NADA. HOUVE TANTA energia, tanta bravata e então — nada. Era julho de 1890, quase seis meses desde que o Congresso decidira conceder a Exposição Colombiana Mundial para Chicago, mas os 45 homens da diretoria da exposição ainda não tinham decidido em que lugar da cidade construir a feira. Na época da votação, com seu orgulho em jogo, Chicago inteira havia cantado com uma só voz. Seus representantes se jactaram perante o Congresso afirmando que a cidade era capaz de oferecer um cenário mais magnífico e mais apropriado do que qualquer coisa que Nova York, Washington ou outra cidade pudesse propor. Agora, porém, cada bairro de Chicago insistia na escolha de um lugar dentro dos seus próprios limites, e a disputa tinha frustrado a diretoria.
O comitê de terrenos e edificações da exposição pedira a Burnham, sem fazer alarde, para avaliar alguns lugares. Com a mesma discrição, o comitê assegurou a Burnham e Root que, em última análise, eles é que coordenariam o projeto e a construção da feira. Para Burnham, cada momento perdido era um roubo de parte do já escasso prazo alocado para a construção da feira. O projeto final da feira, assinado em abril pelo presidente Benjamin Harrison, estabelecia 12 de outubro de 1892 como o Dia da Consagração, para honrar o momento em que Colombo avistara pela primeira vez o Novo Mundo, quatrocentos anos antes. A abertura formal, porém, só se daria em 1o de maio de 1893 para que Chicago tivesse mais tempo de se preparar. Mesmo assim, como Burnham estava ciente, boa parte da feira deveria ficar pronta para a consagração. Isso lhes dava apenas 26 meses.
Um amigo de Burnham, James Ellsworth, fazia parte da diretoria. Ele também estava frustrado com o impasse, a tal ponto que, por iniciativa própria, durante uma viagem de negócios ao Maine em meados de julho, visitou o escritório de Frederick Law Olmsted, em Brookline, Massachusetts, para tentar convencê-lo a ir a Chicago avaliar os locais em análise e talvez se encarregar do projeto paisagístico da feira.1 Ellsworth esperava que a opinião de Olmsted, respaldada por sua reputação como o mago do Central Park, ajudasse a forçar uma decisão.
O fato de Ellsworth, logo ele, ter tomado essa iniciativa era significativo. No começo, ele não tinha muita certeza de que Chicago deveria mesmo lutar pela feira. E só concordou em servir como diretor por medo de que a exposição acabasse mesmo correspondendo às modestas expectativas do leste e se tornasse “apenas uma feira, como está geralmente implícito no termo”. Achava que a cidade tinha obrigação de proteger sua honra cívica produzindo o melhor evento desse tipo na história mundial, objetivo que parecia estar escapando de Chicago a cada volta dos ponteiros do relógio.
Ele propôs pagar a Olmsted mil dólares (equivalente a cerca de 30 mil dólares hoje) pela consultoria. Ellsworth deixou de mencionar dois pontos: que o dinheiro era dele e que não tinha autoridade oficial para contratar o famoso paisagista.
Olmsted recusou. Disse a Ellsworth que não projetava feiras. Além disso, duvidava que restasse tempo suficiente para ele, ou qualquer outro, fazer justiça ao evento. Produzir os efeitos paisagísticos que Olmsted procurava criar não requeria meses, mas anos, talvez décadas. “A vida inteira tenho me preocupado com efeitos remotos, sempre sacrificando o sucesso e o aplauso imediatos em nome dos futuros”, escreveu. “Ao traçar o Central Park, decidimos pensar que nenhum resultado seria percebido em menos de quarenta anos.”2
Ellsworth insistiu, afirmando que o que Chicago pretendia era uma coisa muito mais grandiosa do que a própria exposição de Paris. Descreveu para Olmsted a imagem de uma cidade de sonhos projetada pelos maiores arquitetos dos Estados Unidos e cobrindo uma área pelo menos um terço maior que a feira parisiense. Ellsworth garantiu a Olmsted que, se concordasse em ajudar, estaria juntando seu nome a um dos maiores projetos artísticos do século.
Cedendo um pouco, Olmsted disse que ia pensar e concordou em se encontrar com Ellsworth dois dias depois, quando este voltasse do Maine.
Olmsted de fato pensou e começou a ver a exposição como uma oportunidade de realizar algo pelo qual vinha lutando havia muito tempo, quase sempre com resultados frustrantes. Durante toda a carreira, esforçara-se, com pouco êxito, para desfazer a impressão de que o paisagismo era apenas uma espécie de jardinagem ambiciosa e para que sua área de trabalho fosse reconhecida como um ramo distinto das belas-artes, em pé de igualdade com a pintura, a escultura e a arquitetura feita com tijolo e argamassa. Olmsted dava importância a plantas, árvores e flores não por seus atributos individuais, mas como se fossem cores e formas numa paleta. Canteiros formais ofendiam-no. Rosas não eram rosas, e sim “pintas brancas ou vermelhas modificando massas verdes”.3 Irritava-o o fato de que pouca gente parecia compreender os efeitos que ele se esforçava tanto para criar. “Desenho pensando numa passagem de natureza contida, suave e tranquilamente composta, dou forma ao terreno, isolo elementos discordantes e cultivo vegetações apropriadas.”4 Entretanto, com muita frequência ele “voltava após um ano e o que via era destruição: por quê? ‘Minha mulher gosta tanto de rosas.’ ‘Recebi de presente uns abetos noruegueses grandes.’ ‘Tenho um fraco por bétulas brancas — havia uma no quintal de meu pai quando eu era criança.’”.
A mesma coisa acontecia com grandes clientes municipais. Ele e Calvert Vaux tinham construído e refinado o Central Park de 1858 a 1876, porém depois disso Olmsted se viu obrigado a defender o parque contra tentativas de fazer alterações no terreno que, na sua visão, equivaliam a vandalismo. Mas não era só o Central Park. Todos os parques estavam sujeitos a tais abusos.
“Imagine”, escreveu ele para o arquiteto Henry van Brunt, “que você foi contratado para construir uma casa de ópera de fato grandiosa e que, quando as obras de construção estavam quase concluídas e seu plano de decoração inteiramente desenhado, resolvem informá-lo que o prédio será usado aos domingos como um tabernáculo batista e é preciso preparar um espaço adequado para um órgão imenso, um púlpito e uma piscina. Depois disso, a intervalos, você é informado de que o lugar precisa ser reequipado e mobiliado para que partes dele sejam usadas como tribunal, prisão, sala de concertos, hotel, rinque de patinação, clínicas médicas, circo, salão de exposição canina, sala de exercícios, salão de baile, estação ferroviária e torre?” Isso, escreveu ele, “é o que quase sempre acontece com parques públicos. Perdoe-me o exagero, mas sinto uma raiva crônica”.5
Segundo Olmsted, a arquitetura paisagística precisava era de maior visibilidade, que, por sua vez, traria mais credibilidade. Ele percebeu que a exposição poderia ajudar, desde que atingisse as alturas vislumbradas por Ellsworth. Mas ele precisava comparar os benefícios com os custos imediatos de assumir um compromisso. Sua firma já tinha trabalho de sobra, tanto trabalho que, como escreveu, “vivemos sempre pessoalmente pressionados por uma grande inquietação, sob uma nuvem de ansiedade”.6 E o próprio Olmsted tornava-se cada vez mais vulnerável a doenças. Tinha 68 anos e mancava um pouco, em consequência de um acidente de carruagem ocorrido décadas antes, que o deixara com uma perna dois centímetros mais curta do que a outra. Era propenso a longas crises de depressão.7 Os dentes doíam. Tinha insônia crônica e nevralgia facial. Um rugido misterioso nos ouvidos às vezes tornava difícil para ele acompanhar uma conversa. No entanto, ainda tinha muita energia criativa, ainda vivia em constante atividade, mas viagens noturnas de trem sempre o deixavam fraco. Mesmo quando dormia na própria cama, suas noites eram quase sempre horrores insones, agravados pelas dores de dente.
Contudo, a visão de Ellsworth era persuasiva. Olmsted conversou com os filhos e com o mais novo funcionário da firma, Henry Sargent Codman — “Harry” —, jovem paisagista de grande talento, que logo se tornou um fiel conselheiro e confidente.
Quando Ellsworth voltou, Olmsted lhe disse que tinha mudado de ideia. Participaria do empreendimento.
De volta a Chicago, Ellsworth conseguiu autorização formal para contratar Olmsted e arranjou para que ele ficasse diretamente subordinado a Burnham.
Em uma carta a Olmsted, Ellsworth escreveu: “Minha posição é esta: a reputação dos Estados Unidos está em jogo nessa questão, e a reputação de Chicago também. Como cidadão americano, o senhor tem o mesmo interesse em contribuir para o êxito desse grande e magnífico empreendimento, e sei, por ter conversado com o senhor, que em uma ocasião como esta o senhor compreende bem a situação e não se confinará a limites estreitos.”8
Sem dúvida parecia ser esse o caso quando, mais tarde, durante as negociações contratuais, Olmsted, por recomendação de Codman, cobrou 22.500 dólares (cerca de 675 mil dólares atuais) de honorários e conseguiu.9
Na quarta-feira, 6 de agosto de 1890, três semanas após a ida de Ellsworth a Brookline, a empresa encarregada da exposição telegrafou para Olmsted: “Quando o senhor poderá vir?”10
Olmsted e Codman chegaram três dias depois, no sábado de manhã, quando Chicago vibrava com a notícia de que a última contagem do recenseamento confirmara sua posição preliminar como a segunda maior cidade dos Estados Unidos, ainda que o cômputo final também tivesse mostrado que sua vantagem sobre a Filadélfia era mínima, de apenas 52.324 almas. A boa notícia serviu como bálsamo para um verão difícil. Antes, uma onda de calor tinha assolado a cidade, matando dezessete pessoas (entre elas um homem chamado Christ) e extirpando claramente a bazófia proferida por Chicago perante o Congresso de que a cidade tinha o encantador clima de verão — “fresco e delicioso”, como descrevera o Tribune — de uma estância de veraneio. E, pouco antes da onda de calor, um jovem escritor britânico em ascensão publicara um acerbo ensaio sobre Chicago. “Tendo-a visto uma vez”, escreveu Rudyard Kipling, “nunca mais quero voltar a vê-la. É habitada por selvagens.”11
Burnham achava Codman incrivelmente jovem, vinte e muitos anos no máximo. Tão jovem assim e já desfrutando da confiança do maior paisagista dos Estados Unidos, devia ser mesmo brilhante. Tinha olhos de obsidiana que pareciam capazes de abrir buracos no aço. Já Olmsted impressionou Burnham por ser um homem franzino, cuja estrutura parecia insuficiente para sustentar um crânio tão avultado. Aquela cabeça, calva na maior parte da superfície e adornada por uma barba branca emaranhada, lembrava uma bola de Natal de marfim repousando num acamado de aparas de madeira. Olmsted parecia exausto de suas viagens, mas os olhos eram grandes, cálidos e brilhantes. Queria começar a trabalhar de imediato. Enfim, para Burnham, ali estava um homem que compreendia o verdadeiro valor de cada minuto perdido.
Burnham, é claro, estava ciente das realizações de Olmsted: o Central Park em Manhattan, o Prospect Park no Brooklyn, os terrenos de Cornell e Yale e dezenas de outros projetos. Sabia também que, antes de inaugurar o campo da arquitetura paisagística, Olmsted fora escritor e editor e viajara pelo sul antes da guerra para explorar a cultura e a prática da escravidão. Olmsted tinha fama de ser brilhante e de ter uma dedicação incansável ao trabalho — contudo, era conhecido também pela rude sinceridade que vinha à tona, mais previsivelmente, na presença de homens que não compreendiam que o que ele buscava criar não eram canteiros de flores e jardins ornamentais, mas amplos cenários cheios de mistério, de sombras e de áreas pontilhadas de sol.
Olmsted, de sua parte, sabia que Burnham tinha sido uma das principais forças que levaram os edifícios a alcançar as nuvens. Dizia-se que Burnham era o gênio comercial da firma e Root, o artista. Foi com Burnham que Olmsted sentiu mais afinidade. Burnham era decidido, objetivo e cordial; falava com um olhar azul equilibrado que Olmsted achava tranquilizador. Em conversas particulares, Olmsted e Codman decidiram que Burnham era um homem com quem se podia trabalhar.12
O tour começou de imediato, mas não foi muito objetivo. Burnham e Root tinham clara preferência por uma localização: o Jackson Park, no lado sul de Chicago, a leste de Englewood e à beira do lago. Por coincidência, Olmsted conhecia aquela área. Vinte anos antes, a pedido de uma comissão do South Park de Chicago, Olmsted tinha estudado tanto o Jackson Park como o Washington Park, a oeste, bem como a grande avenida que ligava os dois, chamada Midway. Nos projetos que havia produzido para os integrantes da comissão, o Jackson Park deixaria de ser um deserto de areia e poças estagnadas para se transformar num parque sem precedentes no país, tendo como elementos principais a água e a canoagem, com canais, lagoas e abrigos ensombrados. Olmsted finalizou essas plantas pouco antes do Grande Incêndio de 1871. Na correria para se reconstruir, Chicago nunca conseguira levar adiante o projeto. O parque tornou-se parte de Chicago durante as anexações de 1889, porém, fora isso, como Olmsted constatou, pouco havia mudado. Ele conhecia bem seus defeitos, seus muitos defeitos, mas achava que, dragando e esculpindo aqui e ali, o parque poderia se tornar uma paisagem diferente de qualquer outra que já tivesse sediado uma exposição.
Ele reconhecia que o Jackson Park tinha algo que nenhuma outra cidade do mundo poderia igualar: a vasta planície azul do lago Michigan, o mais gracioso cenário que se poderia desejar para uma feira.
Na terça feira, 12 de agosto, apenas quatro dias após a chegada dele e de Codman a Chicago, Olmsted apresentou um relatório aos diretores da exposição, que, para sua decepção, tornaram o documento público. O relatório de Olmsted era voltado para uma plateia especializada, que tomasse como premissa a aceitabilidade fundamental do Jackson Park e encarasse aquele documento como uma firme orientação para os futuros desafios. Ficou surpreso ao ver que seu conteúdo foi usado por grupos rivais como prova de que o Jackson Park não poderia sediar a feira.
Os diretores lhe pediram um segundo relatório. Olmsted entregou-o na segunda-feira, 18 de agosto, seis dias depois do primeiro. Burnham notou com prazer que Olmsted dera aos diretores talvez um pouco mais do que eles desejavam.
Olmsted não era nenhum estilista literário. Frases se esgueiravam pelo relatório como ipomeias pelas estacas de uma cerca. Sua prosa, porém, revelava a profundidade e sutileza de suas ideias sobre como modificar uma paisagem para produzir um efeito mental.
Antes de qualquer coisa, ele estabelecera certos princípios e repreendera algumas posturas.
Em vez de brigar pelo lugar, defendeu ele, as diferentes facções precisavam reconhecer que todos deveriam trabalhar juntos para que a exposição tivesse êxito, a despeito da localização escolhida pelos diretores. “É desejável, digamos, que se compreenda melhor do que alguns cidadãos parecem compreender que a Feira não é uma feira de Chicago. É uma Feira Mundial, e cabe a Chicago apresentar-se ao mundo como o porta-bandeira escolhido para a vez dos Estados Unidos da América. A cidade não pode se dar ao luxo de escolher qualquer lugar senão o melhor possível para o evento, a despeito dos interesses especiais locais de um bairro ou de outro.”13
Todo elemento paisagístico da feira, argumentou ele, deveria ter um “propósito supremo. Em outras palavras, atratividade: a atratividade de tudo que possa ser visto como uma parte que contribua modestamente para um grande todo, e os principais elementos desse todo estarão na altíssima série das grandes construções da exposição. Em outras palavras, o terreno, com tudo o que carrega, na frente, no meio e atrás dos prédios — por mais que esteja coberto de grama ou enfeitado de flores, arbustos ou árvores, fontes, estátuas, miscelâneas e objetos de arte —, deve ter unidade de design com os edifícios; deve dar origem aos edifícios e derivar deles em questões de luz, sombra e tom”.
É claro que alguns lugares eram mais dotados de riqueza do que outros. Seria mais vantajoso associar a exposição a algumas características de notável beleza natural “do que com as mais rebuscadas e caras decorações artificiais na forma de jardins, terraços, fontes e estátuas, que a mente do homem é capaz de inventar ou sua mão, de executar”. O que muitas facções na batalha pela feira pareciam ignorar era que Chicago tinha “apenas um objeto distintamente local, que pode ser visto como um objeto de grandiosidade, beleza ou interesse. Trata-se do lago”.
O lago era belo, de textura e coloração sempre inconstantes, porém era também, conforme afirmava Olmsted, uma novidade capaz de amplificar o poder de atração da exposição. Muitos visitantes do interior do país “nunca, até chegarem aqui, terão visto um trecho de água que se estende até o horizonte; nunca terão visto um navio a vela, nem um barco a vapor com metade da tonelagem daqueles que de hora em hora saem e entram no porto de Chicago; e nunca terão visto efeitos de luzes refletidas nem de nuvens que se amontoam no horizonte como os que se desfrutam quase todos os dias de verão na orla lacustre da cidade”.
Em seguida, Olmsted avaliou quatro candidatos específicos: um lugar à beira do lago, acima do Loop; duas áreas mais para dentro, sendo uma delas Garfield Park, no perímetro ocidental da cidade; e, é claro, o Jackson Park.
Embora pessoalmente preferisse a região mais ao norte, ele insistia que o Jackson Park poderia funcionar e “produzir resultados agradáveis e atraentes, como até agora não foram almejados nas feiras mundiais”.
Olmsted descartou de imediato locais mais no interior, por julgá-los planos, monótonos e muito distantes do lago. Ao criticar Garfield Park, mais uma vez manifestou sua irritação com a incapacidade de Chicago escolher um lugar, falha que o irritava em particular, graças às elaboradas bravatas proferidas pelos homens mais proeminentes da cidade durante o lobby no Congresso para conseguir a feira:
“Mas, considerando o que era tão tenazmente empurrado aos holofotes do país com relação ao número e à excelência dos lugares que Chicago tem a oferecer; considerando as vantagens que a feira centenária na Filadélfia teve no cenário vizinho; considerando as vantagens da mesma ordem que a Feira teria se fosse situada no belo vale Rock Creek em Washington, do qual o país está tomando posse para construir um parque; considerando as magníficas paisagens das Palisades e do alto do vale do Hudson, de um lado, e das águas e variadas praias do estreito de Long Island, de outro, visíveis do lugar oferecido para a Feira por Nova York; considerando tudo isso, não podemos deixar de temer que a escolha de um local atrás da cidade, sem nenhum atrativo paisagístico natural, seja uma decepção para o país e sirva de pretexto para uma menção não pouco irônica às alegações de uma extensão interminável de lugares perfeitos apresentadas no inverno passado perante o Congresso.”
A ênfase foi dada por Olmsted.
Burnham esperava que esse segundo relatório ao menos forçasse uma decisão. A demora era enlouquecedora, absurda — a ampulheta fora virada havia muito tempo. A diretoria parecia não se dar conta de que Chicago naquele momento corria o risco de se tornar uma vergonha nacional, ou mesmo mundial.
Passaram-se semanas.
No fim de outubro de 1890, o problema do local ainda não tinha sido resolvido. Burnham e Root cuidavam de atender a clientela, que crescia rapidamente. Empreiteiras haviam começado a erguer dois dos mais altos arranha-céus da firma em Chicago, o Women’s Christian Temperance Union Temple e o Masonic Fraternity Temple — o edifício mais alto do mundo, com 21 andares. As fundações de ambos estavam quase terminadas e aguardava-se a instalação das pedras angulares. Com o fascínio de Chicago por arquitetura e construções, as cerimônias de instalação das pedras angulares acabaram se tornando eventos extravagantes.
A comemoração do Temperance foi realizada na esquina da rua La Salle com a Monroe, ao lado de um pedaço de granito escuro de New Hampshire que pesava dez toneladas e media aproximadamente dois metros de largura e um de espessura. Ali, Burnham e Root se reuniram com outros dignitários, entre eles a sra. Frances E. Willard, presidente da Union, e Carter Henry Harrison, ex-prefeito que, com quatro mandatos no currículo, tentava se eleger mais uma vez. Quando Harrison apareceu, usando o característico chapéu azul de abas flexíveis e com o bolso inchado de charutos, a multidão lhe urrou boas-vindas, sobretudo os irlandeses e sindicalistas que viam em Harrison um amigo das classes mais baixas da cidade. A presença de Burnham, Root e Harrison ao lado da pedra do Temperance era um tanto irônica. Como prefeito, Harrison guardava algumas caixas de bom bourbon em seu gabinete na prefeitura. A rigorosa classe alta protestante da cidade via nele um sátiro cívico, cuja tolerância com a prostituição, o jogo e o álcool fizera os distritos do vício, mais notavelmente o Levee — lar do infame barman e ladrão Mickey Finn —, alcançarem novos níveis de depravação. Root era um notório bon-vivant, que Louis Sullivan certa vez descreveu como “homem do mundo, da carne e, consideravelmente, do diabo”.14 E Burnham, além de monitorar a travessia mundial do seu Madeira, engarrafava todo ano quatrocentos litros de mercadoria menos fina, mandada por um amigo, e selecionava ele mesmo os vinhos para a adega do Union League Club.
Com grande cerimônia, Burnham entregou a espátula banhada de prata à sra. T. B. Carse, presidente da Associação para a Construção do Templo, cujo sorriso dava a entender que ela nada sabia desses hábitos monstruosos ou que, ao menos no momento, preferia ignorá-los. Encheu a espátula com um monte de argamassa previamente preparada para a cerimônia, aplicou-a e ajeitou-a no lugar, levando uma testemunha a observar que “deu tapinhas na argamassa como um homem por vezes dá tapinhas na cabeça de um menino de cabelos cacheados”.15 Depois passou a ferramenta para a imponente sra. Willard, “que segurou a argamassa com mais entusiasmo e acabou sujando um pouco o vestido”.
Root, de acordo com uma testemunha, inclinou-se para os amigos e sugeriu, num murmúrio, que todos saíssem rapidamente dali para ir aos coquetéis.16
Ali perto, no armazém de distribuição do Chicago Inter Ocean, jornal muito lido e respeitado, um jovem imigrante irlandês — e fiel defensor de Carter Harrison — encerrava as tarefas do dia. Seu nome era Patrick Eugene Joseph Prendergast. Comandava um pelotão de ruidosos e indisciplinados jornaleiros, que ele desprezava, e que o desprezavam também, como deixavam claro com suas zombarias e brincadeiras de mau gosto. A ideia de que um dia Prendergast viesse a determinar o destino da Exposição Colombiana Mundial teria parecido ridícula para aqueles meninos, pois, para eles, Prendergast era o ser humano mais desgraçado e lamentável que se poderia imaginar.
Tinha 22 anos, nascido na Irlanda em 1868; a família emigrara para os Estados Unidos em 1871 e em agosto do mesmo ano se mudara para Chicago, a tempo de vivenciar o Grande Incêndio. Ele sempre foi, como dizia a mãe, “um menino tímido e introvertido”. Fez o ensino fundamental no Instituto De La Salle de Chicago. Irmão Adjutor, um de seus professores, disse: “Na escola foi um menino notável, à sua maneira, muito comportado, não participava das brincadeiras dos outros alunos no intervalo. Era mais de ficar parado, sem fazer nada. Pela aparência do menino, eu diria que não estava bem, que estava doente.”17 O pai de Prendergast conseguiu-lhe emprego como mensageiro de telegramas na Western Union, onde o menino ficou um ano e meio. Quando Prendergast tinha treze anos, o pai morreu, e ele perdeu o único amigo. Por um momento, parecia que se retirara completamente do mundo. Despertou devagar. Começou a ler livros sobre direito e política e a assistir às reuniões do Clube do Imposto Único, que adotava a crença de Henry George de que os proprietários de terras deveriam pagar um imposto, na essência um aluguel, para refletir a verdade fundamental de que a terra pertencia a todos. Nessas reuniões, Prendergast fazia questão de participar de todas as conversas e certa vez precisou ser retirado da sala. Para a mãe, parecia outro homem: lido, animado, participante. Ela afirmou: “Ficou inteligente de uma hora para outra.”18
Na verdade, sua loucura tinha se arraigado. Quando não estava trabalhando, escrevia cartões-postais, dezenas, talvez centenas deles, para os homens mais poderosos da cidade, num tom de voz que sugeria que pertencia ao mesmo nível social deles. Escrevia para seu adorado Harrison e para vários outros políticos, como o governador de Illinois. É até possível que Burnham tenha recebido um cartão-postal, devido à sua nova posição de destaque.
Não havia dúvida de que Prendergast era um jovem problemático, mas parecia impossível que fosse perigoso. Para qualquer pessoa que o conhecesse, aparentava ser apenas mais uma pobre alma esmagada pelo barulho e pela sujeira de Chicago. Contudo, o rapaz alimentava grandes esperanças para o futuro, todas elas baseadas em um homem: Carter Henry Harrison.
Mergulhou de cabeça na campanha de Harrison à prefeitura — embora o próprio Harrison desconhecesse esse fato —, mandando cartões-postais para dezenas de pessoas e dizendo a qualquer um que estivesse disposto a ouvir que Harrison, amigo confiável dos irlandeses e dos operários, era o melhor candidato para o cargo.
Ele acreditava que Harrison haveria de recompensá-lo com um emprego quando, enfim, se elegesse para o quinto mandato de dois anos — de preferência nas eleições iminentes de abril de 1891, mas talvez apenas nas seguintes, de 1893. Era assim que se fazia política em Chicago. Prendergast não tinha dúvida de que Harrison seria eleito e o resgataria das gélidas manhãs e dos venenosos jornaleiros que, por ora, definiam sua vida.
Entre os alienistas mais progressistas, esse tipo de crença infundada era conhecida como alucinação, associada à recém-identificada perturbação chamada paranoia. Felizmente, a maioria das alucinações era inofensiva.
Em 25 de outubro de 1890, com o local da feira ainda não escolhido, notícias preocupantes chegaram da Europa, o primeiro sinal de forças em ação que poderiam ser infinitamente mais prejudiciais à feira do que o impasse dos diretores. O Chicago Tribune noticiou que a crescente turbulência dos mercados globais tinha provocado temores em Londres de que uma recessão, talvez mesmo um “pânico” generalizado, estivesse prestes a ocorrer. Esses temores logo começaram a afligir Wall Street. Ações de ferrovias despencaram. O valor das ações da Western Union caiu 5%.
No sábado seguinte, a notícia de um fracasso realmente espantoso balbuciou através do cabo submarino que ligava a Grã-Bretanha aos Estados Unidos.
Em Chicago, antes de a notícia chegar, corretores perderam um bom tempo discutindo o clima estranho daquela manhã. Uma inusitada “turva mortalha” estendia-se sobre a cidade.19 Corretores brincavam dizendo que a penumbra talvez fosse sinal de que o “dia do juízo” tinha chegado.
As risadas desapareceram com os primeiros telegramas de Londres: Baring Brothers & Co., a poderosa firma de investimentos londrina, corria o risco de fechar. “A notícia”, observou um jornalista do Tribune, “era quase inacreditável.” O Banco da Inglaterra e uma associação de financistas apressaram-se a levantar fundos para honrar as obrigações financeiras da Baring. “A corrida para vender ações que veio em seguida foi terrível. Por uma hora, houve verdadeiro pânico.”
Para Burnham e os diretores da exposição, essa onda de danos financeiros era aflitiva. Se de fato assinalava o início de um real e profundo pânico financeiro, o momento em que ocorria era terrível. Para que Chicago cumprisse a vaidosa promessa de superar a exposição de Paris, tanto em tamanho como em público, a cidade precisaria gastar muito mais do que os franceses e atrair muito mais visitantes — e o evento em Paris tinha atraído mais gente do que qualquer outro acontecimento pacífico na história. Em tempos favoráveis, conquistar um público dessa magnitude já seria um desafio; em tempos ruins, seria impossível, sobretudo levando em conta que a localização de Chicago, no interior do país, obrigaria a maioria dos visitantes a viajar em trens noturnos. As ferrovias tinham deixado claro desde o início, e em termos inequívocos, que não planejavam oferecer qualquer desconto nas tarifas para Chicago durante a exposição.
Outros fracassos corporativos ocorreram tanto na Europa como nos Estados Unidos, mas seu verdadeiro significado ainda não estava muito claro — o que, olhando para trás, foi bom.
No meio dessa cada vez mais intensa turbulência financeira, em 30 de outubro a diretoria da exposição designou Burnham chefe de construção, com salário equivalente a 360 mil dólares; Burnham, por sua vez, nomeou Root arquiteto supervisor da feira e Olmsted, arquiteto paisagista supervisor.
Nesse momento, Burnham tinha autorização formal para começar a construir a feira, mas ainda não sabia onde colocá-la.