CAPÍTULO 27
As rachaduras em tudo
— Não me diga que está pensando em colocar o pé na minha calçada, está ouvindo?
Amma se recusava a deixar Ridley chegar perto da propriedade Wate. Ela disse isso de quinze maneiras diferentes na primeira conversa malsucedida que tentamos ter com ela.
— Hã-hã. Nenhuma Conjuradora das Trevas vai entrar nesta casa enquanto eu estiver aqui neste planeta. E nem depois de eu ir embora. Não, senhor. Não, senhora. Não tem como.
Ela concordou então em nos encontrar em Greenbrier.
Tio Macon relutou.
— É melhor assim. Amarie e eu não nos vemos desde a noite... em que aconteceu — explicou ele. — Não sei se esse é o momento certo.
— Então o que você está dizendo é que também tem medo dela? — Ridley olhou para ele com interesse renovado. — Imagine isso.
— Estarei em Ravenwood se precisarem de mim — disse ele, lançando um olhar fulminante para Ridley.
— Imagine isso. — Eu sorri.
O restante de nós esperou dentro do muro em ruínas do velho cemitério. Resisti à vontade de andar até o túmulo de Ethan, apesar de sentir a atração familiar, o desejo de estar com ele. Acreditava, de coração, que havia uma maneira de trazer Ethan de volta e não ia parar de tentar até encontrar.
Amma também tinha esperanças, mas vi o medo e a dúvida em seus olhos. Ela já o perdera duas vezes. Cada vez que eu levava novas palavras cruzadas para ela, ficava desesperada para tê-lo de volta.
Acho que Amma não ia se permitir acreditar em alguma coisa que pudesse perder de novo.
Mas com o Livro, estávamos um passo mais próximos.
Ridley se encostou em uma árvore, a uma distância segura do buraco no muro de pedra. Eu sabia que ela tinha tanto medo de Amma quanto tio Macon, mesmo não admitindo.
— Não diga nada pra ela quando ela chegar aqui — avisou Link para Ridley. — Você sabe como ela fica por causa daquele livro.
Ridley revirou os olhos.
— Achei que Abraham fosse um saco. Amma é pior.
Vi uma bota preta ortopédica de cadarço passar pela abertura.
— Pior que o quê? — perguntou Amma. — Pior que seus modos? — Ela olhou Ridley de cima a baixo. — Ou seu gosto pra roupas?
Ela estava usando um vestido amarelo, pura luz do sol e doçura, que não combinava com sua expressão. O cabelo preto-grisalho estava preso em um coque apertado, e ela estava carregando uma bolsa estampada de costura. Eu a conhecia há tempo o bastante para saber que não havia material de costura dentro.
— Ou um tanto pior que a garota que é arrancada do Inferno apenas pra voltar pro fogo por vontade própria? — Amma observou Ridley com atenção.
Ridley não tirou os óculos de sol, mas consegui ver a vergonha mesmo assim. Eu a conhecia bem demais. Tinha alguma coisa em Amma que fazia você se sentir péssima se a decepcionava, mesmo se você fosse uma Sirena sem ligação nenhuma com ela.
— Não foi isso que aconteceu — disse Ridley, baixinho.
Amma colocou a bolsa no chão.
— Não foi mesmo? Sei de fonte segura que você teve a chance de estar do lado certo, mas abriu mão disso. Perdi alguma coisa nas letras miúdas?
Ridley se mexeu com nervosismo.
— Não é tão simples.
Amma torceu o nariz.
— Diga isso pra si mesma, se ajuda você a dormir à noite, mas não tente me convencer, porque não acredito. — Amma apontou para o pirulito na mão de Ridley. — E todo esse açúcar vai apodrecer seus dentes, que vão acabar caindo, seja você Conjuradora ou não.
Link riu com nervosismo.
Amma direcionou o olhar de águia para ele.
— Do que você está rindo, Wesley Lincoln? Está afundado até os joelhos em mais confusão do que no dia em que peguei você no meu porão quando tinha 9 anos.
O rosto de Link ficou vermelho.
— A confusão me encontra, senhora.
— Você sabe que procura, com tanta certeza quanto o sol brilha igual pros santos e pros pecadores. — Ela olhou para cada um de nós. — O que foi desta vez? E é melhor não ter nada a ver com destruir o equilíbrio do universo.
— Só santos, senhora. Nada de pecadores. — Link recuou poucos centímetros e olhou para mim em busca de ajuda.
— Botem pra fora. Estou com tia Mercy e tia Grace em casa, e não posso deixá-las sozinhas com Thelma muito tempo, senão as três vão pedir tudo que é vendido no canal de compras. — Amma raramente chamava as tias-avós de Ethan de “as Irmãs” depois que uma delas morrera.
Mas agora foi Marian quem andou até lá e segurou o braço de Amma para acalmá-la.
— É sobre O Livro das Luas.
— Estamos com ele — falei, de repente.
Liv deu um passo para o lado e revelou O Livro das Luas, que estava no chão atrás dela. Os olhos de Amma se arregalaram.
— E eu quero saber como vocês o conseguiram?
Link se intrometeu.
— Não. Quero dizer, não, senhora, certamente não.
— Mas o fato é que o temos agora — disse Marian.
— Mas não conseguimos entregar pro Ethan... — Ouvi o desespero na minha voz.
Amma balançou a cabeça, se aproximou do Livro e andou ao redor dele, como se não quisesse chegar perto demais.
— Claro que não. Esse livro é poderoso demais pra um mundo. Se vocês quiserem mandá-lo do mundo dos vivos pro mundo dos mortos, vamos precisar do poder dos dois mundos pra isso.
Eu não sabia o que ela queria dizer, mas só me importava com uma coisa.
— A senhora vai nos ajudar?
— Não é da minha ajuda que você precisa. Precisa de ajuda do lado que vai receber.
Liv chegou mais perto de Amma.
— Deixamos o Livro pro Ethan, mas ele não pegou.
Ela fungou.
— Humm. Ethan não é forte o bastante pra carregar esse tipo de peso de um lado pro outro. Não deve nem saber como fazer isso.
— Mas existe uma pessoa forte o bastante — disse Marian. — Talvez mais que uma pessoa. — Ela estava falando dos Grandes.
A pergunta era, será que Amma os chamaria?
Mordi o lábio.
Por favor, diga que sim.
— Achei que, como vocês me ligaram, estavam querendo testar até onde vai a loucura. — Amma abriu a bolsa de costura e tirou um copo pequeno e uma garrafa de Wild Turkey. — Assim, vim preparada. — Ela serviu uma dose e apontou para mim. — Mas vocês vão ter de ajudar. Precisamos do poder dos dois mundos, não esqueçam.
Eu assenti.
— Farei o que precisar.
Amma fez um gesto com a cabeça na direção de Ravenwood.
— Você pode começar chamando o resto dos seus. Sozinha, você não tem o tipo de poder que precisamos.
— Rid está aqui, e John também pode ajudar. Ele é metade Conjurador.
Amma balançou a cabeça.
— Se você quer que o livro faça a passagem, vai precisar chamar o resto.
— Eles estão em Barbados.
— Na verdade, voltaram há poucas horas — disse Marian. — Reece passou na biblioteca hoje cedo. Disse que sua avó não gostou da umidade.
Tentei não sorrir. Minha avó não gostava era de perder toda a ação, e Reece não era muito melhor. Com todos os poderes Conjuradores da minha família, eu tinha certeza de que eles sabiam que tinha alguma coisa acontecendo.
— Posso pedir. Mas eles podem estar cansados de tanto viajar. — Eu estava com medo de tio M mudar de ideia quanto a tudo isso. Acrescentar o restante da minha família à mistura era algo entre arriscado e idiota.
Amma cruzou os braços, mais determinada que jamais vi.
— O que sei é que esse livro não vai a lugar algum sem eles.
Não adiantava nada discutir com ela. Eu tinha visto Ethan tentar convencê-la do contrário quando ela decidia alguma coisa, e ele raramente conseguia. E Amma o amava mais do que a qualquer pessoa no mundo. Eu não tinha a menor chance.
Ridley assentiu para mim.
— Vou com você pra ajudar.
— Sua mãe vai ter um troço se você aparecer. Vou ter de contar pra ela que você voltou. E devo contar pra eles que você... — Hesitei. Não ia ser fácil para ninguém da minha família lidar com o fato de que Ridley voltou correndo para Sarafine para recuperar os poderes de Conjuradora das Trevas. — Mudou.
Link afastou o olhar.
Isso não era o pior.
— Vai ser bem difícil explicar pra vovó por que estou com o Livro.
Rid passou o braço por cima do meu ombro.
— Você não sabe que a melhor maneira de distrair alguém quando se dá uma notícia ruim é dar notícias piores? — Ela sorriu e me levou na direção de Ravenwood. — Não tem notícia pior do que eu.
Link balançou a cabeça.
— Não mesmo.
Ridley se virou e levantou os óculos.
— Cale a boca, Shrinky Dink. Senão vou fazer você querer se materializar na sala da sua mãe e contar pra ela que vai virar metodista.
— Seus poderes não funcionam mais em mim, gata.
Ridley jogou um beijo rosa e grudento para ele.
— Experimente.