Dia da Independência

A MANHÃ DE 4 de julho de 1893 começou cinzenta e tempestuosa. O tempo ameaçava embaçar o elaborado espetáculo pirotécnico planejado por Frank Millet para aumentar ainda mais o público da feira, que, apesar da constante melhora a cada semana, ainda estava aquém das expectativas. O sol emergiu no fim da manhã, embora rajadas de vento continuassem a varrer o Jackson Park pela maior parte do dia. No fim da tarde, uma suave luz dourada banhou o pátio de honra e nuvens de tempestade acumularam-se no lado norte do céu. As tempestades não chegaram mais perto. Multidões se formaram rapidamente. Holmes, Minnie e Anna se viram cercados por um imenso aglomerado de homens e mulheres úmidos. Muitas pessoas carregavam cobertores e grandes cestos de comida, mas logo descobriram que não sobrava espaço para piquenique. Havia poucas crianças. Toda a guarda colombiana parecia estar presente, seu pálido uniforme azul destacando-se como flores de açafrão em argila negra. Aos poucos, a luz dourada adquiriu um tom de alfazema. Todos começaram a andar em direção ao lago. “Por uns oitocentos metros ao longo da esplêndida extensão do Lake-Front, homens se amontoaram”, informou o Tribune.1 Esse “mar negro” de gente estava inquieto. “Durante horas, as pessoas se sentaram e aguardaram, enchendo o ar de um alvoroço estranho e desassossegado.” Um homem pôs-se a cantar “Nearer My God to Thee”, e imediatamente milhares de vozes se juntaram à dele.2

Quando escureceu, todos procuravam ver no céu os primeiros foguetes do espetáculo da noite. Milhares de lanternas chinesas pendiam de árvores e parapeitos. Luzes vermelhas brilhavam em cada cabine da Roda de Ferris.3 No lago, cem ou mais navios, iates e lanchas estavam ancorados, com luzes coloridas nas proas e retrancas e cordas enfileirados nos cordames.

A multidão estava pronta para aplaudir qualquer coisa. Aplaudiu quando a orquestra tocou “Home Sweet Home”,4 canção que infalivelmente levava homens e mulheres às lágrimas, sobretudo os recém-chegados à cidade. Aplaudiu quando as luzes acenderam no pátio de honra e todos os palácios ficaram delineados em ouro. Aplaudiu também quando os grandes holofotes em cima do Edifício das Manufaturas e das Artes Liberais começaram a vasculhar a multidão e quando coloridos penachos de água — “penas de pavão”, como dizia o Tribune — começaram a irromper da Fonte MacMonnies.

Às nove da noite, porém, a multidão fez silêncio.5 Uma pequenina luz brilhante surgira no céu, ao norte, e parecia flutuar ao longo da beira do lago em direção ao cais. Um dos holofotes a localizou, mostrando que era um balão tripulado. Uma luz chamejou logo abaixo da cesta. No instante seguinte, eclosões de faíscas vermelhas, brancas e azuis formaram uma imensa bandeira estadunidense no céu escuro. O balão e a bandeira flutuaram sobre as pessoas. O holofote seguiu-os, seu facho de luz claramente delineado na nuvem cor de enxofre atrás do balão. Segundos depois, foguetes formaram arcos na margem do lago. Homens com fogachos percorriam a areia acendendo morteiros, enquanto outros, a bordo de barcaças, acionavam grandes chamas rotativas e atiravam bombas no lago, fazendo a água explodir em extravagantes gêiseres vermelhos, brancos e azuis. Bombas e foguetes vieram em seguida, em quantidades cada vez maiores, até o clímax do show, quando uma complexa rede de fios erguida no Festival Hall, à beira do lago, se iluminou abruptamente, compondo um gigantesco e explosivo retrato de George Washington.

A multidão aplaudiu.

Todos começaram a se mexer ao mesmo tempo, e logo uma grande maré negra se deslocava para as saídas e as estações da Alley L e Illinois Central. Holmes e as irmãs Williams esperaram por horas sua vez de embarcar num dos trens que seguiam para o norte, mas a espera não lhes abateu o humor. Naquela noite a família Oker ouviu piadas e risadas no apartamento de cima, em Wrightwood, 1.220.6

Havia bons motivos para aquela ruidosa alegria. Holmes tinha tornado a noite ainda mais agradável ao fazer uma oferta surpreendentemente generosa para Minnie e Anna.

Antes de deitar, Anna escreveu à tia no Texas para dar a excelente notícia.

“Minha irmã, o irmão Harry e eu iremos amanhã para Milwaukee, e para Old Orchard Beach, no Maine, pelo rio Saint Lawrence.7 Ficaremos duas semanas no Maine, depois seguiremos para Nova York. O irmão Harry acha que tenho talento; quer que eu considere a possibilidade de estudar arte. Mais tarde tomaremos o navio para a Alemanha, passando por Londres e Paris. Se eu gostar, fico para estudar arte. O irmão Harry acha que você nunca mais vai precisar se preocupar comigo, seja financeiramente ou em qualquer outro sentido; ele e minha irmã cuidarão de mim.”

“Escreva-me imediatamente”, acrescentou, “e enderece a Chicago e a carta será encaminhada para mim.”

Não disse nada a respeito de seu baú, que ainda estava em Midlothian aguardando ser enviado para Chicago. Teria de se arranjar sem ele por enquanto. Quando chegasse, ela poderia providenciar sua remessa também, por telegrama, talvez para o Maine ou Nova York, a fim de que tudo estivesse em mãos para a viagem à Europa.

Anna foi para a cama naquela noite com o coração ainda acelerado pelas emoções da feira e pela surpresa de Holmes. Mais tarde, William Capp, advogado da firma texana Capp & Canty, diria: “Anna não tinha nenhuma propriedade em seu nome, e a mudança que descreveu na carta significava tudo para ela.”8

A manhã seguinte prometia ser agradável também, pois Holmes ­anunciara9 que ia levar Anna — só ela — a Englewood para lhe mostrar rapidamente o Hotel da Feira Mundial. Precisava cuidar de uns assuntos de última hora, antes de partirem para Milwaukee. Nesse meio-tempo, Minnie deixaria o apartamento de Wrightwood pronto para receber o próximo inquilino, fosse quem fosse.

Holmes era um encanto. E, agora que o conhecia melhor, Anna percebia que era bem bonito. Quando seus maravilhosos olhos azuis se encontravam com os dela pareciam aquecer-lhe o corpo todo. Minnie de fato tivera sorte.