Capítulo Nove

ScreenShot021.jpg

Tendo aprendido que Rebecca podia ser muito implacável e que, de facto, não ganhava nada em incorrer na sua cólera — pelo menos, antes das horas das refeições —, Will sacudiu-se e bateu com os pés para soltar a maior parte da lama das botas antes de irromper pela porta da frente. Atirando com a mochila para o chão, as ferramentas lá dentro a chocalharem ruidosamente umas contra as outras, imobilizou-se estupefacto.

Estava na presença de uma cena muito estranha. A porta da sala estava fechada e Rebecca estava agachada à frente dela, com a orelha colada ao buraco da fechadura. Mal o viu, franziu o sobrolho.

— O que é…?

A pergunta de Will foi cortada abruptamente quando Rebecca se levantou rapidamente, mandando-o calar levando um dedo aos lábios. Agarrou o irmão aturdido pelo braço e arrastou-o à força para a cozinha.

— O que é que se passa? — perguntou Will, num murmúrio indignado.

Era tudo realmente muito estranho. Rebecca, o modelo original da Menina Perfeita, estava a escutar à porta, a ouvir os pais, coisa que ele nunca teria esperado dela.

Mas havia algo ainda mais espantoso do que isto: a própria porta da sala de estar. Estava fechada. Will voltou a cabeça para tornar a olhar para ela, sem querer acreditar nos seus olhos.

— Desde que me lembro, aquela porta sempre teve um calço para nunca se fechar — disse ele. — Tu sabes como ela odeia…

— Estão a discutir — disse Rebecca gravemente.

— Estão o quê? Sobre quê?

— Não sei bem. A primeira coisa que ouvi foi a Mamã a gritar-lhe para fechar a porta e estava precisamente a tentar ouvir mais quando entraste por aí adentro.

— Deves ter ouvido qualquer coisa.

— Bem, — disse ela devagarinho, — ela estava a gritar que ele era um raio de um falhado… e que devia deixar de perder tempo com disparates sem pés nem cabeça.

— E que mais?

— Não consegui ouvir o resto, mas estavam os dois muito zangados. Estavam assim a modos que a rosnarem um contra o outro. Deve ser muito importante — ela nem está a ver os Neighbours!

Will abriu o frigorífico e inspeccionou um iogurte indolentemente, antes de o voltar a guardar lá dentro.

— Então sobre o que é que poderá ser? Não me lembro de alguma vez terem feito uma coisa destas.

Naquele preciso momento, a porta da sala abriu-se de repelão, fazendo com que Will e Rebecca dessem um salto, e o Dr. Burrows saiu disparado, a cara vermelha e os olhos a relampejar enquanto se dirigia como uma seta para a porta da cave em frente. Lutando com a chave e resmungando incompreensivelmente por entre dentes, abriu-a e depois fechou-a com um estrondo atrás de si.

Will e Rebecca ainda estavam a espreitar pelo canto da porta da cozinha quando ouviram Mrs. Burrows aos berros.

— NÃO PRESTAS PARA NADA, FÓSSIL DE UM RAIO! PODES FICAR AÍ EM BAIXO ATÉ APODRECERES QUE NÃO ME RALO, RELÍQUIA VELHA E ESTÚPIDA! — gritou, a plenos pulmões, enquanto fechava a porta da sala com um estrondo portentoso.

— Isto não dever fazer muito bem à pintura das paredes — comentou Will distantemente.

Rebecca estava tão concentrada no que se estava a passar que pareceu não ter ouvido o irmão.

— Meu Deus, isto é tão chato, gaita! Precisava tanto de falar com ele sobre o que descobrimos hoje — resmungou ele.

Desta vez, ela ouviu-o.

— Podes esquecer isso! O meu conselho é que te mantenhas longe até as coisas acalmarem. — Espetou o queixo, cheia de importância. — Se alguma vez acalmarem. Bem, a comida está pronta. Serve-te. De facto, podes comer tudo… não me parece que alguém vá ter vontade de comer.

Sem dizer mais nada, Rebecca deu meia volta e saiu da cozinha. Will moveu os olhos da porta vazia para o forno e encolheu os ombros.

Devorou duas das refeições que estavam no forno e metade da outra e depois subiu as escadas no estranho silêncio da casa. Nem sequer se ouviam as subidas habituais do som da televisão na sala enquanto limpava meticulosamente a pá com um pano até a deixar a brilhar e a fazer reflexos ondulados no tecto por cima dele. Depois baixou-se para a pousar com todo o cuidado no chão, apagou a luz do candeeiro na mesa-de-cabeceira e enfiou-se debaixo do edredão.