Francisco C. Weffort
Reunimos aqui os clássicos da política do mundo moderno. Creio que a maior homenagem que se pode fazer a estes homens de gênio é reconhecer a ligação entre as suas idéias e as lutas históricas das épocas nas quais viveram. Como homens de pensamento de uma grande época da política, eles acompanham a formação do Estado moderno, longo processo de séculos de duração na história europeia. Desde o florentino Maquiavel, no século XVI, e os ingleses Hobbes e Locke, ambos do século XVII, até, no século XVIII, os franceses Montesquieu e Rousseau e os americanos, Madison, Hamilton e Jay, autores de "O Federalista", o pensamento político acompanha a construção de uma ordem política da qual o Estado-Nação haveria de ser a realização mais completa.
Este livro foi concebido para os estudantes dos cursos básicos de nossas universidades. Deve, por isso, cumprir uma função eminentemente didática. Também é de preocupação didática um outro volume que estamos publicando junto com este, aqui mesmo na Editora Ática, e que recolhe os passos fundamentais do pensamento político no século XIX: Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill e Marx. Depois deste virá um tomo sobre o pensamento político no século XX. Os dois primeiros volumes, cobrindo o período que vem do século XVI até o XIX, cumprem a função de introduzir o leitor nos temas fundamentais da teoria política clássica, nucleados em torno da construção do Estado-Nação. O terceiro, limitando-se ao século XX, tratará, sobretudo, da crise do Estado e, por extensão, da crise da sociedade moderna.
Disse alguém que "a desgraça dos que não se interessam por política é serem governados pelos que se interessam". Na intenção de contribuir de alguma forma para diminuir este mal, quisemos dar a este trabalho um sentido que vai além do meramente escolar. Há, porém, algo que a escola nos ensina e que quisemos preservar aqui. Os professores com experiência no ensino da teoria política e da história das doutrinas políticas sabem que a melhor maneira de alguém tomar contato com as idéias dos clássicos é ler os próprios clássicos. Em atenção a este critério, o leitor encontrará neste volume textos escolhidos dos próprios clássicos que acreditamos fundamentais para a compreensão do pensamento de cada um deles.
E entendemos também que deveríamos oferecer ao leitor, além de um contato com os clássicos, a orientação segura de um comentador que o ajudasse a superar as dificuldades iniciais. Este é um dos privilégios do estudante nas aulas de teoria política e de história do pensamento político. Quisemos que este privilégio, ou pelo menos parte dele, se tornasse aqui acessível a todo e qualquer cidadão interessado em política. Garantindo ao leitor a oportunidade de confrontar os textos do pensador clássico e do seu comentador, asseguramos-lhe também a oportunidade de fazer, se o desejar, o seu próprio exercício de interpretação. E um exercício de interpretação, como se sabe, sempre vai além do meramente escolar. Até porque, em política, um exercício de interpretação é sempre um exercício de liberdade.
Dizer que um pensador é um clássico significa dizer que suas idéias permanecem. Significa dizer que suas idéias sobreviveram ao seu próprio tempo e, embora ressonâncias de um passado distante, são recebidas por nós como parte constitutiva da nossa atualidade. A visão dura e implacável de Maquiavel sobre o fenômeno do poder ainda provoca, séculos depois do exílio que lhe permitiu escrever O príncipe, o mesmo fascínio (e o mesmo mal-estar) que suscitou em seus primeiros leitores. Quanto a Hobbes e Locke, seria necessário lembrar, por mais estranho que isso possa parecer quando falamos da Inglaterra que nos habituamos a ver como uma paisagem de ordem e de estabilidade, que eles viveram em uma Inglaterra tempestuosa e revolucionária. Hobbes é contemporâneo da revolução de 1640, de Oliver Cromwell, e Locke vive na época da Revolução Gloriosa, de 1688. O que talvez nos ajude a entender por que eles têm tantas coisas a dizer a brasileiros e latino-americanos. Reencontraremos em Montesquieu, na França absolutista de meados do século XVIII, a admiração pela Inglaterra liberal que as revoluções inglesas construíram ou, pelo menos, permitiram que se construísse. Algumas décadas depois de Montesquieu, Rousseau se torna, através da crítica radical do absolutismo político e da desigualdade social, um precursor do pensamento democrático moderno e o grande anunciador, no plano das idéias, da Revolução Francesa, de 1789. Nos autores de "O Federalista", Madison, Hamilton e Jay, encontraremos a defesa da Constituição, de 1787, coroamento institucional do processo que começa com a Revolução Americana, de 1776.
As ligações do pensamento dos clássicos com os grandes acontecimentos políticos do seu tempo são, assim, muito fortes para serem ignoradas. Apesar disso — ou quem sabe por isso mesmo — nada seria mais enganoso do que vê-los por uma ótica estritamente política. Nada mais distante deles do que a concepção, hoje muito difundida mas inteiramente falsa, da política como especialidade. Mesmo em Maquiavel, o mais "politicista" dentre os pensadores aqui reunidos, se pode distinguir — por exemplo, em sua concepção pessimista do homem ou em suas imagens sobre a corrupção dos costumes na Itália do seu tempo — um terreno além da política, sinais de uma concepção geral sobre a sociedade. Quanto aos demais, não pode sobrar espaço para dúvidas quanto à natureza de um grandioso esforço intelectual que constrói, ao lado de uma visão do Estado, uma concepção da natureza humana e da sociedade em geral. A reflexão sobre a gênese do Estado moderno é, nos clássicos, o caminho de uma ampla reflexão sobre a gênese da sociedade moderna. Mais do que uma imagem restrita sobre a ordem política, eles nos oferecem, cada qual a seu modo, uma concepção sobre os indivíduos, a propriedade, a desigualdade, a religião, a moral etc. É por isso que, com eles, nós entramos no campo de uma política de sentido amplo que envolve, mais do que uma ciência política, os elementos de uma sociologia e de uma antropologia. Até mesmo de uma economia, como no caso de Locke. Poderia haver melhor porta de entrada para as ciências sociais e para o conhecimento da sociedade moderna do que o pensamento político clássico?
Cada um dos pensadores aqui reunidos é apresentado por um professor (ou professora) com ampla experiência no tema e, em diversos casos, com obra publicada a respeito. Maquiavel é apresentado por Maria Tereza Sadek, Hobbes por Renato Janine Ribeiro, Locke por Leonel Itaussu Almeida Mello, Montesquieu por José Augusto Guilhon Albuquerque, Rousseau por Milton Meira do Nascimento e os autores de "O Federalista" por Fernando Papaterra Limongi. Todos os apresentadores são professores da Universidade de São Paulo.
Os capítulos deste volume constam, portanto, de duas partes, a primeira contendo o texto do apresentador (ou apresentadora) e a segunda trechos do pensador clássico de que se trate. Para o caso de Hobbes, porém, o Professor Renato Janine entendeu mais adequada a fórmula de um texto único, transcrevendo no curso de sua apresentação longos trechos do pensador inglês. Com pequena variação de forma, cumpre-se, assim, o objetivo comum de oferecer ao leitor o contato direto com o texto clássico e a ajuda do comentador.