Quarenta e nove

Eu estava no chão da sala de estar, montando um quebra-cabeça de 750 peças de uma das janelas com vitrais da Catedral de Chartres, que Finn trouxe para mim de quando foi certa vez à França. Eram apenas 17h, muito cedo em um dia de semana para alguém estar em casa, mas meu pai entrou, parecendo estar a meio caminho da morte.

– Gripe estomacal – ele disse, afundando no sofá. – Fechou os olhos e colocou uma mão sobre a barriga. Cheirou o ar e pareceu ficar um tom mais verde. – Eca, a maldita panela elétrica.

– Eu posso pegar um ginger ale para você e... Não sei... Uma garrafa de água quente ou algo assim. Se você quiser.

Os olhos dele ainda estavam fechados e um sorriso se abriu em seu rosto.

– O que foi? – perguntei.

– Ah, nada.

– O que foi? – repeti. – Vamos.

– Nada. Só é bacana, só isso. Você se oferecendo para cuidar do seu pai velho e doente.

O alarme da panela elétrica tocou enquanto eu entrava na cozinha. Tirei a tampa e mexi a comida. Servi dois copos de refrigerante ginger ale para nós e os levei para a sala. Quando cheguei, meu pai estava deitado de lado no chão, examinando as peças do quebra-cabeça.

– Tudo bem se eu ajudar? – ele disse.

– É claro.

Era um quebra-cabeça difícil. As cores eram os tons primários mais fortes, vermelhos e azuis vivos, e, mesmo depois de separar as peças em pilhas, levou muito tempo. Peguei a pilha vermelha e comecei a tentar formar algumas seções. Meu pai mexeu nas azuis.

– Tudo vai acabar logo, não é, Junie?

– O quê?

Encaixei uma peça no canto superior direito.

– A época dos impostos. Terminada por mais um ano. Graças a Deus.

– Não é tão ruim, é?

Meu pai me lançou um olhar do tipo “você está brincando?”.

– Bem, então por que você faz isso?

Eu falei sério. Realmente me perguntava por que as pessoas sempre estavam fazendo alguma coisa de que não gostavam. Parecia que a vida era um tipo de túnel cada vez mais estreito. Logo que você nascia, o túnel era enorme. Você poderia ser qualquer coisa. Depois, mais ou menos no exato segundo depois de você nascer, o túnel reduzia para cerca da metade daquele tamanho. Você era menino e já estava certo que você não seria mãe e provavelmente não se tornaria manicure nem professora do jardim da infância. Depois, você começava a crescer e tudo o que fazia fechava o túnel mais um pouco. Você quebrava o braço subindo em uma árvore e descartava ser arremessador de beisebol. Era reprovado em todas as provas de matemática que fazia e cancelava qualquer esperança de ser cientista. Assim. De novo e de novo, ao longo dos anos, até você ficar preso. Você se tornaria banqueiro ou bibliotecário ou barman. Ou contador. E aí estava. Eu pensava que, no dia da sua morte, o túnel estaria tão estreito, você teria se apertado com tantas escolhas, que simplesmente seria esmagado.

– Por que eu faço isso? – meu pai disse. – Não é difícil saber. Por você. Por você e pela Greta e pela sua mãe.

– Ah – falei, de repente me sentindo imensamente triste por alguém jogar a vida toda fora apenas para garantir que outras pessoas estivessem felizes. – Bem, obrigada.

Meu pai deu um sorriso enorme e eu consegui ver o pequeno espaço entre seus dentes da frente.

– Não tem de quê.

Depois, de repente, jogou a mão sobre a boca.

– Ah, não – disse, levantando-se depressa e correndo para o banheiro.

Fiquei sentada olhando para as minhas peças. Para todos os tons diferentes de vermelho. Pensei em Finn. Que ele fazia o que preferisse. Assim como minha mãe dizia. Ele nunca deixou o túnel esmagá-lo. Mas, ainda assim. Lá estava ele. No final, ainda foi esmagado até a morte por suas próprias escolhas. Talvez o que Toby dissera estivesse certo. Talvez você precisasse estar morrendo para enfim chegar ao que queria.

Brinquei com as peças do quebra-cabeça por mais um tempo, mas não tive sorte. Nada parecia se encaixar sem muitíssimo trabalho.

Então, pensei isto: e se fosse suficiente perceber que você morreria algum dia, que nada disso duraria para sempre? Seria suficiente?

Depois, pensei em outra coisa. Algo que meu pai dissera. Tudo vai acabar logo. Andei até o calendário da cozinha. Era o que os meus pais haviam mandado fazer para dar a todos os clientes. Dizia Elbus e Elbus Contabilidade e tinha apenas uma imagem, uma cena boba de um lago bem azul em frente a algumas montanhas com gelo no cume. Treze de abril. Mais dois dias até o final da época dos impostos. Se eu acrescentasse a semana que meus pais demoravam para dar entrada nas prorrogações e colocar tudo em ordem de novo, isso me dava quase uma semana e meia como órfã. Esse foi o primeiro ano em que desejei que a época de impostos durasse mais. O primeiro ano em que precisei ser órfã.