Operação Barba Ruiva
I
À medida que os preparativos para a invasão intensificavam-se em Berlim, o vice-oficial de Hitler, Rudolf Hess, ficava cada vez mais preocupado com a perspectiva de uma guerra em duas frentes, uma guerra para a qual precedentes históricos agourentos, sobretudo de 1914-18, estavam sempre presentes na mente das lideranças nazistas. Submisso na devoção a Hitler, Hess estava convencido, não sem motivo, de que o principal objetivo do líder nazista no oeste desde a conquista da França havia sido trazer os britânicos para a mesa de negociação. Ao longo dos últimos anos, Hess, que nunca foi a mais sagaz das mentes nazistas, havia perdido influência em ritmo constante; seu acesso a Hitler fora seriamente reduzido desde a eclosão da guerra em setembro de 1939, e os consideráveis poderes de seu gabinete haviam sido paulatinamente assumidos por seu ambicioso vice, Martin Bormann. Hess não se envolveu no planejamento da Operação Barba Ruiva e de fato nunca desempenhou nenhum papel na política externa. Todavia, considerava-se muito qualificado para fazê-lo. O professor de Hess, o teórico geopolítico Karl Haushofer, instilara nele uma crença de que o destino da Grã-Bretanha era juntar-se à luta mundial contra o bolchevismo ao lado da Alemanha. Na mente ressentida e estonteada do vice-líder, um plano audacioso tomou forma. Ele voaria para a Grã-Bretanha para negociar a paz. Fechar um acordo o recolocaria nas boas graças de Hitler e garantiria a retaguarda da Alemanha no ataque próximo à União Soviética. A despeito das ordens explícitas de Hitler em contrário, Hess havia continuado a aprimorar suas habilidades de voo em segredo. Ele tinha um Messerschmitt Me110 especialmente preparado para seu uso e obteve mapas e cartas meteorológicas da Alemanha, do mar do Norte e do norte da Grã-Bretanha. Às seis da manhã de 10 de maio de 1941, vestiu um traje de voo com forro de pele, partiu do campo de aviação da fábrica da Messerschmitt em Augsburg e rumou para o noroeste, na direção das Ilhas Britânicas1.
Cinco horas depois, Hess saltou de paraquedas perto de Glasgow, deixando o avião seguir sem piloto até pegar fogo e colidir. Ele aterrissou, de modo meio desajeitado, em um campo. Abordado por um peão de fazenda local, disse que seu nome era Alfred Horn e que tinha uma mensagem para o duque de Hamilton, cuja casa ficava nas vizinhanças. O aristocrata fora membro da Sociedade Anglo-Alemã antes da guerra, e Albrecht, filho de Haushofer, dissera a Hess que ele seria um interlocutor importante para as propostas de paz. O conselho mostrou tanto a ignorância de Haushofer quanto a credulidade de Hess. De fato, Hamilton não era uma figura particularmente significativa na política britânica. Àquela altura um comandante de esquadrilhas da Real Força Aérea, era extremamente improvável que agisse como um canal voluntário para propostas de paz alemãs. Chamado em decorrência do pedido de Hess, Hamilton chegou à cabana da guarda local para onde Hess fora levado e logo ficou convencido de que estava frente a frente com o vice-líder do Partido Nazista. Depois do estresse do ousado voo, a confusão mental de Hess era tamanha que ele não fez nenhuma tentativa real de discutir uma paz em separado com o duque, e na verdade não conseguiu pensar em nada mais do que repetir a vaga “oferta de paz” feita por Hitler em julho passado. O diplomata Ivone Kirkpatrick, que havia servido na embaixada de Berlim de 1933 a 1938 e falava um alemão fluente, foi mandado à Escócia para interrogar Hess e conseguiu extrair um pouco mais de informações. Hess, disse ele no relatório, “veio para cá sem conhecimento de Hitler a fim de convencer as pessoas responsáveis de que, tendo em vista que a Inglaterra não pode vencer a guerra, o rumo mais sábio seria fazer a paz agora”. Hess conhecia Hitler melhor que a maioria e podia garantir a Kirkpatrick que o líder alemão não tinha planos para o império britânico. Era uma conversa fraca. “Hess”, concluiu Kirkpatrick, “não parece [...] fazer parte dos conselhos mais fechados do governo alemão no que tange a operações2.” Hess foi mantido prisioneiro pelo resto da guerra em vários locais, inclusive na Torre de Londres. Sua missão “autoimposta” foi completamente inútil. Não refletiu nada além de sua própria confusão mental e falta de realismo3.
O próprio Hitler nada sabia do voo de Hess até que um dos assessores do vice-líder, Karl-Heinz Pintsch, chegou ao Berghof por volta do meio-dia de 11 de maio de 1941 para entregar uma carta na qual Hess contava sobre suas intenções ao líder nazista e informava que estaria na Inglaterra quando ele a lesse. Se Hitler desaprovasse sua iniciativa, escreveu Hess, podia simplesmente tachá-lo de doido. Ainda não haviam vazado informações dos britânicos. Consternado, Hitler convocou Bormann imediatamente e disse a Göring por telefone para vir já de seu castelo nas proximidades de Nuremberg. “Aconteceu uma coisa medonha”, disse ele4. Desesperadamente preocupado com que os britânicos dessem a notícia primeiro, o que sugeriria a Mussolini e aos outros aliados da Alemanha que ele estava tentando fazer a paz em separado com a Grã-Bretanha pelas costas deles, Hitler sancionou um anúncio de rádio transmitido às oito da noite de 11 de maio de 1941 adotando a sugestão de Hess e atribuindo o voo à insanidade mental e alucinação do vice-líder. O comunicado informou ao povo alemão que Hess havia voado na direção das Ilhas Britânicas, mas provavelmente havia caído em curso. Em 13 de maio de 1941, a BBC informou a chegada de Hess à Escócia e sua subsequente captura. Nesse ínterim, a conselho de Otto Dietrich, chefe de imprensa de Hitler, foi veiculado um segundo anúncio pelas rádios alemãs sublinhando o estado delirante e a confusão mental de Hess. Goebbels, que chegou ao Berghof mais tarde naquele dia, achou que aquilo só aumentava o desastre. “No momento”, escreveu ele no diário, “a coisa toda ainda está realmente confusa.” “O Líder está completamente arrasado”, acrescentou. “Que espetáculo para o mundo: um homem mentalmente insano no cargo de vice do Líder5.”
Tão logo recebeu a notícia da deserção de Hess, Hitler aboliu o cargo de vice-líder e renomeou o gabinete de Hess de Chancelaria do Partido, a ser conduzido por Bormann como antes, mas agora sob a chefia formal da antiga eminência parda de Hess. Essa medida ampliou o poder de Bormann de forma considerável. Restava o problema de que rumo dar ao acontecimento. Hitler já havia convocado todos os líderes do Reich e líderes regionais do Partido ao Berghof. Em 13 de maio de 1941, Hitler repetiu a eles que Hess estava mentalmente enfermo. Em um apelo emocionado à sua lealdade, declarou que Hess o havia traído e enganado. No fim do discurso, segundo Hans Frank, que estava presente e dois dias depois contou para sua equipe no Governo Geral, “o Líder estava completamente destroçado, de uma forma que eu jamais havia visto6”. Conforme Goebbels imaginara, a ideia de que o vice estava mentalmente enfermo havia vários anos não lançou uma luz particularmente favorável sobre Hitler ou seu regime. Muitos membros do Partido de início recusaram-se a acreditar na notícia. “Depressão e incerteza” foram os sentimentos predominantes notados por detetives da vigilância nazista7. “Ninguém acredita que ele estivesse doente”, relatou um funcionário do distrito rural bávaro de Ebermannstadt8. Ninguém com quem o marechal de campo Fedor von Bock conversou sobre a “misteriosa história” tampouco acreditou na versão oficial9. “Por que o Líder não diz alguma coisa sobre o caso Hess?”, perguntou Annemarie Köhler, amiga de Victor Klemperer. “Ele realmente tem de dizer alguma coisa. Que desculpa vai dar – Hess estava doente há anos? Mas então não deveria ser o vice de Hitler10.” Lore Walb, na época estudando história na Universidade de Heidelberg, concordou. “Se ele realmente estava doente muito tempo antes (mentalmente enfermo de tempos em tempos?), então por que manteve seu cargo de liderança?”, perguntou ela11. A maior parte das pessoas parece ter sentido simpatia por Hitler devido à traição de seu vice12. Elas aliviaram a ansiedade, o pasmo e a desorientação contando piadas. “Então você é o doido?”, dizia Churchill em uma das piadas quando Hess chegava ao escritório do primeiro-ministro para uma entrevista. “Não”, respondia Hess, “apenas o vice dele.” “Notícia na imprensa britânica: ‘Hoje ficamos sabendo que Hess está de fato demente – ele quer voltar para a Alemanha’.” Foi relatado que os berlinenses diziam: “Que nosso governo é louco é algo que sabemos há bastante tempo, mas que eles admitam – isso é uma novidade!13”.
II
O tempo que foi forçado a gastar tratando do caso Hess – cerca de uma semana – foi uma distração inoportuna para Hitler. Na metade de maio de 1941, entretanto, o líder nazista estava voltando sua mente outra vez para os planos de criação do “espaço vital” na Europa oriental. Sua visão para o futuro daquela vasta área, estendendo-se pela Polônia, Ucrânia e Bielorríssia através de amplos trechos da Rússia europeia e até o Cáucaso, era articulada de forma mais incontida nos monólogos a que ele submetia seus acompanhantes de almoço e jantar. Do início de julho de 1941 em diante, os monólogos foram anotados – a mando de Bormann e com a concordância de Hitler – por um oficial do Partido, Heinrich Heim, sentado discretamente em um canto da sala (em alguns períodos ele foi substituído por outro oficial subalterno, Henry Picker). As anotações depois eram ditadas a um estenógrafo, então entregues a Bormann, que as corrigia e arquivava para a posteridade. Quando Hitler morresse, elas seriam publicadas, e seus sucessores no Reich de mil anos teriam condições de consultá-las em busca de orientação sobre o que seu grande líder havia pensado a respeito de toda uma gama de temas políticos e ideológicos14. A despeito da repetitividade tediosa, as anotações são de fato valiosas como um guia para o pensamento de Hitler em temas amplos e gerais de política e ideologia. Suas opiniões nesse nível mudaram pouco ao longo dos anos, de modo que o que ele estava dizendo no verão de 1941 dá uma boa ideia a respeito do que ele já devia estar pensando na primavera.
Em julho de 1941, Hitler distraiu-se pintando “castelos nas nuvens” para seus convidados sobre o tema do futuro da Europa oriental. Uma vez que a conquista estivesse completa, disse ele, os alemães anexariam vastas porções de território para sua sobrevivência e expansão racial. “A lei da seleção justifica essa luta incessante ao permitir a sobrevivência dos mais aptos15.” “É inconcebível que um povo superior deva existir penosamente em uma terra exígua demais para ele, enquanto massas amorfas, que com nada contribuem à civilização, ocupem trechos infinitos de uma terra que é uma das mais ricas do mundo16.” A Crimeia e o sul da Ucrânia se tornariam “uma colônia exclusivamente alemã”, disse ele. Os habitantes existentes seriam “postos para fora17”. Quanto ao resto do leste, um punhado de ingleses haviam controlado milhões de indianos, disse ele, e assim seria com os alemães na Rússia:
O colonizador alemão deve viver em fazendas bonitas, espaçosas. Os serviços alemães serão alojados em prédios maravilhosos, os governadores, em palácios [...] Em volta da cidade, em um raio de 30 a 40 quilômetros, deveremos ter um cinturão de lindas aldeias ligadas pelas melhores estradas. O que existir além disso será um outro mundo, no qual pretendemos deixar que os russos vivam como quiserem. É necessário apenas que mandemos neles. No caso de uma revolução, só teremos de jogar umas poucas bombas sobre suas cidades, e o caso estará liquidado18.
Seria construída uma densa rede de estradas, prosseguiu Hitler, “crivadas de cidades alemãs ao longo de toda a extensão”, e, em volta dessas cidades, “nossos colonos se instalarão”. Colonizadores de sangue alemão viriam de toda a Europa ocidental e até da América. Haveria 20 milhões deles na década de 1960, e deixariam as cidades russas “cair aos pedaços19”.
“Em cem anos”, declarou Hitler, “nossa língua será a língua da Europa.” Esse foi um dos motivos para ele substituir a letra gótica pela letra romana em toda correspondência e nas publicações oficiais no outono de 194020. Alguns meses depois, ele voltou às ideias para o leste alemão. Teriam de ser construídas novas ferrovias para garantir a “rápida comunicação” entre os grandes centros por todo o trajeto até Constantinopla:
Imagino trens diretos cobrindo longas distâncias a uma velocidade média de 200 quilômetros por hora, e nosso atual material circulante é, obviamente, inadequado para esse propósito. Serão necessários vagões maiores – provavelmente de dois andares, que darão aos passageiros do andar de cima a oportunidade de admirar a paisagem. Isso possivelmente acarretará a construção de uma via permanente de bitola bem mais larga que a usada hoje, e o número de linhas deve ser dobrado a fim de fazer frente a qualquer intensificação do tráfego [...] Isso em si nos permitirá realizar nossos planos de exploração dos territórios do leste21.
Ao novo sistema ferroviário se somaria uma rede igualmente ambiciosa de autoestradas de seis pistas. “De quanta importância será o trecho de mil quilômetros até a Crimeia”, disse ele, “quando pudermos cobri-lo a 80 quilômetros por hora pela autoestrada, fazendo toda a distância facilmente em dois dias!” Hitler imaginou um tempo em que seria possível ir “de Klagenfurt a Trondheim e de Hamburgo à Crimeia por uma Autoestrada do Reich22”.
Enquanto esse cenário estivesse em construção, a sociedade russa seria deixada bem para trás. “Em comparação com a Rússia”, ele declarou, “até a Polônia parecia um país civilizado23.” Os alemães não mostrariam “nenhum remorso” pelos habitantes nativos. “Não vamos bancar as babás de crianças; não temos absolutamente nenhuma obrigação no que se refere a essa gente.” Os russos não seriam supridos de instalações médicas ou educacionais; a vacinação e outras medidas preventivas não só seriam vetadas a eles, como deveriam ser persuadidos de que ela era positivamente perigosa para sua saúde24. Essas ideias implicavam que, no fim, a sociedade russa feneceria e desapareceria, junto com outras sociedades eslavas na Bielorrússia, na Ucrânia e na Polônia. Em um período de cem anos, a população eslava da Europa oriental teria sido substituída por “milhões de camponeses alemães” vivendo na terra25. O que isso significaria em termos mais concretos já estava claro no início de 1941. A meta da guerra contra a União Soviética, disse o chefe da SS, Heinrich Himmler, aos líderes da SS no Castelo de Wewelsburg em janeiro de 1941, era reduzir a população eslava em 30 milhões, um número mais tarde repetido por outros líderes nazistas, inclusive Hermann Göring, que disse ao ministro italiano de Relações Exteriores, Ciano, em 15 de novembro de 1941: “Nesse ano, 20-30 milhões de pessoas vão passar fome na Rússia26”. Os 30 milhões, não só de russos, mas também de outros habitantes da União Soviética em áreas controladas pelos alemães, deveriam pois morrer de fome quase imediatamente, e não a longo prazo. As cidades soviéticas, muitas delas criadas pela brutal industrialização forçada de Stálin na década de 1930, deixariam de existir pela fome, ao passo que praticamente toda a produção de comida das áreas conquistadas seria usada para alimentar os exércitos alemães invasores e manter os padrões nutricionais em casa, de modo que a desnutrição e a fome que (acreditava Hitler) haviam desempenhado um papel tão maléfico no colapso da frente doméstica alemã na Primeira Guerra Mundial não se repetissem na Segunda. Esse “plano de fome” foi desenvolvido sobretudo por Herbert Backe, o secretário de Estado do Ministério da Agricultura, nazista linha-dura que havia trabalhado por muitos anos com o ministro da Agricultura do Reich, Richard Walther Darré, o principal ideólogo nazista do campesinato, e que se dava bem em termos pessoais com Heydrich. Mas também foi combinado com o general Georg Thomas, o principal nome no setor dos contratos de armas na administração central das Forças Armadas. Ao se reunir com o general Thomas em 2 de maio de 1941, os secretários de Estado dos ministérios relevantes concordaram que as Forças Armadas teriam de viver dos recursos das terras conquistadas a leste e concluíram que, “sem dúvida, vários milhões de pessoas vão passar fome se o que é necessário para nós for tirado do país27”.
Essas ideias encontraram expressão concreta no chamado Plano Geral para o Leste, que Himmler encomendou do Gabinete do Comissário do Reich para o Fortalecimento da Raça Alemã em 21 de junho de 1941. A primeira versão do plano foi entregue a Himmler em 15 de julho de 1941 pelo professor Konrad Meyer, perito acadêmico do gabinete que se especializou em política de assentamento. Depois de bastante discussão e mais aprimoramento, o plano foi concluído em maio de 1942, aprovado por Hitler e formalmente adotado pelo Escritório Central de Segurança do Reich em julho de 1942. O Plano Geral para o Leste, agora a política oficial do Terceiro Reich, propôs remover de 80% a 85% da população polonesa, 64% da ucraniana e 75% da bielorrussa, expulsando-as mais para o leste ou deixando que perecessem de doenças e desnutrição. Assim, sem contar a população judaica dessas áreas, o plano divisava a extirpação forçada de pelo menos 31 milhões de pessoas de seu lar, no que sem dúvida seria um violento processo homicida de desapropriação; algumas estimativas, levando em conta aumentos projetados da população, situam o número em nada menos que 45 milhões. Não apenas os territórios poloneses incorporados à Alemanha, mas também o Governo Geral, Letônia e Estônia e de fato a maior parte da Europa centro-oriental seriam completamente alemães dentro de 20 anos. O espaço deixado vago pelos eslavos seria ocupado por 10 milhões de alemães. As fronteiras da Alemanha seriam estendidas em mil quilômetros a leste28.
Himmler e a SS apresentaram o plano como a retomada e a consumação do que viam como a missão civilizatória dos cavaleiros cruzados teutônicos da Idade Média. Mas seria uma missão atualizada e modernizada para se adequar às condições do século XX. Os novos colonos alemães, proclamou Meyer, não seriam tradicionalistas tacanhos, mas fazendeiros progressistas, equipados com o mais novo maquinário, dedicados a criar uma terra encantada da agricultura que manteria a nova e vastamente ampliada Alemanha bem alimentada e abastecida. Eles teriam fazendas bem parecidas com as dos fazendeiros hereditários do Reich na Alemanha29. Um terço deles seria composto por oficiais aposentados da SS, proporcionando um esteio ideológico e militar para o conjunto do empreendimento. Junto iriam trabalhadores das regiões camponesas superlotadas do sudoeste alemão, visto que a mão de obra nativa não estaria mais disponível. O plano também levou em conta a ideia de Hitler de cidades e centros industriais grandes e modernos ligados por meios de comunicação inovadores. A meta era uma população rural pouco maior que um terço do total nas novas regiões de assentamento alemão. Meyer situou o investimento total exigido para se executar o plano em nada menos que 40 bilhões de reichsmarks, soma que Himmler reajustou para 67 bilhões, equivalente a dois terços do Produto Interno Bruto da Alemanha em 1941, ou meio milhão de reichsmarks para cada quilômetro quadrado das regiões recém-povoadas. A gigantesca soma seria angariada de várias fontes: orçamento estatal, fundos da SS, autoridades locais, ferrovias e setor privado. A ambição do plano era simplesmente estonteante. Propunha uma destruição em escala nunca antes contemplada na história humana30.
A invasão da União Soviética transferiria para uma área imensamente maior as brutais políticas homicidas que já haviam sido implantadas na Polônia desde o começo da guerra: deportação étnica e reassentamento, transferência de população, germanização, genocídio cultural e redução da população eslava por expropriação, fome e doença. Mas deveria ser ainda mais radical que a ocupação da Polônia. Hitler, os nazistas e a maioria dos generais líderes viam os poloneses como pouco mais do que sub-humanos eslavos, mas viam a União Soviética como uma ameaça, uma vez que seus habitantes eslavos eram guiados pelo que consideravam líderes implacáveis e astutos da conspiração mundial “judaico-bolchevique” para solapar a raça e a civilização alemãs. Embora não tivesse nada além de desprezo pelos poloneses e seus líderes, Hitler repetidas vezes expressou admiração pessoal por Stálin, “uma das figuras mais extraordinárias da história mundial”, conforme o descreveu em julho de 194131. “Stálin também”, disse Hitler a seus companheiros de jantar um ano depois, “deve inspirar nosso respeito incondicional. À sua maneira, ele é um sujeito dos diabos! Ele conhece seus modelos, Gêngis Khan e os outros, muito bem [...]32” “Stálin”, disse Hitler em outra ocasião, “é metade besta, metade gigante [...] Se lhe dessem mais dez anos, a Europa teria sido devastada, como foi no tempo dos hunos33.” Desse modo, Hitler disse aos chefes do Exército em 17 de março de 1941: “A classe intelectual ao lado de Stálin deve ser aniquilada34”. Assim como a intelectualidade polonesa fora morta, a mesma sina recairia agora sobre seus pares soviéticos. Em 30 de março de 1941, Hitler detalhou essa visão em um discurso cujos pontos essenciais foram anotados pelo general Halder. A guerra vindoura não seria uma guerra ordinária: “Luta de duas visões de mundo uma contra a outra. Sentença aniquilatória contra o bolchevismo, mesma coisa que criminalidade antissocial. Comunismo, tremendo perigo para o futuro. Devemos abandonar o ponto de vista da camaradagem de soldados. O comunista não é camarada de jeito nenhum. Essa é uma guerra de aniquilação35”. Os comissários políticos do Exército Vermelho em particular deveriam ser tratados não como soldados, mas como criminosos, e manejados de acordo. Hitler exigiu a “aniquilação dos comissários bolcheviques e da intelectualidade comunista [...] O conflito”, advertiu, “será muito diferente do conflito no Ocidente36”.
III
Em 19 de maio de 1941, diretrizes distribuídas às tropas para a invasão exigiam “ação implacável e enérgica contra agitadores bolcheviques, soldados irregulares, sabotadores, judeus e eliminação total de toda a resistência ativa e passiva37”. A inclusão de “judeus” como uma categoria separada nessa lista tinha um enorme significado. Ali estava o Exército alemão recebendo licença, na prática, para matar judeus onde quer que os encontrasse, com base na suposição de que todos eles faziam parte da resistência bolchevique. A conquista da Polônia já demonstrara a violência homicida e com frequência sádica que as tropas regulares alemãs impunham aos “judeus orientais”. A invasão da União Soviética reproduziria essa violência em escala imensamente maior. A inclusão do assassinato deliberado de prisioneiros no plano de invasão foi sublinhada em 6 de junho de 1941, quando o marechal de campo Wilhelm Keitel, chefe do Comando Supremo das Forças Armadas Combinadas, emitiu a ordem de que todos os comissários políticos do Exército Vermelho, que ele caracterizou como “criadores dos bárbaros métodos asiáticos de combate”, deveriam ser fuzilados imediatamente ao ser capturados38.
Por ocasião da invasão, as dúvidas que assaltaram oficiais seniores como Johannes Blaskowitz na Polônia já haviam sido liquidadas há tempos. Nenhum dos generais levantou nenhuma objeção às ordens de Hitler. O tradicional antissemitismo e anticomunismo do corpo de oficiais fora aumentado por anos de incessante propaganda e doutrinação nazista. A experiência da Polônia havia enrijecido neles a ideia de que eslavos e judeus deviam ser reprimidos da maneira mais brutal possível. Apenas uns pouquíssimos, como o marechal de campo Fedor von Bock ou o tenente-coronel Henning von Tresckow, instruíram discretamente seus oficiais para ignorar a ordem de matar comissários e civis por ser incompatível com a lei internacional ou perigoso para a disciplina, ou ambos. A vasta maioria dos generais transmitiu a ordem linha abaixo39. Já em 27 de março de 1941, antes do discurso de Hitler, o marechal de campo Von Brauchitsch, comandante-chefe do Exército, havia emitido uma instrução de que as tropas “devem ter claro o fato de que o conflito é travado entre uma raça e outra e proceder com o rigor necessário40”. Os soldados foram instruídos de acordo, em um esforço de propaganda de dimensões consideráveis, que incluiu a inevitável referência à “luta contra a judiaria mundial, que está se empenhando em incitar todos os povos do mundo contra a Alemanha41”. As regras normais foram deixadas de lado. Oficiais não eram apenas oficiais, mas também líderes em uma luta racial contra o “bolchevismo judaico”. Conforme o general Erich Hoepner escreveu nas ordens de marcha para suas tropas em 2 de maio de 1941:
A guerra contra a Rússia é uma parte fundamental da luta do povo alemão pela existência. É a velha luta dos germanos contra os eslavos, a defesa da cultura europeia contra a avalanche russa, asiática, a defesa contra o bolchevismo judaico. Essa luta deve ter por meta esmagar a Rússia de hoje a destroços, e, por consequência, deve ser travada com uma severidade sem precedente42.
Ordens semelhantes foram igualmente emitidas por vários outros generais, inclusive Walter von Reichenau, Erich von Manstein e Karl-Heinrich von Stülpnagel (mais tarde membro da resistência militar).43
As discussões entre o chefe do Serviço de Intendência do Exército, Horst Wagner, e o chefe do Serviço de Segurança da SS, Reinhard Heydrich, resultaram em uma ordem militar emitida em 28 de abril de 1941 dando à SS o poder de agir por iniciativa própria para levar a cabo a ordem dos comissários e tarefas semelhantes de “segurança” por trás das linhas. Quatro forças-tarefa do Serviço de Segurança da SS – A, B, C, D –, somando de 600 a mil homens cada uma, foram montadas para seguir o Exército na Rússia em quatro zonas de norte a sul. Atrás delas iriam grupos menores da SS e da polícia. Por fim, em áreas bem atrás da linha de frente colocadas sob controle civil, batalhões de soldados da SS promoveriam a “segurança”. Essas unidades policiais consistiam de 23 batalhões com 420 oficiais e 11.640 homens, selecionados entre candidatos voluntários e submetidos a treinamento ideológico pela SS. A maioria estava na faixa dos 30 anos, acima da idade média dos soldados. Um número substancial dos oficiais tinham sido soldados das Brigadas Livres nos violentos anos do início da República de Weimar. Muitos eram policiais de longa data, retirados da decididamente direitista Polícia da Ordem, formada na República de Weimar para lidar com a agitação civil promovida na maioria por paramilitares de esquerda. Alguns homens eram camisas-pardas nazistas ou alemães étnicos da milícia de “autoproteção” da Polônia. Um pequeno número dos batalhões foi retirado dos reservistas da polícia. Todos eram voluntários, cuidadosamente esquadrinhados pela SS e submetidos a um processo de doutrinação que incluía uma pesada dose de antissemitismo. Foram especialmente selecionados para o serviço na União Soviética. A maioria foi recrutada da classe média baixa; presumiu-se que os membros da Polícia da Ordem tivessem pequenos negócios que a esposa deles poderia tocar em sua ausência. A partir da metade de maio de 1941, eles foram colocados em treinamento na Escola de Polícia da Fronteira em Pretzsch, perto de Leipzig, onde foram submetidos a educação ideológica que reforçaria amplamente seus preconceitos já existentes contra eslavos e judeus. Portanto, a despeito de afirmações em contrário de historiadores posteriores, esses não eram “homens comuns”, tampouco “alemães comuns44”.
Em 2 de julho de 1941, as forças-tarefa e os batalhões da polícia foram instruídos a executar todos os funcionários comunistas, comissários do povo, “judeus em cargos partidários ou estatais” e “outros elementos radicais (sabotadores, propagandistas, atiradores de tocaia, assassinos, agitadores etc.)45”. A ordem para fuzilar apenas uma categoria específica de judeus de início pareceu um sinal para uma abordagem mais restrita do que a conduta estipulada para o Exército. A determinação dirigiu a atenção das forças-tarefa em primeiro lugar para aqueles identificados por Hitler como a intelectualidade comunista e a elite judaica, duas categorias que ele, Heydrich e a maioria das outras lideranças nazistas, bem como muitos generais do Exército consideravam mais ou menos idênticas. E visou apenas homens, assim como inicialmente foi o caso na Sérvia. Entretanto, mulheres e crianças não foram explicitamente excluídas. Além disso, a identificação de judeus com comunistas foi encorajada não só por anos de propaganda antissemita, mas também pelo fato de os judeus serem realmente o maior grupo nacional único em setores-chave da elite soviética, inclusive na polícia secreta, um fato que jamais foi escondido da opinião pública. Todos eles sem exceção, pelo menos até a invasão nazista e as atrocidades antissemitas que a acompanharam, tinham repudiado há tempos seu passado étnico e religioso judaico. Identificavam-se por completo com a ideologia secular supranacional do bolchevismo. Além disso, a inclusão de categorias mal definidas como “propagandistas” e “agitadores” era um convite aberto para se matar todos os homens judeus, visto que a ideologia nazista, por princípio, considerava todos os homens judeus enquadrados nesses grupos. Por fim, o tratamento da população judaica na Polônia, não só pela SS, mas também pelo Exército, sugeriu fortemente que as forças-tarefa e os batalhões policiais já de saída não seriam muito seletivos a respeito de quais ou quantos judeus fuzilar46.
IV
Nas primeiras horas de 22 de junho de 1941, os meses de planejamento enfim acabaram. Às 3h15 da manhã, pouco depois do amanhecer após a noite mais curta do ano, uma enorme barragem de artilharia abriu fogo ao longo de uma frente que se estendia por mais de 1,6 mil quilômetros ao sul do Báltico. Mais de 3 milhões de soldados alemães, com outro meio milhão das forças romenas e de outros países aliados, cruzaram a fronteira soviética em numerosos pontos da fronteira finlandesa ao norte e por todo o trajeto até o mar Negro ao sul. Estavam equipados com 3,6 mil tanques, 600 mil veículos motorizados e 700 mil armas de campo e outra artilharia. Cerca de 2,7 mil aeronaves, mais da metade de todo o conjunto da Força Aérea alemã, haviam sido reunidas atrás das linhas. Quando começaram os primeiros assaltos motorizados por terra, 500 bombardeiros, 270 caças de mergulho e 480 caças voaram ao alto e avante para lançar a destruição sobre os campos de aviação militar soviéticos. Essa foi a maior força invasora reunida em toda a história humana até o momento. A meta militar era encurralar e destruir os exércitos soviéticos em uma série maciça de movimentos envolventes, imprensando-os contra os rios Dnieper e Dvina, a uns 500 quilômetros do ponto da invasão47. Apenas no primeiro dia, as investidas aéreas alemãs contra 66 campos de aviação soviéticos destruíram mais de 1,2 mil aeronaves soviéticas, quase todas antes que tivessem chance de decolar. Na primeira semana, a Força Aérea alemã danificou mais de 4 mil aviões soviéticos para além da possibilidade de conserto. Também foram executados bombardeios de surpresa sobre as maiores cidades de Bialystok a Tallinn, de Kiev a Riga. Com o domínio dos céus garantido, os três grupos principais do Exército avançaram com os tanques, apoiados por caças de mergulho e seguidos pela infantaria ligeira, arrasando as defesas do Exército Vermelho e infligindo pesadas perdas às despreparadas tropas soviéticas. Na primeira semana da invasão, o Grupo de Exércitos do Centro rompeu de forma decisiva as defesas soviéticas, envolvendo as tropas do Exército Vermelho em uma série de batalhas. No fim da segunda semana, em julho, já fizera 600 mil prisioneiros. A essa altura, mais de 3 mil peças de artilharia e 6 mil tanques soviéticos haviam sido capturados, destruídos ou simplesmente abandonados pelas tropas; 89 das 164 divisões do Exército Vermelho tinham sido colocadas fora de ação. As forças alemãs tomaram Smolensk e avançaram na direção de Moscou. O Grupo de Exércitos do Norte apoderou-se da Letônia, da Lituânia e de boa parte da Estônia e avançou sobre Leningrado (São Petersburgo). O Grupo de Exércitos do Sul rumava para Kiev, devastando as regiões agrícolas e industriais da Ucrânia. Tropas finlandesas, auxiliadas por unidades alemãs, isolaram o porto de Murmansk e rumaram para Leningrado pelo norte, enquanto tropas alemãs e romenas entraram na Bessarábia no extremo sul48.
Surpresa e velocidade foram cruciais para mergulhar as forças soviéticas na desordem. As tropas alemãs marchavam até 50 quilômetros por dia, às vezes mais. A invasão, escreveu o general Gotthard Heinrici para a esposa em 11 de julho de 1941, “para nós significa correr, correr até ficar de língua de fora, sempre correr, correr, correr49”. O soldado Albert Neuhaus ficou assombrado com as “colunas de veículos que rodam por aqui dia após dia, hora após hora. Posso dizer”, ele escreveu à esposa em 25 de junho de 1941, “que uma coisa dessas só acontece uma vez no mundo inteiro. A gente matuta sem parar e se pergunta de onde vieram todos esses milhões de veículos50.” No calor seco do verão, as enormes colunas de blindados alemães erguiam imensas nuvens de pó sufocante. “Mesmo depois de pouco tempo”, escreveu um soldado já no primeiro dia da invasão, “a poeira que se deposita sobre meu rosto e uniforme é da espessura de um dedo51.” O general Heinrici viu-se andando por estradas “nas quais se caminha com pó na altura do tornozelo. Cada passo, cada veículo que se desloca, ergue nuvens impenetráveis dele. As rotas de marcha são caracterizadas por nuvens amarelo-marrons que pendem no céu como véus compridos52”. Enquanto o avanço impetuoso prosseguia, o Exército Vermelho entrava em colapso ao longo de toda a frente. Suas comunicações foram cortadas, o transporte foi interrompido, munição, equipamento, combustível, peças de reposição e muito mais esgotaram-se rapidamente. Despreparados para a invasão, os oficiais não conseguiam sequer adivinhar onde os alemães atacariam a seguir, e com frequência não havia artilharia disponível para neutralizar o impacto dos tanques alemães que chegavam. Muitos dos tanques do Exército Vermelho, do BT ao T-26 e 28, eram obsoletos: a maior parte do total de 23 mil tanques empregados pelo Exército Vermelho em 1941 foi perdida por avarias e não por ação inimiga. As comunicações por rádio não haviam sido modernizadas desde a guerra finlandesa e eram codificadas de uma forma tão básica que era facílimo para os alemães ouvi-las e decodificá-las. O pior de tudo talvez é que as instalações médicas eram completamente inadequadas para lidar com o vasto número de mortos e tratar as dezenas de milhares de feridos. Na ausência de planejamento militar apropriado, os oficiais podiam pensar em pouca coisa além de atacar os alemães de frente, com resultados previsivelmente desastrosos. Uma retirada em ordem tornou-se quase impossível pela destruição alemã prévia de estradas, ferrovias e pontes por trás das linhas. As taxas de deserção dispararam no Exército Vermelho, enquanto soldados desmoralizados fugiam em confusão e desespero. Em meros três dias, no fim de junho de 1941, a polícia secreta soviética pegou quase 700 desertores fugindo da batalha na frente sudoeste. “A retirada causou um pânico cego”, conforme o chefe do Partido Comunista da Bielorrússia escreveu a Stálin em 3 de setembro de 1941, e “os soldados estão mortos de cansaço, dormindo até mesmo sob fogo de artilharia [...] No primeiro bombardeio, as formações colapsam, muitos simplesmente vão embora correndo para o mato, toda a parte de florestas da zona da linha de frente está cheia desses refugiados. Muitos jogam as armas fora e vão para casa53”.
Mapa 9. Operação Barba Ruiva no front oriental, 1941
Uma certa ideia sobre a profundidade do desastre pode ser aferida a partir do diário de Nikolai Moskvin, um comissário político soviético, que registra uma rápida transição do otimismo (“É certo que vamos ganhar”, escreveu ele em 24 de junho de 1941) para o desespero poucas semanas depois (“O que vou dizer aos garotos?”, perguntou-se, desalentado, em 23 de julho de 1941. “Continuamos em retirada”)54. Em 15 de julho de 1941, ele já fuzilara os primeiros desertores de sua unidade, mas os soldados continuavam a fugir e, no fim do mês, após ser ferido, admitiu: “Estou à beira de um colapso moral total55”. Sua unidade perdeu-se porque não tinha nenhum mapa, e a maioria dos homens foi morta em um ataque alemão, enquanto Moskvin, sem condições de se deslocar, escondeu-se no mato com dois companheiros, esperando ser resgatado. Alguns camponeses encontraram-no, cuidaram dele até que ficasse bom e o recrutaram para ajudar na colheita. Ao vir a conhecê-los, Moskvin descobriu que não eram leais ao sistema stalinista. Seu objetivo principal era continuar vivos. Depois das batalhas, corriam para o campo para saquear os cadáveres. De todo modo, o que a lealdade a Stálin teria lhes proporcionado? Em agosto de 1941, Moskvin encontrou alguns soldados do Exército Vermelho que haviam escapado de um campo de prisioneiros de guerra alemão. “Disseram que não há abrigo, não há água, que as pessoas estão morrendo de fome e doença, que muitos estão sem roupas e sapatos adequados.” Poucos, escreveu ele, haviam refletido sobre o que significaria o aprisionamento pelos alemães. A realidade era pior do que qualquer um poderia imaginar56.
À luz das ordens que recebera, o Exército alemão não tinha interesse em manter vivos centenas de milhares de prisioneiros de guerra soviéticos. Hitler e a liderança do Exército já haviam ordenado que os comissários políticos soviéticos que acompanhavam o Exército Vermelho fossem fuzilados na hora, e os comandantes em terra executaram essas ordens, com frequência entregando-os à SS para “tratamento especial”. Dezenas de milhares foram levados para campos de concentração na Alemanha e mortos por pelotões de fuzilamento57. Durante as primeiras semanas, muitos soldados comuns também foram fuzilados imediatamente após a captura. “Estamos fazendo pouquíssimos prisioneiros agora”, escreveu Albert Neuhaus à esposa em 27 de junho de 1941, “e você pode imaginar o que isso significa58.” Conforme muitos soldados registraram em suas cartas, não houve perdão para soldados do Exército Vermelho que se entregaram nas primeiras semanas de campanha59. A sina dos que eram poupados não era muito melhor. Em outubro de 1941, Zygmunt Klukowski testemunhou a passagem de uma coluna de 15 mil prisioneiros soviéticos por seu distrito. Ele ficou chocado com o que viu:
Todos eles pareciam esqueletos, apenas sombras de seres humanos, mal se mexendo. Jamais vi algo assim em minha vida. Homens caíam na rua; os mais fortes carregavam outros, segurando-os pelos braços. Pareciam animais famintos, não gente. Lutavam por migalhas de maçã na sarjeta, sem prestar nenhuma atenção nos alemães que os espancavam com cassetetes de borracha. Alguns faziam o sinal da cruz e se ajoelhavam, implorando por comida. Os soldados do comboio batiam neles sem pena. Batiam não só nos prisioneiros, mas também nas pessoas que assistiam e tentavam entregar-lhes alguma comida. Após a passagem da unidade macabra, várias carroças puxadas por cavalos carregavam os prisioneiros que não tinham condições de caminhar. Esse tratamento inacreditável de seres humanos só é possível sob a ética alemã60.
No dia seguinte, quando outra coluna de prisioneiros veio arrastando-se, o povo local colocou pão, maçãs e outros itens alimentícios no chão para eles. “Muito embora os soldados do comboio começassem a atirar enquanto os prisioneiros lutavam pela comida”, anotou Klukowski, “estes não deram a menor atenção aos alemães.” Depois de obrigar a população local a retirar a comida, os alemães depois concordaram que fosse colocada em uma carroça e distribuída aos prisioneiros. Klukowski achou que os prisioneiros pareciam “mais esqueletos de animais que humanos61”.
Muitos prisioneiros de guerra soviéticos morreram de fome e exaustão a caminho dos campos. O marechal de campo Walter von Reichenau ordenou a seus guardas “atirar em todos os prisioneiros que desmaiassem”. Alguns foram transportados de trem, mas só havia vagões de carga abertos para essa finalidade. Os resultados, em especial quando o inverno chegou, foram catastróficos. Vagões fechados só foram empregados em 22 de novembro de 1941, após mil dos 5 mil prisioneiros de um trem de transporte do Grupo de Exércitos do Centro morrerem congelados na jornada. Mesmo assim, no mês seguinte, um relatório oficial alemão registrou que “entre 25% e 70% dos prisioneiros” morriam no trajeto para os campos, em parte porque ninguém se incomodava em dar alguma comida a eles. Os acampamentos erguidos atrás das linhas mal mereciam esse nome. Muitos eram apenas campos abertos cercados toscamente com arame farpado. Quase não foram feitos preparativos para lidar com números tão grandes de prisioneiros, e nada se fez para fornecer comida ou medicação a eles. Um prisioneiro que escapou e deu jeito de voltar para as linhas soviéticas contou aos interrogadores da polícia que ele fora encarcerado em um campo na Polônia que consistia de 12 blocos, com cada um abrigando entre 1,5 mil e 2 mil prisioneiros. Os guardas usavam os reclusos como tiro ao alvo e lançavam cachorros sobre eles, fazendo apostas sobre qual cão infligiria os piores ferimentos. Os prisioneiros estavam morrendo de fome. Quando um deles morria, os outros caíam sobre o corpo e o devoravam. Em certa ocasião, 12 homens foram fuzilados por canibalismo. Todos estavam infestados de piolhos, e o tifo espalhou-se rapidamente. Os uniformes leves de verão eram totalmente inadequados para protegê-los do inverno gélido. Em fevereiro de 1942, apenas 3 mil dos 80 mil reclusos originais restavam vivos62.
A mesma experiência repetiu-se em outros campos atrás da linha. Ao visitar Minsk em 10 de julho de 1941, Xaver Dorsch, um funcionário público da Organização Todt, verificou que o Exército havia montado um campo para 100 mil prisioneiros de guerra e 40 mil civis, quase toda a população masculina da cidade, “em uma área mais ou menos do tamanho da Wilhelmplatz” em Berlim:
Os prisioneiros são amontoados tão compactamente nessa área que mal podem mover-se e têm de se aliviar onde estão parados. São guardados por uma unidade de soldados da ativa. O pequeno tamanho da unidade de guarda significa que esta só pode controlar o campo usando o nível de força mais brutal. O problema de alimentar os prisioneiros de guerra é praticamente insolúvel. Alguns deles estavam sem comida há seis ou oito dias. A fome levou-os a uma apatia mortal, na qual só lhes resta uma obsessão: conseguir algo para comer [...] A única linguagem possível para a fraca unidade de guarda, que tem de executar suas tarefas dia e noite sem substituição, é a da pistola, e fazem uso implacável dela63.
Mais de 300 mil prisioneiros do Exército Vermelho haviam morrido no fim de 1941. Wilm Hosenfeld ficou chocado pela maneira como os prisioneiros russos foram deixados a morrer de fome, uma política que julgou “tão repulsiva, desumana e tão ingenuamente estúpida que só se pode ficar profundamente envergonhado por uma coisa dessas poder ser feita por nós64”. Os habitantes das áreas vizinhas ofereceram-se para ajudar a alimentar os prisioneiros, mas o Exército alemão proibiu-os de fazê-lo65. Franz Halder, chefe do Estado-Maior Geral do Exército, anotou em 14 de novembro de 1941 que “numerosos prisioneiros estão morrendo de fome todos os dias. Impressões medonhas, mas neste momento não parece ser possível fazer nada para ajudá-los66”.
Foram considerações práticas e não morais que levaram à mudança da política. No fim de outubro de 1941, as autoridades alemãs tinham começado a perceber que os prisioneiros soviéticos podiam ser usados como mão de obra forçada, e foram tomadas medidas para providenciar comida, vestimenta e abrigo para eles, ainda que longe de adequados67. Muitos (embora não todos) foram colocados em fábricas abandonadas e prisões. Entretanto, um grande número ainda vivia em trincheiras em janeiro de 1942. As condições deterioraram-se de novo em janeiro de 1943, embora jamais tenham chegado ao ponto baixo absoluto dos primeiros meses da guerra; a essa altura havia prisioneiros alemães suficientes nas mãos dos soviéticos para a liderança das Forças Armadas alemãs preocupar-se com retaliações. Ao longo de toda a guerra, as forças alemãs fizeram cerca de 5,7 milhões de prisioneiros soviéticos. Os registros oficiais alemães mostram que 3,3 milhões deles haviam perecido quando a guerra acabou, cerca de 58% do total. O número verdadeiro provavelmente foi bem mais alto. Em comparação, 356.687 dos cerca de 2 milhões de prisioneiros alemães feitos pelo Exército Vermelho, na maior parte nos estágios finais da guerra, não sobreviveram, uma taxa de mortalidade de quase 18%. Isso excedia de longe as taxas de mortalidade de britânicos, franceses e de outros soldados em cativeiro alemão, que ficaram abaixo de 2% até os últimos meses caóticos da guerra, para não falar dos soldados alemães tomados como prisioneiros pelos aliados ocidentais. Mas as altas taxas de mortalidade dos prisioneiros alemães em campos russos refletiam as terríveis condições de vida na União Soviética e no sistema de campos do gulag em geral que se seguiram à maciça destruição causada pela guerra e às más colheitas do período pós-guerra imediato, e não algum espírito particular de vingança contra os alemães da parte de seus captores. De fato, não há evidência de que os prisioneiros alemães tenham sido tratados de modo diferente em relação aos outros prisioneiros em campos soviéticos, exceto na intensidade com que eram submetidos a programas de reeducação política por serem “fascistas68”.
Por outro lado, os prisioneiros do Exército Vermelho em mãos alemãs pereceram em consequência direta das doutrinas raciais nazistas, compartilhadas pela maioria esmagadora do corpo de oficiais alemão, que desprezava os “eslavos” como sub-humanos sacrificáveis, indignos de se manter vivos enquanto houvesse alemães famintos para alimentar69. Esse foi, em certo sentido, o primeiro estágio da implementação do Plano Geral para o Leste. Apenas uns poucos oficiais alemães protestaram contra os maus-tratos aos prisioneiros de guerra soviéticos. Um deles foi o marechal de campo Fedor von Bock, na liderança do Grupo de Exércitos do Centro. Bock anotou em 20 de outubro de 1941: “É terrível a impressão de dezenas de milhares de prisioneiros de guerra russos que, quase sem guarda, estão em marcha para Smolensk. Essa gente desafortunada cambaleia morta de cansaço e semimorta de fome, e muitos caíram ao longo do caminho, exaustos ou mortos. Eu falo com os exércitos sobre isso”, ele acrescentou, “mas a assistência quase não é possível”. E mesmo Bock, o epítome do oficial prussiano tradicionalmente “correto”, no fim estava mais preocupado em evitar que tais prisioneiros escapassem e se juntassem a grupos guerrilheiros formados por milhares de soldados do Exército Vermelho que haviam ficado encurralados atrás das linhas com o rápido avanço das forças alemãs. “Eles devem ser supervisionados e guardados com mais rigor”, concluiu ele após ver os esfarrapados prisioneiros russos, “do contrário irão engrossar cada vez mais o movimento guerrilheiro70.” A inquietação entre oficiais seniores como Bock foi sufocada pela insistência de Hitler em que os prisioneiros de guerra soviéticos não deviam ser tratados como soldados comuns, mas como inimigos raciais e ideológicos; os oficiais subalternos que os tinham sob sua responsabilidade no dia a dia tinham poucos escrúpulos em vê-los morrer71. Os prisioneiros que finalmente foram soltos e voltaram à União Soviética – mais de 1,5 milhão – tiveram de encarar uma ampla discriminação em consequência de uma ordem emitida por Stálin em agosto de 1941 igualando rendição a traição. Muitos foram despachados para campos de trabalho do gulag após serem investigados pela contrainteligência militar soviética. A despeito das tentativas do líder militar, marechal Georgi Jukov, de dar fim à discriminação dos ex-prisioneiros de guerra depois da morte de Stálin, eles não foram formalmente reabilitados até 199472.
V
Às 3h30 da manhã de 22 de junho de 1941, o chefe do Estado-Maior Geral do Exército Vermelho, Georgi Jukov, telefonou para a datcha de Stálin para despertar o líder soviético. Os alemães, disse ele, haviam começado a bombardear as posições do Exército Vermelho ao longo da fronteira. Stálin recusou-se a acreditar que uma invasão em grande escala estava em andamento. Com certeza, disse ele a um pequeno grupo de líderes civis e militares em Moscou mais tarde naquela manhã, Hitler não sabia disso. Devia ser uma conspiração entre os líderes das Forças Armadas alemãs. Somente quando o embaixador alemão, conde Friedrich Werner von der Schulenburg, encontrou-se com o ministro de Relações Exteriores, Molotov, no Kremlin para entregar a declaração alemã de guerra, Stálin reconheceu que fora profundamente logrado por Hitler. De início chocado, embaraçado e desorientado, Stálin logo se recompôs. Em 23 de junho de 1941, ele trabalhou em sua mesa no Kremlin das 3h20 da manhã às 6h25 da noite, reunindo informações e fazendo os preparativos necessários para a criação de um Comando Supremo para assumir o controle das operações. Com o passar dos dias, ele ficou cada vez mais desalentado com a escala e a velocidade do avanço alemão. No fim de junho, partiu para sua datcha dizendo, com seu inimitável jeito grosseiro: “Está tudo perdido. Desisto. Lenin fundou nosso Estado, e nós fodemos tudo”. Stálin não fez um pronunciamento ao povo soviético, não falou com seus subordinados, nem sequer atendeu ao telefone. De fato, aviões alemães lançaram panfletos sobre as linhas do Exército Vermelho afirmando que ele estava morto. Quando uma delegação do Politburo chegou à datcha, encontrou Stálin afundado em uma poltrona. “Por que vocês vieram?”, ele perguntou. Com um arrepio de terror, dois membros da delegação, Mikoyan e Beria, perceberam que ele pensou que tinham ido prendê-lo73.
Convencidos de que o sistema soviético estava em tão mau estado que precisava apenas de um empurrão decisivo para cair aos pedaços, Hitler e os generais líderes haviam apostado tudo na rápida derrota do Exército Vermelho. Como seus predecessores em 1914, esperaram que a campanha se encerrasse bem antes do Natal. Não mantiveram formações importantes na reserva, nem fizeram provisões para a substituição de homens e equipamento perdidos no front. Muitos pilotos que lutaram na campanha esperavam ser transferidos de volta para o oeste para combater os britânicos no início de setembro. As assombrosas vitórias militares das primeiras semanas convenceram-nos de que estavam certos. Os exércitos soviéticos com certeza tinham sido completamente destruídos. Hitler compartilhou da euforia geral. Em 23 de junho de 1941, ele viajou de Berlim para seu novo quartel-general de campo atrás do front em Rastenburg, na Prússia Oriental. Um grande conjunto localizado bem no interior da floresta, com ramal ferroviário próprio, ao longo do qual de tempos em tempos Göring rodava em seu luxuoso trem particular, o quartel-general estivera em construção desde o outono anterior. O conjunto continha uma série de bunkers e cabanas ocultos na paisagem e dos aviões. Havia alojamentos para os guardas, refeitórios e salas de conferência. Uma pista de pouso permitia o transporte de passageiros em aeronaves leves quando havia pressa. Dois outros complexos cercados não muito longe eram usados pelos chefes das Forças Armadas e por equipes de planejamento. Hitler chamou o quartel-general de Covil do Lobo, uma referência a seu apelido na década de 1920. Foi ali que recebeu relatórios dos líderes das Forças Armadas e pronunciou os alentados monólogos à hora do almoço e do jantar que Bormann mandou anotar para o benefício da posteridade. Hitler não pretendia ficar ali por mais que umas poucas semanas. “A guerra no oeste já estava ganha na maior parte”, disse a Goebbels em 8 de julho de 194174. Ele não estava fazendo nada além de ecoar a opinião dos militares. Em 3 de julho de 1941, o chefe do Estado-Maior Geral do Exército, Franz Halder, notando que o Exército Vermelho parecia não ter mais reservas para lançar na batalha, já havia dado vazão à euforia. “Assim, realmente não é exagero”, anotou ele no diário, “se eu afirmar que a campanha contra a Rússia foi vencida em 14 dias75.”
Em 16 de julho de 1941, portanto, Hitler realizou um encontro a fim de fazer os arranjos para o governo dos territórios conquistados. No comando geral nominal ficou o principal ideólogo do Partido Nazista, Alfred Rosenberg, nomeado ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste. Suas origens alemãs bálticas faziam-no parecer o homem adequado para o cargo. O gabinete de Rosenberg vinha planejando cooptar algumas das nacionalidades vassalas da União Soviética na região, e em particular os ucranianos, como um contrapeso aos russos. Mas foram planos vãos. Hitler removeu explicitamente da área de competência de Rosenberg não só o Exército, mas também a SS de Himmler e a organização do Plano de Quatro Anos de Göring. E não apenas Himmler e Göring, mas também Hitler planejava a subjugação, a deportação e o assassinato implacáveis de milhões de habitantes das zonas ocupadas em vez de sua cooptação para uma Nova Ordem nazista. Na busca dessa meta, Hitler nomeou Erich Koch, o líder regional da Prússia Oriental, para liderar o Comissariado do Reich na Ucrânia, com a instrução de ser tão duro e brutal quanto possível. Ele a cumpriu com prazer. Seus pares no Comissariado do Reich para a Região Leste, que incluía os antigos Estados bálticos, e no Comissariado Geral da Bielorrússia, Hinrich Lohse e Wilhelm Kube, mostraram-se, respectivamente, fraco e corrupto, e no fim foram amplamente ignorados, assim como o próprio Rosenberg. Portanto, mais ainda do que na Polônia, a SS teve permissão para fazer mais ou menos o que quisesse nos territórios recém-ocupados76.
Hitler estava ciente de que seus planos para a subjugação e o extermínio das populações nativas das áreas ocupadas eram tão radicais que poderiam indispor a opinião mundial. A propaganda, portanto, disse ele em 16 de julho de 1941, devia enfatizar que as forças alemãs haviam ocupado a área para restaurar a ordem e a segurança e liberá-la do controle soviético77. A invasão foi vendida ao povo alemão não só como uma fase decisiva na guerra contra o “bolchevismo judaico”, mas também como uma medida preventiva com o objetivo de deter um assalto soviético à Alemanha. De fato, em 17 de setembro de 1941, Hitler disse a seus acompanhantes de jantar que ele fora obrigado “a antever que Stálin poderia passar para o ataque ao longo de 1941”, e Goebbels já registrara Hitler vituperando em 9 de julho “sobre a panelinha da liderança bolchevique que havia pretendido invadir a Alemanha”. Até que ponto essas declarações refletem as crenças reais dos dois homens é um ponto discutível: ambos sabiam que suas palavras seriam registradas para a posteridade – as de Hitler pelos estenógrafos de Bormann, as de Goebbels por seus secretários, pois nessa época ele havia passado a ditar seus diários em vez de escrevê-los por si mesmo, e assinara um contrato para a publicação deles após sua morte78. Mas com certeza foi essa a ideia transmitida à massa de alemães comuns.
O anúncio da invasão pegou a maioria dos alemães quase totalmente de surpresa. Em muitas ocasiões anteriores, a iminência da guerra tinha ficado óbvia na escalada maciça de propaganda hostil injetada contra o futuro inimigo pela máquina de mídia de Goebbels. Mas, como Hitler quis engambelar Stálin para que pensasse que não haveria ataque, tal propaganda esteve inteiramente ausente nessa ocasião, e, na verdade, em meados de junho houve até boatos de que Stálin estava prestes a fazer uma visita formal ao Reich alemão. A atenção da maioria das pessoas estava focada no conflito com a Grã-Bretanha e na esperança de que se chegasse a um acerto. Não é de surpreender, portanto, que as reações iniciais do povo ao anúncio da deflagração da Operação Barba Ruiva tenham sido mistas. A estudante Lore Welb capturou a reação pública com perfeição em seu diário. As pessoas sentiram, escreveu ela, “grande apreensão e depressão ao mesmo tempo, mas também, de algum modo, deram um suspiro de alívio”. Pelo menos, sentiu ela, o ar fora purificado com o fim da aliança taticamente necessária, mas politicamente falsa entre a Alemanha e o bolchevismo soviético79. As autoridades locais no distrito rural bávaro de Ebermannstadt
relataram que as pessoas estavam com “o rosto ansioso” e preocupadas “porque a guerra estava mais uma vez arrastando-se por um longo período no futuro80”. Luise Solmitz também achou que a invasão da União Soviética prenunciava uma guerra sem fim81. “O primeiro pensamento que todos nós temos é sobre a duração da guerra”, escreveu o jornalista Jochen Klepper, que fora alistado como oficial da reserva nas unidades alemãs na Bulgária e na Romênia, “mas é seguido da convicção de que um ajuste de contas com a Rússia seria necessário mais cedo ou mais tarde82.”
Alguns estavam preocupados que Hitler estivesse dando um passo maior que as pernas. Melita Maschmann passava por uma cervejaria ao ar livre no lago Constança em 22 de junho de 1941, em visita aos pais, quando ouviu Hitler no rádio anunciando a invasão da União Soviética. Mais tarde, ela lembrou que sua reação inicial fora de medo e apreensão. Uma guerra em duas frentes jamais havia sido uma boa ideia, e nem Napoleão tinha sido capaz de derrotar os russos.
As pessoas ao meu redor tinham o semblante perturbado. Evitamos os olhos uns dos outros e olhamos através do lago. A margem mais distante estava envolta em névoa sob um céu cinzento. Havia algo de sombrio no clima daquela manhã nublada de verão. Antes de a transmissão acabar, começou a chover. Eu vinha de uma noite sem dormir e estava resfriada. Caminhei ao longo da orla em um surto de depressão. A água batia, cinza e indiferente, contra o cais. Havia uma coisa que a invasão da Rússia com certeza significaria. A guerra se prolongaria por muitos anos, e talvez houvesse sacrifícios incomensuravelmente maiores83.
As assombrosas vitórias dos exércitos alemães, alardeadas pelos meios de comunicação de 29 de junho de 1941 em diante, animaram o espírito das pessoas e convenceram muitas delas de que, no fim das contas, a guerra poderia não durar tanto; todavia, o entusiasmo continuou sendo superado pela apreensão entre a grande maioria84. Um funcionário de Ebermannstadt resumiu as reações com notável honestidade algumas semanas depois, em 29 de agosto de 1941. O número de pessoas que “estão seguindo o curso dos acontecimentos com paixão oriunda de entusiasmo fanático”, escreveu ele, “é infimamente pequeno. A grande massa de pessoas espera pelo fim da guerra com o mesmo anseio que um doente aguarda sua recuperação85”.
1 Kershaw, Hitler, II, p. 369-73, 378.
2 Citado em Rainer F. Schmidt, “Der Hess-Flug und das Kabinett Churchill: Hitlers Stellvertreten im Kalkül der britischen Kriegsdiplomatie Mai-Juni 1941”, VfZ 42 (1994), p. 1-38, nas p. 14-6.
3 Kershaw, Hitler, II, p. 369-81, organiza com eficiência as numerosas e muitas vezes extremamente bizarras teorias de conspiração que giraram em torno do voo de Hess na época e mais tarde. Nem a afirmação de que Hitler teria sancionado, que dirá ordenado, essa escapada leviana, tampouco a ideia de que Hess ou Hitler houvesse sido encorajado a montar tal missão por um “grupo de paz” influente no governo britânico e no serviço secreto – para falar de duas das teorias menos fantasiosas – tem qualquer base na realidade.
4 Gerhard Engel, Heeresadjutant bei Hitler 1938-1943 (ed. Hildegard von Kotze, Stuttgart, -1974), p. 103-4.
5 Fröhlich (ed.), Die Tagebücher, I/IX, p. 309 (13 de maio de 1941).
6 Citado em Kershaw, Hitler, II, p. 939, nota 210.
7 Boberach (ed.), Meldungen, VII, p. 2302 e 2313 (15 e 19 de maio de 1941).
8 Martin Broszat et al. (eds.), Bayern in der NS-Zeit (6 vols., Munique, 1977-83), I, p. 148 (“Aus Monatsbericht des Landrats, 31.5.1941”).
9 Bock, Zwischen Pflicht und Verweigerung, p. 185 (10-12 de maio de 1941).
10 Klemperer, I Shall Bear Witness, p. 368 (21 de maio de 1941).
11 Walb, Ich, die Alte, p. 219 (15 de maio de 1941).
12 Kershaw, Hitler, II, p. 166-7.
13 “Missie” Vassiltchikov 1940--1945 (Londres, 1987 [1985]), p. 51-2; Hassell, The von Hassell Diaries, p. 196, 204, e Gerhardt B. Thamm, Boy Soldier: A German Teenager at the Nazi Twilight (Jefferson, N. C., 2000), p. 34.
14 Hugh R. Trevor-Roper, “The Mind of Adolf Hitler”, em Adolf Hitler, Hitler’s Table Talk 1941-1944 (Oxford, 1988 [1953]), p. vii-xxxv, nas p. xii-xiii.
15 Hitler, Hitler’s Table Talk, p. 51 (10 de outubro de 1941).
16 Ibid., p. 38 (23 de setembro de 1941).
17 Ibid., p. 16 (27 de julho de 1941).
18 Ibid., p. 24 (8-9 e 9-10 de agosto de 1941). Para o conceito de Hitler e Himmler sobre a Ucrânia como um feudo imperial, equivalente à Índia britânica, ver Wendy Lower, Nazi Empire-Building and the Holocaust in Ukraine (Chapel Hill, N. C., 2005), p. 98-128.
19 Hitler, Hitler’s Table Talk, p. 68-9 (17 de outubro de 1941).
20 Ibid., p. 61 (2 e 2-3 de novembro de 1941).
21 Ibid., p. 447 (27 de abril de 1942).
22 Ibid., p. 578 (18 de julho de 1942).
23 Ibid., p. 77 (17-18 de outubro de 1941).
24 Ibid., p. 69 (17 de outubro de 1941 e 22 de julho de 1942).
25 Ibid., p. 62 (9 de agosto de 1942).
26 Longerich, Politik, p. 298; citação em Madajczyk, Die Okkupationspolitik, p. 92.
27 Alex J. Kay, “Germany’s Staatssekretäre, Mass Starvation and the Meeting of 2 May 1941”, Journal of Contemporary History, 41 (2006), p. 685-700; Tooze, The Wages of Destruction, p. 475-80.
28 Madajczyk et al. (eds.), Vom Generalplan Ost; Mechthild Rössler e Sabine Schleiermacher, Der “Generalplan Ost”: Hauptlinien der nationalsozialistischen Planungs- und Vernichtungspolitik (Berlim, 1993); Thomas Podranski, Deutsche Siedlungspolitik im Osten: Die verschiedenen Varianten des Generalplan Ost der SS (Berlim, 2001).
29 Evans, The Third Reich in Power, p. 419-28.
30 Tooze, The Wages of Destruction, p. 463-76.
31 Hitler, Hitler’s Table Talk, p. 8 (11-12 de julho de 1941).
32 Ibid., p. 587 (22 de julho de 1942).
33 Ibid., p. 624 (9 de agosto de 1942).
34 Halder, Kriegstagebuch, II, p. 317-20 (17 de março de 1941).
35 Ibid., p. 336-7 (30 de março de 1941).
36 Ibid.
37 Citado em Longerich, Politik, p. 300-1; ver também Hans-Adolf Jacobsen, “The Kommissarbefehl and Mass Executions of Soviet Russian Prisoners of War”, em Helmut Krausnick et al., Anatomy of the SS State (Londres, 1968 [1965]), p. 505-35 (tradução integral da ordem de 6 de junho nas p. 532-4).
38 Ver também Jürgen Förster, “Operation Barbarossa as a War of Conquest and Annihilation”, em GSWW IV, p. 481-521.
39 Jacobsen, “The Kommissarbefehl”, p. 505-35, na p. 517; Kershaw, Hitler, II, p. 353-60; Bodo Scheurig, Henning von Tresckow: Ein Preusse gegen Hitler (Frankfurt am Main, 1987), p. 113-4; Christian Gerlach, “Hitlergegner bei der Heeresgruppe Mitte und die ‘Verbrecherischen Befehle’’’, em Gerd R. Ueberschär (ed.), NS-Verbrechen und der militärische Widerstand gegen Hitler (Darmstadt, 2000), p. 62-76; Johannes Hürter, “Auf dem Weg zur Militäropposition: Tresckow, Gersdorff, der Vernichtungskrieg und der Judenmord: Neue Dokumente über das Verhältnis der Heeresgruppe Mitte zur Einsatzgruppe B im Jahr 1941”, VfZ 52 (2004), p. 527-62; as ideias de Bock podem ser encontradas em Bock, Zwischen Pflicht und Verweigerung, p. 190 (4 de junho de 1941).
40 Citado emFörster, “Operation Barbarossa”, p. 485.
41 Citado em ibid., p. 514.
42 Citado em ibid., p. 520.
43 Friedländer, The Years of Extermination, p. 210-1; ver também Ortwin Buchbender, Das tönende Erz: Deutsche Propaganda gegen die Rote Armee im Zweiten Weltkrieg (Stuttgart, 1978), e para a atitude dos comandantes seniores quanto às “ordens criminosas”, Hürter, Hitlers Heerführer, p. 247-65.
44 Longerich, Politik, p. 302-10, lidando de forma convincente com as peculiaridades da controvérsia entre Christopher Browning, Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland (Londres, 1998 [1992]), e Daniel Jonah Goldhagen, Hitler’s Willing Executioners: Ordinary Germans and the Holocaust (Londres, 1996), embora os temas gerais levantados por Goldhagen continuem, corretamente, a ser debatidos. Para os antecedentes, ver Helmut Fangmann et al., “Parteisoldaten”: Die Hamburger Polizei im “3. Reich” (Hamburgo, 1987); para a doutrinação, ver Jürgen Matthäus, “Ausbildungsziel Judenmord? Zum Stellenwert der ‘weltanschaulichen Erziehung’ von SS und Polizei im Rahmen der ‘Endlösung’’’, Zeitschrift für Geschichtswissenschaft, 47 (1999), p. 677-99; e idem et al. (eds.), Ausbildungsziel Judenmord? ‘Weltanschauliche Erziehung’ von SS, Polizei und Waffen-SS im Rahmen der “Endlösung” (Frankfurt am Main, 2003).
45 Citado em Longerich, Politik, p. 315.
46 Ibid., p. 310-20, oferece uma cuidadosa consideração sobre as evidências, concluindo que as declarações nos julgamentos pós-guerra de réus como o líder da força-tarefa, Ohlendorf, de que fora dada uma ordem para se matar todos os judeus indiscriminadamente, carecem de credibilidade devido à intenção escusatória. De fato, depois de ser condenado à morte, Ohlendorf mudou sua versão e disse que jamais houve tal ordem. Ver em particular Ralf Ogorreck, Die Einsatzgruppen und die “Genesis der Endlösung” (Berlim, 1996). Para a visão contrária, ver Breitman, The Architect of Genocide, p. 145-206. Para os judeus na máquina soviética, ver Friedländer, The Years of Extermination, p. 247-51; mais detalhes em Mordechai Altschuler, Soviet Jewry on the Eve of the Holocaust: A Social and Demographic Profile (Jerusalém, 1998).
47 Glantz, Barbarossa, p. 35.
48 Resumos sucintos em Weinberg, A World at Arms, p. 264-6; Glantz, Barbarossa, p. 35; e Kershaw, Hitler, II, p. 393-9. John Erickson, Stalin’s War with Germany, I: The Road to Stalingrad (Londres, 1975), permanece o relato clássico, mas foi inevitavelmente suplantado por pesquisas mais recentes e em especial pela documentação soviética liberada desde 1990. Pode-se dizer o mesmo do relato ainda mais detalhado em GSWW IV, no qual os trechos que tratam da União Soviética estão particularmente defasados. A narrativa mais recente é Bellamy, Absolute War. Ver também a discussão sobre a conduta dos generais seniores da campanha em Hürter, Hitlers Heerführer, p. 279-302.
49 Hürter (ed.), Ein deutscher General, p. 68 (carta à esposa, 11 de julho de 1941).
50 Karl Reddemann (ed.), Zwischen Front und Heimat: Der Briefwechsel des münsterischen Ehepaares Agnes und Albert Neuhaus 1940-1944 (Münster, 1996), p. 223 (para Agnes Neuhaus, 25 de junho de 1941).
51 Konrad Elmshäuser e Jan Lokers (eds.), “Man muss hier nur hart sein”: Kriegsbriefe und Bilder einer Familie (1934-1945) (Bremen, 1999), p. 92 (Kalendereintrag Hans-Albert Giese, 22 de junho de 1941).
52 Hürter (ed.), Ein deutscher General, p. 63 (carta à família, 24 de junho de 1941).
53 Citado em Merridale, Ivan’s War, p. 96-7 (também para os detalhes anteriores desse parágrafo); Mawdsley, Thunder in the East, p. 59-69; Glantz, Barbarossa, p. 37-40. Para a situação do Exército Vermelho em 1941, ver Glantz, Stumbling Colossus.
54 Merridale, Ivan’s War, p. 86-7.
55 Ibid., p. 99.
56 Ibid., p. 99-100, 116, 122-3 (tradução ligeiramente corrigida).
57 Hürter, Hitlers Heerführer, p. 393-404.
58 Reddemann (ed.), Zwischen Front und Heimat, p. 225 (para Agnes Neuhaus, 27 de junho de 1941).
59 Rudolf Stützel, Feldpost: Briefe und Aufzeichnungen eines 17jährigen 1940-1945 (Hamburgo, 2005), p. 41; em termos mais gerais, Hannes Heer (ed.), “Stets zu erschiessen sind Frauen, die in der Roten Armee dienen”: Geständnisse deutscher Kriegsgefangener über ihren Einsatz an der Ostfront (Hamburgo, 1995), p. 7, and Hürter, Hitlers Heerführer, p. 359-76.
60 Klukowski, Diary, p. 173 (4 de outubro de 1941).
61 Ibid., p. 173 (5 de outubro de 1941).
62 Merridale, Ivan’s War, p. 123-5; Christian Streit, Keine Kameraden: Die Wehrmacht und die sowjetischen Kriegsgefangenen 1941-1945 (Stuttgart, 1978).
63 Citado em ibid., p. 131; ver também Hürter, Hitlers Heerführer, p. 377-93.
64 Hosenfeld, “Ich versuche”, p. 557 (carta à esposa, 3 de dezembro de 1941).
65 Streit, Keine Kameraden, p. 9.
66 Halder, Kriegstagebuch, III, p. 289 (14 de novembro de 1941); ver de modo mais geral Vyacheslav M. Molotov et al., Soviet Government Statements on Nazi Atrocities (Londres, 1945), p. 183-8.
67 Streit, Keine Kameraden, p. 201-88.
68 Andreas Hilger, Deutsche Kriegsgefangene in der Sowjetunion, 1941-1956: Kriegs-gefangenenpolitik, Lageralltag und Erinnerung (Essen, 2000), desbancando estudos anteriores como Kurt W. Böhme, Die deutschen Kriegsgefangenen in sowjetischer Hand: Eine Bilanz (Munique, 1966). Para as estatísticas, ver Hilger, Deutsche Kriegsgefangene, p. 137, 370, 389, 425; para a reeducação política, que foi um grande fracasso, p. 220-54.
69 Christian Streit, “The Fate of the Soviet Prisoners of War”, em Michael Berenbaum (ed.), A Mosaic of Victims: Non-Jews Persecuted and Murdered by the Nazis (Londres, 1990), p. 142-9; Alexander Dallin, German Rule in Russia 1941-1945: A Study of Occupation Policies (Londres, 1957), p. 409-27; Mawdsley, Thunder in the East, p. 102-5.
70 Bock, Zwischen Pflicht und Verweigerung, p. 298 (20 de outubro de 1941); ver também ibid., p. 312-3 (9 de novembro de 1941), protestando que, “de acordo com o costume e a lei militar, o Exército é responsável pela vida e pela segurança de seus prisioneiros de guerra, sejam de que tipo forem”.
71 Hürter, Hitlers Heerführer, p. 377-93.
72 Mawdsley, Thunder in the East,p. 102-5.
73 Service, Stalin, p. 410-24; Merridale, Ivan’s War, p. 83; Sebag-Montefiore, Stalin, p. 330-
-3, também registrando diferentes versões da declaração de Stálin por vários memorialistas, todas igualmente vulgares; a versão citada aqui é atestada tanto por Molotov quanto por Chadaev. Sobre o despreparo de Stálin, ver Roberts, Stalin’s Wars, p. 61-70. O ceticismo de Roberts sobre a perda do sangue-frio de Stalin cai por terra na cronologia, pois falha em perceber que isso aconteceu no fim de junho, não imediatamente após a invasão (p. 89-95).
74 Hoffmann, Hitler’s Personal Security, p. 216-63; Kershaw, Hitler, II, p. 395-7; Fröhlich (ed.), Die Tagebücher II/I, p. 35 (9 de julho de 1941).
75 Halder, Kriegstagebuch, III, p. 38 (3 de julho de 1941).
76 Kershaw, Hitler, II, p. 405-7; Friedländer, The Years of Extermination, p. 199-200.
77 Citado em Kershaw, Hitler, II, p. 405.
78 Ibid., p. 399 e 944, nota 40; Hitler, Hitler’s Table Talk, 17 de setembro de 1941; Föhlich (ed.), Die Tagebücher II/I, p. 29-39 (9 de julho de 1941).
79 Walb, Ich, die Alte, p. 225 (30 de junho de 1941).
80 Broszat et al. (eds.), Bayern, I, p. 149 (“Aus Monatsbericht der Gendarmerie-Station Heiligenstadt, 25.6.1941” e “Aus Monatsbericht der Gendarmerie-Station Waischenfeld, 26.6.1941”).
81 Solmitz, Tagebücher, p. 662 (23 de junho de 1941).
82 Jochen Klepper, Überwindung: Tagebücher und Aufzeichnungen aus dem Kriege (Stuttgart, 1958), p. 50 (22 de junho de 1941).
83 Maschmann, Account Rendered, p. 91.
84 Broszat et al. (eds.), Bayern, I, p. 149-50 (“Aus Monatsbericht der Gendarmerie-Station Ebermannstadt, 27.6. 941”).
85 Ibid., I, p. 152 (“Aus Monatsbericht des Gendarmerie-Kreisführers, 29.8.1941”).