Capítulo Trinta e Oito

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–Por favor! — choramingou Chester dentro do capuz peganhento que se lhe agarrava à cara e ao pescoço com o suor frio. Depois de o terem arrastado da cela, ao longo do corredor, até à entrada da estação da Polícia, tinham-lhe enfiado um saco de serapilheira na cabeça e tinham-lhe atado os punhos. Depois tinham-no deixado ali, envolto numa escuridão sufocante, que abafava os sons vindos de todo o lado.

— Por favor! — gritou Chester, desesperado.

— Cala-te, ouviste? — vociferou uma voz rouca a apenas uns centímetros do seu ouvido.

— O que é que se passa? — implorou Chester.

— Vais fazer uma viagenzinha, meu filho, uma viagenzinha — disse a mesma voz.

— Mas eu não fiz nada! Por favor!

Ouvia botas a ranger contra um chão de pedra enquanto era empurrado por trás. Tropeçou e caiu de joelhos, incapaz de voltar a levantar-se por ter as mãos atadas atrás das costas.

— Levanta-te!

Foi içado até se pôr de pé e ficou a oscilar, com as pernas como gelatina. Sabia que este momento havia de surgir, que os seus dias estavam contados, mas não tinha maneira de saber como seria quando na realidade chegasse. Ninguém falava com ele no calabouço, não que ele fizesse muito esforço para perguntar, com pavor de provocar qualquer outra punição do Segundo Oficial e dos guardas seus colegas.

Por isso, Chester tinha vivido como um condenado que só podia especular sobre a forma como iria ser a sua morte. Tinha-se agarrado a todos os segundos preciosos que lhe restavam, tentando não os deixar fugir, e morrendo um pouco por dentro à medida que, um após outro, eles passavam. Agora a única coisa da qual podia retirar consolo era saber que tinha uma viagem de comboio à sua frente — portanto, pelo menos, restava-lhe algum tempo. Mas depois? Como seriam as Profundezas? O que lhe aconteceria lá?

— Mexe-te!

Deu uns passos trôpegos, sem saber onde punha os pés e incapaz de ver o que quer que fosse. Chocou contra uma coisa dura, e o som à sua volta pareceu mudar. Ecos. Gritos, mas ao longe, de um espaço mais vasto.

Subitamente, chegou-lhe o alarido de muitas vozes.

Oh, não!

Sabia, sem sombra de dúvida, exactamente onde estava — estava à porta da esquadra da Polícia. E o que estava a ouvir era a algazarra de uma grande multidão. Se estava assustado antes, agora ainda era pior. Uma multidão. A zombaria e os apupos tornaram-se mais fortes, e ele sentiu-se a ser erguido por baixo dos braços e a ser levado. Estava na rua principal; sentia a superfície irregular das pedras da calçada quando o deixavam tocar com os pés no chão.

— Eu não fiz nada! Quero ir para casa!

Estava a ofegar intensamente, tentando respirar através do tecido áspero do capuz. Ensopado em saliva e lágrimas, este era sugado para dentro da boca de cada vez que ele inspirava.

— Ajudem-me! Alguém me ajude! — A sua voz era tão angustiada e distorcida que lhe parecia quase irreconhecível.

Contudo, os gritos enlouquecidos continuavam a vir de todos os lados.

— LIXO DA SUPERFÍCIE!

— ENFORQUEM-NO!

Formou-se um grito repetido com muitas vozes. Ouvia-se incessantemente:

— LIXO! LIXO! LIXO!

Estavam a gritar-lhe — estavam tantas pessoas a gritar-lhe! O estômago revolvia-se-lhe ao ter consciência desta dura realidade. Não via as pessoas e isso ainda tornava tudo pior. Estava tão aterrorizado que pensou que ia vomitar.

— LIXO! LIXO! LIXO!

— Por favor… por favor, parem… ajudem-me! Por favor… por favor, ajudem-me… por favor. — Estava a respirar muito depressa e a chorar ao mesmo tempo, não conseguia evitá-lo.

— LIXO! LIXO! LIXO!

Vou morrer! Vou morrer! Vou morrer!

Este pensamento pulsava-lhe na cabeça em contraponto com a cantilena repetida da multidão. Estavam agora muito perto dele — suficientemente perto para ele sentir o seu fedor colectivo e a exalação fétida do seu ódio colectivo.

— LIXO! LIXO! LIXO!

Sentiu-se como se estivesse no fundo de um poço, com um turbilhão de ruídos e gritos e risos cruéis a girar à sua volta. Não aguentava mais. Tinha de fazer qualquer coisa. Tinha de fugir!

Com um terror cego, tentou libertar-se, debatendo-se e contorcendo o corpo, sacudindo-se para se livrar dos seus captores. Mas aquelas mãos enormes apenas o agarraram ainda mais selvaticamente e os gritos e risos daquela gentalha atingiram o rubro com este novo espectáculo. Exausto e compreendendo que era em vão, gemeu:

— Não… não… não… não…

Uma voz doentia, funda, soou tão próximo que sentiu os lábios de quem falava roçarem-lhe na orelha.

— Vamos lá, Chester, controla-te! Não queres desiludir todas estas senhoras e cavalheiros, pois não?

Chester percebeu que era o Segundo Oficial. Devia ter estado a saborear cada segundo.

— Deixa-os olhar para ti! — disse outra pessoa. — Deixa que te vejam como és!

Chester ficou paralisado… desolado. Não posso acreditar nisto. Não posso acreditar nisto.

Por momentos, era como se toda a galhofa e todas as cantilenas e todos os apupos tivessem parado. Como se ele estivesse no olho do furacão, como se o próprio tempo tivesse parado. Então, umas mãos agarraram-lhe os tornozelos e as pernas, guiando-os para um degrau qualquer.

E agora? Foi erguido para um banco e empurrado com força contra as suas costas, ficando sentado.

— Levem-no embora! — berrou alguém. A multidão rejubilava e ouviam-se uivos entusiásticos e silvos agudos.

O que quer que fosse onde o tinham colocado lançou-se para a frente. Pensou ouvir o ruído de cascos de cavalos. Uma carruagem? Sim, uma carruagem!

— Não me obriguem a ir! Não é justo! — implorou-lhes.

Começou numa algaraviada, dizendo palavras sem sentido.

— Vais ter exactamente o que mereces, meu rapaz! — disse uma voz à sua direita, num tom quase confidencial. Era outra vez o Segundo Oficial.

— E ainda é bom demais para ti — disse outra, que ele não reconheceu, do lado esquerdo.

Chester estava agora a tremer descontroladamente.

É agora! Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! É o fim!

Pensou na casa dele e as recordações de tantas manhãs de domingo passadas a ver televisão explodiram-lhe na cabeça. Momentos felizes e tão carinhosos de normalidade com a mãe na cozinha a fazer o pequeno-almoço, o cheiro da comida no ar, e o pai a chamar do primeiro andar para saber se já estava tudo pronto. Era como se estivesse a recordar uma outra vida, a vida de outra pessoa, de outra época, de outro país.

Nunca mais os vou tornar a ver. Foram-se… desapareceu tudo… acabado… para sempre!

A cabeça descaiu-lhe para o peito. Ficou sem forças quando a compreensão gelada de que estava tudo acabado se espalhou por todo o corpo.

Estou ARRUMADO.

Da sola dos pés até ao cimo da cabeça, estava cheio de um desespero esmagador. Como se tivesse ficado paralisado, a respiração abandonou-lhe lentamente os lábios, empurrando com ela um som animal involuntário, meio ganido, meio gemido. Um horrível som, carregado de pavor, de resignação, de abandono.

Durante o que pareceu uma eternidade, não respirou, a boca a abrir e a fechar, a abrir e a fechar, como a de um peixe fora de água. Os pulmões vazios ardiam com a falta de ar até que, finalmente, o corpo deu uma sacudidela. Inspirou uma golfada dolorosa através do tecido grosseiro do capuz. Forçando-se a levantar a cabeça, soltou um último grito de desespero total.

WWWWWWIIIIIILLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL!

Will ficou surpreendido quando descobriu que tinha adormecido outra vez. Acordou, desorientado e sem fazer ideia de quanto tempo tinha estado de facto a dormir, com uma vibração abafada e distante. Não conseguia perceber o que era e, de qualquer das maneiras, a realidade fria e dura da decisão que tomara de ir para as Profundezas voltou a dominá-lo. Tinha a sensação de ter acordado de um pesadelo.

Viu Imago agachado ao lado do poço, com a cabeça inclinada na direcção do barulho, à escuta. Depois todos eles ouviram claramente; o trovejar distante foi-se tornando mais alto a cada segundo que passava até que começou a reverberar à volta da câmara. Seguindo as indicações de Imago, Will e Cal aproximaram-se da abertura no chão e prepararam-se. Enquanto os dois se sentavam com as pernas penduradas da borda, Imago, ao lado deles, enfiava a cabeça e os ombros o mais longe que conseguia dentro do poço.

— Abranda quando faz a curva — ouviram-no gritar, e o barulho tornou-se cada vez mais intenso até que toda a câmara estava a vibrar à volta deles.

— Aqui vem ele. Na hora exacta!

Puxou-se para fora, ainda a observar a linha enquanto se ajoelhava ao lado dos rapazes.

— Têm a certeza de que é isto que querem? — perguntou-lhes.

Os rapazes olharam um para o outro e assentiram com a cabeça.

— Temos a certeza — disse Will. — Mas e o Chester...?

— Já te disse, não te preocupes com ele — disse Imago, com um sorriso indiferente.

Agora a câmara estava a tremer com o barulho do comboio que se aproximava, como se mil tambores estivessem a rufar-lhes dentro das cabeças.

— Façam exactamente como lhes disse, isto tem de ser exactamente cronometrado, por isso quando eu disser para saltarem, vocês saltam! — disse-lhes Imago.

A câmara encheu-se com o cheiro acre do enxofre. Então, quando o rugido da máquina atingiu um crescendo, um jacto de fuligem saltou pela abertura como um géiser preto. Apanhou Imago em cheio na cara, enchendo-o de fuligem e fazendo-o encolher-se. Começaram todos a tossir quando o fumo espesso e pungente inundou o caldeirão e os envolveu.

— PREPARADOS… PREPARADOS… — gritou Imago, atirando as mochilas para dentro do buraco. — CAL, SALTA!

Cal hesitou uma fracção de segundo e Imago empurrou-o de repente. Caiu para dentro do poço, soltando um grito surpreendido.

— WILL, SALTA! — voltou Imago a gritar, e Will atirou-se da borda.

As paredes passaram num relâmpago e de repente estava fora do poço e a cair para um vórtice de barulho, fumo e escuridão, batendo os braços e as pernas no ar. Ficou sem fôlego quando aterrou com um rangido dissonante e uma luz branca explodiu à volta dele, uma luz que não conseguia sequer compreender. Pontos de iluminação pareciam estar a saltar por cima dele como estrelas errantes e, por um curto instante, perguntou-se se teria morrido.

Deixou-se ficar deitado, muito quieto, a ouvir a batida de percussão da máquina algures mais à frente e o ritmo sacudido das rodas à medida que o comboio ia ganhando velocidade. Sentiu o vento na cara e ficou a observar os compridos farrapos de fumo a passar por cima dele. Não, isto não era nenhum céu industrial, ele estava vivo!

Resolveu não se mexer durante um bocado enquanto se inspeccionava mentalmente, assegurando-se de que não tinha nenhuns ossos partidos a acrescentar à lista já bem recheada de ferimentos. Inacreditavelmente, para além de uns quantos arranhões, parecia estar tudo em ordem e a funcionar.

Ficou ali deitado. Se aquilo não era a morte, não conseguia compreender a luz intensa que continuava a ver à sua volta, como uma aurora em miniatura. Endireitou-se, apoiado num cotovelo.

Inúmeras esferas de luz, do tamanho de berlindes enormes, rolavam pelo chão arenoso do vagão, chocando desordenadamente umas com as outras. Algumas ficavam presas nas ranhuras do chão e perdiam um pouco da intensidade quando chocavam contra as outras até se soltarem e tornarem a correr em todas as direcções, voltando a refulgir intensamente.

Depois olhou para trás de si e descobriu os restos do caixote e da palha de protecção. Tudo se tornou claro. A queda dele tinha sido amortecida por uma caixa de esferas de luz, que se tinha esborrachado quando lhe caíra em cima. Agradecendo a sua boa sorte, teve vontade de soltar uns vivas de alegria mas, em vez disso, apanhou várias mãos cheias de esferas e encheu os bolsos com elas.

Levantou-se, equilibrando-se contra a oscilação do comboio. Embora o cheiro nauseabundo o rodeasse como uma nuvem espessa, as esferas soltas iluminavam o vagão com uma tal intensidade que conseguia ver todos os detalhes. Era enorme. Devia ter uns 30 metros de comprimento e metade disso de largura, muito maior e muito mais substancial do que qualquer outro comboio que já vira na Superfície. Era feito de placas de ferro que lembravam lajes, grosseiramente soldadas umas às outras, os painéis laterais estavam muito amolgados e cheios de ferrugem e as partes superiores gastas e curvadas para dentro, como se o vagão já tivesse eternidades de uso.

Baixou-se e, com os joelhos a raspar na terra do chão e os movimentos do comboio a atirá-lo de um lado para o outro, começou à procura de Cal. Encontrou vários outros caixotes feitos da mesma madeira frágil daquele onde aterrara e, depois, mais perto da parte da frente do vagão, viu a bota de Cal apoiada noutra fileira de caixotes.

— Cal! Cal! — gritou, gatinhando a toda a velocidade na direcção dele.

No meio de uma grande quantidade de estilhaços de madeira, o irmão estava deitado muito quieto, demasiado quieto. O casaco estava salpicado de qualquer coisa escura e Will conseguiu ver que havia qualquer coisa errada com a cara dele.

Receando o pior, Will gritou ainda mais alto. Não querendo chocar com Cal não se desse o caso de ele estar gravemente ferido, trepou rapidamente por cima dos caixotes ao lado dele. Cheio de medo do que iria ver, ergueu uma esfera de luz na direcção da cabeça de Cal. Não tinha bom aspecto. A cara e o cabelo estavam cobertos de uma polpa vermelha.

Will estendeu a mão, receosamente, e estava a tocar na papa vermelha e aguada na cara do irmão quando reparou nas formas verdes espalhadas à roda dele. E havia pevides coladas na testa do irmão. Will tirou a mão e levou os dedos à boca. Era melancia! Ao lado de Cal estava outro caixote partido. Quando Will o empurrou para o lado para ganhar espaço, saltaram lá de dentro tangerinas, peras e maçãs. Era evidente que o irmão tinha tido uma queda suave ao cair em cima de caixotes de fruta.

— Graças a Deus! — disse Will, enquanto sacudia suavemente os ombros do irmão, tentando acordá-lo.

Mas a cabeça rolava de um lado para o outro sem dar acordo. Sem saber que outra coisa fazer, Will agarrou no punho do irmão para verificar a pulsação.

— Larga-me, se fazes favor!

Cal arrancou o braço da mão do irmão e abriu os olhos devagarinho, gemendo com pena de si próprio.

— Dói-me a cabeça — queixou-se, esfregando a testa suavemente. Levantou o outro braço e olhou espantado para a banana que tinha na mão. Depois sentiu o cheiro fragrante da fruta que o rodeava e olhou para o irmão sem perceber.

— O que é que aconteceu? — gritou ele, por cima do barulho do comboio.

— Meu grande sacana, caíste no restaurante do comboio! — exclamou Will, a rir.

— Hum?

— Não interessa. Tenta sentar-te — sugeriu Will.

— É só um minuto.

Cal estava zonzo, mas fora isso parecia não estar magoado, exceptuando uns quantos cortes, umas nódoas negras e uma camada generosa de sumo de melancia, por isso, Will voltou a rastejar por cima dos caixotes para investigar. Sabia que deviam ir buscar as mochilas aos vagões à frente, mas não havia pressa. Imago tinha-lhes dito que ia ser uma viagem longa e, de qualquer das maneiras, a curiosidade estava a dominá-lo.

— Vou… — gritou para Cal.

— O quê? — perguntou Cal, levando a mão em concha à orelha.

— Explorar! — disse Will, exemplificando com a mão.

— Está bem! — gritou-lhe Cal.

Will atravessou de gatas o mar louco das esferas de luz nas traseiras do vagão e levantou-se agarrado ao painel do fundo. Espreitou para as juntas entre os vagões e para o brilho hipnótico dos carris polidos por baixo delas. Depois olhou para o vagão seguinte, apenas a um metro de distância e, sem parar para pensar, içou-se para a borda. Com o movimento do comboio não era fácil, mas conseguiu esticar-se e ficar com um pé em cada um dos painéis traseiros, e depois não teve outra opção a não ser saltar. Caiu para dentro do vagão e rebolou descontroladamente pelo chão até chocar com uma pilha de sacas de lona. Não havia nada digno de nota ali, excepto uns caixotes mais à frente, por isso rastejou até ao fim do vagão e voltou a pôr-se de pé. Tentou ver o fim do comboio, mas a mistura de fumo e a escuridão faziam com que fosse impossível.

— Quantos serão? — gritou Will para si próprio enquanto trepava pela parede do fundo. À medida que foi repetindo o processo ao longo dos sucessivos vagões, foi apanhando o jeito e descobriu que conseguia saltar e equilibrar-se antes de começar a rebolar. Estava consumido por uma curiosidade ardente em descobrir o fim do comboio, mas ao mesmo tempo cauteloso com o que podia encontrar. Tinha sido avisado por Imago de que era mais do que provável que houvesse um Colono na carruagem dos guardas, por isso, tinha de ter cuidado. Tinha saltado do quarto vagão e estava a rastejar por cima de um oleado solto quando qualquer coisa se mexeu ao lado dele.

— Que raio…?

Aterrorizado com a ideia de ter sido apanhado, Will deu um pontapé com toda a força nas sombras. Desequilibrado, o pontapé não foi tão eficaz como esperara, mas não havia dúvida de que tinha acertado em qualquer coisa debaixo do oleado. Preparou-se para voltar a atacar.

— Deixem-me em paz! — lamuriou uma voz fraca, e o oleado voou para trás revelando uma figura acocorada no canto. Will levantou de imediato a esfera de luz.

— Hei! — guinchou a voz, tentando proteger a cara da luz.

Pestanejou para Will, manchas de lágrimas gravadas na película de porcaria e fuligem que lhe cobria as faces.

Houve uma pausa e um arquejo de reconhecimento, e a cara abriu-se no maior sorriso imaginável. Era uma cara cansada que tinha perdido muito das bochechas saudáveis, mas era inconfundível.

— Olá, Chester — disse Will, deixando-se cair ao lado do amigo.

— Will? — exclamou Chester sem querer acreditar no que estava a ver. Depois, voltou a gritar a plenos pulmões: — Will!

— Não pensaste que te ia deixar ir sozinho, pois não? — gritou-lhe Will em resposta.

Agora Will percebia qual tinha sido a ideia de Imago. Ele sabia que Chester ia ser banido, enviado para as Profundezas nesse mesmo comboio. O velho matreiro sabia muito bem.

Era impossível conversar com o barulho da máquina mais à frente, mas Will já estava contente só por estar outra vez com Chester. Will sorriu com o maior dos sorrisos, deleitando-se com a onda de alívio por saber que o amigo estava a salvo. Encostou-se à parede do vagão e fechou os olhos, cheio da mais intensa sensação de alegria por, finalmente, de todo o sofrimento da situação de pesadelo em que se tinha encontrado, algo de bom ter emergido, uma coisa ter resultado bem. Chester estava salvo! Isso significava tudo para ele.

E, para completar tudo aquilo, estava a ser levado para o pai, na maior aventura da sua vida, numa viagem para terras ainda por descobrir. Na sua mente, o Dr. Burrows era a única parte da sua vida antiga a que se podia agarrar. Will estava decidido a encontrá-lo onde quer que ele estivesse. E depois tudo voltaria a ficar bem. Iriam ficar todos bem: ele, Chester e Cal, todos juntos, com o pai dele. Esta ideia brilhava-lhe na cabeça como o farol mais brilhante de todos.

De repente, o futuro já não parecia tão assustador.

Will abriu os olhos e inclinou-se para o ouvido de Chester.

— Então amanhã não há escola — gritou.

Rebentaram os dois a rir descontroladamente, riso esse que foi abafado pelo comboio à medida que continuava a ganhar velocidade, levando-os para longe da Colónia, para longe de Highfield e para longe de tudo o que conheciam, acelerando para o coração da Terra.