“Todos aqueles dias extenuantes”

FOI UM MOMENTO estranho para Geyer. Tinha examinado todas as pistas, verificado todos os hotéis, visitado todas as pensões e imobiliárias, e então precisava recomeçar a investigação. Onde? Que trilha fora deixada de fora? O tempo continuava sufocante, como se escarnecesse dele.

Seus instintos continuavam dizendo que Holmes matara Howard em Indianápolis. Voltou à cidade em 24 de julho e novamente recebeu a ajuda do detetive David Richards, mas dessa vez Geyer convocou também a imprensa. No dia seguinte, todos os jornais da cidade noticiaram sua chegada. Dezenas de pessoas o visitaram no hotel para sugerir onde procurar Howard. “O número de pessoas misteriosas que tinham alugado casas em Indianápolis e nos arredores multiplicava-se de um dia para o outro”, escreveu Geyer.1 Ele e Richards arrastavam-se penosamente pelo calor intenso, de escritório em escritório, de casa em casa, e não encontravam nada. “Os dias se sucediam, porém eu continuava tão no escuro quanto antes e começava a parecer que o audacioso mas esperto criminoso tinha vencido os detetives pela astúcia... e que o desaparecimento de Howard Pitezel entraria para a história como um mistério não resolvido.”2

Enquanto isso, o mistério do próprio Holmes ia ficando mais profundo e mais sombrio.

A descoberta das meninas por Geyer motivou a polícia de Chicago a entrar no edifício de Holmes em Englewood. A cada dia os policiais sondavam mais profundamente os segredos do “castelo”, e cada dia trazia mais provas de que Holmes era muito pior do que até mesmo as macabras descobertas de Geyer indicavam. Havia conjecturas de que durante a feira mundial ele talvez tivesse matado dezenas de pessoas, na maioria moças. Uma estimativa, certamente exagerada, sugeria um total de duzentas.3 Para a maioria, parecia impossível que Holmes pudesse cometer tantos assassinatos sem ser descoberto. Geyer teria concordado se sua própria investigação não tivesse revelado, repetidas vezes, o talento de Holmes para escapar da observação alheia.

Os detetives de Chicago começaram a exploração do castelo na noite de sexta-feira, 19 de julho.4 Primeiro fizeram uma inspeção geral do prédio. O terceiro andar continha pequenos quartos de hotel. O segundo tinha 35 quartos, esses mais difíceis de classificar. Alguns eram dormitórios comuns; outros não tinham janelas e eram equipados com portas que os tornavam herméticos. Num quarto havia ainda uma câmara com paredes de ferro. A polícia descobriu um bico de gás, sem nenhuma função aparente que não a de permitir a entrada de gás na câmara. A válvula de interrupção ficava no apartamento pessoal do criminoso. No escritório de Holmes, os detetives encontraram um livro de extratos bancários de uma mulher chamada Lucy Burbank. Mostrava um saldo de 23 mil dólares. A mulher não foi localizada.

A fase mais sinistra da investigação começou quando os policiais, segurando no alto lanternas bruxuleantes, entraram no porão do hotel, uma caverna de tijolo e madeira medindo quinze metros por cinquenta. As descobertas vieram rapidamente: um tonel de ácido com oito costelas e um pedaço de crânio no fundo; montes de cal viva; um grande forno; uma mesa de dissecação com manchas que pareciam sangue. Encontraram ferramentas cirúrgicas e sapatos de salto alto chamuscados.

E mais ossos:

Dezoito costelas do torso de uma criança.

Várias vértebras.

Um osso de pé.

Uma omoplata.

Uma cabeça de fêmur.

Peças de roupa emergiam de paredes e de covas de cinza e cal, incluindo um vestido de menina e jalecos manchados de sangue. Cabelos humanos entupiam uma chaminé. Os investigadores desenterraram duas câmaras cheias de cal viva e restos humanos. Especularam que os restos talvez fossem os últimos vestígios de duas mulheres texanas, Minnie e Anna Williams, que só recentemente a polícia de Chicago fora informada de que estavam desaparecidas. Nas cinzas de um grande fogão encontraram um pedaço de corrente que o joalheiro da farmácia de Holmes identificou como parte de uma corrente de relógio que ele tinha dado de presente a Minnie. Encontraram também uma carta que ele havia escrito para o farmacêutico da sua drogaria: “Você consegue ver os fantasmas das irmãs Williams e elas o perturbam muito agora?”5

No dia seguinte, a polícia descobriu outro aposento oculto, no canto sudoeste do porão. Foram levados até lá por um homem chamado Charles Chappell, que dizia ter ajudado Holmes a reduzir cadáveres a ossos. O homem foi muito prestativo, e logo a polícia recuperou três esqueletos totalmente articulados de seus proprietários. Esperava-se um quarto esqueleto, da Faculdade de Medicina Hahneman, de Chicago.

Uma das descobertas mais surpreendentes ocorreu no segundo andar, na câmara. Na parte de dentro da porta havia a marca inequívoca de um pé feminino descalço. A polícia especulou que a marca fora deixada por uma mulher que morria sufocada lá dentro. Achavam que seu nome era Emeline Cigrand.

A polícia de Chicago telegrafou para o procurador público Graham informando que a busca realizada no edifício de Holmes revelara o esqueleto de uma criança. Graham mandou Geyer a Chicago para ver se os restos poderiam ser os de Howard Pitezel.

Geyer encontrou a cidade horrorizada com as revelações que emergiam do castelo. A cobertura jornalística fora exaustiva, ocupando quase toda a primeira página dos jornais diários. Uma manchete do Tribune berrara VÍTIMAS DE UM DEMÔNIO, informando que os restos de Howard Pitezel tinham sido encontrados no edifício.6 A reportagem tomou seis das sete colunas da primeira página.

Geyer teve um encontro com o principal inspetor de polícia e soube que um médico que acabara de examinar o esqueleto infantil concluíra que se tratava de uma menininha. O inspetor julgava saber a identidade da menina e mencionou um nome, Pearl Conner. O nome não significava nada para Geyer.

Geyer telegrafou para Graham, manifestando seu desapontamento, e Graham lhe ordenou que ele voltasse à Filadélfia para trocar ideias e descansar.

Na noite de quarta-feira, 7 de agosto, com temperaturas na casa dos trinta e vagões quentes como fornos, Geyer partiu novamente, dessa vez acompanhado do principal investigador de fraudes de seguros da Fidelity Mutual, o inspetor W. E. Gary. Geyer gostou muito da companhia.

Foram para Chicago e depois para Indiana, onde pararam em Logansport e Peru e seguiram para Montpelier Junction, em Ohio, e Adrian, em Michigan. Passaram dias examinando os registros de todos os hotéis, pensões e agências imobiliárias que encontraram, “tudo”, disse Geyer, “para nada”.7

Embora o breve descanso na Filadélfia tivesse recarregado as esperanças de Geyer, ele agora achava que elas estavam “definhando depressa”. Ainda acreditava em sua intuição original, que lhe dizia que Howard estava em Indianápolis, ou em algum lugar próximo. E para lá se dirigiu em seguida, sua terceira visita do verão.

“Devo confessar que voltei a Indianápolis num estado de espírito não muito animado”, escreveu Geyer.8 Ele e o inspetor Gary se hospedaram no velho hotel de Geyer, o Spencer House. A incapacidade de encontrar Howard depois de tanto esforço era frustrante e incompreensível. “O mistério”, escreveu Geyer, “parecia impenetrável.”9

Na quinta-feira, 19 de agosto, Geyer soube que, na noite anterior, o castelo de Holmes em Englewood, sua própria sombria terra de sonhos, fora totalmente destruído num incêndio. Manchetes da primeira página do ­Chicago Tribune berravam: “Covil de Holmes incendiado; Fogo demole o lugar de assassinato e de mistério.”10 O corpo de bombeiros suspeitou de incêndio criminoso; a polícia especulou que quem pôs fogo quis destruir os segredos ainda incrustados lá dentro. Ninguém foi preso.

Juntos, o detetive Geyer e o inspetor Gary investigaram novecentas pistas. Ampliaram a diligência para incluir cidades pequenas nos arredores de Indianápolis. “Até segunda-feira”, escreveu Geyer num relatório para a sede, “já teremos investigado todas as cidades das redondezas, exceto Irvington, e em mais um dia a concluiremos. Depois de Irvington, não sei bem para onde devemos ir.”11

Foram para Irvington na manhã de terça-feira, 27 de agosto de 1895, a bordo de um bonde elétrico, um novo tipo de veículo que se alimentava de energia através de uma roldana de contato no teto. Pouco antes de chegarem à última parada do bonde, Geyer viu a placa de uma agência imobiliária. Ele e Gary resolveram começar a investigação por ali.

O proprietário era o sr. Brown. Ofereceu uma cadeira para cada detetive, mas ficou em pé. Eles não acharam que a visita fosse durar muito, e havia muitos outros escritórios para investigarem antes de anoitecer. Geyer abriu seu já sujo pacote de fotografias.

Brown ajeitou os óculos e examinou a foto de Holmes. Depois de uma longa pausa, disse: “Eu não tinha o aluguel da casa, mas estava com as chaves, e um dia, no outono passado, este homem veio ao meu escritório e, de um jeito muito brusco, disse que queria as chaves dessa casa.”12 Geyer e Garry ficaram paralisados. Brown prosseguiu: “Eu me lembro muito bem desse sujeito porque não gostei do jeito dele e achei que deveria ter mais respeito por meus cabelos brancos.”

Os detetives se entreolharam. E sentaram-se ao mesmo tempo. “Toda a trabalheira”, disse Geyer, “todos aqueles dias e semanas extenuantes de viagens — trabalheira e viagens nos meses mais quentes do ano, oscilando entre a fé e a esperança, o desânimo e o desespero, tudo foi recompensado naquele momento, quando vi que o véu ia ser levantado.”13

Na sindicância que se seguiu, um jovem chamado Elvet Moorman declarou como testemunha que tinha ajudado Holmes a instalar um grande fogão à lenha na casa. Lembrava-se de ter perguntado por que não instalava um fogão a gás. Holmes respondeu “que não achava que gás fosse saudável para crianças”.14

O dono de uma oficina de conserto de Indianápolis disse em depoimento que Holmes tinha ido ao seu estabelecimento em 3 de outubro de 1894, com duas caixas de instrumentos cirúrgicos, e pediu que os afiasse. Holmes foi buscá-los três dias depois.

O detetive Geyer disse em seu depoimento que durante a busca realizada na casa tinha aberto a base de um cano de chaminé que ia do teto ao porão. Peneirando as cinzas com uma tela anti-insetos, encontrou dentes humanos e um fragmento de mandíbula. Também recuperou “uma grande massa chamuscada, que, quando cortada, expôs um pedaço do estômago, do fígado e do baço, endurecidos pelo calor do fogo”.15 Os órgãos tinham sido comprimidos com muita força dentro da chaminé e nunca queimaram.

E é claro que a sra. Pitezel foi chamada. Ela identificou o sobretudo de Howard e o broche do cachecol, assim como uma agulha de crochê que pertencera a Alice.

Finalmente o legista lhe mostrou um brinquedo que o próprio Geyer tinha encontrado na casa. Era um homem de lata montado num pião. Ela o reconheceu. Como não reconheceria? Era o bem mais importante de Howard.16 A própria sra. Pitezel o colocara no baú das crianças pouco antes de despachá-las com Holmes. O pai o comprara para ele na feira mundial de Chicago.