tinha era minha mochila, com meu livro de geometria e um relatório de leitura bem curto sobre O sol é para todos, pelo qual eu recebi um B+.
Uma lista de perguntas que eu queria fazer a Toby começou a crescer em minha cabeça, mas, quando olhei para ele, pronta para perguntar, percebi quão idiota eu pareceria. Eu deveria já saber as respostas. Se eu fosse pelo menos um pouco importante, alguém teria me contado aquelas coisas. Depois, lembrei-me do artigo que eu enviara a Toby e, sentada ali, no carrinho apertado com ele, fiquei envergonhada de ter feito algo assim.
– Desculpe por aquele artigo. Foi maldade.
Os dedos longos de Finn apertaram-se em volta do volante.
– Não foi daquele jeito – ele disse. – Só quero que você saiba.
Pensei em perguntar como fora. Mas não achei que quisesse ouvir a resposta. Assim, em vez disso, mudei de assunto:
– Este carro era do Finn?
Achei que fosse uma pergunta bem fácil, mas Toby não respondeu na hora.
– Bem, suponho que o Finn o tenha comprado – ele disse depois de um tempo. – Mas era meu na maior parte. O Finn não sabia dirigir. Você não sabia disso?
Tentei ignorar o você não sabia disso, embora parecesse uma agulhinha afiada.
– Então, você dirigia – falei – se vocês dois fossem a algum lugar juntos?
Toby fez que sim com a cabeça.
– É. Bem... Tudo bem, eu tecnicamente não tenho uma carteira de motorista americana, mas sei dirigir. Não precisa se preocupar com nada.
– Não estou preocupada. Só estou perguntando.
Passei a mão pelo banco debaixo das minhas pernas. Finn se sentara bem ali, naquele lugar. Os dedos de Finn podiam ter se agarrado ao banco no exato mesmo ponto onde eu estava tocando. Eu queria abrir o porta-luvas e olhar dentro, mas não parecia a coisa certa a fazer, e, assim, em vez disso, abri minha janela. O céu estava tão, tão claro e lá estava eu, indo de carro pela rodovia com Toby, e ninguém no mundo sabia onde eu estava. Queria tocar o vento.
– Você é inglês, não é? – perguntei.
Eu vi Toby responder, mas, com todo o vento, não consegui escutar e, por isso, fechei a janela.
– O quê?
– Metade.
– A outra metade é o quê?
– Minha mãe, ela era espanhola.
– Faz sentido – eu disse.
– Faz?
– Seus olhos. São muito escuros.
– Olhos de vira-lata.
– Não – eu falei. – Olhei para fora da janela por alguns segundos e, depois, virando-me, disse: – Gosto deles.
Não sei por que disse isso. Nunca digo coisas assim. Puxei minha malha para cobrir os joelhos. Dei uma olhada para Toby e o vi sorrindo, embora pudesse perceber que ele tentava esconder isso.
Mudamos para a 287, que era mais larga e nem de longe tão assustadora quando a Taconic. Relaxei o aperto no canto do banco. Toby aumentou a velocidade e, sem indicar, mudou para a pista da esquerda para ultrapassar um grande caminhão de supermercado.
– Ei, eu trouxe uma coisa para você. Olhe lá atrás.
Eu me torci. Lá, no banco, havia uma pasta preta.
– Isto?
– É – ele disse, tirando os olhos da estrada.
– O que é?
– Apenas olhe.
Abri a pasta devagar, puxando com cuidado a capa e preparando-me para o que poderia haver dentro. Vi imediatamente que eram desenhos. Desenhos de Finn. Olhei para Toby. Ele sorriu e mexeu a cabeça na direção da pasta.
– Vai em frente – disse.
A primeira página estava cheia de pequenos desenhos a lápis de joelhos. Joelhos com apenas um pouco de perna acima e abaixo deles, cada um virado para uma direção um pouco diferente. Havia apenas poucas linhas em cada desenho, mas, ainda assim, eram melhores do que qualquer coisa que eu conseguiria fazer. A página seguinte estava coberta de cotovelos. Alguns retos, alguns dobrados. Depois, uma boca. Minha boca. Foi o que percebi depois de alguns segundos. Folheei de volta para os joelhos e cotovelos e, vendo pela segunda vez, ficou óbvio que eram meus também. Meus e de Greta. Folheei as páginas depressa. Havia a bainha da saia de Greta, uma pontinha da minha orelha saindo do meu cabelo, um dos olhos escuros de Greta, a curva da sobrancelha dela sobre ele. Era tudo nosso. Cada pedaço de papel tinha um detalhe do retrato de Finn. Greta e eu picadas e enfiadas em uma pasta.
Fiquei folheando a pilha. Achei um desenho em que o espaço entre meu braço e o braço de Greta, a forma do lugar entre nós, fora escurecida. O espaço negativo. Era assim que Finn o chamava. Ele sempre tentava me fazer entender o espaço negativo. E eu entendia. Conseguia entender o que ele estava dizendo, mas não era uma percepção natural para mim. Eu tinha de ser lembrada de procurá-lo. Ver as coisas que estão ali, mas não estão. Naquele desenho, Finn colorira o espaço negativo e eu vi que fazia uma forma que parecia a cabeça de um cachorro. Ou não... É claro, era uma cabeça de lobo, virada para cima, a boca aberta e uivando. Não era óbvio nem nada. O espaço negativo era mais ou menos como as constelações. O tipo de coisa para a qual sua atenção precisa ser chamada. Mas a maneira como Finn fizera aquilo fora muito habilidosa. Estava tudo na forma como a manga de Greta se dobrava e como meu ombro estava virado. Tão perfeito. Era quase doloroso olhar para aquele espaço negativo, porque era tão engenhoso. Tão exatamente o tipo de coisa em que Finn pensaria. Toquei nas linhas esboçadas a lápis e desejei poder fazer com que Finn soubesse que eu percebera o que ele fizera. Que eu sabia que ele havia colocado aquele animal secreto bem entre Greta e mim.
Olhei para Toby. Ele colocara uma fita de Johnny Cash no toca-fitas e estava cantando as duas vozes de Jackson. Por um segundo, pensei em mostrar aquele lobo para ele, mas, depois, me contive. Finn provavelmente já mostrara. Seria apenas mais uma notícia velha.
Não conversamos muito pelo restante da viagem. O carro passou em velocidade por saídas para White Plains e Harrison, e, embora eu já tivesse passado por aqueles lugares centenas de vezes, eles pareciam estranhos e desconhecidos naquela tarde. Em um minuto, era um dia normal na escola e, no outro, lá estava eu no estacionamento com um cara de casaco de tweed, mascando chiclete de morango.
Havia apenas alguns carros lá, e conseguimos uma vaga perto da entrada. O casaco de Toby estava amassado por ele ter dirigido e ele o alisou com as duas mãos. Ao olhar para ele ao ar livre, achei que parecia em grande parte igual à vez anterior, exceto, talvez, pelos olhos. Talvez os olhos parecessem um pouco maiores.
Toby pagou por nós dois, o que foi bom, porque eu não tinha dinheiro nenhum. Perto da bilheteria, havia uma fonte grande e barulhenta. Toby olhou para ela e, depois, aproximou-se de mim, inclinando-se para baixo.
– Essa coisa que eu quero mostrar para você está bem lá atrás. Prometa que vai gostar, tudo bem?
– Não posso prometer isso.
Ele sorriu.
– É claro que não. Boa resposta.
Nós andamos pelo caminho principal, chamado Knickerbocker Avenue. Passamos por todos os brinquedos que eu já vira com Greta. Os balanços, aquela velha Dragon Coaster que balançava, o Scrambler, o Spider. Sempre era Greta quem queria andar nos brinquedos mais rápidos e assustadores que eles tinham. Sempre era eu a ser arrastada para ir com ela, embora me deixassem extremamente enjoada.
Continuamos andando, e, apesar de não haver quase ninguém no Playland naquele diz, o lugar todo cheirava a pipoca e açúcar quente. Como se alguém preparasse aquelas coisas só por causa do cheiro. Só para que as pessoas soubessem que deveriam se divertir ali. Passamos por uma fila de máquinas de skeeball e a barraca de tiro, onde havia figuras caipiras assustadoras que saíam de barris. Toby apontou para um caminho mais estreito à direita.
– Aqui – disse. – O Finn dizia que você gostava de história e tudo mais, então...
De novo, tive o entendimento estranho de que Toby sabia todo tipo de coisa sobre mim, ao passo que eu não sabia quase nada dele. Não parecia justo. Nem um pouco. Sempre que eu pensava nisso, sobre Toby e Finn conversando pelas minhas costas, sentia uma onda quente de raiva no peito.
Toby parou em frente a uma cabine com o nome Imagens do Passado pintado em uma placa acima dela. Quadros de exposição com fotos em tom sépia de pessoas usando roupas antiquadas estavam espalhados pela calçada em frente à cabine. Havia fotos de famílias inteiras ou, às vezes, apenas crianças ou, poucas vezes, só um homem ou uma mulher. Alguns usavam coisas do Velho Oeste. Um homem estava com uma farda da Guerra Civil, sentado de cara brava e com um rifle e uma bandeira confederada no colo. Uma mulher estava atrás da filha, as duas apertadas em vestidos vitorianos justos. Algumas fotos eram muito boas, porque não dava para perceber que as pessoas não eram do passado. Com outras, era óbvio. Não eram os cortes de cabelo nem nada, às vezes era apenas um olharzinho malicioso que entregava o jogo.
– Então? O que diz?
Toby parecia ter nervosismo na voz. Como se de repente percebesse que era um lugar estranho para me levar.
Eu já vira lugares para fotos como aquele muitas vezes, mas ninguém da minha família jamais tinha se interessado em fazer aquilo.
– Não fico bem em fotos – eu disse.
– É claro que fica. Eu vi aquele retrato.
– Isso é diferente – falei.
E era. Um retrato é uma foto em que alguém pode escolher como você vai ficar. Como a pessoa quer vê-lo. A câmera captura o que quer que você seja quando dispara.
– Não será – ele garantiu. Contornou para o outro lado do quadro de fotos para eu não poder vê-lo. – Se quiser – disse –, podemos tirar uma juntos.
Fiz que não com a cabeça. Mas, depois, pensei a respeito. Com certeza seria menos constrangedor se não fosse apenas eu sentada ali como uma esquisitona sozinha. Nem sabia que horas eram e não fazia ideia se alguém de casa notara que eu havia sumido, mas, de repente, senti que queria muito fazer aquilo.
– Ah, tudo bem. Eu acho. Se quiser.
– Desculpe?
– Tudo bem. Nós dois.
A cabeça de Toby apareceu por cima do quadro.
– Fantástico – ele disse, sorrindo.
Uma mulher provavelmente na casa dos cinquenta, com sombra de três tons diferentes de azul nos olhos, estava sentada em um banco atrás da cabine. Estava lendo um exemplar da revista People com uma foto de Paul Hogan de Crocodilo Dundee na capa. Quando ouviu Toby, baixou a revista, vincando-a para marcar a página.
– Dois, por favor – Toby disse.
– Dois?
– Sim, nós dois queremos tirar a foto.
Toby deu para ela o sorriso que acabara de me dar. Um sorriso de criança. É como eu descreveria. A mulher olhou para ele e, depois, para mim. Em seguida, olhou para Toby com mais atenção, como se o estivesse medindo, tentando descobrir alguma coisa sobre ele. Depois de alguns segundos, pareceu chegar a uma decisão. Colocou a mão dentro de uma gaveta e tirou uma lista de preços.
– Certo, bem, o que eu sugiro é que deem uma olhada em algumas das nossas fantasias. Fiquem à vontade para experimentar algumas e, depois, digam o que querem. Tudo bem? Há muitas coisas para homens e mulheres lá atrás.
Nós dois fizemos que sim com a cabeça. A mulher soltou o trinco de uma porta vaivém que se abriu para os fundos da cabine.
– Você viu aquilo? – Toby sussurrou.
– Vi o quê?
– Acho que aquela mulher pensou que fôssemos um casal.
– Que nojo – eu disse.
Não sei quanto tempo passamos analisando as fantasias. Experimentei um vestido vitoriano e um medieval. Ficaram bons, mas, no final, escolhi um vestido vermelho-rubi e dourado elisabetano. Era decotado, mas, como eu não tinha seios, não ficou muito vergonhoso. Toby decidiu-se por uma farda de soldado da Guerra da Independência. Era azul e, quando eu disse a ele que azul era a cor dos americanos, falou que não se importava. Além disso, declarou, a foto seria em preto e branco e, assim, ninguém saberia. Eu achei que ele parecia mesmo um soldado com aquela farda. Alguém que tinha visto todo tipo de coisas horríveis. Ele ficou parado contra a parede, o rifle de mentira no ombro.
Esperamos a mulher preparar o equipamento. Ela montou um tripé e, depois, olhou para nós com mais atenção.
– Acho que vocês não entendem – ela disse.
– Perdão?
– Bem, vocês têm que escolher uma época. Não podem ficar combinando épocas diferentes. Entendem?
– Tudo bem – Toby falou. A voz dele estava calma, convincente. – Sabemos o que estamos fazendo.
– O senhor não parece entender – a mulher repetiu, cruzando os braços na frente do peito. – Simplesmente não permitimos. Vocês não podem misturar épocas e ponto final. Como eu disse, há muitas fantasias para homem e para mulher.
Eu olhei para os meus pés. Os sapatos elisabetanos que eles tinham eram muito pequenos, e, assim, deixei os calcanhares para fora. Senti a mão de Toby descansar no meu ombro, e aquilo me fez sentir que estávamos juntos em alguma coisa. Eu não tinha certeza se queria me sentir assim com ele, mas, naquele momento, com aquela mulher sendo tão idiota, eu quis.
– Sinto muito – ele disse. – Quero dizer, desculpe-me, mas, se estamos pagando pela foto, por que faz diferença qual fantasia escolhemos?
– Não quero usar linguagem muito técnica com o senhor, mas tem os cenários, para começo de conversa...
– Não nos importamos se o cenário não combinar. Escolha algo na metade do caminho entre nós dois. Realmente não nos incomodamos com o cenário.
A voz de Toby havia perdido o tom suave. Pude perceber que a mulher não cederia.
– Olhe, senhor, dê uma olhada em todas as fotos que temos ali em frente, tudo bem? Diga se tem uma única que misture épocas. Tudo bem? Agora, posso perceber pela voz que o senhor é estrangeiro e não sei como as coisas são feitas no lugar de onde veio...
Toby não sabia o que responder para aquilo. Houve um silêncio. Todos nós esperando que alguém mudasse de opinião.
– Eu troco de roupa – falei em uma voz que era quase um sussurro.
– O que foi, querida? – a mulher disse.
– Eu troco. Vou escolher alguma coisa colonial.
– Não, June. Isto é para você. Vamos encontrar outro lugar. Deve haver um lugar onde a gente possa fazer o que quiser.
Mas não havia outro lugar. Olhei para Toby e tive a ideia assustadora de que talvez eu nunca mais encontrasse outra pessoa que faria essa coisa idiota comigo. Nunca. E então? E então, onde eu ficaria?
– Não – eu disse. – Eu quero.
Olhamos um para o outro por um segundo e, depois, Toby baixou a cabeça.
– Por que as coisas sempre têm que ser assim? – perguntou. – Eu troco, então. Espere um minuto para eu me trocar.
Fiz que sim com a cabeça e Toby desapareceu. A fantasia elisabetana não serviu bem nele. Era muito curta, e a calça justa fazia com que pudéssemos ver o quanto suas pernas eram finas. Finas demais. Foi o que pensei no começo, mas, depois, olhei de novo. Não era como se eu tivesse visto muitos homens de calça justa. Especialmente magros como Toby. Talvez fosse assim que as pernas deles eram. Talvez as histórias não fossem verdade. Talvez ele fosse apenas um amigo comum de Finn. Não especial. Apenas comum, como eu.
A mulher pediu desculpas por toda a confusão e, depois, disse para experimentarmos poses diferentes enquanto ela batia as fotos. Eu não sabia como a maioria delas sairia. Em uma delas, Toby colocou o braço ossudo em volta dos meus ombros e sussurrou: “Não tenha medo, June” na minha orelha. Às vezes ele me olhava com o canto do olho e era como se me conhecesse desde sempre, o que era assustador, mas, ao mesmo tempo, meio difícil de não gostar e, de repente, a coisa toda pareceu tão ridícula que precisei de toda a minha força para não explodir em risadas.
– Acabamos – a mulher avisou.
Ela disse que nos daria a foto assim que pudesse.
– Depois de tudo aquilo, não podemos pegá-la agora? – Toby falou.
– É claro que não. Precisa ser processada.
Toby parecia uma criança a quem haviam acabado de dizer que não poderia usar seus sapatos novos para sair da loja de sapatos.
– Certo, mas precisamos de duas cópias.
A mulher escreveu em um bloco de anotações.
– Não será problema. A propósito – falou –, de onde você é?
Toby não disse nada no começo. Olhou para mim. Depois, apertou os olhos e olhou diretamente para a mulher.
– Um lugar muito exótico – disse em uma voz misteriosa. – Nós dois. Somos de muito, muito longe.
No caminho para casa, concordamos que cada um de nós contaria ao outro uma história sobre Finn. Toby me contou de quando ele o convencera a ir para uma praia em Cape Cod aonde ele e minha mãe costumavam ir nas férias quando eram crianças. Toby era um péssimo contador de histórias. Ele enrolava, voltava para acrescentar coisas, se atrapalhava com as próprias palavras e fazia longas pausas enquanto tentava lembrar exatamente como as coisas tinham acontecido. Ainda assim, não foi ruim, porque eram coisas sobre Finn que eu nunca escutara antes. A história não tinha nenhum propósito, na verdade, mas acabou com ele e Finn congelando de frio porque Finn convencera Toby a dormir na praia naquela noite. Quando acabou, eu me arrependi um pouco de ter ouvido, porque apenas me fez querer ter estado lá também.
A história ocupou quase toda a viagem de carro de volta para casa e, assim, não houve tempo para a minha história, o que me deixou feliz. Eu ganhara uma história novinha sobre Finn e não tive de dar nada.
Eu não sabia que horas eram, mas pedi para Toby me deixar na biblioteca. Eu poderia andar até em casa de lá. Não havia relógios no carro, e pensei que talvez tivesse encontrado minha bolha. Uma pequena bolha azul onde não havia tempo e Finn poderia estar escondido no porta-luvas. Eu sentia que abrir a porta explodiria tudo.
– Quer outro pedaço?
Toby estendeu um pedaço do chiclete de morango e eu peguei.
– Provavelmente já é bem tarde. Provavelmente vou me meter em encrenca.
– Aqui, então. – Toby baixou a janela. Colocou a mão no bolso do casaco e tirou uma moedinha de um centavo. Prendeu-a entre o polegar e o indicador. Depois, apertou-a com a mão fechada e jogou-a pelo estacionamento. – Para dar sorte – falou. – Vá olhar se deu cara.
Eu não queria dizer a ele que não funcionava daquele jeito. Que moedinhas da sorte apareciam apenas por acidente. Coloquei a pasta de desenhos na mochila e, depois, abri a porta.
– Bem, tchau e obrigada... Acho que foi meio divertido.
– Vá me ver, combinado? Na casa do Finn. E se precisar de alguma coisa. Qualquer coisa...
– Você disse isso da última vez.
– Porque é verdade. Sério.
Fechei a porta e andei até o lugar onde a moedinha havia caído. Eu sabia que não podia criar sorte daquele jeito, mas, ainda assim, meio que esperava que tivesse dado cara. Comecei a correr até o local, mas, mesmo a alguns metros de distância, pude ver que dera coroa. Curvei-me e peguei a moedinha mesmo assim. Depois, virei-me para Toby e lhe dei um sorriso e um sinal de positivo com o polegar. Ele não precisava saber.