A paisagem de desgosto

OS ARQUITETOS DO leste deixaram Nova Jersey às 16h50 de 8 de janeiro de 1891, no vagão 5, seção 6, do North Shore Limited, que Hunt reservara para viajarem juntos.1 Olmsted chegara de Boston na noite anterior e se juntara ao grupo.

Foi um momento memorável: um trem deslumbrante que oscilava através da paisagem de inverno transportando cinco dos maiores arquitetos da história, todos no mesmo vagão, confabulando, contando piadas, bebendo, fumando. Olmsted aproveitou a oportunidade para descrever, minuciosamente, o Jackson Park e a experiência de lidar com as muitas camadas de comitês da exposição que, por enquanto, pareciam ter muito poder. Respeitava Burnham por sua sinceridade, sua franqueza e o ar de liderança que transpirava, e com certeza foi o que disse aos outros arquitetos. Também não há dúvida de que gastou muito tempo explicando sua própria concepção da paisagem da exposição, sobretudo sua crença de que a Wooded Island deveria permanecer livre de construções patentemente artificiais.

Duas horas antes de o trem chegar a Chicago, durante uma breve parada, McKim recebeu um telegrama informando-o de que sua mãe, Sarah McKim, morrera de repente, em casa, aos 78 anos.2 Os dois eram muito próximos. Ele se separou do grupo e tomou o trem de volta.

Os arquitetos chegaram a Chicago no fim da noite de sexta-feira, 9 de janeiro, e embarcaram em carruagens para o hotel Wellington, onde Burnham lhes reservara acomodações. Van Brunt, recém-chegado de Kansas City, juntou-se aos demais. Na manhã seguinte, todos seguiram de carruagem para o Jackson Park. Root, ausente, deveria voltar de Atlanta naquele dia.

A viagem até o parque durou mais ou menos uma hora. “Era um daqueles dias frios de inverno”, recordou-se Burnham. “O céu estava coberto de nuvens, e o lago, de espuma.”3

No parque os arquitetos saltaram das carruagens soprando baforadas de vapor no ar frígido. O vento trazia partículas de areia que lhes picavam as bochechas e os obrigavam a proteger os olhos. Eles cambalearam pelo chão congelado, Hunt tremendo de gota, praguejando, duvidando; Olmsted, os dentes inflamados, a noite uma aflição de insônia, mancando em consequência do antigo acidente de carruagem.

O lago, cinza, escurecia numa faixa negra perto do horizonte. As únicas cores das redondezas eram o rubor do frio nas bochechas de todos, e o azul dos olhos de Burnham e Olmsted.

O paisagista observava as reações dos outros homens. De vez em quando ele e Burnham trocavam olhares.

Os arquitetos estavam atordoados: “Eles olhavam com um sentimento de quase desespero”, contou Burnham.4

O Jackson Park era uma área de mais de dois quilômetros quadrados de desolação, na maior parte desprovida de árvores, salvo uns trechos com espécies variadas de carvalho — carvalho macrocarpa, carvalho-dos-pântanos, carvalho-preto e carvalho-vermelho — que emergiam de uma vegetação rasteira bastante intricada de sabugueiros, ameixeiras silvestres e salgueiros. Nas partes mais expostas, havia apenas areia, com tufos de grama marinha e de pradaria. Um escritor chamou o parque de “remoto e repulsivo”;5 outro, de um “ermo arenoso de terra não tratada e deserta”.6 O lugar era feio, um cenário de último recurso. O próprio Olmsted dissera o seguinte sobre o Jackson Park: “Se tivesse sido feita uma pesquisa em busca do terreno menos apropriado para um parque num raio de quilômetros da cidade, nada que correspondesse melhor a esse critério poderia ser encontrado.”7

Na verdade, a área era ainda pior do que parecia. Muitos carvalhos estavam mortos. Por causa do inverno, ficava difícil distinguir os mortos dos vivos. Outros estavam com o sistema de raízes muito danificado. Sondagens mostraram que o solo dentro do parque consistia numa camada superior de terra preta, com cerca de trinta centímetros de espessura, seguida de sessenta centímetros de areia, e depois mais de três metros de areia tão saturada de água que, como escreveu Burnham, “se tornava quase areia movediça e geralmente recebia esse nome”.8 Os homens de Chicago compreendiam os desafios representados por aquele solo; os de Nova York, acostumados ao leito de rocha firme, não.

O defeito mais grave do parque, ao menos do ponto de vista de Olmsted, era que a cada ano a orla estava sujeita a drásticas mudanças no nível do lago, que às vezes chegavam a 1,20 metro.9 Essas flutuações, reconhecia Olmsted, tornavam muito mais difícil cultivar plantas perto da água. Se o nível da água baixasse, visitantes da feira seriam submetidos a uma ofensiva faixa de terra à beira do lago. Se subisse demais, a água cobriria e mataria as plantas.

Os arquitetos voltaram para suas carruagens. Rumaram para o lago, pelas estradas ruins do parque, à velocidade de um cortejo fúnebre e em estado de espírito semelhante. Burnham escreveu: “Um sentimento de desânimo, misturado com frustração, tomou conta daqueles que pela primeira vez perceberam a extensão e a magnitude da tarefa proposta e avaliaram as inexoráveis condições e limitações de tempo para executar o trabalho... Vinte e um meses depois viria o dia fixado pela Lei do Congresso para a consagração dos prédios, e no curto período de 27 meses e meio, ou em 1o de maio de 1893, todo o trabalho de construção deveria estar concluído, a paisagem, melhorada, e as exposições, instaladas.”10

Junto ao lago, mais uma vez saltaram das carruagens. Peabody, de Boston, subiu num píer. Virou-se para Burnham e disse:

— Está nos dizendo que vocês pensam mesmo em abrir uma feira aqui em 1893?11

— Sim — respondeu Burnham. — É o que pretendemos.

— Não dá para fazer. — retrucou Peabody.

Burnham fitou-o:

— Já está resolvido.

Mas nem ele compreendia, ou poderia compreender, o que vinha pela frente.

Root voltou para Chicago enquanto os arquitetos estavam no Jackson Park. Era seu 41o aniversário. Foi direto da estação ferroviária para o Rookery. “Chegou ao escritório de bom humor”, disse Harriet Monroe, “e naquele mesmo dia recebeu a encomenda de um grande edifício comercial.”12

Contudo, naquela tarde o desenhista Paul Starrett encontrou Root “com aparência de doente” num dos elevadores do Rookery.13 O bom humor tinha sumido. Voltou a queixar-se de cansaço.

Os arquitetos voltaram do passeio desencorajados e desgostosos. Reuniram-se outra vez na biblioteca da firma, onde Root, subitamente revitalizado, juntou-se a eles. Ele foi agradável, divertido, cordial. Burnham sabia que, se houvesse alguém no mundo capaz de convencer aqueles homens e despertar sua paixão, esse alguém era Root. O sócio convidou os forasteiros a irem à sua residência, em Astor Place, no dia seguinte, domingo, para o chá da tarde, e enfim foi embora para casa, rever os filhos e a mulher, Dora, que segundo Harriet Monroe estava de cama, “doente, quase para morrer”14 de um aborto recente.

Root conversou com Dora sobre seu cansaço e sugeriu que no verão seguinte dessem uma escapada para descansar em algum lugar. Os últimos meses tinham sido repletos de frustrações e longas noites de trabalho e viagem. Estava exausto. A viagem ao sul não contribuíra em nada para aliviar o estresse. Não via a hora de chegar o fim de semana, 15 de janeiro, para que os arquitetos terminassem sua conferência e fossem embora.

“Depois do dia 15”, disse à mulher, “não devo continuar assim tão ocupado.”15

Os arquitetos do leste e de Chicago voltaram a reunir-se aquela noite no University Club para um jantar em sua homenagem oferecido pelo comitê de terrenos e edificações da feira. Root estava cansado demais para comparecer. O jantar era, sem dúvida, uma arma destinada a despertar o entusiasmo e mostrar aos homens do leste que Chicago pretendia fazer valer as grandiosas promessas que alardeara sobre a exposição. Foi o primeiro de uma sequência de banquetes absurdamente ricos e fartos, cujos cardápios faziam as pessoas se questionarem se seria possível que os homens mais notáveis da cidade tivessem alguma artéria ainda funcionando.

Na chegada, os homens foram interceptados por repórteres. Os arquitetos conduziram-se com gentileza, mas não abriram a boca.

Seus lugares eram numa grande mesa em forma de T, com Lyman Gage, presidente da exposição, no centro da mesa principal, Hunt à sua direita, Olmsted à esquerda. Buquês de cravos e de rosas vermelhas e cor-de-rosa transformavam as mesas em canteiros de flores. Havia uma boutonnière ao lado de cada prato. Todos usavam smoking. Não havia mulheres à vista.

Exatamente às oito horas da noite, Gage pegou Hunt e Olmsted pelo braço e conduziu a fila da sala de recepção do clube para a sala de banquete.

Ostras.

Uma ou duas taças de Montrachet

Consommé de tartaruga-verde

Amontillado

Sável grelhado à la Maréchel

Pepinos. Batatas à la Duchesse

Filé-mignon à la Rossini

Chateau Lafite e Rinnart Brut

Fonds d’Artichaut Farcis

Pommery Sec

Sorbet au Kirsh

Cigarros

Galinhola com torradas

Salada de aspargos

Gelados: Canton Ginger

Queijos: Pont l’Eveque; Roquefort. Café. Licores

Madeira, 1815

Charutos16

Gage foi o primeiro a falar. Fez um discurso estimulante sobre o esplendor da futura exposição e a necessidade de os grandes homens que ali estavam, na sala de banquetes, pensarem primeiro na feira e por último neles próprios, afirmando que só com a subordinação do ego a exposição teria chance de ser bem-sucedida. Os aplausos foram calorosos e entusiásticos.

Burnham falou em seguida. Descreveu sua própria visão da feira e a determinação de Chicago para torná-la real. Também incitou o trabalho de equipe e sacrifício pessoal. “Senhores”, disse, “1893 será a terceira maior data da história do nosso país. Nas outras duas, 1776 e 1861, todo verdadeiro americano serviu, por isso eu agora lhes peço que sirvam novamente!”17

Dessa vez a sala irrompeu em aplausos. “Naquela noite, os homens saíram da sala de banquetes unidos como soldados numa campanha”, narrou Burnham.18

Mas foram os cidadãos de Chicago que cuidaram da marcha. Na casa de Root, no dia seguinte, Harriet Monroe conheceu os arquitetos do leste e ficou abalada. “Conversando com eles espantei-me com sua atitude de indiferença e descrença”, contou ela. “Não dava para esperar muitos efeitos bonitos em edifícios tão grandes e tão miseravelmente construídos; o nível de monotonia das superfícies terrestres de Chicago tornava praticamente impossível fazer combinações eficazes; o tempo de preparação e construção era curto demais: essas e outras críticas indicavam um sentimento geral de menosprezo.”19

Quando terminou o chá, Root levou os visitantes até suas carruagens. Estava escuro e terrivelmente frio. Um vento cortante atravessava Astor Place. Foi muito comentado, mais tarde, o fato de que Root, em traje formal, saiu na noite gélida sem pôr um sobretudo.