21. A CARTA
Luísa estava prestes a completar os vinte e um anos e foi nessa altura que madre Pia lhe entregou a carta deixada por sua mãe. Um mês antes do seu aniversário, chamava-a ao Colégio de Santa Rosa de Lima.
— Minha filha, chamei-te aqui porque tenho uma carta para te entregar que me chegou de tua mãe para a leres apenas quando abandonasses o colégio, mas só agora achei que ta devia entregar. Não te perguntes porquê: em breve, saberás por ti própria por que razão não ta entreguei mais cedo.
Tirou de uma gaveta da secretária um envelope branco, com o nome de Lien Hua escrito numa elegante caligrafia chinesa. Luísa segurou no envelope timidamente, hesitando em aceitá-lo. E teve o pressentimento de que, fosse o que fosse, iria influenciar dramaticamente a sua vida a partir dali. Sentiu uma estranha resistência em abri-lo.
— Madre Pia, posso pedir-lhe que abra o envelope, por favor?
— Está bem, Luísa, se achas que isso ajuda nalguma coisa. Mas olha que não! O que está escrito aqui, está escrito, não importa quem o abra.
Madre Pia procurou o estilete na escrivaninha meio desarrumada, abrindo o envelope de papel espesso, de qualidade inferior. Dele retirou uma folha de papel de arroz cuidadosamente dobrada em quatro e uma outra, em papel azul que parecia ser um documento importante a avaliar pelo selo da República Portuguesa, visível numa das faces. A religiosa estendeu-lhos e Luísa aceitou-os, ainda reticente. Ao cimo da folha azul, logo abaixo do selo timbrado, podia ler-se em maiúsculas, em português: «Certidão de Nascimento». Madre Pia olhava-a em silêncio. Pediu-lhe, então, que se sentasse pois só naquele momento se dera conta de que ela estava de pé desde que chegara.
— Senta-te, filha! Toma o tempo que quiseres. Eu vou pedir um chá para nós.
Saiu da sala, deixando-a sozinha. Luísa tinha as folhas de papel nas mãos trémulas. Olhava-as sem as ler. Pousou-as no regaço e esfregou as mãos suadas na saia rodada. Só naquele instante reparou na ausência da freira. O olhar vagueou-lhe, perdido num ponto qualquer do exterior durante longos momentos. Uma miríade de pensamentos contraditórios assaltava-a. Sentiu, finalmente, uma urgência na leitura daquelas folhas de papel e tacteou-as como se quisesse certificar-se de que ainda lá estavam. Segurou-as com delicadeza e desdobrou-as sem pressas. E começou a ler.
Chegou ao fim da carta e desdobrou a folha azul da certidão, começando a lê-la. Uma expressão de surpresa surgiu no seu rosto. Voltou a ler tudo, talvez para se certificar de que estava a ler bem. O coração batia-lhe agora mais depressa. Quem a visse, aparentemente serena, não entenderia o significado das lágrimas que lhe rolavam no rosto. Depois da surpresa que a assaltava naquele momento, era visível também o incómodo, talvez mesmo o desencanto, que sentia depois de ler naquele documento amarrotado, que resgatara do interior do envelope como quem espera uma sentença, o nome de seu pai. Vindas de longe, ouvia o eco das palavras, repetidas incessantemente no peito, que não conseguia pronunciar em voz alta:
«Oh, Meu Deus, fazei com que isto não seja verdade!»
A porta do compartimento abriu-se, entretanto, e a religiosa regressava para junto dela e não pode deixar de reparar na sua agitação.
— Então, filha, o que se passa contigo?
Tentava recompor-se, passando um lenço pelo rosto para esconder as lágrimas. Finalmente, ela estendeu a certidão à freira sem pronunciar qualquer palavra. Madre Pia tomou o documento das mãos dela, vacilante, sem perceber muito bem o que sucedera de tão grave que tivesse levado Luísa ao estado de agitação em que fora encontrá-la. Baixando o olhar sobre documento compreendeu, finalmente, o que se passava. Aproximou-se dela, afagou-lhe o ombro e sentou-se a seu lado. Olhou-a de frente para que ela lhe sentisse a proximidade, tal como acontecera desde sempre, desde o tempo em que Luísa a procurava, ainda na idade de um outro tempo da sua infância, em que as traquinices dela mereciam uma censura leve e sempre temperada com uma certa tolerância e, quase sempre, com ternura.
Quando a viu mais serena, a religiosa pediu-lhe que lesse a carta. Madre Pia não desconhecia inteiramente o seu conteúdo: sabia da verdade que ela continha pelo mensageiro que lha entregara. Fora um segredo até ali, deixava de o ser naquele momento. Luísa tinha todo o direito em conhecê-lo por maiores que pudessem ser as consequências.
— Vou-lha ler, irmã.
A voz de Luísa era nítida mesmo antes de dirigir o olhar para as folhas de papel que segurava entre as mãos. Dir-se-ia que tinha já lido aquela carta vezes sem conta!
«Minha filha,
No dia em que esta carta te for entregue eu já cá não estarei. É a primeira e última carta que receberás daquela que foi a tua mãe. Quero que fiques a saber das circunstâncias do teu nascimento, de quem eu fui e das razões que tive para abdicar de ti. Não quero que penses que eu te abandonei nem que te amei menos do que uma mãe pode amar uma filha.
Ainda eu era uma menina quando fui vendida pelos meus pais aos proprietários de uma casa de prostitutas na Rua das Flores. Eu tinha nove anos quando conheci o meu primeiro homem. E era já uma mulher de catorze anos quando conheci o teu pai, por quem me apaixonei. Ele foi o homem da minha vida, o ser humano bondoso que me mostrou um pedaço do Paraíso no meio do Inferno em que eu vivi. Foi por pouco tempo, a eternidade de algumas noites que passei com ele, e desses momentos levo comigo a imagem do que é a felicidade possível neste mundo.
Quando engravidei de ti ele reconheceu imediatamente a tua paternidade, sem qualquer hesitação. E no dia em que nasceste foi ele próprio quem fez o registo do teu nascimento. É o documento que vais encontrar junto desta carta. Tu não és a filha de pai incógnito como eu te levei a pensar que eras sempre que me perguntavas pelo teu pai. Tu és filha de um homem bom.
Ele quis também assumir desde sempre a tua paternidade junto de sua família e levar-te para sua casa para cresceres junto dele. Queria que tivesses um lugar de direito no seu seio. Mas esse gesto nunca seria aceite por sua mulher e tu virias a pagar os meus pecados e os seus devaneios com uma existência infeliz. Tenho a certeza de que ela nunca te aceitaria.
Resolvi então desaparecer de Macau tinhas tu menos de cinco anos. Mas, se por um lado quis poupar-te a essa existência infeliz, por outro lado não poderia condenar-te a viver comigo, uma prostituta foragida, procurada pelas tríades, e uma escrava sexual sem a protecção delas. Decidi, por isso, procurar madre Pia, que bondosamente te aceitou depois de ouvir a minha história.
Pouco tempo depois fui apanhada e obrigada a regressar à casa da Rua das Flores. Mas A-Má foi bondosa para comigo e mandou-me uma doença que me vai levar dentro de pouco tempo. Antes de completar vinte anos ganho, finalmente, o direito ao meu descanso nesta vida.
Deixarei esta carta a madre Pia com o pedido para que te seja entregue no dia em que completares dezoito anos.
Esteja eu onde estiver, estarei sempre junto de ti.
Tua mãe,
Li Lai Cheong»
— O que vais fazer agora? — Madre Pia quebrou o silêncio a que Luísa se remetera após a leitura da carta.
Luísa fechou os olhos com força, como se quisesse esconjurar uma visão. Luísa sentia-se confusa.
— Não sei, minha madre! Mas sei que não vou revelar isto a ninguém! Não acredito que António Lobo Vicente seja o meu pai! Prefiro fazer de conta que não aconteceu o que minha mãe deixou escrito! E vou sair daquela casa, ainda hoje!
— Acalma-te, Luísa. Vamos pensar juntas.
— Estou confusa, mas não quero magoar ninguém, e muito menos a minha querida madrinha. E não consigo tomar uma decisão sobre tudo isto, sobre o que vou fazer em relação a esta paternidade que não quero aceitar neste momento, madre Pia. Tenho outras razões para me sentir mal, acredite. Preciso muito da sua ajuda! E para onde irei eu quando abandonar aquela casa? Porque era lá que eu me sentia bem, afinal de contas!
— Há, então, outras razões que não me queres contar?
— Sim, minha madre, há!
Entre as duas mulheres fez-se um silêncio cúmplice. Dir-se-ia que a conversa entre elas continuava através dos pensamentos. A religiosa foi a primeira a rompê-lo.
— Ouve, minha filha, acalma-te. Isto não tem de ser uma má notícia, nem tu deves reagir como se fosse e, sobretudo, precipitadamente. Não sei que outras razões terás para te sentires assim… Esta revelação, mais do que uma porta que tu queres fechar, para te isolares, provavelmente para te protegeres, é uma janela que se abre na tua vida. Tu tens sido feliz naquela casa. Não há nenhuma razão para a abandonares. Pensa um bocadinho com aquela parte de ti que não é chinesa… Mas pensa também com coragem.
— Não, minha madre, é impossível fazer o que me pede. E eu compreendo perfeitamente o seu pensamento. Mas a questão é muito mais grave do que possa imaginar… Mas, não quero, não posso, nem devo dizer mais nada! Só lhe peço que me ajude!
As palavras que Luísa acabara de proferir ficaram no ar durante muito tempo no silêncio, agora pesado, que se instalou de novo entre elas. Madre Pia sentiu-as como sinais de uma outra tempestade ainda por chegar na vida da sua protegida. Olhou para Luísa como se ela não estivesse ali, tentando descodificar a verdadeira mensagem que as suas palavras carregavam.
— Tu sabes que eu estarei sempre do teu lado. Tens alguma dúvida sobre isso? — Susteve-lhe a resposta e continuou: — Poderei falar com a dona Josefina a qualquer momento. E tu sabes que poderás voltar sempre para junto de mim, aqui no colégio. Mas não acredito que essa seja a escolha do teu coração. Vamos as duas fazer um pacto…
— Um pacto? — O olhar que Luísa dirigiu a madre Pia estava carregado de dúvidas.
— Vamos esperar até amanhã para que reflictas sobre isto. Até lá, ages com naturalidade e sem rompimentos. Se a tua decisão final for a de abandonar a família que te acolheu e que, afinal, é a tua família, eu falarei com a dona Josefina. E, entretanto, vou pensar numa boa razão para regressares ao colégio. Fico à espera de que me digas qualquer coisa até amanhã à noite.
Pouco depois, Luísa abandonava Santa Clara. Já na rua, tomou a direcção da Igreja de São Lourenço. Dirigiu-se directamente ao gabinete de padre Manuel e bateu levemente na porta entreaberta. Do interior chegou-lhe o som abafado da voz familiar.
— Entre! — Quando a viu, padre Manuel sorriu-lhe. Mas depressa o sorriso se fechou ao notar-lhe a expressão preocupada. — O que fazes tu por aqui, Luísa?
Numa voz que quase se perdia na distância física entre eles, respondeu:
— Vim para que me ouça em confissão, senhor padre.
Ele notou-lhe na voz um tom que não lhe conhecera antes.
— E tens alguma razão que te traga a uma confissão urgente, Luísa?
A resposta dela fez-se tardar no silêncio que se instalou no gabinete depois daquela pergunta.
— Prefiro contar-lhe sob o segredo da confissão, senhor padre Manuel! — respondeu-lhe, finalmente.
Uma hora depois abandonava a igreja pela porta lateral. Na rua, sentiu a brisa morna bater-lhe no rosto, voltou a ver gente que cruzava com ela e há pouco invisível no seu olhar errante. Inspirou profundamente o ar como se fosse carregado de um perfume que não saberia identificar. Estugou o passo miúdo e dirigiu-se, finalmente, para casa.
Naquela noite, Luísa não falou com ninguém da família. Nem sequer com Mei Lin. Chegada a casa, dirigiu-se à cozinha, ingeriu quase mecanicamente alguns dos alimentos conservados no frigorífico desde o almoço desse dia e, desculpando-se com uma indisposição, recolheu-se ao seu quarto no piso inferior. E pensou, pela primeira vez desde que vivia ali, que seria no piso intermédio daquela casa a localização do quarto a que teria direito, junto dos dos irmãos, se a sua filiação fosse conhecida. Lá ou no meio da rua, de acordo com os critérios de dona Josefina e da sua capacidade de, há muito tempo, ter perdoado ao marido as aventuras inconsequentes. Mais tarde, Mei Lin procurou-a, admirada com a sua ausência, e foi encontrá-la deitada. Não foi difícil justificar o ar cansado, visível no rosto, com a indisposição que lhe serviu de pretexto para não ver ninguém. Para que ninguém a visse naquela noite. Pouco convencida, Mei Lin retirou-se sem qualquer observação que revelasse a sua suspeita de que algo de grave se passava.
Na manhã seguinte, Luísa tinha tomado a decisão definitiva de regressar ao colégio. Sentia, cada vez mais, a urgência da sua saída dali.
Mas antes teria de contar, pelo menos a Mei Lin, a razão por que o fazia. Sentia-se devedora dessa satisfação. Mas sabia que teria de se preparar para enfrentar a resistência dela. Procurou-a imediatamente. Foi encontrá-la no seu quarto, acabada de se levantar, ainda em camisa de noite. Manuel saíra cedo e Luísa sabia disso. Mei Lin fez-lhe sinal para que se sentasse ao seu lado, ainda sem a observar de perto, batendo com a palma da mão sobre os lençóis de seda. Luísa obedeceu-lhe, em silêncio. Mei Lin, finalmente, olhou-a e a sua expressão alterou-se ao reparar no rosto cansado, nas olheiras fundas, numa estranha tristeza no olhar.
— O que é que tens?!
A resposta de Luísa tardava. Finalmente, respondeu-lhe, tirando do bolso do avental a carta que recebera de madre Pia e a folha de papel azul que a acompanhava.
Ficou a observar a expressão da amiga durante aqueles instantes como se daquela leitura dependesse uma sentença. Viu-lhe o olhar percorrer as linhas desenhadas no papel, a expressão que tão bem conhecia nos momentos de ansiedade, as mãos que lhe tremiam nervosamente. Viu-a reler os conteúdos mais do que uma vez e a expressão de incredibilidade com que, finalmente, olhou para ela com os olhos muito abertos. Mais para si própria, Mei Lin disse, em voz baixa:
— Não posso acreditar naquilo que acabei de ler! O que tencionas fazer com isto?
— Estou a contar-te este segredo, porque és a minha melhor amiga, uma irmã, e porque preciso de desabafar contigo! Mas isto terá de ficar entre nós. A minha decisão está tomada: vou esquecer que amei esta família e vou afastar-me desta casa. Já falei com a madre Pia e volto para o Convento de Santa Clara.
Mei Lin suspeitou de que só alguma coisa mais grave poderia justificar a drástica decisão que Luísa tomara, antes mesmo de partilhar com ela o seu segredo. Enfrentar dona Josefina requeria uma certa coragem, mas isso não justificava aquela decisão. Havia mais qualquer coisa que ainda não conseguia perceber. Luísa viu no rosto de Mei Lin uma expressão de desapontamento, de surpresa e, certamente, de reprovação. Nos olhos invulgarmente brilhantes reconheceu-lhe uma emoção rara nela. E durante alguns instantes nenhuma delas voltou a falar. Instalara-se entre elas um ambiente pesado. Finalmente, foi Mei Lin quem quebrou aquele silêncio incómodo.
— Então, tu vieste ter comigo com a decisão tomada. Não vieste ouvir a minha opinião!
— Não, Mei Lin. Vim ouvir-te, sim! Mas a minha decisão está tomada. Pensei muito nela. Vim apenas pedir-te que me ajudes a seguir em frente. É o teu apoio que eu desejo ter e não os teus conselhos.
Mei Lin compreendeu que, pelo menos naquele momento, seria inútil tentar sugerir a Luísa uma saída diferente. Mas, em vez de tentar demovê-la, perguntou-lhe:
— Vais sair sem dizeres uma palavra à dona Josefina?
— Sim! Falta-me a coragem! É a ti que peço que desempenhes essa missão, em conjunto com a madre Pia, que está pronta para cá vir. As duas saberão melhor do que eu como resolver o assunto.
— Eu?! — A expressão de Mei Lin era de espanto. Mas sabia que Luísa não desistiria daquela ideia.
Aquela conversa tinha chegado ao fim, para alívio de Luísa.
Na mesma manhã, muito cedo, Luísa foi comunicar a sua decisão a madre Pia, informando-a de que não se sentia preparada para aguardar as vinte e quatro horas que ela lhe pedira para tomar a sua decisão.
Nessa tarde, um automóvel do Colégio de Santa Rosa de Lima estacionava defronte da casa dos Lobo Vicente, na Penha. Madre Pia foi recebida por Mei Lin e alguns minutos depois encontravam-se com dona Josefina.
Inesperadamente, esta não se mostrou surpreendida com a decisão de Luísa que a religiosa ia apresentar-lhe. No rosto apenas se lhe notou a sombra de um sorriso triste. Não fez qualquer pergunta nem se notou qualquer censura na voz cansada quando disse:
— Quero que a Luísa encontre a sua felicidade. Se essa felicidade a aguarda nesse novo rumo que deseja dar à sua vida, pois que saia e que seja muito feliz! Mas que, então, nunca perca de vista as ruas que vêm dar à Penha e a esta casa onde ela terá sempre um lugar.
E dizendo isto, ergueu-se e dirigiu-se para a porta do aposento sem sequer se despedir delas.
Mas era a velha senhora quem, afinal, guardava um segredo sobre Luísa. E quando se retirou da sala, deixando perplexas madre Pia e Mei Lin com a sua aparente frieza, abria-se-lhe no coração uma ferida antiga que há muito deixara de sangrar.
Um ano antes do nascimento de Luísa em Macau, fruto dos amores entre seu marido e a bela Li Lai Cheong, prostituta da Rua da Felicidade, encontrava-se dona Josefina em Portugal. Deslocara-se a Leiria para se despedir de seu avô gravemente doente e, afinal, acabaria por ocorrer o seu falecimento na véspera do seu regresso a Macau. Adiara então o regresso por mais uma semana para acompanhar o funeral. Mas esse regresso só teria lugar dois meses depois.
Ao funeral do antigo catedrático de Coimbra tinha ido assistir uma multidão de amigos da família e da Universidade, antigos alunos de Direito e o Governo tinha-se feito representar pelo ministro da Educação. Josefina teria então tido a oportunidade de se encontrar com velhos amigos do tempo em que vivera em casa do avô e frequentara, também ela, a velha universidade. Entre eles estava o homem com quem se teria casado se a oposição da família não tivesse levado a melhor na resistência que moveu ao noivo, jovem activista comunista várias vezes preso pela PIDE.
Viajaram de regresso a Lisboa numa coincidência de calendário pouco convincente. Nunca ninguém soube o que se passou durante essa longa viagem de dois meses entre Leiria e Lisboa. Mas António tinha as suas fontes disponíveis para investigar o que lhes pediu. E as notícias que, posteriormente, recebeu acabaram por fazê-lo compreender que o seu casamento feliz tinha morrido.
No regresso de dona Josefina a Macau pairou entre os dois a dúvida sobre uma continuidade ou um rompimento. Em nome dos filhos mas, sobretudo, para salvar as aparências, escolheram a continuidade, esquecendo aquele passado recente. E nas confissões que se fizeram em nome de um recomeço sem mágoas e sem rancores, António soube da paixão renovada da mulher durante aquele vazio de dois meses angustiados. Pediu-lhe que o poupasse a mais detalhes. E Josefina, da entrega de António nos braços de uma prostituta que jurou amar para toda a vida.
Luísa seria perfilhada em nome desse perdão.