Claustrofobia

HOLMES SABIA QUE quase todos os hóspedes do hotel, senão todos, estariam na feira. Mostrou a Anna a farmácia, o restaurante e a barbearia e levou-a ao telhado para lhe oferecer uma vista mais ampla de Englewood e da bela e arborizada vizinhança ao redor da sua esquina. Terminou o passeio em seu escritório, onde convidou a cunhada a se sentar e pediu licença para tratar de uns assuntos. Pegou uma pilha de papéis e começou a ler.

Distraidamente, perguntou se Anna se importaria de ir à sala adjacente, a câmara, buscar um documento que ele deixara lá dentro.

Ela concordou, animada.

Holmes foi atrás, com discrição.

De início, ela teve a impressão de que a porta tivesse se fechado por acidente. O quarto estava completamente escuro. Anna bateu na porta e chamou Harry. Parou para escutar e bateu outra vez. Não estava com medo, apenas constrangida. Não gostava da escuridão, que naquele caso era a mais absoluta que já havia vivenciado — muito mais intensa, com certeza, do que a de qualquer noite sem lua do Texas. Bateu com os nós dos dedos e parou outra vez para escutar.

O ar começou a ficar viciado.

Holmes ficou ouvindo. Sentou-se, sossegado, numa cadeira perto da parede que separava o escritório da câmara. O tempo passava. Estava de fato tudo muito tranquilo. Uma brisa suave atravessava a sala — a ventilação cruzada era uma das vantagens de um escritório na esquina. A brisa, ainda fresca, trazia o cheiro matinal de capim da pradaria e de terra molhada.

Anna tirou o sapato e bateu com o salto na porta. O quarto começou a esquentar. O suor lhe cobria o rosto e os braços como uma película. Ela imaginou que Harry, alheio à sua aflição, tinha ido para outra parte do prédio. Isso explicava por que ainda não viera, apesar dos murros que ela dera. Talvez tivesse ido checar qualquer coisa nas lojas embaixo. Pensar nisso deixou-a um tanto assustada. O quarto estava consideravelmente mais quente. Respirar direito se tornou uma tarefa difícil. E ela precisava ir ao banheiro.

Ele pediria tantas desculpas. Ela jamais conseguiria lhe mostrar o quanto ficara com medo. Tentou pensar em outra coisa, na viagem que começaria naquela tarde. O fato de que ela, uma professora do Texas, em breve estaria andando pelas ruas de Londres e Paris ainda lhe parecia uma impossibilidade, mas Harry tinha prometido e tomado todas as providências. Em poucas horas, embarcaria num trem para a curta viagem até Milwaukee, e logo mais ela, Minnie e Harry estariam a caminho do fresco e adorável vale do rio Saint Lawrence, entre Nova York e o Canadá. Ela já se via sentada na espaçosa varanda de algum fino hotel à beira do rio, tomando chá e vendo o sol se pôr.

Esmurrou a porta novamente e, dessa vez, também a parede entre a câmara e o escritório de Harry que a brisa refrescava.

O pânico veio, como sempre vinha. Holmes imaginou Anna encolhida num canto. Se ele quisesse, poderia correr e abrir a porta, segurar Anna nos braços e chorar com ela pela tragédia evitada por um triz. Poderia fazê-lo no último minuto, nos últimos segundos. Poderia fazer.

Ou poderia abrir a porta, olhar para Anna e abrir um largo sorriso — só para que ela soubesse que não tinha sido acidente —, então fechar a porta de novo, batê-la com força e voltar à sua cadeira para ver o que aconteceria em seguida. Ou poderia inundar a câmara com gás naquele instante. O chiado e o cheiro repulsivo diriam a ela, tão claramente quanto um sorriso, que alguma coisa extraordinária estava acontecendo.

Poderia fazer qualquer uma dessas coisas.

Precisava concentrar-se para escutar os soluços lá dentro. As instalações hermeticamente fechadas, as paredes de ferro e o isolamento de lã mineral amorteciam a maioria dos ruídos, mas ele descobrira, por experiência, que se encostasse o ouvido na tubulação do gás ouviria tudo com muito mais clareza.

Era o momento que desejava com mais ardor. Provocava-lhe um período de alívio sexual que parecia durar horas, muito embora os gritos e as súplicas se extinguissem bem rápido.

Encheu a câmara de gás, só para ter certeza.

Holmes voltou para o apartamento da Wrightwood e disse a Minnie que se aprontasse — Anna estava esperando no castelo. Abraçou Minnie, beijou-a e disse-lhe que era um homem de sorte e que adorava sua irmã.

Durante a viagem de trem para Englewood, ele parecia descansado e em paz, como se tivesse acabado de andar quilômetros e mais quilômetros de bicicleta.

Dois dias depois, em 7 de julho, a família Oker recebeu uma carta de Henry Gordon declarando que não precisava mais do apartamento.1 A carta foi uma surpresa. Os Oker achavam que Gordon e as duas irmãs ainda estivessem no apartamento. Lora Oker foi até lá em cima verificar. Bateu, não ouviu nada e entrou.

“Não sei como fizeram para sair da casa”, contou, “mas havia sinais de que se prepararam às pressas, deixando alguns livros e bugigangas ­espalhados. Se houve alguma coisa escrita nos livros todos os traços foram removidos, pois as páginas em branco tinham sido arrancadas.”2

Também em 7 de julho, o agente da Wells-Fargo em Midlothian, no Texas, embarcou um grande baú no vagão de bagagens de um trem que seguia para o norte.3 O baú — que pertencia a Anna — estava endereçado para “Srta. Nannie Williams, a/c H. Gordon, avenida Wrightwood, 1.220, Chicago”.4

Chegou dias depois. Um carregador da Wells-Fargo tentou entregá-lo no endereço da Wrightwood, mas não conseguiu localizar ninguém que se chamasse Williams ou Gordon.5 Devolveu o baú para o escritório da Wells-Fargo. Ninguém apareceu para pegar.

Holmes procurou um morador de Englewood chamado Cephas Humphrey, que tinha sua própria parelha e sua carroça e ganhava a vida transportando móveis, engradados e outros objetos graúdos de um lugar para outro. Holmes pediu-lhe que pegasse uma caixa e um baú. “Quero que vá buscar esse negócio quando escurecer”, disse Holmes, “pois não desejo que os vizinhos vejam que está sendo levado.”6

Humphrey apareceu na hora combinada. Holmes conduziu-o ao castelo e, subindo a escada, levou-o até um quarto sem janelas e com uma porta pesada.

“O lugar tinha um aspecto horrível”, disse Humphrey. “Não havia nenhuma janela no quarto inteiro, só uma porta pesada. Fiquei arrepiado só de entrar. Senti que havia alguma coisa errada, mas o sr. Holmes não me deu muito tempo para pensar nisso.”7

A caixa era um longo retângulo de madeira, mais ou menos com as dimensões de um caixão. Primeiro Humphrey levou-a para baixo. Na calçada, colocou-a em pé. Holmes, olhando de cima, deu fortes pancadas na janela e ordenou: “Assim, não. Coloque-a deitada.”8

Humphrey obedeceu. Depois subiu de novo para buscar o baú. Era pesado, porém o peso não era problema para ele.

Holmes instruiu-o a levar a caixa comprida para a estação Union Depot e lhe disse exatamente onde deixá-la na plataforma. Ao que tudo indicava, Holmes tinha providenciado para que um agente de serviço de encomendas apanhasse a caixa e a despachasse num trem. Não revelou qual era o destino.

Quanto ao baú, Humphrey não conseguia lembrar para onde o levara, mas indícios posteriores sugerem que ele o deixou na casa de Charles Chappell, perto do hospital do Condado de Cook.

Logo depois, Holmes levou um presente inesperado, mas bem-vindo, à família de seu assistente Benjamin Pitezel. Deu à esposa de Pitezel, Carrie, uma coleção de vestidos, vários pares de sapato e alguns chapéus que tinham pertencido à sua prima, a srta. Minnie Williams, que se casara e fora morar no leste e não precisava mais daquelas coisas.9 Recomendou que Carrie cortasse os vestidos e usasse o material para fazer roupas para as três filhas. Ela ficou muito agradecida.

Holmes também surpreendeu o zelador, Pat Quinlan, com um presente: dois robustos baús, cada um deles com as iniciais MRW.10