EM 28 DE NOVEMBRO de 1892, Patrick Eugene Joseph Prendergast, o imigrante irlandês louco e partidário de Harrison, selecionou um dos seus cartões-postais.1 O jovem tinha 24 anos e, apesar do acelerado declínio mental, ainda trabalhava para o Inter Ocean como entregador. O cartão escolhido, como todos os outros, tinha dez centímetros de largura por treze de comprimento, era branco de um lado e trazia uma insígnia postal e um selo de um centavo impresso do outro. Naquela época, quando escrever longas cartas era uma prática diária, homens de sensibilidade normal viam nesses postais o mais confuso dos meios de comunicação, pouco melhor do que um telegrama, mas para Prendergast aquele quadradinho de papel rígido era um veículo que lhe dava voz ativa nos arranha-céus e mansões da cidade.
Endereçou aquele cartão em especial para “A. S. Trude, Advogado”. Rascunhou as letras do nome em grandes letras floridas, como se quisesse desincumbir-se o mais rápido possível da incômoda tarefa de endereçar o cartão, antes de tratar da própria mensagem.
Não era de surpreender que Prendergast escolhesse Trude como um de seus correspondentes. O irlandês lia muito e acompanhava assiduamente os desastres de bonde, assassinatos e maquinações da prefeitura noticiados com tanto fervor pelos jornais da cidade. Sabia que Alfred S. Trude era um dos melhores advogados criminalistas de defesa de Chicago e que, de vez em quando, era contratado pelo Estado como promotor, prática comum em casos particularmente importantes.
Prendergast preencheu o postal de cima a baixo, de uma borda a outra, sem se importar muito se as frases formavam ou não linhas retas. Segurava a caneta com tanta força que ela lhe imprimia sulcos na ponta do polegar e do indicador. “Meu prezado sr. Trude”, começou. “O senhor ficou muito machucado?”2 Um acidente, noticiado pelos jornais, provocara ferimentos leves no advogado. “Seu humilde criado por meio deste implora permissão para lhe manifestar sinceras condolências e confia que, mesmo sem comparecer diante do senhor pessoalmente, o senhor não terá dúvidas sobre sua verdadeira solidariedade com seus infortúnios — ele lhe deseja um pronto restabelecimento dos resultados do acidente que o senhor teve o azar de sofrer.”
Adotava um tom familiar, dando a entender que Trude o consideraria um de seus iguais. Enquanto o bilhete crescia, a letra ia encolhendo, até parecer uma coisa mais cuspida do que escrita. “Imagino, sr. Trude, que o senhor compreende que a maior autoridade em questões de lei é Jesus Cristo — e que o senhor também sabe que para cumprir a lei perfeitamente é preciso observar os dois mandamentos, amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos — são esses os maiores mandamentos, se me permite, senhor.”
O bilhete pulava de um tema para outro como as rodas de um trem num pátio de manobras. “O senhor por acaso já viu a foto do gordo que procurava pelo cachorro enquanto o cachorro está a seus pés e, apesar disso, não tem a presença de espírito de perceber do que se trata — o senhor já observou o gato?”
Não acrescentou um desfecho, nem assinou. Simplesmente não teve mais onde escrever, então pôs o cartão no correio.
Trude leu o bilhete e de início não lhe deu muita importância, achando que fosse coisa de alguém excêntrico. O número de homens e mulheres perturbados parecia aumentar a cada ano. As prisões estavam lotadas de pessoas assim, como mais tarde afirmaria um diretor de presídio. Inevitavelmente, alguns se tornavam perigosos, como Charles Guiteau, o homem que assassinou o presidente Garfield em Washington.
Sem nenhum motivo particular, Trude guardou o cartão.