Textos de capa

Contracapa

“Meu Ego é, ele mesmo, um ser do mundo, tanto quanto o Ego dos outros.” Assim, Sartre fundava uma de suas crenças mais antigas e mais obstinadas: existe uma autonomia da consciência irrefletida; a relação com o eu que, segundo La Rochefoucald e a tradição psicológica francesa, perverteria nossos movimentos mais espontâneos, aparece somente em algumas circunstâncias particulares. O que importava a Sartre, sobretudo, é que essa teoria, e apenas ela, dizia ele, permitia escapar do solipsismo, do psíquico, do Ego existente para o outro e para mim da mesma maneira objetiva. Abolindo o solipsismo, evitavam-se as armadilhas do idealismo, e, em sua conclusão, Sartre insistia no alcance prático (moral e político) de sua tese.



Orelhas

A transcendência do Ego é considerada a primeira obra propriamente filosófica de Jean-Paul Sartre. Foi escrita em 1934 e publicada em 1936, alguns anos antes, portanto, de seu magistral O Ser e o Nada, que o consagraria entre os grandes nomes da filosofia contemporânea e, particularmente, do Existencialismo. Aqui Sartre dá início ao seu projeto filosófico, combatendo as teses da presença formal e material do Eu na consciência, defendidas por Kant e Husserl, respectivamente. Esse ponto de partida era necessário para desenvolver uma ontologia do Ego que o distinguisse da consciência. Para Sartre, o Ego não está nem formalmente nem materialmente na consciência, mas fora, no mundo; é um ser do mundo, como o Ego do Outro. Ao estabelecer assim a transcendência do Ego, Sartre liberou a consciência de seus conteúdos e reafirmou-a como pura relação com as coisas. Deste modo, pôde ultrapassar a oposição do idealismo e do realismo, afirmando a um só tempo a soberania da consciência e sua presença no mundo, tal como se dá a nós. A noção-chave aqui é a intencionalidade, por meio da qual expulsa os “conteúdos de consciência” e rejeita um eu-habitante-da-consciência, bem como toda forma de “vida interior”. Esse eu, que não pode ser confundido com a consciência, mas é, antes, um objeto passível de ser estudado por ela. Ou seja, o Ego transcende a consciência porque é objeto projetado fora dela. Assim, transcendência, no discurso sartreano, não tem nenhum significado metafísico ou espiritual, mas tem a ver com a intencionalidade pela qual o Ego é lançado para fora e estudado pela consciência como um objeto do mundo.