HOLMES ESTAVA SENTADO em sua cela na Prisão de Moyamensing, um grande edifício com torres e ameias na rua Dez e com a rua Reed, no sul da Filadélfia. Não parecia terrivelmente preocupado com seu encarceramento, embora se queixasse de injustiça. “A grande humilhação do sentimento de ser um prisioneiro está me matando mais do que qualquer outro desconforto que já sofri”, escreveu ele — embora, na verdade, não sentisse humilhação nenhuma.1 Se sentia algo, era uma presunçosa satisfação por ninguém, até aquela altura, ter encontrado qualquer prova concreta de que ele matara Ben Pitezel ou as crianças desaparecidas.
Ocupava uma cela que media mais ou menos três por quatro metros, com uma estreita janela gradeada no alto da parede exterior e uma única lâmpada elétrica, que os guardas apagavam sempre às nove da noite. As paredes eram caiadas. A construção de pedra da prisão ajudava a abrandar o extremo calor que se instalara na cidade e na maior parte do país, mas nada era capaz de evitar a notória umidade da Filadélfia. Ela se agarrava a Holmes e seus colegas de prisão como um casaco de lã molhada, embora nem para isso ele parecesse ligar. Holmes tornou-se um prisioneiro modelo — na verdade, ele se tornou o modelo do prisioneiro exemplar. Divertia-se utilizando seu charme para obter concessões dos carcereiros. Tinha permissão para vestir suas próprias roupas “e trazer meu relógio e outros pequenos objetos pessoais”.2 Descobriu também que podia pagar para obter alimento, jornais e revistas vindos de fora. Leu a respeito de sua crescente notoriedade nacional. Leu também que Frank Geyer, detetive da Filadélfia que o entrevistara em junho, estava no Meio-Oeste à procura dos filhos de Pitezel. A busca era uma fonte de prazer para Holmes. Satisfazia sua profunda necessidade de chamar a atenção e lhe dava uma sensação de poder sobre o detetive. Sabia que a investigação de Geyer seria inútil.
Na cela de Holmes havia uma cama, um banquinho e uma mesa para escrever, sobre a qual compôs suas memórias. Disse que começara a escrevê-las no inverno anterior — para ser exato, em 3 de dezembro de 1894.
Iniciou suas memórias como se fosse uma fábula: “Venha comigo, se preferir, até uma minúscula e sossegada aldeia da Nova Inglaterra, aninhada entre os pitorescamente escarpados morros de New Hampshire... Ali, no ano de 1861, eu, Herman W. Mudgett, autor destas páginas, nasci. Não tenho por que pensar que meus primeiros anos de vida foram diferentes dos de qualquer outro menino comum criado no campo.”3 As datas e os lugares estavam corretos; a descrição de sua meninice como um típico idílio campestre era, quase certamente, falsa. Uma das características definidoras do psicopata é que, quando criança, mentem à vontade, demonstrando uma crueldade inusitada com animais e outras crianças, e que quase sempre praticam atos de vandalismo, com preferência especial pelo incêndio.4
Holmes inseriu em suas memórias um “diário da prisão”5 que, segundo dizia, manteve desde o dia de sua chegada a Moyamensing. É mais provável que tenha inventado o diário especialmente para incluí-lo nas memórias, como um veículo que servia para reforçar suas alegações de inocência ao ressaltar a impressão de que era homem de afeto e piedade. No diário, afirmava ter estabelecido uma rotina diária visando o aperfeiçoamento pessoal. Acordava às seis e meia da manhã, tomava seu “costumeiro banho de esponja” e em seguida limpava a cela. Tomava o café às sete. “Não comerei mais carne de espécie alguma enquanto estiver tão rigorosamente confinado.” Planejava exercitar-se e ler os jornais da manhã até às dez. “Das dez ao meio-dia e das duas às quatro da tarde, seis dias por semana, devo me restringir a minhas velhas obras de medicina e outros estudos da faculdade, incluindo estenografia, francês e alemão.” O resto do dia era dedicado a ler periódicos e livros da biblioteca.
A certa altura do diário ele comenta que está lendo o best-seller de 1894 Trilby, de autoria de George Du Maurier, sobre uma jovem cantora, Trilby O’Farrell, e de sua posse pelo mesmerista Svengali. “Gostei muito de algumas partes”, escreveu Holmes.
Em outra parte do diário, Holmes apelava para o coração.
Uma anotação, de 16 de maio de 1895: “Meu aniversário. Tenho 34 anos. Fico imaginando se, como em anos anteriores, minha mãe me escreverá...”
Em outra anotação, ele descreve uma visita de sua última mulher, Georgiana Yoke: “Ela tem sofrido e, apesar de tentar heroicamente esconder de mim, não adiantou; e, nos poucos minutos que levei para lhe dizer adeus novamente, saber que ela ia para o mundo levando um fardo tão pesado me causou mais sofrimento do que qualquer luta mortal jamais causaria. Todos os dias, enquanto não souber que ela está segura e protegida contra danos e aborrecimentos, será a morte em vida para mim.”
Da cela, Holmes escreveu também uma longa carta para Carrie Pitezel, produzida de maneira que mostra que ele tinha consciência de que a polícia lia sua correspondência. Insistia na versão de que Alice, Nellie e Howard estavam com “a srta. W.” em Londres, e que se a polícia apurasse direito o mistério das crianças seria resolvido. “Fui cuidadoso com as crianças como se fossem meus próprios filhos, e você me conhece o suficiente para me julgar melhor do que um estranho. Ben não faria nada contra mim, nem eu contra ele, mais do que se fôssemos irmãos. Nós nunca discutimos. Repito, ele era valioso demais para mim para que eu o matasse, tivesse ou não outro motivo. Quanto às crianças, jamais acreditarei, até que você mesma me diga, que você acha que elas estão mortas ou que eu tenha feito qualquer coisa para matá-las. Conhecendo-me como você me conhece, dá para me imaginar matando crianças pequenas e inocentes, especialmente sem qualquer motivo?”6
Explicou a ausência de cartas dos meninos. “Eles sem dúvida escreveram cartas, que a srta. W., para sua própria segurança, reteve.”
Holmes lia os jornais diários com atenção. Estava claro que a diligência do detetive tinha dado pouco resultado. Holmes não tinha dúvida de que Geyer logo seria forçado a encerrar sua busca e voltar para a Filadélfia.
Essa possibilidade era extremamente agradável.