FRANK MILLET ESPERAVA que a cerimônia de encerramento atraísse ainda mais gente do que o Dia de Chicago. Enquanto Millet fazia seus planos, muitos outros homens que tinham ajudado Burnham a construir a feira começaram a voltar para a vida comum.
Charles McKim relutou em ir embora. Para ele a exposição fora uma luz brilhante que por um momento dissipou as sombras acumuladas em sua vida. Deixou o Jackson Park abruptamente, na manhã de 23 de outubro, e horas depois escreveu para Burnham: “Sabe que não gosto de dizer adeus e estava preparado para descobrir que eu tinha faltado hoje de manhã. Dizer que sinto muito deixar vocês é expressar apenas a metade do que sinto.”
“Você me proporcionou um belo momento e os últimos dias da feira vão ficar na minha memória, assim como os primeiros, em especial identificados com você. Será muito agradável, pelo resto da vida, olhar para trás e tocar no assunto de novo, interminavelmente, e é desnecessário dizer que você pode contar comigo para qualquer coisa, daqui por diante, sempre que precisar de mim.”1
No dia seguinte, McKim escreveu para um amigo em Paris a respeito do consenso cada vez mais firme entre ele mesmo, Burnham e a maior parte de Chicago de que a feira tinha sido maravilhosa demais para permitir que fosse dilapidada depois do encerramento oficial em 30 de outubro, dali a apenas seis dias: “Na verdade, é desejo de todos os interessados que ela seja eliminada da mesma maneira mágica como apareceu, e com a mais absoluta presteza. Por economia, assim como por razões óbvias, já se propôs que a maneira mais gloriosa seria explodir os prédios com dinamite. Outro plano é destruí-los com fogo. Essa última solução seria o espetáculo mais fácil e mais grandioso, se não fosse o perigo dos borralhos no caso de o vento mudar de direção e soprar a partir do lago.”2
Nem McKim nem Burnham acreditavam, de fato, que a feira devesse ser incendiada. A bem da verdade, os edifícios tinham sido projetados para maximizar o valor residual de seus componentes. Essa conversa sobre incêndio era, na verdade, uma forma de aliviar o desespero de ver o sonho chegar ao fim. Ninguém aguentava imaginar a Cidade Branca deserta e desolada. Um jornalista da Cosmopolitan escreveu: “Melhor que desapareça de repente, num fulgor de glória, do que mergulhar aos poucos num estado de ruína e dilapidação. Não há espetáculo mais melancólico do que um salão de festas na manhã seguinte ao banquete, quando os convidados já se foram e as luzes estão apagadas.”3
Mais tarde essas reflexões iam parecer profecias.
Olmsted também rompeu suas conexões. Perto do fim do verão, os muitos compromissos e o calor sufocante fizeram sua saúde piorar outra vez, reativando a insônia. Ele tinha muitos projetos em andamento, entre os quais se destacava Biltmore, contudo já sentia em fim de carreira. Estava com 71 anos. Em 6 de setembro de 1893, escreveu para um amigo, Fred Kingsbury: “Não posso visitá-lo e com frequência sonho com um passeio por nossos velhos lugares e um encontro com você e os outros, mas já me rendi ao destino. Devo percorrer aos tropeços o resto do caminho.”4 Olsmted se permitiu, porém, uma rara demonstração de satisfação. “Adoro meus filhos”, disse a Kingsbury. “São um dos centros da minha vida, e o outro é melhorar o cenário e contribuir para a sua apreciação. Apesar das doenças, que me maltratam com crueldade, não devo ser visto como um velho infeliz.”
Louis Sullivan, empanturrado de elogios e prêmios por seu Edifício dos Transportes — especialmente seu Portão Dourado —, voltou a trabalhar com Dankmar Adler, mas em diferentes circunstâncias. A depressão que se aprofundava e os passos em falso dados pelos dois sócios deixaram a firma com poucos projetos. Durante todo o ano de 1893, só completariam dois prédios.5 Sullivan, nunca muito tolerante com os colegas, ficou furioso com um dos arquitetos mais jovens da firma quando descobriu que em seu tempo livre o homem vinha projetando casas para seus próprios clientes. Sullivan o demitiu.
O jovem era Frank Lloyd Wright.
Dez mil operários da construção civil também deixaram de trabalhar para a feira e voltaram para um mundo sem empregos e já atulhado de homens desempregados. Quando a exposição acabou, outros milhares se juntariam a eles nas ruas de Chicago. A ameaça de violência era palpável como o esfriamento da temperatura de outono. O prefeito Harrison foi solidário e fez o que pôde. Contratou milhares de homens para limpar as ruas e ordenou às delegacias que abrissem à noite, para que eles tivessem onde dormir. O Commercial and Financial Chronicle de Chicago informou: “Nunca tinha havido uma interrupção tão súbita e impressionante de atividade industrial.”6 A produção de lingotes caiu pela metade, e a construção de trilhos foi quase reduzida a zero. A demanda por vagões para transportar os visitantes da exposição tinha poupado a Pullman Works, mas no fim da feira George Pullman também começou a cortar salários e dispensar operários. No entanto, não reduziu os aluguéis na cidade-sede de sua empresa.
A Cidade Branca tinha atraído e protegido operários; a Cidade Negra agora os recebia de volta, às vésperas do inverno, com poluição, fome e violência.
Holmes também percebeu que era hora de deixar Chicago. A pressão dos credores e das famílias tornara-se forte demais.7
Primeiro ele ateou fogo ao último andar do castelo.8 O incêndio quase não fez estrago, mas ele cobrou 6 mil dólares de indenização nos termos de uma apólice adquirida por seu alter ego fictício Hiram S. Campbell. Um investigador de uma das seguradoras, F. G. Cowie, ficou desconfiado e deu início a uma investigação minuciosa. Embora não tenha encontrado provas concretas de que o incêndio fora criminoso, Cowie achava que Holmes ou um cúmplice ateara fogo. Recomendou aos seguradores que pagassem, desde que fosse a Hiram S. Campbell e que este aparecesse pessoalmente.9
Holmes não poderia buscar o dinheiro por conta própria, pois Cowie já o conhecia. Em circunstâncias normais, ele se limitaria a pedir a alguém que fingisse ser Campbell e recebesse o dinheiro, porém andava mais cauteloso. Os tutores de Minnie Williams tinham mandado um advogado, William Capp, procurar Minnie e proteger os bens de seu patrimônio.10 O tutor de Anna, o reverendo dr. Black, contratara um detetive particular que estivera no prédio de Holmes. E cartas continuavam chegando dos Cigrand, dos Smythe e de outras famílias. Ninguém até então acusara Holmes de crime algum, porém a intensidade da nova onda de indagações era maior, mais indiretamente acusatória, do que qualquer coisa que pela qual já passara. Hiram S. Campbell nunca foi reclamar o dinheiro.
Entretanto, Holmes descobriu que a investigação de Cowie teve um efeito secundário muito mais danoso. Enquanto cavava informações sobre ele, Cowie conseguira mobilizar e unir os credores de Holmes, os vendedores de móveis, os fornecedores de ferro, os fabricantes de bicicletas e os empreiteiros que ele enganara nos últimos cinco anos. Os credores contrataram um advogado chamado George B. Chamberlin, da agência de cobranças Lafayette, de Chicago, que vinha infernizando Holmes desde que ele deixara de pagar à empresa que reformou seu forno. Mais tarde, Chamberlin diria que foi o primeiro homem em Chicago a desconfiar que Holmes era criminoso.
No outono de 1893, Chamberlin entrou em contato com Holmes e pediu-lhe para ir ao seu escritório.11 Holmes achou que ele e Chamberlin fossem se encontrar sozinhos, frente a frente, mas ao aparecer no escritório deparou-se com duas dezenas de credores, seus respectivos advogados e um detetive da polícia.
Isso surpreendeu Holmes, porém não o perturbou nem intimidou. Ele apertou mãos e encarou os olhares furiosos dos credores. Os ânimos imediatamente arrefeceram. Holmes produzia esse efeito.
Chamberlin planejara o encontro como uma armadilha para abalar a fachada imperturbável de Holmes e ficou impressionado com a habilidade com que o homem manteve a despreocupação apesar da atmosfera impregnada de rancor. Chamberlin disse que no total ele devia a seus credores pelo menos 50 mil dólares.
Holmes adotou a mais sóbria das expressões. Entendia as preocupações de todos. Explicou seus lapsos. Sua ambição fora maior do que sua capacidade de pagar as dívidas. Tudo estaria bem, todas as dívidas teriam sido pagas, se não fosse o Pânico de 1893, que o arruinara e destruíra suas esperanças, assim como as de outras incontáveis vítimas em Chicago e no país todo.
Incrivelmente, para Chamberlin, alguns credores assentiram em sinal de compaixão.
Os olhos de Holmes se encheram de lágrimas. Pediu as mais profundas e sentidas desculpas. E sugeriu uma solução. Propôs aos credores saldar suas dívidas com o grupo hipotecando suas várias propriedades.
Isso quase arrancou uma gargalhada de Chamberlin, mas um dos advogados presentes aconselhou o grupo a aceitar a oferta de Holmes. Chamberlin ficou espantado de ver que a falsa cordialidade de Holmes parecia apaziguar os credores. Poucos instantes antes, o grupo queria que o detetive prendesse Holmes assim que ele entrasse na sala. Agora queriam era discutir os próximos passos.
Chamberlin pediu a Holmes que esperasse na sala ao lado.
Holmes concordou. Esperou tranquilamente.
Enquanto a reunião prosseguia — cada vez mais acalorada —, o advogado que aconselhara o grupo a aceitar a hipoteca de Holmes saiu do escritório de Chamberlin e entrou na sala onde Holmes aguardava, supostamente para tomar um copo de água. Os dois conversaram. Não se sabe com exatidão o que aconteceu em seguida. Chamberlin diria depois que esse advogado, irritado porque sua recomendação fora rejeitada, avisou a Holmes que os credores estavam outra vez inclinados a pedir sua prisão. É possível, também, que Holmes apenas tenha pagado ao advogado pela informação, ou lançado mão de sua falsa cordialidade e de seu lacrimoso arrependimento para levar o homem a revelar o que o grupo estava combinando.
O advogado voltou para a reunião.
Holmes fugiu.12
Logo depois, partiu para Fort Worth, no Texas, a fim de aproveitar melhor o terreno de Minnie Williams.13 Tinha planos para a propriedade. Venderia uma parte e, no que sobrasse, construiria um prédio de três andares exatamente igual ao de Englewood. Enquanto isso, usaria a terra para conseguir empréstimos e passar promissórias. Esperava levar uma vida próspera e satisfatória, pelo menos até chegar a hora de mudar-se para outra cidade. Levou o assistente Benjamin Pitezel e sua noiva atual, a bela e pequena srta. Georgiana Yoke. Pouco antes de deixar Chicago, Holmes comprou uma apólice de seguro de vida da Fidelity Mutual Life Association of Philadelphia, para segurar a vida de Pitezel por 10 mil dólares.14