Prefácio

 

 

Este livro conta a história do Terceiro Reich – o regime criado na Alemanha por Hitler e seus nacional-socialistas – desde a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1o de setembro de 1939 até seu fim na Europa em 8 de maio de 1945. Pode ser lido de modo avulso, como uma história da Alemanha durante a guerra. Mas é também o volume final de uma trilogia, iniciada com A chegada do Terceiro Reich, que aborda as origens do nazismo, o desenvolvimento de suas ideias e sua ascensão ao poder em 1933. O segundo volume da série, O Terceiro Reich no poder, cobre os anos de paz de 1933 a 1939, quando Hitler e os nazistas promoveram o poder militar na Alemanha e a prepararam para a guerra. A abordagem geral dos três volumes está exposta no Prefácio de A chegada do Terceiro Reich e não precisa ser repetida em detalhes aqui. Juntos, os volumes almejam proporcionar um relato abrangente da Alemanha sob os nazistas.

Tratar da história do Terceiro Reich durante a guerra leva a dois problemas especiais. O primeiro é relativamente pequeno. Depois de 1939, Hitler e os nazistas ficaram cada vez mais relutantes em se referir ao regime como “O Terceiro Reich”, preferindo chamá-lo de “O Grande Reich Alemão” (Grossdeutsches Reich), a fim de atrair a atenção para a tremenda expansão de suas fronteiras, ocorrida em 1939-40. Entretanto, em favor da unidade e da consistência, optei, como outros historiadores, por continuar a chamá-lo de “O Terceiro Reich”; afinal de contas, os nazistas decidiram abandonar esse termo discretamente, em vez de repudiá-lo abertamente. O segundo problema é mais grave. O foco central deste livro é a Alemanha e os alemães; não se trata de uma história da Segunda Guerra Mundial, nem mesmo da Segunda Guerra Mundial na Europa. Todavia, é claro que é necessário narrar o progresso da guerra e abordar a administração dos alemães nas regiões da Europa que conquistaram. Mesmo no âmbito de um livro extenso como este, não é possível prestar atenção igual a todas as fases e a cada aspecto da guerra. Optei, portanto, por focar os momentos decisivos – a conquista da Polônia e da França e a Batalha da Grã-Bretanha no primeiro ano da guerra, a Batalha de Moscou no inverno de 1941-42, a Batalha de Stalingrado no inverno de 1942-43 e o início do bombardeio estratégico contínuo das cidades alemãs em 1943. Ao fazer isso, tentei transmitir um pouco de como foi para os alemães participar nesses vastos conflitos, usando os diários e as cartas tanto de soldados quanto de civis. Os motivos para a escolha desses momentos decisivos específicos irão, espero eu, ficar claros para os leitores ao longo do livro.

No coração da história alemã durante a guerra está o assassinato em massa de milhões de judeus naquilo que os nazistas chamaram de “solução final da questão judaica na Europa”. Este livro oferece uma narrativa completa do desenvolvimento e da implementação dessa política de genocídio, ao mesmo tempo que também a coloca no contexto mais amplo das políticas raciais nazistas em relação aos eslavos e a minorias como ciganos, homossexuais, delinquentes e “antissociais”. Tentei combinar o testemunho de alguns dos que foram afetados – tanto os que sobreviveram quanto os que não – com o de alguns dos homens que a colocaram em prática, inclusive os comandantes dos maiores campos de morte. A deportação e o assassinato de judeus de países da Europa ocidental são tratados no capítulo que aborda o império nazista, ao passo que a reação dos alemães comuns que ficaram na Alemanha e até que ponto sabiam do genocídio são cobertas em um capítulo posterior sobre o front doméstico. O fato de o assassinato em massa dos judeus ser discutido em quase todas as partes deste livro, desde a narrativa sobre a fundação dos guetos na Polônia, no capítulo de abertura, até a cobertura sobre as “marchas da morte” de 1945, no último capítulo, reflete sua centralidade em muitíssimos aspectos da história do Terceiro Reich na guerra. Para onde quer que se olhe, até mesmo, por exemplo, na história da música e da literatura, tratada no Capítulo 6, essa é uma parte inescapável da história. Contudo, é importante reiterar que este livro é uma história da Alemanha nazista em todos os seus aspectos; não é em primeiro lugar uma história do extermínio dos judeus, assim como não é uma história da Segunda Guerra Mundial, embora ambas desempenhem um papel essencial.

O livro se inicia onde O Terceiro Reich no poder acaba: na invasão da Polônia em 1o de setembro de 1939. O Capítulo 1 discute a ocupação alemã da Polônia e em particular os maus-tratos, a exploração e o assassinato de milhares de poloneses e judeus poloneses dali em diante até as vésperas da invasão da União Soviética em junho de 1941. Para os nazistas, e de fato para muitos alemães, os poloneses e os “judeus orientais” eram menos que humanos, e essa atitude aplicava-se também, ainda que com diferenças significativas, aos doentes mentais e deficientes da própria Alemanha, cujo assassinato em massa ao longo da ação de “eutanásia” ordenada da Chancelaria de Hitler em Berlim compõe o tema da última parte do capítulo. O segundo capítulo é amplamente dedicado ao progresso da guerra, desde a conquista da Europa ocidental em 1940 até a campanha russa de 1941. Essa campanha compõe o pano de fundo essencial dos eventos narrados no Capítulo 3, que trata da deflagração e da implementação do que os nazistas chamaram de “solução final da questão judaica na Europa”. O Capítulo 4 volta-se para a economia de guerra e analisa como o Terceiro Reich governou os países que ocupou na Europa, recrutando milhões de trabalhadores forçados para suas fábricas de armamentos e prosseguindo com a detenção, deportação e assassinato de judeus que viviam nas fronteiras do império nazista. Império esse que começou a desmoronar com a importante derrota alemã na Batalha de Stalingrado no início de 1943, que é narrada na última parte do capítulo. No mesmo ano, a derrota foi seguida de reveses em muitas esferas da guerra, desde a devastação de municípios e cidades alemãs pela ofensiva aliada de bombardeio estratégico até a derrota dos exércitos de Rommel na África do Norte e o colapso do principal aliado europeu do Terceiro Reich, o Estado fascista da Itália de Mussolini. Esses eventos compõem o foco principal do Capítulo 5, que prossegue examinando o modo como eles afetaram as Forças Armadas e o impacto que tiveram sobre a condução da guerra em casa. O Capítulo 6 é amplamente dedicado ao front doméstico e observa como a vida religiosa, social, cultural e científica interagiu com a guerra. No fim dele, um relato sobre o surgimento da resistência ao nazismo, em especial dentro do próprio Terceiro Reich. O Capítulo 7 começa com um relato sobre as “armas maravilhosas” que Hitler prometeu para reverter o colapso militar da Alemanha e, em seguida, conta a história de como o Reich foi enfim derrotado e examina brevemente o que aconteceu depois. Cada capítulo entrelaça aspectos temáticos com uma narrativa contínua dos acontecimentos militares, de modo que o Capítulo 1 trata da ação militar de 1939, o Capítulo 2 cobre 1940 e 1941, o Capítulo 3 discute acontecimentos militares pós 1941, o Capítulo 4 avança com a história através de 1942, o Capítulo 5 narra a guerra na terra, no ar e no mar em 1943, o Capítulo 6 leva a narrativa para 1944 e o capítulo final oferece um relato dos últimos meses da guerra, de janeiro a maio de 1945.

Este livro foi escrito para ser lido do início ao fim, como uma narrativa única, ainda que complexa, intercalada com descrições e análises; à medida que a narrativa avançar, espero que fiquem claras para os leitores as formas como as diferentes partes da história interagem umas com as outras. Os títulos dos capítulos e os intertítulos pretendem provocar reflexão sobre o conteúdo, mais do que fornecer descrições precisas sobre o que cada capítulo contém; em alguns casos, são intencionalmente ambíguos ou irônicos. A bibliografia lista obras citadas nas notas; não pretende ser um guia abrangente da vasta literatura sobre os tópicos tratados no livro.

Boa parte deste livro lida com países da Europa central e oriental nos quais municípios e cidades têm uma variedade de nomes e grafias em diferentes idiomas. A cidade polonesa de Lvov, por exemplo, é grafada L’vov em russo e L’viv em ucraniano, ao passo que os alemães chamam-na de algo completamente diferente, isto é, Lemberg; há variações semelhantes na grafia de Kaunas em lituano e Kovno em polonês, Theresienstadt em alemão e Terezín em tcheco, ou Reval em alemão e Tallinn em estoniano. As autoridades nazistas também renomearam Lódźź como Litzmannstadt, em uma tentativa de obliterar todos os aspectos de sua identidade polonesa de uma vez por todas, e usaram nomes alemães para uma série de outras cidades, como Kulmhof para Chelmno, ou Auschwitz para Oswiecim. Nessa situação, é impossível ser consistente, e optei por usar o nome corrente na época sobre a qual escrevi, ou em certas ocasiões simplesmente o nome com que os leitores estão mais familiarizados, alertando-os, todavia, para a existência de alternativas. Também simplifiquei o uso de acentos e diacríticos em nomes de locais e nomes próprios – abandonando o caractere polonês Ł, por exemplo – para remover o que, na minha opinião, são distrações para o leitor.

Na preparação dessta obra, desfrutei do enorme benefício do acesso às soberbas coleções da Biblioteca da Universidade de Cambridge, bem como da Biblioteca Wiener e do Instituto Histórico Alemão de Londres. A Universidade de Melbourne gentilmente designou-me para uma bolsa de estudos Miegunyah de visitante ilustre em 2007, e tive oportunidade de usar a excelente coleção de pesquisa sobre história moderna alemã comprada para a Biblioteca da Universidade com a doação testamentária do finado e muito saudoso John Foster. O Staatsarchiv der Freien- und Hansestadt Hamburg e o Forschungsstelle für Zeitgeschichte de Hamburgo gentilmente permitiram a consulta dos diários não publicados de Luise Solmitz. O encorajamento de muitos leitores, em especial dos Estados Unidos, foi crucial para me incitar a completar o livro, embora tenha demorado mais do que eu originalmente pretendia. O conselho e o apoio de muitos amigos e colegas foram imprescidíveis. Meu agente, Andrew Wylie, e meu editor na Penguin, Simon Winder, e suas equipes foram imensamente prestativos. Chris Clark, Christian Goeschel, Victoria Harris, Sir Ian Kershaw, Richard Overy, Kristin Semmens, Astrid Swenson, Hester Vaizey e Nikolaus Wachsmann leram os primeiros rascunhos e deram muitas sugestões proveitosas. Victoria Harris, Stefan Ihrig, Alois Maderspacher, David Motadel, Tom Neuhaus e Hester Vaizey conferiram as notas e me salvaram de muitos erros. András Bereznáy forneceu mapas que são um modelo de clareza e precisão; trabalhar neles foi extremamente instrutivo. A perícia de David Watson em edição de texto foi inestimável, e foi um prazer trabalhar com Cecilia Mackay nas imagens. Christine L. Corton aplicou seu olhar treinado nas provas e concedeu apoio essencial em formas demais para que se mencione todas. Também agradeço muito à Dra. Isabel DiVianna por sua gentil leitura da tradução e pela sugestão das inúmeras melhorias. Nossos filhos, Matthew e Nicholas, a quem este volume final, como os dois anteriores, é dedicado, animaram-me em inúmeras ocasiões durante a redação de um livro cujo tema às vezes era chocante e deprimente para quase além do concebível. Sou profundamente grato a todos.

 

Richard J. Evans

Cambridge, maio de 2008