OS DENTES DE Olmsted doíam, os ouvidos zuniam, e ele não conseguia dormir, mas durante os primeiros meses de 1892 manteve um ritmo de trabalho que teria sido excessivo até para um homem com um terço da sua idade. Viajou para Chicago, Asheville, Knoxville, Louisville e Rochester, com sua agonia agravada a cada viagem noturna. Em Chicago, apesar dos incansáveis esforços de seu jovem tenente Harry Codman, o trabalho estava muito atrasado, a tarefa que tinha pela frente se avolumava a cada dia. A primeira grande data, a da consagração, marcada para 21 de outubro de 1892, parecia impossivelmente próxima — e pareceria ainda mais próxima se as autoridades da feira não tivessem adiado a data original, 12 de outubro, para que a cidade de Nova York pudesse fazer sua própria comemoração de Colombo. Levando em conta a calúnia que Nova York assacara contra Chicago, foi um gesto de surpreendente elegância.
Os atrasos na construção em outras partes do terreno eram especialmente frustrantes para Olmsted. Quando as empreiteiras se atrasavam, era mais atraso para sua própria obra. Os trabalhos já terminados também sofriam. Operários pisavam em suas plantas e destruíam suas estradas. O Edifício do Governo dos Estados Unidos foi um exemplo disso. “Por todos os lados”, informou Rudolf Ulrich, seu superintendente de paisagismo, “havia material de tudo quanto é tipo amontoado e espalhado, em tamanha quantidade que só com muita e reiterada pressão sobre as autoridades responsáveis era possível dar início ao trabalho; e, mesmo assim, quando a coisa estava melhorando ninguém prestava atenção. O que se fazia num dia era desfeito no outro.”1
Os estragos e danos enfureciam Olmsted, mas havia outras questões que o afligiam ainda mais. Inacreditavelmente, apesar das intimidações de Olmsted, ao que parecia, Burnham continuava considerando lanchas a vapor uma opção aceitável para o serviço de barcos da exposição. E ninguém compartilhava sua convicção de que a Wooded Island deveria permanecer sem qualquer construção.
A ilha sofrera repetidos ataques, fazendo ressurgir a velha raiva de Olmsted pela compulsão dos clientes a alterarem suas paisagens. Todos queriam espaço na ilha. Primeiro foi Theodore Thomas, maestro da sinfônica de Chicago, que via na ilha o lugar ideal, o único lugar, para uma sala de música digna da feira. Olmsted não permitiria isso. Depois veio Theodore Roosevelt, chefe da comissão do serviço público dos Estados Unidos e uma canhoneira humana. A ilha, insistia ele, era perfeita para a exposição sobre o acampamento de caça de seu Boone e Crockett Club. Não é de surpreender, dado o poder de Roosevelt em Washington, que os políticos da comissão nacional da feira endossassem seu plano com vigor. Burnham, em parte para manter a paz, também insistiu para que Olmsted aceitasse. “Você seria contra situá-la na parte norte da ilha, protegida entre as árvores, apenas como exposição, desde que fique escondida e seja vista casualmente apenas por quem estiver na ilha e de forma alguma por quem estiver na praia?”2
Olmsted era contra. Concordou em deixar Roosevelt colocar seu acampamento numa ilha menor, mas não autorizou qualquer edifício, apenas “poucas tendas, alguns cavalos, fogueiras etc.”.3 Mais tarde permitiu a instalação de uma pequena cabana de caçador.
Em seguida vieram o governo dos Estados Unidos, querendo um lugar para uma exposição indígena na ilha, e depois o professor Putnam, chefe de etnologia da feira, que via a ilha como ponto ideal para várias aldeias exóticas. O governo do Japão também queria a ilha. “Eles propõem uma exposição ao ar livre para seus templos e, como é sempre o caso, querem espaço na ilha arborizada”, escreveu Burnham em fevereiro de 1892.4 Para Burnham parecia então inevitável que algo deveria ocupar a ilha. O cenário era atraente demais, só isso. Burnham insistiu com Olmsted para aceitar a proposta do Japão. “Parece fora de dúvida que é a coisa mais apropriada para o local, e não acho possível, de qualquer forma, que isso vá depreciar a essência das características que você preza. Eles propõem fazer as coisas mais refinadas e belas e desejam deixar os prédios de presente à cidade de Chicago depois do encerramento da feira.”
Temendo coisa ainda pior, Olmsted concordou.
Não melhorou em nada o seu humor o fato de, enquanto lutava para proteger a ilha, ter sido informado de outro ataque ao seu amado Central Park. Instigado por um pequeno grupo de nova-iorquinos abastados, o legislativo estadual tinha silenciosamente aprovado uma lei autorizando a construção de uma “via expressa” na parte oeste do parque para que os ricos corressem com suas carruagens. O público respondeu com indignação. Olmsted entrou na briga com uma carta em que descrevia a via proposta como “irracional, injusta e imoral”.5 O legislativo recuou.
A insônia e as dores, o esmagador volume de trabalho e a crescente frustração atribularam-lhe o espírito de tal maneira que, no fim de março, ele se sentiu à beira do colapso físico e emocional. A intermitente depressão, que o perseguira por toda a vida adulta, estava prestes a dominá-lo mais uma vez. “Quando Olmsted está deprimido”, escreveu um amigo, “a lógica de seu desalento é esmagadora e terrível.”6
Olmsted, porém, acreditava que tudo de que precisava era um bom descanso. Seguindo os costumes terapêuticos da época, decidiu restabelecer-se na Europa, onde o cenário também lhe daria a oportunidade de enriquecer o vocabulário visual. Planejava fazer excursões a jardins e parques públicos e ao terreno da velha exposição de Paris.
Deixou o filho mais velho, John, tomando conta do escritório de Brookline e encarregou Harry Codman, em Chicago, de orientar o trabalho na feira mundial. No último minuto decidiu levar dois filhos, Marion e Rick, e outro jovem, Phil Codman, irmão mais novo de Harry. Para Marion e os meninos, aquela prometia ser uma viagem dos sonhos; para Olmsted, tornou-se coisa muito mais sombria.
Partiram no sábado, 2 de abril de 1892, e chegaram a Liverpool sob uma barragem de granizo e neve.
Em Chicago, Sol Bloom recebeu um telegrama da França que o deixou perplexo. Leu-o algumas vezes para ter certeza de que dizia o que parecia dizer. Seus argelinos, dezenas deles, com todos os seus animais e bens materiais, já estavam no mar, viajando rumo aos Estados Unidos e à feira — um ano antes.
“Escolheram o mês certo”, disse Bloom, “mas o ano errado.”7
Olmsted achou o interior da Inglaterra charmoso, o clima gélido e mórbido. Depois de uma breve estada na casa de parentes em Chislehurst, ele e os meninos partiram para Paris. A filha, Marion, ficou.
Em Paris, Olmsted visitou o terreno da antiga feira. Os jardins estavam ralos, sufocados por um longo inverno, e os prédios não tinham resistido bem, mas restava o suficiente para lhe dar “uma ideia tolerável” do que fora a exposição. O lugar ainda era obviamente popular.8 Numa visita dominical, Olmsted e os meninos viram cinco bandas tocarem, barracas de comida abertas e alguns milhares de pessoas andando pelos passeios. Uma longa fila se formara à base da Torre Eiffel.
Com a feira de Chicago sempre em mente, Olmsted examinava cada detalhe. Os gramados eram “bem pobres”, os caminhos de cascalho “não eram agradáveis aos olhos nem aos pés”. Achou questionável o uso intenso de canteiros de flores formais. “Parece-me”, escreveu numa carta para John em Brookline, “que deve ter sido no mínimo muito inquietante, cafona e infantil, senão selvagem e danoso para a exposição, por causa de sua perturbação da dignidade e pelos danos à amplitude, unidade e compostura.”9 Voltou a afirmar que em Chicago “a simplicidade e a modéstia serão praticadas, e os efeitos mesquinhos e os arrebiques, evitados”.
A visita reavivou-lhe os temores de que, na ânsia de superar a exposição de Paris, Burnham e seus arquitetos tivessem esquecido o que uma feira mundial deveria ser. Os edifícios de Paris, escreveu Olmsted, “têm muito mais cores e ornamentos coloridos, mas muito menos frisos e esculturas do que eu supunha. Acho que demonstram mais adequação para suas finalidades, parecem mais projetados para a ocasião e menos monumentos arquitetônicos grandiosos e permanentes do que os nossos. Pergunto-me se os nossos não estão equivocados nesse sentido e se não vão parecer que têm excessiva pretensão à magnificência arquitetônica e estão sobrecarregados de efeitos esculturais e de outra natureza, em busca de grandiosidade e de pompa grandiloquente”.10
Olmsted gostou da viagem com seu jovem entourage. Em carta para a esposa em Brookline, escreveu o seguinte: “Estou aproveitando muito e, espero, acumulando um bom estoque de saúde para o futuro.”11 Porém, logo que o grupo retornou a Chislehurst, a saúde de Olmsted se agravou, e a insônia voltou a acabar com suas noites. Escreveu para Harry Codman, também ele acometido de uma estranha moléstia abdominal: “Só posso concluir que estou mais velho e mais gasto do que imaginava.”12
Um médico, Henry Rayner, fez uma visita de cortesia a Chislehurst para conhecer Olmsted. Por coincidência, era especialista em doenças nervosas e ficou tão assustado com a aparência de Olmsted que se ofereceu para levá-lo para a própria casa em Hampstead Heath, nos arredores de Londres, e cuidar dele pessoalmente. Olmsted aceitou.13
Apesar da vigilante atenção de Rayner, a saúde de Olmsted não melhorou; sua estada em Hampstead Heath tornou-se enfadonha. “Sabe que estou quase preso aqui”, escreveu para Harry Codman em 16 de junho de 1892. “Todos os dias tento ver melhoras definitivas, mas até agora todos os dias fico desapontado.”14 O dr. Rayner também estava confuso, de acordo com Olmsted. “Diz ele, com a maior confiança, depois de repetidos exames de toda a minha anatomia, que não tenho nenhum problema orgânico e que posso razoavelmente, em circunstâncias favoráveis, continuar trabalhando ainda por muitos anos. Vê meu problema atual como uma variação, na forma, dos que me trouxeram ao exterior.”
Quase todos os dias Olmsted era levado de carruagem pelo interior, “todo dia mais ou menos por uma estrada diferente”,15 para ver jardins, cemitérios de igreja, parques particulares e a paisagem natural. Quase todos os canteiros de flores ornamentais o ofendiam. Achava-os “infantis, vulgares, exagerados ou impertinentes, deslocados e discordantes”.16 O interior, em si, o encantava: “Não há nada nos Estados Unidos que se compare à beleza pastoral ou pitoresca que é a propriedade comum na Inglaterra. Não consigo dar uma volta sem me deliciar. A vista que tenho diante de mim enquanto escrevo, velada pela chuva, é simplesmente encantadora.”17 Descobriu que as cenas mais adoráveis eram compostas pela mais simples e natural justaposição de plantas nativas. “A melhor combinação é a de tojos, roseiras-bravas, amoras-pretas, espinheiros e heras. Mesmo quando não há flores, é graciosa. E essas coisas podem ser adquiridas às centenas de milhares por preços muito baixos.”18
Às vezes as cenas que ele via contestavam sua visão para o Jackson Park, outras vezes a confirmavam. “Em toda parte as melhores áreas ornamentais que vemos são aquelas em que trepadeiras e plantas rasteiras levam a melhor sobre os jardineiros. Pequenas trepadeiras e plantas rasteiras nunca parecem demais.”19 Olmsted sabia que o tempo era muito curto para deixar a natureza produzir esses efeitos. “Precisamos tanto quanto possível posicionar as plantas rasteiras e os ramos das árvores sobre pontes, puxando para baixo e pregando os galhos, a fim de obter sombra e reflexo das folhagens e controlar o obscurecimento da água.”20
Acima de tudo, suas excursões lhe reforçaram a convicção de que a Wooded Island, apesar da presença do templo japonês, deveria ter a aparência mais silvestre possível. “Mais do que nunca penso no valor da ilha”, escreveu para Harry Codman, “e na importância de usar todos os meios originais possíveis para garantir ocultação impenetrável, densas e maciças pilhas de folhagem em suas bordas; com abundante variedade de pequenos detalhes em abjeta subordinação ao efeito geral... Nunca poderá haver excesso de juncos, adlúmias, trepadeiras-da-madeira, salsaparrilhas, clemátides-brancas, amoras-pretas, ervilhas-de-cheiro, estramônios, asclépias, pequenos girassóis ocidentais e campainhas.”21
No entanto, Olmsted reconhecia também que o estado silvestre que buscava precisaria ser contrabalançado com uma excelente manutenção do terreno. Temia que Chicago não estivesse à altura dessa tarefa. “O padrão de um trabalhador, de um cocheiro ou de um grosseirão inglês no que diz respeito a asseio, autossuficiência e elegância de jardins e terrenos, trilhas e caminhos é infinitamente mais alto do que o de um príncipe ou virtuose do comércio de Chicago”, escreveu para Codman, “e estaremos perdidos se não atingirmos um nível mais alto do que nossos patrões estariam dispostos a considerar adequado.”22
No geral, Olmsted continuava confiante no êxito de sua paisagem para a exposição. Porém uma nova preocupação o consumia. “A única nuvem que enxergo neste momento pairando sobre a exposição é o cólera”, escreveu numa carta para seu escritório em Brookline. “As notícias da Rússia e de Paris esta manhã são alarmantes.”23
Enquanto os argelinos de Sol Bloom se aproximavam do porto de Nova York, operários designados para trabalhar no Midway construíam prédios provisórios a fim de abrigá-los. Bloom foi a Nova York para receber o navio e reservar dois vagões de trem que levariam os aldeões e sua carga até Chicago.
Ao saírem do navio, os argelinos começaram a se espalhar em todas as direções. “Imaginei-os perdidos, atropelados, na cadeia”, disse Bloom.24 Ninguém parecia estar no comando. Bloom correu atrás deles, gritando ordens em francês e inglês. Um homem gigantesco e de pele negra aproximou-se de Bloom e, num inglês perfeito, digno da câmara dos Lordes, disse: “Sugiro que seja mais educado se não quiser que eu perca a paciência e o jogue dentro da água.”25
O homem se apresentou como Archie e, depois que os dois adotaram um tom de conversa mais amigável, contou a Bloom que tinha passado uma década em Londres, como guarda-costas de um homem rico. “No momento”, explicou ele, “estou encarregado de levar meus companheiros a um lugar chamado Chicago. Entendo que fica lá no interior.”26
Bloom lhe deu um charuto e sugeriu que ele se tornasse seu guarda-costas e assistente.
“Sua proposta”, respondeu Archie, “é bastante satisfatória.”
Ambos acenderam os charutos e soltaram baforadas na fragrante escuridão do porto de Nova York.
Burnham lutava para acelerar o ritmo das obras, especialmente a construção do Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, que precisava estar pronto para o Dia da Consagração. Em março, faltando apenas meio ano, invocou a cláusula de “czar” dos contratos de construção. Ordenou ao construtor do Edifício da Eletricidade que dobrasse o número de operários e pusesse os homens para trabalhar à noite, com luz elétrica. Ameaçou dar ao empreiteiro do Edifício das Manufaturas o mesmo destino se não aumentasse o ritmo da obra.
Burnham estava quase desistindo de superar a Torre Eiffel. Pouco tempo antes, rejeitara outra ideia estapafúrdia apresentada por um jovem e sério engenheiro de Pittsburgh, que ouvira sua palestra no Saturday Afternoon Club. O homem tinha boas credenciais — sua empresa ficara com o contrato para inspecionar todo o aço usado nas construções da feira —, mas o que ele propunha erguer não parecia viável. “Frágil demais”, disse-lhe Burnham.27 O público ficaria com medo.
Uma primavera hostil atrapalhou mais ainda o avanço dos trabalhos. Na terça-feira, 5 de abril de 1892, às 6h50, um vendaval súbito demoliu a estação de bombeamento recém-terminada da feira e derrubou vinte metros do Edifício do Estado de Illinois. Três semanas depois, outra tempestade destruiu 240 metros da parede sul do Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais. “O vento”, observou o Tribune, “parece ter a maior má vontade contra o terreno da feira mundial.”28
Para encontrar um meio de acelerar as obras, Burnham convocou os arquitetos do leste para irem até Chicago. Um problema iminente era colorir a parte externa dos prédios principais, especialmente as paliçadas cobertas de estafe do Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais. Durante a reunião, surgiu uma ideia que prometia uma drástica aceleração das obras a curto prazo, mas que acabou servindo para fixar a feira na imaginação do mundo como um evento de beleza sobrenatural.
Por direito, o setor de decoração de exteriores pertencia a William Pretyman, o diretor de cores oficial da feira. Burnham admitiu, mais tarde, que tinha contratado Pretyman “em grande parte devido à sua grande amizade com John Root”.29 Pretyman não era a pessoa adequada para a função. Harriet Monroe, que o conhecia e a sua mulher, escreveu: “Seu gênio foi traído por altivos e indomáveis traços de caráter que não lhe permitiam ceder ou fazer acordos. Por isso, sua vida foi uma tragédia de inconsequência.”30
No dia da reunião, Pretyman estava na Costa Leste. Os arquitetos seguiram sem ele. “Eu estava recomendando a todo mundo que andasse depressa, sabendo que eu tinha uma terrível luta contra o tempo”, disse Burnham. “Falamos sobre cores, e por fim veio a ideia, ‘vamos fazer tudo perfeitamente branco’. Não me lembro de quem foi a sugestão. Pode ter sido uma dessas coisas que ocorrem a todo mundo ao mesmo tempo. De qualquer maneira, tomei a decisão.”31
O Edifício das Minas, projetado por Solon S. Beman, de Chicago, estava quase terminado. Tornou-se o edifício de teste. Burnham ordenou que fosse pintado de creme. Ao voltar, Pretyman “ficou indignado”, recordou-se Burnham.
Afirmava que qualquer decisão sobre cores era exclusivamente dele.
— Não é o que penso — retrucou Burnham. — A decisão é minha.32
— Tudo bem — disse Pretyman. — Neste caso, estou fora.
Burnham não sentiu sua falta. “Era um homem muito soturno, muito irritadiço,” afirmou. “Deixei que fosse embora. Depois falei a Charles McKim que precisava de alguém que pudesse de fato tomar conta disso e que eu não ia decidir nada com base na amizade.”
McKim recomendou o pintor de Nova York Francis Millet, que tinha participado da reunião sobre cores. Burnham contratou-o.
Millet logo demonstrou seu valor. Após algumas experiências, decidiu-se pelo “alvaiade comum e óleo”33 como a melhor tinta para estafe. Depois desenvolveu um meio de aplicá-la usando, em vez de pincel, uma mangueira dotada de esguicho especial feito com tubulação de gás — a primeira tinta spray. Burnham apelidou Millet e sua equipe de pintores de “Bando da Caiação”.34
Na primeira semana de maio, uma poderosa tempestade despejou um oceano de chuva em Chicago, e mais uma vez levou o rio Chicago a inverter o fluxo. Novamente os esgotos ameaçaram o suprimento de água da cidade. A carcaça apodrecida de um cavalo foi vista boiando perto de uma das entradas.
Essa nova enchente ressaltou, para Burnham, a urgente necessidade de completar o plano de bombear água das fontes de Waukesha para a feira até o Dia da Abertura. Anteriormente, em julho de 1891, a exposição tinha concedido o contrato da obra para a Hygeia Mineral Springs Company, encabeçada por um empresário chamado J. E. McElroy, mas a empresa não fora muito longe. Em março, Burnham ordenou a Dion Geraldine, o superintendente-chefe de construção, para cuidar do assunto “com o máximo vigor, tomando precaução para que não haja atrasos”.35
A Hygeia conseguiu os direitos para instalar os canos de sua fonte coberta em Waukesha, passando pela própria aldeia, porém foi incapaz de prever a veemência da oposição de cidadãos que temiam que a tubulação desfigurasse a paisagem e drenasse suas famosas fontes. McElroy, sob a crescente pressão de Burnham, recorreu a medidas desesperadas.
No começo da noite de sábado, 7 de maio de 1892, McElroy encheu um trem especial de canos, picaretas, pás e trezentos homens e partiu para Waukesha a fim de instalar sua tubulação na calada da noite.36
A notícia da expedição chegou antes do trem para Waukesha. Quando a composição entrava na estação, alguém acionou o alarme de incêndio, e em pouco tempo um exército de homens armados com bastões, pistolas e espingardas se aproximou do trem. Dois carros de bombeiros chegaram bufando vapor, com equipes prontas para atacar os encanadores com jatos de água. Um líder da aldeia disse a McElroy que se levasse o plano adiante não sairia vivo.
Não demorou para que outros mil moradores, aproximadamente, se juntassem ao pequeno exército na estação. Um grupo arrastou um canhão da prefeitura e o apontou para as instalações de engarrafamento da Hygeia.
Depois de um breve impasse, McElroy e os encanadores voltaram para Chicago.
Burnham continuava querendo aquela água. Os operários já tinham instalado canos no Jackson Park para alimentar duzentas cabines de água de fonte.
McElroy desistiu de tentar passar seus canos direto pela aldeia de Waukesha. Em vez disso, adquiriu uma fonte na cidade de Big Bend, vinte quilômetros ao sul de Waukesha, ainda dentro do condado. Com isso, de uma forma ou de outra, os visitantes da feira beberiam água diretamente da fonte de Waukesha.
O fato de que a água vinha do condado e não da famosa aldeia era um detalhe com o qual Burnham e McElroy não quiseram perder tempo.
No Jackson Park, todo mundo foi absorvido pelo ritmo de construção cada vez mais acelerado. À medida que os prédios ganhavam forma, os arquitetos iam descobrindo defeitos de projeto, mas a pressão das obras era tão esmagadora que ameaçava soterrar esses defeitos em pedra ou pelo menos em estafe. Extraoficialmente, Frank Millet ficou de olho nos edifícios dos arquitetos do leste durante suas longas ausências do parque, para impedir que alguma decisão causasse danos estéticos irreparáveis. Em 6 de junho de 1892, escreveu para Charles McKim, dono do projeto do Edifício da Agricultura: “Seria melhor que escrevesse uma carta explicando todas as ideias de mudança que tiver, porque, antes que se dê conta, eles deixam você sem saída. Hoje impedi que pusessem um piso de cimento na rotunda e insisti que você queria tijolo... Nem todo o tempo e todas as preocupações do mundo bastam para fazer uma coisa direito, mas um segundo é suficiente para que se mande fazer errado. Estes comentários são feitos na mais estrita confiança, e lhe escrevo nestes termos para recomendar que seja explícito e franco em seus desejos.”37
No Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, os operários do empreiteiro Francis Agnew iniciaram o perigoso processo de erguer as gigantescas treliças de ferro que sustentariam o teto e criariam o mais largo vão livre de espaço interior já tentado.
Instalaram três conjuntos de trilhos ferroviários paralelos por toda a extensão do edifício. Em cima, em rodas de vagão ou “truques”, ergueram um “viajante” — um gigantesco guindaste com três torres altas ligadas em cima por uma plataforma. Usando o viajante, os operários podiam levantar e posicionar duas treliças de cada vez. O projeto de George Post previa 22, cada uma pesando duzentas toneladas. Só para levar os componentes até o parque foram necessários seiscentos vagões de trem.
Na quarta-feira, 1o de junho, o fotógrafo da exposição, Charles Arnold, tirou uma fotografia do edifício para documentar seu avanço.38 Qualquer um que visse a foto seria obrigado a concluir que ele não ficaria pronto nos quatro meses e meio que faltavam para o Dia da Consagração. As treliças estavam colocadas, mas não o teto. As paredes mal começavam a ser erguidas. Quando Arnold tirou a foto, centenas de homens trabalhavam no prédio, porém a escala da obra era tão grande que nenhum deles era visível de imediato. As escadas que iam de um nível de andaime para o outro tinham a substância de palitos de fósforo e davam à construção um ar de fragilidade. No primeiro plano havia montanhas de entulho.
Duas semanas depois, Arnold voltou e tirou outra foto, capturando uma cena muito diferente — uma cena de devastação.39
Em 13 de junho, pouco depois das nove, outra tempestade abrupta atingira a área da feira, e essa também parecia ter escolhido o Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais para atacar. Um grande pedaço da parte norte do edifício caiu, o que, por sua vez, causou o colapso de uma galeria alta projetada para rodear o interior do edifício. Trinta mil e quinhentos metros de madeira desabaram no chão. A foto que Arnold tirou após a tempestade mostrava um homem liliputiano, possivelmente Burnham, parado diante de um grande morro de madeira quebrada e aço emaranhado.
Logo aquele prédio.
O empreiteiro, Francis Agnew, reconheceu que o muro tinha sido reforçado inadequadamente, mas responsabilizou Burnham pela situação, acusando-o de obrigar os homens a construírem rápido demais.40
Burnham passou a cobrar-lhes ainda mais. Cumpriu a ameaça e dobrou o número de operários trabalhando no prédio. Trabalhavam de noite, na chuva, no calor sufocante. Só em agosto houve três mortes. Em outras partes do terreno, mais quatro homens morreram e dezenas sofreram todo tipo de fratura, queimadura e laceração. Segundo uma avaliação posterior, era mais perigoso trabalhar na feira do que numa mina de carvão.
Burnham redobrou seus esforços para adquirir mais poder. A briga constante entre a companhia da exposição e a comissão nacional tornara-se quase intolerável. Os próprios investigadores do congresso tinham reconhecido que a superposição de jurisdições era fonte de discórdia e de despesas inúteis. Seu relatório recomendava que o salário de Davis fosse reduzido à metade, claro sinal de que a balança do poder passara a pender para o outro lado. A empresa e a comissão fizeram uma trégua. Em 24 de agosto, o comitê executivo nomeou Burnham diretor de obras. Chefe de tudo.
Logo depois, Burnham mandou cartas para todos os chefes de departamento, incluindo Olmsted: “Assumi o controle pessoal do trabalho ativo no terreno da Exposição Colombiana Mundial”, escreveu. “De hoje em diante, até segunda ordem, os senhores estão subordinados a mim e recebem ordens minhas, exclusivamente.”41
Em Pittsburgh, o jovem engenheiro do aço ficou mais convencido do que nunca de que seu desafio à Torre Eiffel poderia dar resultado. Pediu a um sócio da firma de inspeção, W. F. Gronau, que calculasse as forças inusitadas que agiriam sobre os componentes de sua construção. No jargão da engenharia, incluía pouca “carga morta”, o peso estático de massas imóveis de tijolo e aço. Quase tudo era “carga viva”, ou seja, o peso que muda com o tempo, como quando um trem passa por uma ponte. “Não há precedente”, disse Gronau.42 Porém após três semanas de trabalho intenso ele apresentou minuciosas especificações. Os números eram convincentes, mesmo para Burnham. Em junho, o comitê de assuntos fiscais concordou com a construção. Forneceu a concessão.
No dia seguinte, o comitê revogou-a — pensou melhor, depois de uma noite sonhando com ventos esquisitos, muito ranger de aço e duas mil vidas desaparecidas num piscar de olhos. Um membro do comitê passou a chamá-la de “monstruosidade”.43 Um coro de engenheiros dizia, em uníssono, que aquilo não poderia ser construído, pelo menos não com qualquer margem de segurança.
Contudo, o jovem autor do projeto não admitiu a derrota. Gastou 25 mil dólares com desenhos e novas especificações e usou-os para recrutar um grupo de investidores que incluía dois engenheiros renomados, Robert Hunt, chefe de uma grande empresa de Chicago, e Andrew Onderdonk, famoso por ter ajudado a construir a Canadian Pacific Railway.
Logo percebeu uma mudança. O novo encarregado do Midway, Sol Bloom, tinha atacado como um raio e parecia aberto a praticamente qualquer coisa — quanto mais inusitada e fabulosa a ideia, melhor. E Burnham adquirira poderes quase ilimitados sobre a construção e o funcionamento da feira.
O engenheiro se preparou para tentar uma terceira vez.
Na primeira semana de setembro de 1892, Olmsted e seu jovem séquito deixaram a Inglaterra de volta para casa, partindo de Liverpool a bordo do City of New York. O mar estava agitado, e a travessia foi difícil. O enjoo derrubou Marion e deixou Rick perpetuamente mareado. A saúde de Olmsted deteriorou-se outra vez. A insônia voltou. Ele escreveu: “Voltei mais inválido do que quando parti.”44 Naquele momento, porém, não tinha mais tempo para se recuperar. Faltava apenas um mês para o Dia da Consagração, e Harry Codman ficara doente de novo, incapacitado pelo mesmo problema de estômago que o atacara no verão. Olmsted seguiu para Chicago a fim de assumir a supervisão direta das obras, enquanto Codman se restabelecia. “Ainda estou sendo bastante torturado pela nevralgia e pelas dores de dente”, escreveu Olmsted, “e estou cansado, e cada vez mais apavorado por preocupações e pela ansiedade.”45
Em Chicago, encontrou um parque diferente. O Edifício das Minas estava pronto, assim como o Edifício da Pesca. A maior parte dos outros prédios ia bem adiantada, incluindo, incrivelmente, o gigantesco Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, onde centenas de operários fervilhavam nos andaimes e tetos. Só o piso consumira cinco vagões de pregos.
No entanto, em meio a todo esse trabalho a paisagem tinha sofrido. Trilhos provisórios atravessavam o terreno. Carroças tinham cavado buracos fundos nos caminhos, estradas e pretensos gramados. Havia lixo por toda parte. Quem estivesse ali numa primeira visita poderia até se perguntar se os operários de Olmsted tinham começado a trabalhar.
Olmsted, é claro, sabia que houvera um grande progresso, mas de um tipo que ninguém perceberia se não prestasse atenção. Naquele momento existiam lagos onde antes era terra árida. As áreas elevadas, sobre as quais se erguiam os prédios, só passaram a existir graças às suas equipes de terraplenagem. Na primavera anterior, seus homens tinham plantado quase tudo que fora cultivado nos canteiros da exposição, além de duzentas mil árvores, plantas aquáticas e samambaias, e trinta mil mudas de salgueiro, tudo sob a direção de seu engenheiro-chefe, que tinha o nome muito apropriado de E. Dehn.
No tempo que restava até o Dia da Consagração, Burnham queria que os homens de Olmsted se concentrassem em limpar o terreno e cobri-lo de flores e relvados provisórios de blocos de grama, medidas que Olmsted compreendia que eram necessárias, mas que iam de encontro à sua ênfase, exercida ao longo de toda a carreira, em projetar efeitos cênicos que só poderiam ser alcançados décadas depois. “É claro que o trabalho principal sofre”, escreveu.46
Entretanto, um avanço indiscutivelmente positivo ocorrera em sua ausência. Burnham tinha concedido o serviço de barcos a uma empresa chamada Electric Launch and Navigation Company, que produzira um adorável barco elétrico com as exatas características que Olmsted queria.
No Dia da Consagração até a imprensa demonstrou suficiente educação para ignorar a crua aparência do terreno e a impressão de que o Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais ainda estava inacabado. Agir de outra forma teria sido um ato de deslealdade com Chicago e com os Estados Unidos.
O país inteiro aguardara com expectativa o Dia da Consagração.47 Francis J. Bellamy, um editor do Youth’s Companion, achou que seria ótimo se naquele dia todos os estudantes dos Estados Unidos, em uníssono, oferecessem algo para o país. Compôs um juramento que a agência de educação mandou pelo correio para quase todas as escolas. Em sua redação original, começava assim: “Juro ser leal à minha Bandeira e à República que ela representa...”
Um grande desfile levou Burnham e outros dignitários até o Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais, onde um exército de 140 mil moradores de Chicago lotava, em pé, os treze hectares de piso. Colunas de luz do sol atravessavam a névoa de hálito humano que se adensava. Havia cinco mil cadeiras amarelas no palanque atapetado de vermelho, e nessas cadeiras sentavam-se homens de negócios vestidos de preto, representantes estrangeiros e clérigos de vermelho, roxo, verde e dourado. O ex-prefeito Carter Harrison, concorrendo ao quinto mandato, andava de um lado para o outro apertando mãos, o chapéu preto de abas largas arrancando aplausos de admiradores no meio da multidão. Do outro lado do edifício, um coral de cinco mil vozes cantava o coro de “Aleluia”, de Handel, acompanhado por quinhentos músicos. Um espectador recordou-se de que, a certa altura, “noventa mil pessoas levantaram-se de repente e, de pé, agitaram simultaneamente noventa mil lenços brancos; o ar ficou cravado por espirais de poeira, vibrando em direção ao grande teto de grades de aço... Sentia-se uma espécie de tontura, como se todo o edifício balançasse”.48
A câmara era tão imensa que era necessário usar sinais visuais para que o coral soubesse quando o orador tinha parado de falar e quando começar uma nova canção. Ainda não existiam microfones, portanto só uma pequena parte da plateia de fato escutava os discursos. O resto, de rosto contorcido pelo esforço de tentar ouvir, via homens gesticulando desvairadamente ao longe, na pesada atmosfera de sussurros, tosses e ranger de sapatos de couro que sufocava os demais sons. Harriet Monroe, a poeta que tinha sido cunhada de John Root, estava presente e viu dois dos maiores oradores do país, o coronel Henry Watterson, do Kentucky, e Chauncey M. Depew, de Nova York, se revezarem no púlpito, “ambos lançando suas palavras pomposas para a grande, sussurrante e farfalhante plateia, que não conseguia ouvir”.49
Foi um grande dia para a srta. Monroe. Ela compusera um longo poema para a ocasião, a “Ode Colombiana”, e importunou seus muitos amigos poderosos para que fosse incluído no programa. Viu, com orgulho, uma atriz ler o texto para alguns milhares de pessoas próximas o bastante para ouvir. Ao contrário da maior parte da plateia, Monroe considerou o poema uma obra brilhante, a ponto de mandar imprimir cinco mil cópias para vender ao público. Vendeu poucas e atribuiu o fracasso ao declínio do gosto dos americanos pela poesia.
Naquele inverno, usou o encalhe para alimentar a lareira.50