Contrariedades

BURNHAM AGORA RARAMENTE via a família. Na primavera de 1891, ele estava vivendo em tempo integral no barracão do Jackson Park; Margaret ficava em Evanston com alguns empregados que a ajudavam a tomar conta dos cinco filhos. Apenas uma modesta viagem de trem separava os Burnham, mas as crescentes exigências da feira tornavam essa distância tão difícil de atravessar quanto o istmo de Panamá. Burnham poderia mandar telegramas, mas isso o obrigaria a manter um tom forçado de frieza e brevidade, além de proporcionar pouca privacidade. Por isso escrevia cartas com frequência. “Você não deve achar que esta correria em minha vida vai durar para sempre”, disse numa das cartas. “Devo parar depois da feira mundial. Isso já está decidido.” A exposição se tornara um “furacão”, escreveu. “Acabar com essa afobação é o meu maior desejo.”1

Todos os dias, ao amanhecer, ele deixava seu alojamento e inspecionava a área. Seis dragas a vapor do tamanho de celeiros flutuantes escavavam à beira do lago, enquanto cinco mil homens munidos de pás, carrinhos de mão e niveladoras puxadas a cavalo lentamente roçavam o terreno, muitos usando chapéu-coco e paletó, como se estivessem apenas passando ali por acaso e, num impulso, resolvessem ajudar. Apesar da presença de tantos operários, havia uma enlouquecedora ausência de barulho e de azáfama. O parque era grande demais e os homens ficavam espalhados demais para criar a impressão imediata de trabalho em andamento. Os únicos sinais confiáveis eram as colunas de fumaça negra das dragas e o onipresente cheiro de folhas queimadas vindo dos montes de galhos em que os operários tocavam fogo. As lustrosas estacas brancas que demarcavam o perímetro dos prédios davam ao lugar a aparência de um cemitério de vítimas de guerra. Burnham de fato via beleza naquele cenário cru — “Entre as árvores da Wooded Island as tendas brancas e compridas do acampamento da empreiteira refulgiam ao sol, um toque suave e branco na paisagem pardacenta, e a pura linha azul do horizonte lacustre contrastava, alegremente, com o primeiro plano áspero e estéril”2 —, mas também via uma profunda frustração.

A obra avançava devagar, estorvada pelas relações cada vez piores entre as duas entidades responsáveis pela feira — a comissão nacional e a companhia da exposição — e pela incapacidade de os arquitetos entregarem seus croquis em Chicago dentro do prazo. Todos os projetos estavam atrasados. Igualmente agravante era o fato de que ainda não havia ninguém para desafiar Eiffel. Além disso, a exposição entrara na precária primeira fase, comum a todos os grandes projetos de construção, em que obstáculos imprevistos surgem de repente.

Burnham sabia lidar com a notória inconsistência do solo de Chicago, mas até ele ficou surpreso com o Jackson Park.

De início, a capacidade do solo para suportar peso era “quase um valor desconhecido”, como disse um engenheiro.3 Em março de 1891, Burnham mandou realizar testes para aferir até que ponto o solo aguentaria os grandes palácios que se encontravam então nas pranchetas dos arquitetos. Merecia preocupação especial o fato de que os edifícios ficariam situados perto dos canais e dos lagos recém-escavados. Como qualquer engenheiro sabia, o solo sob pressão tendia a deslocar-se para preencher escavações adjacentes. Os engenheiros da feira fizeram o primeiro teste a quatro metros de distância da lagoa, em terreno que deveria suportar o canto nordeste do Edifício da Eletricidade. Puseram uma plataforma de quarenta centímetros quadrados e encheram-na de ferro até alcançar uma pressão de 1.250 quilos por metro quadrado, ao todo 22 toneladas.4 Quinze dias depois descobriram que ela só se acomodara seis milímetros. Então cavaram uma profunda vala a 1,20 metro de distância da plataforma. Nos dois dias seguintes, a plataforma afundou mais três milímetros e parou. Era boa notícia. Significava que Burn­ham poderia usar a estacaria flutuante de Root como alicerce, sem ter de se preocupar com acomodações catastróficas.

Para ter certeza de que essas propriedades eram constantes em todo o parque, Burnham pediu ao engenheiro-chefe, Abraham Gottlieb, que testasse os lugares demarcados para outros edifícios. Os resultados foram parecidos — até que os homens de Gottlieb chegaram à área reservada ao gigantesco Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, de George Post. O solo destinado a aguentar a metade norte do prédio mostrou uma acomodação total de menos de 2,5 centímetros, consistente com o restante do parque. No lado sul, porém, os homens fizeram uma descoberta desencorajadora. Ainda enquanto os operários carregavam a plataforma, ela afundou cerca de vinte centímetros. Nos quatro dias seguintes, cedeu mais 75 centímetros, e teria continuado a afundar se os engenheiros não suspendessem o teste.

Estava claro que praticamente todo o solo do Jackson Park era capaz de aguentar fundações flutuantes, exceto a área destinada ao maior e mais pesado edifício da feira. Ali, como percebeu Burnham, os empreiteiros teriam de enfiar estacas pelo menos até encontrar o subsolo, uma complicação onerosa e fonte de mais atrasos.

Mas os problemas com esse edifício estavam apenas começando.

Em abril de 1891, Chicago soube o resultado da última eleição para prefeito. Nos clubes mais ricos da cidade, industriais se reuniram para brindar ao fato de Carter Henry Harrison, que consideravam ostensivamente solidário à causa trabalhista, ter perdido para Hempstead Washburne, um republicano. Burnham, também, se permitiu um momento de comemoração. Para ele, Harrison representava a velha Chicago da imundície, da fumaça e do vício, tudo aquilo que a feira deveria repudiar.

Entretanto, as comemorações foram moderadas pelo fato de Harrison ter perdido por margem estreitíssima, menos de quatro mil votos. Mais ainda, quase ganhara sem o apoio de um grande partido. Repudiado pelos democratas, concorrera como independente.

Em outra parte da cidade, Patrick Prendergast estava enlutado. Harrison era seu herói, sua esperança. Porém a margem foi tão estreita que lhe parecia que Harrison poderia ganhar se voltasse a disputar. Prendergast resolveu redobrar seus esforços para ajudar Harrison a vencer.

No Jackson Park, Burnham sofria repetidas interrupções, decorrentes de sua função de embaixador de fato junto ao mundo exterior, encarregado de cultivar boa reputação e assegurar o público no futuro. Na maioria das vezes, os banquetes, as palestras e os passeios eram aborrecimentos que desperdiçavam seu tempo, como ocorreu em junho de 1891, quando, a pedido do diretor-geral Davis, Burnham cuidou da visita ao Jackson Park de um batalhão de dignitários estrangeiros, o que lhe tomou dois dias inteiros. Outros compromissos, no entanto, eram puro prazer. Poucas semanas antes, Thomas Edison, mais conhecido como “o Mago de Menlo Park”, fizera uma visita ao barracão de Burnham. Este mostrou-lhe o lugar, e Edison sugeriu que a exposição usasse lâmpadas incandescentes, em vez das de arco voltaico, pois as incandescentes produziam uma luz mais suave. Onde fosse impossível evitar as de arco voltaico, ele sugeriu cobri-las com globos brancos. E, naturalmente, Edison recomendou que a feira usasse a corrente contínua, o padrão predominante.5

A civilidade desse encontro camuflava uma cáustica batalha travada fora do Jackson Park pelos direitos de iluminar a exposição. De um lado estava a General Electric Company, fundada quando J. P. Morgan assumiu a empresa de Edison e fundiu-a a várias outras e que, naquele momento, propunha instalar um sistema de corrente contínua para iluminar a feira. Do outro estava a Westinghouse Electric Company, com a proposta para ligar o Jackson Park com corrente alternada, usando patentes que o fundador, George Westing­house, adquirira poucos anos antes de Nikola Tesla.

A General Electric ofereceu-se para fazer o serviço por 1,8 milhão de dólares, jurando que o negócio não lhe daria um centavo de lucro.6 Muitos diretores da exposição tinham ações da General Electric e insistiram com William Baker, presidente da feira desde que Lyman Gage se aposentara, em abril, para aceitar a proposta. Baker recusou, qualificando-a de “extorsiva”. A General Electric, de forma um tanto milagrosa, voltou com uma proposta de 554 mil dólares. Mas a Westinghouse, cujo sistema alternado era por natureza mais barato e eficiente, propôs 399 mil dólares. A exposição ficou com a Westinghouse e ajudou a mudar a história da eletricidade.

A maior fonte de desalento para Burnham era a incapacidade dos arquitetos de terminarem os desenhos no prazo.

Se um dia fora servil com Richard Hunt e os homens do leste, não era mais. Numa carta de 2 de junho de 1891 para Hunt, ele escreveu o seguinte: “Estamos totalmente paralisados à espera de seus desenhos em escala. Será que poderíamos recebê-los do jeito que estão e terminá-los aqui?”7

Quatro dias depois, voltou a cutucar Hunt: “O atraso que você está causando por não encaminhar os desenhos em escala é muito desagradável.”8

Naquele mesmo mês, uma interrupção séria, embora inevitável, prejudicou o departamento de paisagens. Olmsted adoeceu — gravemente. Ele atribuía a doença a envenenamento causado pela presença de um pigmento à base de arsênico chamado vermelho-turco no papel de parede de sua casa em Brookline. Mas pode muito bem ter sido apenas outra crise de depressão profunda, do tipo que o acometia de vez em quando ao longo dos anos.

Durante a recuperação, Olmsted encomendou plantas e bulbos para serem cultivados em dois grandes viveiros instalados no terreno da feira. Encomendou cinerárias, ajugas, heliotrópios President Garfield, verônicas, poejos, heras inglesas e argelinas, verbenas, vincas e uma rica paleta de gerânios, entre eles Black Prince, Christopher Columbus, Mrs. Turner, Crystal Palace, Happy Thought e Jeanne d’Arc.9 Despachou um exército de coletores para a beira do lago Calumet, onde colheram íris, junças, juncos e outras plantas e gramíneas semiaquáticas em quantidade suficiente para encher 27 vagões de trem. Além disso, coletaram quatro mil caixotes de raízes de aguapé, que os homens de Olmsted plantaram imediatamente, mas viram a maioria das raízes sucumbir aos níveis inconstantes do lago.

Em contraste com o viço dentro dos viveiros, o terreno do parque tinha sido desnudado de toda a vegetação. Operários enriqueceram o solo com mil carroças de esterco provenientes da Union Stock Yards, além de outras duas mil coletadas dos cavalos que ajudavam nas obras no Jackson Park. A presença de tanta terra exposta e de tanto esterco tornou-se um problema. “Já era ruim quando fazia calor e um vento sul cegava os olhos de homens e animais”, escreveu Rudolf Ulrich, o superintendente de paisagismo de Olmsted no parque, “mas piorava no tempo úmido, com o chão recém-coberto e ainda não drenado, ensopado de água.”10

Cavalos afundavam até a barriga.

Era metade do verão de 1891 quando o último desenho dos arquitetos foi concluído. À medida que os conjuntos iam chegando, Burnham os submetia publicamente a propostas. Reconhecendo que a demora dos arquitetos tinha provocado um atraso geral, inseriu cláusulas nos contratos de construção que fizeram dele um “czar”, na definição do Chicago Tribune. Cada contrato trazia um prazo apertado para conclusão, com penalidades financeiras por cada dia de atraso. Burnham pusera anúncio sobre o primeiro contrato em 14 de maio, para o Edifício das Minas. Queria vê-lo terminado no fim do ano. Isso deixava, no máximo, sete meses para construção (mais ou menos o mesmo tempo que o proprietário de uma casa no século XXI levaria para construir uma nova garagem). “Ele é o árbitro de todas as disputas e não há dispositivo que preveja recurso contra sua decisão”, informou o Tribune. “Se, na opinião do sr. Burnham, o construtor não estiver utilizando mão de obra suficiente para completar a obra dentro do prazo, o sr. Burnham está autorizado a contratar operários pessoalmente e cobrar os custos ao construtor.”11 O Edifício das Minas foi o primeiro dos grandes prédios da exposição a ter sua construção iniciada, mas as obras só começaram de fato em 3 de julho de 1891, faltando menos de dezesseis meses para o Dia da Consagração.

Quando a construção dos prédios enfim começou, as expectativas fora do parque cresceram. O coronel William Cody — Buffalo Bill — tentou obter permissão para apresentar seu espetáculo Wild West, que acabava de voltar de uma turnê imensamente bem-sucedida pela Europa, porém o comitê de assuntos fiscais da feira recusou o pedido, alegando “incongruência”.12 Apesar do revés, Cody perseverou e obteve os direitos de uso de um grande pedaço de terra adjacente ao parque. Em São Francisco, um jovem empresário de 21 anos chamado Sol Bloom percebeu que a feira de Chicago lhe permitiria finalmente tirar proveito de um bem que adquirira em Paris dois anos antes. Extasiado com a Aldeia Argelina da exposição de Paris, comprara os direitos de expor a aldeia e seus habitantes em eventos futuros. O comitê de assuntos fiscais também o rejeitou. Ele voltou a São Francisco decidido a tentar um jeito diferente, mais indireto, de obter a concessão — que, em última análise, lhe renderia muito mais do que esperava. Enquanto isso, o jovem tenente Schufeldt tinha chegado a Zanzibar. Em 20 de julho, telegrafou para o presidente da exposição, William Baker, informando estar confiante de que poderia conseguir todos os pigmeus que quisesse no Congo, desde que o rei da Bélgica consentisse. “O presidente Baker quer esses pigmeus”, disse o Tribune, “assim como todo mundo na sede.”13

Na prancheta, a feira parecia espetacular. O centro de tudo era o grande pátio, que todos passaram a chamar de pátio de honra. Com os imensos palácios de autoria de Hunt, Post, Peabody e dos demais, o pátio seria uma maravilha por si só, mas naquele momento praticamente todos os estados do país planejavam construir um edifício, assim como duzentas empresas e governos estrangeiros. A exposição prometia superar a de Paris em todos os níveis — menos num, e esse persistente déficit incomodava Burnham: a feira ainda não tinha planejado nada que se igualasse à Torre Eiffel, muito menos que viesse a ofuscá-la. Com mais de trezentos metros de altura, a torre era a construção mais alta do mundo e um detestável lembrete do triunfo da exposição parisiense. “Ultrapassar a Torre Eiffel” se tornara um grito de guerra entre os diretores.

Um concurso lançado pelo Tribune provocou uma onda de propostas implausíveis. C. F. Ritchel, de Bridgeport, Connecticut, sugeriu uma torre com uma base de trinta metros de altura por 150 metros de largura, dentro da qual Ritchel propôs abrigar outra torre e, nesta, uma terceira.14 A intervalos, um complicado sistema de bombas e tubos hidráulicos faria as torres se estirarem lentamente para cima, numa jornada de várias horas, e depois afundarem aos poucos para voltar à configuração original. O topo da torre abrigaria um restaurante, embora um bordel talvez fosse mais adequado.

Outro inventor, J. B. McComber, representando a Chicago-Tower Spiral-Spring Ascension and Toboggan Transportation Company, propôs uma torre com 2.727 metros de altura, quase nove vezes mais alta que a Torre Eiffel, com uma base de trezentos metros de diâmetro, enfiada seiscentos metros no chão. A partir do topo, trilhos elevados cobririam toda a distância até Nova York, Boston, Baltimore e outras cidades. Quem estivesse pronto para encerrar a visita à feira e tivesse a coragem de pegar o elevador até o topo poderia voltar para casa de tobogã. “Como o custo da torre e de seus escorregadores é de menos importância”, observou McComber, “não o menciono aqui, mas fornecerei cifras atendendo a solicitação.”15

Uma terceira proposta exigia ainda mais coragem dos visitantes. Esse inventor, que se identificou com as iniciais R. T. E., concebeu uma torre de 1.220 metros de altura na qual propunha pendurar um cabo “da melhor borracha” com seiscentos metros de comprimento. Preso na ponta inferior do cabo ficaria um carro com capacidade para duzentas pessoas. O carro e seus passageiros seriam empurrados de uma plataforma e cairiam, sem freio, até a ponta do cabo, onde ricocheteariam para cima e continuariam pulando até parar. O engenheiro recomendou, como precaução, que o chão fosse “coberto por um colchão de penas de dois metros e meio de espessura”.16

Todo mundo pensava em torres, mas Burnham achava que uma torre não era a melhor solução. Eiffel já fizera uma, primeiro e melhor que os outros. Mais do que simplesmente alta, a torre dele era a graciosidade congelada em ferro, uma evocação do espírito da época tão poderosa como Chartres tinha sido na sua. Construir uma torre seria ir atrás de Eiffel num território que ele já conquistara para a França.

Em agosto de 1891, o próprio Eiffel telegrafou para os diretores perguntando se poderia submeter uma proposta de torre.17 Foi uma surpresa, e de início muito bem-vinda. O presidente da exposição, Baker, respondeu na mesma hora que os diretores teriam o maior prazer em examinar qualquer coisa que ele propusesse. Se a feira tiver uma torre, disse Baker numa entrevista, “M. Eiffel é o homem indicado para construí-la. Não seria bem um experimento se ele ficasse encarregado de sua construção. Poderia até aperfeiçoar seu projeto da Torre Eiffel em Paris, e acho que se pode esperar que ele não construiria uma que fosse inferior àquela famosa estrutura”. Mas, para os engenheiros dos Estados Unidos, essa aceitação de Eiffel foi um tapa na cara. Na semana e meia que se seguiu, telegramas foram disparados de uma cidade a outra, de engenheiro para engenheiro, até que a história sofreu uma distorção. De repente ficou parecendo que uma Torre Eiffel em Chicago já era certeza — que o próprio Eiffel se encarregaria de superar Eiffel. Os engenheiros se ofenderam.18 Uma longa carta de protesto chegou ao escritório de Burnham, assinada por alguns dos principais engenheiros do país.

Aceitar a “oferta do distinto senhor”, escreveram eles, seria “equivalente a uma declaração de que o grande corpo de engenheiros civis deste país, cujos nobres trabalhos atestam sua aptidão tanto no exterior como em toda a extensão desta terra, não tem capacidade de resolver um problema dessa natureza, e tal decisão talvez lhes viesse roubar uma justa pretensão de excelência profissional”.

Burnham leu e aprovou a carta. Agradava-lhe ver os engenheiros civis dos Estados Unidos enfim demonstrarem paixão pela feira, apesar de os diretores nada terem prometido a Eiffel. Sua proposta formal chegou uma semana depois, sugerindo uma torre que em essência era uma versão mais alta da que construíra em Paris. Os diretores mandaram traduzir a proposta, examinaram-na e a recusaram gentilmente. Se era para haver uma torre na feira, que fosse uma torre americana.

Mas as pranchetas dos engenheiros dos Estados Unidos continuaram desanimadoramente estéreis.

Sol Bloom, de volta à Califórnia, levou o pedido de concessão relativo à Aldeia Argelina a um influente cidadão de São Francisco, Mike de Young, editor do San Francisco Chronicle e um dos delegados nacionais da exposição. Bloom lhe falou dos direitos que tinha adquirido em Paris e informou que a exposição recusara sua petição.

De Young conhecia Bloom. Quando adolescente, Bloom trabalhara no Alcazar Theater, que pertencia a De Young, e não demorou para se tornar seu tesoureiro, aos dezenove anos. No tempo livre, Bloom tinha organizado lanterninhas, caixas e vendedores de lanches numa estrutura mais eficiente e coesa, aumentando bastante os lucros do teatro e o seu próprio salário. Depois organizou essas funções em outros teatros e passou a receber comissões regulares de cada um deles. No Alcazar, inseria nos roteiros os nomes de produtos populares, bares e restaurantes, incluindo o Cliff House, e disso lhe vinha outro fluxo de rendimentos. Também organizou um grupo de aplaudidores profissionais, conhecidos como “claques”, para aplaudir com entusiasmo, pedir bis e gritar “Bravo!” para qualquer ator ou atriz que se dispusesse a pagar. A maioria dos artistas pagava, até mesmo a diva mais famosa da época, Adelina Patti. Certo dia Bloom viu o artigo numa publicação teatral sobre uma nova banda mexicana que, na sua opinião, os americanos iam adorar e convenceu o empresário da banda a deixá-lo levar os músicos para uma turnê no norte. Bloom teve um lucro de 40 mil dólares. Na época, tinha apenas dezoito anos.

De Young disse a Bloom que ia investigar a situação. Uma semana depois, pediu que Bloom fosse ao seu escritório.

— Em quanto tempo você se prepararia para uma viagem a Chicago? — perguntou.19

Surpreso, Bloom respondeu:

— Acho que em uns dois dias.

Entendeu que De Young conseguira uma segunda oportunidade para que ele submetesse o pedido ao comitê de assuntos fiscais da feira. Hesitou um pouco e disse a De Young que achava que a viagem só valeria a pena quando diretores da exposição soubessem melhor que tipos de atrações iam querer.

— A situação progrediu muito desde aquela nossa conversa — contou De Young. — Agora só precisamos de alguém que assuma o controle.

Mostrou a Bloom um telegrama da companhia da exposição que autorizava De Young a contratar alguém com a tarefa de escolher as concessões para o [parque] Midway Plaisance e de orientar sua construção e promoção.

— Você foi escolhido — revelou.

— Não sei fazer isso — disse Bloom. Ele não queria sair de São Francisco. — Mesmo que soubesse, há muita coisa exigindo minha atenção aqui para pensar nisso.

De Young fitou-o:

— Não quero ouvir mais nenhuma palavra sua até amanhã.

Nesse ínterim, De Young queria que Bloom pensasse em quanto dinheiro teriam de lhe pagar para vencer sua relutância.

— Quando voltar, diga quanto quer ganhar. Eu aceitarei ou recusarei. Sem discussão. Está bom assim?

Bloom concordou, mas só porque o pedido de De Young lhe dava um pretexto elegante para recusar o emprego. Ele percebeu que tudo o que precisava fazer era mencionar uma soma tão exorbitante que De Young não pudesse aceitar de forma alguma “e, andando pela rua, decidi que soma seria”.

Burnham tentou prever todas as ameaças à feira imagináveis. Ciente da reputação de Chicago de lugar de vício e violência, Burnham insistiu na criação de uma grande força policial, a guarda colombiana, e colocou-a sob o comando do coronel Edmund Rice, homem de grande coragem, que tinha enfrentado a carga de Pickett na batalha de Gettysburg. Ao contrário dos departamentos de polícia convencionais, o mandato da guarda ressaltava, explicitamente, a ideia inédita de prevenir o crime em vez de apenas prender os transgressores depois do fato consumado.

Doenças também representavam perigo para a feira, como Burnham bem o sabia. Uma epidemia de varíola, cólera ou qualquer infecção letal que acometesse a cidade poderia macular de forma irreparável a exposição, destruindo qualquer esperança que os diretores pudessem ter de alcançar o recorde de público necessário para gerar lucro.

A essa altura, a nova ciência da bacteriologia, da qual Robert Kock e Louis Pasteur foram pioneiros, tinha convencido a maioria das autoridades de saúde pública de que a disseminação do cólera e de outras doenças bacterianas era causada por água potável contaminada. As águas de Chicago fervilhavam de bactérias, graças sobretudo ao rio Chicago. Num espasmo monumental de engenharia urbana, a cidade invertera a direção do rio em 1871, de modo que ele não mais desaguava no lago Michigan, mas, em vez disso, corria para o rio Des Plaines e, de lá, para o Mississippi, com base na teoria de que o imenso caudal dos dois rios diluiria a descarga de esgoto a níveis inofensivos — conceito que as cidades situadas a jusante, como Joliet, não aceitavam com muito entusiasmo. Para a surpresa dos engenheiros, entretanto, as chuvas prolongadas rotineiramente faziam o rio Chicago retroceder, voltando a despejar gatos mortos e matéria fecal no lago, e em tal volume que espirais de água escura chegavam até as cabines de coleta do sistema de águas da cidade.

A maioria dos moradores de Chicago não tinha escolha senão beber a água. Porém, desde o início, Burnham era da opinião de que os operários e visitantes da feira precisavam de um suprimento melhor e mais seguro. Nisso, também, estava à frente do seu tempo. Por ordem sua, o engenheiro sanitário William S. MacHarg construiu no terreno da feira uma usina de esterilização de água que bombeava água do lago através de uma série de grandes tanques, nos quais a água era arejada e fervida. Os funcionários de MacHarg instalaram grandes barris dessa água esterilizada em todo o parque, reabastecendo-os todos os dias.

Burnham planejava fechar a usina de purificação no Dia da Abertura e oferecer aos visitantes outras duas opções de suprimentos de água sadia: água do lago purificada com filtros Pasteur e oferecida de graça ou água naturalmente pura, a um centavo o copo, trazida das cobiçadas fontes de Waukesha, em Wisconsin, através de 160 quilômetros de tubulação. Em novembro de 1891, Burnham mandou MacHarg investigar cinco fontes em Waukesha para avaliar sua capacidade e pureza, mas que fizesse isso “em silêncio”, sugerindo que estava bem ciente de que passar uma tubulação pela graciosa paisagem da aldeia poderia ser uma questão delicada. Entretanto, ninguém poderia ter imaginado que dentro de poucos meses os esforços de MacHarg para garantir o fornecimento da melhor água de Waukesha levaria a um confronto armado no meio de uma bela noite em Wisconsin.

A maior preocupação de Burnham era o fogo. A perda do Grannis Block, onde ele e Root tinham sua sede, ainda era uma lembrança viva e humilhante. Um incêndio catastrófico no Jackson Park poderia destruir a feira. Mas, apesar disso, dentro do parque o fogo era essencial para o processo de construção. Estucadores usavam pequenas fornalhas, chamadas salamandras, para acelerar a secagem e a cura. Funileiros e eletricistas utilizavam braseiros para derreter, dobrar e amalgamar. Até o corpo de bombeiros usava fogo: motores a vapor acionavam as bombas nos carros do departamento puxados a cavalo.

Burnham criou defesas que pelos padrões dominantes pareciam complicadas, até mesmo excessivas. Organizou um corpo de bombeiros para a exposição, mandou instalar centenas de hidrantes e caixas de alarme telegráficas. Encomendou a construção de um barco de combate a incêndios, o Fire Queen, construído especificamente para navegar nos rasos canais do parque e passar sob suas muitas pontes baixas. Especificações de projeto exigiam que cada prédio fosse cercado por um cano mestre subaquático e dotado de tubulação anti-incêndio no interior. Também proibiu fumar em toda a área, embora nesse caso abrisse ao menos duas exceções: uma para um empreiteiro que alegou que sua equipe de artesãos europeus iria embora se não pudesse fumar seus charutos e a outra para a grande lareira em seu próprio barracão, em volta da qual ele e seus engenheiros, desenhistas e arquitetos visitantes se reuniam à noite para tomar vinho, conversar e fumar charuto.

Com a chegada do inverno, Burnham ordenou que todos os hidrantes fossem cobertos de esterco de cavalo para não congelarem.

Nos dias mais frios, o esterco emanava vapor, como se os próprios hidrantes estivessem pegando fogo.

Quando voltou ao escritório de Mike de Young, Sol Bloom estava seguro de que De Young não poderia de forma alguma aceitar sua proposta, pois resolvera pedir o mesmo salário do presidente dos Estados Unidos: 50 mil dólares. “Quanto mais eu pensava no assunto”, lembrou-se Bloom, “mais me agradava a perspectiva de dizer a Mike de Young que nenhum valor menor que esse poderia compensar o sacrifício de deixar São Francisco.”20

De Young pediu a Bloom que se sentasse. Tinha uma expressão de sobriedade e expectativa.

— Por mais que eu agradeça a cortesia, acho que meus interesses estão exatamente aqui, nesta cidade. Quando olho para a frente me vejo... — começou Bloom.

De Young o interrompeu e disse, calmo:

— Sol, achei que agora você fosse enfim me dizer quanto quer que lhe paguemos.

— Não quero que pense que não lhe sou grato...

— Isso você disse um minuto atrás — cortou-lhe De Young. — Agora me diga quanto quer.

Não era bem o que Bloom esperava. Com alguma trepidação, mencionou a cifra:

— Mil dólares por semana.

De Young sorriu e disse:

— Bem, é um salário muito bom para um sujeito de 21 anos, mas não tenho dúvida de que você fará por merecê-lo.

Em agosto, o chefe de engenharia estrutural de Burnham, Abraham Gottlieb, fez uma revelação espantosa: esquecera-se de calcular as cargas de vento nos principais prédios da feira. Burnham ordenou que seus principais empreiteiros — entre eles Agnew & Co., que construía o Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais — suspendessem as obras imediatamente. Durante meses, Burnham vinha lutando contra rumores de que obrigava seus homens a trabalharem num ritmo tão rápido que, como resultado, alguns prédios eram inseguros; na imprensa da Europa circularam notícias de que certas construções tinham sido “condenadas”. E ali estava Gottlieb, admitindo um erro potencialmente catastrófico.

Gottlieb afirmou que, mesmo sem um cálculo explícito da força das cargas de vento, os edifícios eram fortes o suficiente.

“Mas eu não poderia aceitar essa opinião”, escreveu Burnham em carta a James Dredge, editor da influente revista britânica Engineering.21 Burnham mandou reforçar todos os projetos para aguentar os ventos mais fortes registrados nos últimos dez anos. “Talvez seja extremo demais”, disse a Dredge, “mas me parece sensato e prudente, em razão dos grandes interesses envolvidos.”

Gottlieb pediu demissão. Burnham o substituiu por Edward Shankland, engenheiro de sua própria firma que tinha uma reputação nacional de construtor de pontes.

Em 24 de novembro de 1891, Burnham escreveu a James Dredge para informar que voltara a ser atacado na questão da integridade estrutural: “Agora a crítica é que os edifícios são desnecessariamente fortes.”22

Bloom chegou a Chicago e logo descobriu por que quase nada fora realizado no Midway Plaisance, conhecido oficialmente como Departamento M. Até aquele momento estivera sob o controle de Frederick Putnam, professor de etnologia de Harvard. Putnam era um ilustre antropólogo, mas encarregá-lo do Midway, como diria Bloom anos depois, “foi uma decisão tão inteligente quanto seria hoje fazer de Albert Einstein gerente do Ringling Brothers and Barnum & Bailey Circus”.23 Putnam não teria discordado. Ele confidenciou a um colega que estava “louco para tirar esse circo indígena de minhas mãos”.24

Bloom transmitiu suas preocupações ao presidente da exposição, Baker, que o encaminhou a Burnham.

“Você é muito jovem, muito jovem mesmo, para cuidar do trabalho que lhe confiaram”, disse Burnham.25

Entretanto o próprio Burnham era jovem quando John B. Sherman entrou em seu escritório e mudou sua vida.

“Quero que saiba que tem minha total confiança”, afirmou. “Você fica encarregado do Midway. Toque em frente a obra. Só preste contas a mim. Vou baixar ordens por escrito nesse sentido. Boa sorte.”

Em dezembro de 1891, os dois prédios mais adiantados eram o Edifício das Minas e o Edifício das Mulheres. A construção do Edifício das Minas transcorrera sem percalços, graças a um inverno que, pelos padrões de Chicago, fora misericordioso. Mas a construção do Edifício das Mulheres transformara-se numa provação, tanto para Burnham como para sua jovem arquiteta, Sophia Hayden, em razão sobretudo das modificações exigidas por Bertha Honore Palmer, chefe do conselho de administradoras da feira, que coordenava tudo no evento relacionado a mulheres. Como esposa de Potter Palmer e pela riqueza e pela absoluta dominância social, estava acostumada a impor sua vontade, como deixou bem claro no começo do ano ao suprimir uma revolta liderada pela secretária-executiva do conselho que provocara uma guerra aberta entre facções de mulheres elegantemente penteadas e vestidas. No meio da confusão, uma senhora escreveu, horrorizada, para a sra. Palmer: “Espero mesmo que o congresso não fique aborrecido com o nosso sexo.”26

Hayden fora a Chicago para produzir desenhos finais e depois voltara para casa, deixando a execução a cargo de Burnham. A construção foi iniciada em 9 de julho; operários começaram a aplicar a camada final de estafe em outubro. Hayden voltou em dezembro para coordenar a decoração do exterior do edifício, acreditando que essa era uma tarefa de sua responsabilidade. Descobriu que Bertha Palmer tinha outras ideias.

Em setembro, sem que Hayden soubesse, Palmer havia pedido a mulheres de todas as partes que doassem enfeites arquitetônicos para o edifício e, em resposta, recebera colunas, painéis, esculturas, grades de janela, portas e outros objetos em quantidade suficiente para encher um museu. Palmer achava que o imóvel poderia assimilar todas as contribuições, sobretudo as de mulheres importantes. Hayden, por sua vez, sabia que uma salada de materiais resultaria numa abominação estética. Quando uma influente mulher de Wisconsin chamada Flora Ginty mandou uma porta de madeira elaboradamente entalhada, Hayden a recusou. Ginty ficou ofendida e furiosa. “Quando penso nos dias que trabalhei e nas milhas que viajei para conseguir essas coisas para o Edifício das Mulheres, minha ira aumenta ainda mais.”27 A sra. Palmer estava na Europa na época, mas sua secretária particular, Laura Hayes, uma virtuose da bisbilhotice, fez questão de que a patroa ficasse sabendo de todos os detalhes. Hayes repassou também para Palmer algumas palavras que tinha dito à arquiteta a título de conselho: “Acho melhor o prédio ficar parecido com uma colcha de retalhos do que recusar essas coisas que as administradoras se deram o trabalho de pedir.”28

Uma colcha de retalhos não era bem o que Hayden tinha em mente. Apesar do ofuscante brilho social da sra. Palmer, Hayden continuou rejeitando doações. Seguiu-se uma batalha, travada à moda da Era Dourada, com friezas indiretas e cortesias venenosas. A sra. Palmer implicou e intimidou, disparou gélidos sorrisos contra o acabrunhamento de Hayden e, por fim, encarregou outra pessoa de fazer a decoração do Edifício das Mulheres, uma designer chamada Candace Wheeler.

Hayden lutou contra isso à sua maneira quieta e teimosa até não aguentar mais. Um dia, entrou no escritório de Burnham, começou a contar sua história e ali mesmo perdeu a razão: com lágrimas, soluços, gritos de angústia, tudo. “Um grave colapso”, descreveu um conhecido, “com um ataque violento de alta agitação nervosa do cérebro.”29

Burnham, atônito, mandou chamar um dos médicos da exposição. Hayden foi discretamente retirada do parque numa das inovadoras ambulâncias inglesas da feira, dotadas de silenciosos pneus de borracha, e internada num sanatório para um período de descanso compulsório. Mergulhou na “melancolia”, um nome gentil para depressão.

No Jackson Park, os aborrecimentos eram endêmicos. Burnham descobriu que as questões mais simples causavam desentendimento. Até mesmo Olmsted se tornou motivo de irritação. Ele era brilhante e encantador, mas quando cismava com uma coisa era tão inflexível quanto uma placa de calcário de Joliet. No fim de 1891, a questão dos tipos de barco que seriam permitidos nos canais da feira tornara-se para ele uma obsessão, como se os barcos pudessem, sozinhos, determinar o êxito da sua busca pelo “mistério poético”.

Em dezembro de 1891, Burnham recebeu uma proposta de um fabricante de rebocadores defendendo o uso de lanchas a vapor na exposição. Olmsted ficou sabendo disso por meio de Harry Codman, que além de ser seu chefe de operações em Chicago servia como uma espécie de espião, mantendo Olmsted em dia com todas as ameaças à sua visão. Coldman mandou para Olmsted uma cópia da carta, informando numa nota de próprio punho que o fabricante de rebocadores parecia desfrutar da confiança de Burnham.

Em 23 de dezembro, Olmsted escreveu para Burnham: “Suspeito que até Codman deve achar que eu perco muito tempo com a questão dos barcos e dedico a isso preocupações, talvez ideias, que seriam mais bem aproveitadas em outras questões mais relevantes, e imagino que você me julgue excêntrico por causa disso.”30

No entanto, insistiu mais uma vez em sua obsessão. Queixou-se de que a carta do fabricante de rebocadores colocava a questão dos barcos apenas em termos de transportar o maior número possível de passageiros de um ponto da exposição para outro, do modo mais barato e mais rápido. “Você sabe muito bem que o principal objetivo a ser alcançado não tem nada a ver com isso. Não preciso tentar declarar qual é esse objetivo. Você está tão empenhado nele quanto eu. Sabe que é um objetivo poético, e sabe que se é para introduzir barcos nessas águas seria um disparate se fossem de um tipo que antagonize esse objetivo poético.”

O simples transporte nunca foi a meta, afirmou. A única razão para ter barcos era ressaltar a paisagem. “Coloque nas águas barcos pouco elegantes e o efeito será lamentável, destruindo o valor do que, de outra forma, seria a característica original mais valiosa dessa exposição. Digo ‘destrói’ deliberadamente. Mil vezes melhor não ter barcos.”

Apesar da crescente interferência do comitê e do conflito cada vez mais intenso entre Burnham e o diretor-geral Davis, e com a ameaça de greves trabalhistas sempre no ar, os principais prédios iam sendo erguidos. Operários assentavam fundações de imensas peças de madeira em camadas cruzadas, seguindo o princípio da estacaria de Root, e depois utilizavam guindastes movidos a vapor para levantar os altos postes de ferro e aço que formavam a estrutura de cada edifício. Em seguida, eles enclausuravam as estruturas em andaimes de madeira e colocavam na frente de cada uma delas centenas de milhares de pranchas de madeira para criar paredes capazes de aceitar duas grossas camadas de estafe. Enquanto os operários acumulavam montanhas de madeira recém-cortada ao lado dos prédios, contrafortes pontudos de serragem e de sobras se formavam nas proximidades. O ar cheirava a madeira cortada e a Natal.

Em dezembro, a exposição teve sua primeira morte: um homem chamado Mueller, no Edifício das Minas, morto com fratura no crânio.31 Outras três mortes vieram em rápida sucessão:

Jansen, fratura no crânio, Edifício da Eletricidade;

Allard, fratura no crânio, Edifício da Eletricidade;

Algeer, completamente atordoado por um novo fenômeno, o choque elétrico, no Edifício das Minas.

Dezenas de incidentes menores ocorreram também. Publicamente, Burn­ham adotava uma pose de confiança e otimismo. Numa carta de 28 de dezembro de 1891 ao editor do Chicago Herald, escreveu: “Algumas questões de projeto e da planta ainda não foram determinadas, mas não há nada no momento que não esteja indo bem, e não vejo por que não haveríamos de concluir nossa obra a tempo para as cerimônias de outubro de 1892” — Dia da Consagração — “e para a abertura da exposição, em 1o de maio de 1893.”32

Na realidade, a feira estava bastante atrasada, e o cronograma só não estava pior graças à suavidade do inverno. A consagração de outubro estava programada para o Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, porém em janeiro apenas os alicerces do prédio tinham sido estabelecidos. Para que a feira estivesse minimamente apresentável no dia da cerimônia, tudo teria de transcorrer com perfeição. Acima de tudo, o clima deveria cooperar.

Enquanto isso, bancos e empresas quebravam em todo o país, havia ameaças de greve em toda parte, e o cólera tinha começado a percorrer uma lenta jornada branca pela Europa, provocando temores de que os primeiros navios com a peste começassem a chegar ao porto de Nova York.

Como se não bastasse toda a pressão, o The New York Times fez uma advertência: “O fracasso da feira, ou qualquer coisa menos do que um êxito claro e marcante, seria um descrédito para todo o país, e não apenas para Chicago.”33