A Conferência de Wannsee

 

 

I

 

 

 

 

Em 29 de novembro de 1941, Reinhard Heydrich mandou Adolf Eichmann redigir um convite para uma variedade de funcionários públicos graduados dos ministérios com algum tipo de responsabilidade na questão judaica, e também para representantes dos departamentos-chave da SS e do Partido Nazista envolvidos no assunto. “Em 31 de julho de 1941”, começava o convite, “o marechal do Grande Reich Alemão incumbiu-me de, com o auxílio de outras autoridades centrais, fazer todos os preparativos organizacionais e técnicos necessários para uma solução abrangente da questão judaica e de lhe apresentar uma proposta completa na primeira oportunidade1.” Para encerrar os detalhes de tal proposta, todas as agências interessadas precisavam reunir-se. Heydrich estava particularmente interessado em incluir representantes de instituições e departamentos que haviam trazido problema à SS. Solicitou-se que o Ministério de Relações Exteriores enviasse um oficial subalterno, desmentindo afirmações posteriores de que a conferência pretendia tratar apenas dos judeus alemães; na verdade, embora Heydrich não entrasse em detalhes sobre o que exatamente seria discutido na conferência, o Ministério de Relações Exteriores presumiu que fosse enfocar o arranjo para reunir e deportar judeus em todos os países da Europa sob ocupação alemã2.

O encontro foi marcado para 9 de dezembro de 1941 e ocorreria em uma villa junto ao lago em Wannsee, um subúrbio tranquilo de Berlim. Mas, um dia antes, ao ficar sabendo do ataque japonês a Pearl Harbor, a assessoria de Heydrich telefonou a todos os convidados e adiou a conferência, visto que era provável que ele e outros participantes seriam chamados para a sessão do Reichstag que esse novo acontecimento na política internacional claramente exigiria3. Isso não significou, porém, que a política em relação aos judeus tenha ficado em segundo plano. Falando em um encontro de altos oficiais do Partido no dia seguinte à declaração de guerra aos Estados Unidos, Hitler, conforme registrado no diário de Goebbels, repetiu seus sentimentos de agosto passado de forma mais precisa:

 

No que tange à questão judaica, o Líder está determinado a pôr a casa em ordem. Ele profetizou aos judeus que, se provocassem outra guerra mundial, vivenciariam sua própria aniquilação por meio dela. Não era conversa fiada. A guerra mundial está aí, a aniquilação da judiaria há de ser a consequência necessária. Essa questão é para ser contemplada sem nenhum sentimentalismo. Não estamos aqui para ter pena dos judeus, mas para ter pena de nosso próprio povo alemão. Agora que o povo alemão perdeu outros 160 mil homens na frente oriental, os causadores desse conflito sangrento terão de pagar por isso com sua vida4.

 

Em 14 de dezembro de 1941, Rosenberg concordou com Hitler, por motivo de política internacional, em não mencionar “extermínio da judiaria” em uma palestra pública que estava prestes a proferir, muito embora, conforme Hitler observou, “eles nos sobrecarregaram com a guerra e trouxeram destruição; não é de espantar que sejam os primeiros a arcar com as consequências5”.

Nessa época, havia ficado claro para Hitler e todo mundo mais na hierarquia nazista que a guerra não chegaria ao fim tão em breve quanto haviam esperado. Agora admitiam que a guerra atravessaria o inverno, embora ainda pensassem que a União Soviética entraria em colapso em algum momento do verão de 1942. A deportação de judeus europeus para o leste, portanto, agora ocorreria antes do fim da guerra. A retórica radical de Hitler em novembro e dezembro de 1941 foi arquitetada para acelerar ao máximo o planejamento detalhado e a implementação dessa política6. Visto que os judeus já estavam sendo exterminados nos territórios ocupados da Europa oriental, inclusive aqueles como Wartheland, que haviam sido incorporados ao Reich, era claro que os planos iniciais de deportá-los para o Comissariado do Reich da Ucrânia ou para alguma área indefinida mais a leste agora tinham sido abandonados. Conforme Hans Frank disse à sua equipe no Governo Geral da Polônia em 16 de dezembro de 1941, após voltar da conferência dos líderes nazistas com Hitler em 12 de dezembro em Berlim:

 

Quanto aos judeus – quero dizer isso a vocês com total franqueza –, deve-se dar um fim neles de um jeito ou de outro [...] Em Berlim nos falaram: por que vocês estão levantando todas essas objeções?; não podemos fazer nada com eles no [Comissariado do Reich do] Território Oriental ou no Comissariado do Reich [da Ucrânia], liquidem com eles vocês mesmos! Cavalheiros, devo preveni-los contra qualquer pensamento de pena. Devemos aniquilar os judeus onde quer que topemos com eles e sempre que possível a fim de sustentar a estrutura total do Reich aqui7.

 

Entretanto, como isso deveria ser feito? O número de judeus no Governo Geral que Frank foi instruído a matar era incrivelmente grande, cerca de 3,5 milhões ao todo, de acordo com Frank (um certo exagero; sua equipe mais adiante situou o número em 2,5 milhões). “Não podemos fuzilar esses 3,5 milhões de judeus”, queixou-se Frank à equipe em 16 de dezembro de 1941, “não podemos envenená-los, mas teremos condições de tomar medidas que de algum modo levem à aniquilação bem-sucedida, ou seja, ligadas a medidas de larga escala a serem discutidas a partir do Reich8.” Logo ficaria claro que medidas seriam essas.

O assassinato em massa de judeus europeus orientais que começou no verão de 1941 devia algo ao zelo ideológico de homens como Arthur Greiser, líder regional de Wartheland, e chefes de polícia e líderes de força-tarefa que executaram por iniciativa própria massacres de judeus em larga escala em vários centros. Ao mesmo tempo, porém, eles eram limitados por uma política geral cujos parâmetros eram fixados por Hitler e aplicados na prática por Himmler. Quando, por exemplo, o chefe de polícia de Riga, Friedrich Jeckeln, mandou fuzilar na chegada uma leva de judeus deportados por trem de Berlim, Himmler, cuja ordem para não matá-los, enviada em 30 de novembro de 1941, chegou a Jeckeln tarde demais, ficou furioso. Fuzilar judeus de Berlim alarmaria aqueles que ainda estavam na capital. A intenção era mantê-los por enquanto no gueto de Riga. Himmler disciplinou Jecklen e disse a ele para não agir por conta própria de novo9. Entretanto, na maioria das vezes, as iniciativas locais e regionais enquadravam-se muito bem nos propósitos globais do regime. A transferência geral da tecnologia de extermínio por gás para o leste, junto com os especialistas que sabiam como montar e operar o equipamento, e a participação de instituições como a administração do Governo Geral de Frank, o Exército, a Chancelaria do Líder (que fornecia os tecnólogos do gás) e o Escritório Central de Segurança do Reich, liderado por Himmler, mostra uma política amplamente coordenada sob a direção central. Isso também é percebido quando se analisa a cronologia das operações regionais de matança, que coincidiram com o início das deportações organizadas de judeus do Reich e a encomenda de campos especiais perto dos principais guetos no leste com o objetivo único de matar seus habitantes.

Nenhuma operação desse tamanho e escala poderia ter ocorrido no Terceiro Reich sem o conhecimento de Hitler, cuja posição de Líder fazia dele a pessoa a quem todas as instituições em última análise respondiam. Foi a retórica homicida antissemita, mas deliberadamente generalizada, de Hitler, repetida em muitas ocasiões na segunda metade de 1941, que deu a Himmler e seus subordinados o impulso essencial para levar a cabo as chacinas10. Ocasionalmente, Hitler confirmou a aprovação dos assassinatos de forma direta. Reunindo-se com Himmler em 18 de dezembro, por exemplo, ele disse ao líder da SS, de acordo com as notas deste: “questão judaica/ ser exterminados como guerrilheiros11”. O extermínio de judeus soviéticos, portanto, deveria ter prosseguimento sob o pretexto de que eram guerrilheiros. Os frutos dessa política ficaram visíveis pouco mais de um ano depois no “Relatório número 51”, datado de 29 de dezembro de 1942, enviado a Hitler por Himmler e, conforme uma anotação do ajudante de Hitler na margem comprova, visto e lido por ele. Intitulado “a luta contra bandidos”, o documento anota sob o subtítulo de “aqueles que ajudam bandidos ou suspeitos de banditismo” que o número de “judeus executados” no sul da Rússia, na Ucrânia e no distrito de Bialystok nos meses de agosto a novembro de 1942 era de nada menos que 363.21112. A simples extensão da chacina tornou-se um fator em si, sugerindo poderosamente às lideranças nazistas que o extermínio em massa de judeus em uma escala até então inimaginável agora era uma possibilidade. A essa altura, a rede nazista havia se ampliado para englobar não só judeus poloneses e soviéticos, mas também judeus de toda a Europa ocupada13.

 

 

II

 

Em 20 de janeiro de 1942, finalmente ocorreu o encontro de altos oficiais convocado por Heydrich em novembro. Entre os 15 homens reunidos em torno de uma mesa na villa de Wannsee estavam representantes do Ministério do Reich para os Territórios Ocupados do Leste (de Rosenberg), do Gabinete do Governo Geral da Polônia (de Frank) e do Serviço de Segurança da SS na Polônia, Letônia e Comissariado do Reich do Território Oriental, que estariam envolvidos com a efetiva operação do programa de extermínio; dos ministérios do Reich do Interior e da Justiça, da Chancelaria do Partido e da Chancelaria do Reich, cobrindo as questões legais e administrativas; do Ministério de Relações Exteriores, tratando dos judeus que viviam em países nominalmente independentes fora da Alemanha, em particular na Europa ocidental; do Plano de Quatro Anos, para cobrir aspectos econômicos; e dos departamentos da SS do Escritório Central de Segurança do Reich e do Escritório Central de Raça e Reassentamento, que estariam a cargo do extermínio. Tinha havido alguma discussão entre os vários sátrapas nazistas, notadamente Hans Frank e Alfred Rosenberg, quanto a quem deveria ter controle sobre a “questão judaica” nos territórios ocupados, e Heydrich quis assegurar a autoridade da SS. Ele começou, portanto, relembrando a reunião de 31 de julho de 1941 em que Göring o encarregara de fazer os arranjos detalhados para a solução final da questão judaica europeia, e que a responsabilidade global cabia a seu superior, Heinrich Himmler. Depois de expor as medidas tomadas ao longo dos vários anos anteriores para fazer que os judeus emigrassem da Alemanha, Heydrich notou que Hitler havia aprovado mais recentemente uma nova política para deportá-los para o leste. Essa era uma medida apenas temporária, enfatizou ele, embora proporcionasse “experiência prática de grande importância para a solução final da questão judaica que se aproximava14”.

Heydrich prosseguiu enumerando a população judaica de cada país da Europa, inclusive de muitos fora da esfera de influência alemã. Ele observou, por exemplo, que havia 4 mil judeus na Irlanda, 3 mil em Portugal, 8 mil na Suécia e 18 mil na Suíça. Todos esses eram países neutros, mas sua inclusão na lista sugere fortemente que, em algum ponto do futuro não muito distante, o Terceiro Reich esperava estar em posição de pressioná-los para que entregassem sua população judaica para extermínio. No total, computou Heydrich, a população judaica da Europa somava cerca de 11 milhões, embora, observou ele em tom de desaprovação, em muitos casos constassem apenas as pessoas que praticavam o judaísmo, “visto que alguns países ainda não têm uma definição do termo judeu de acordo com princípios raciais15”. “No decorrer da solução final e sob liderança apropriada”, disse ele, “os judeus serão colocados a trabalhar no leste. Em grandes colunas de trabalho de sexo único, os judeus aptos a trabalhar seguirão seu rumo para o leste construindo estradas.” Mas, na prática, essa era outra forma de extermínio, pois, continuou Heydrich: “Sem dúvida, a grande maioria será eliminada por causas naturais”. Qualquer um que sobrevivesse à experiência seria “tratado de forma apropriada porque, pela seleção natural, formariam a célula germinativa de um novo renascimento judaico (vejam a experiência da história)”. Em todo caso, aqueles julgados “aptos para trabalhar” seriam apenas uma pequena minoria. O representante do Governo Geral destacou que “os 2,5 milhões de judeus da região eram na maioria inaptos para trabalhar”. Judeus acima de 65 anos – quase um terço da população judaica restante na Alemanha e na Áustria – e judeus com condecorações de guerra ou gravemente feridos na Primeira Guerra Mundial deveriam ser mandados para guetos de idosos. A reunião discutiu os problemas de persuadir países ocupados ou aliados a entregar sua população judaica. Um “consultor para questões judaicas” teria de ser imposto ao governo húngaro com esse objetivo. Fazendo uma pausa para comentar que a “questão judaica” já fora “resolvida” na Eslováquia e na Croácia, o encontro mergulhou então em uma discussão pedante e inconclusiva sobre o que fazer com gente “racialmente mista” – assunto que continuou a ser debatido em reuniões e discussões seguintes, notadamente em 6 de março de 1942. A conferência foi então concluída com o que as minutas descreveram recatadamente como “vários tipos de solução possíveis”. De acordo com testemunhos posteriores, esses tipos de solução incluíam o uso das caminhonetes de gás16.

Houve argumentações de que o principal interesse da conferência foi organizar a provisão de trabalho para os imensos projetos de construção de estradas imaginados pelo Plano Geral para o Leste. Por conseguinte, não teria sido realmente sobre assassinato em massa17. Mas, na verdade, a Força-Tarefa C já havia recomendado há alguns meses o recrutamento de judeus para projetos de trabalho e comentado que isso iria “resultar em uma liquidação gradual da judiaria”. Os trabalhadores escravos judeus seriam privados de rações adequadas e trabalhariam até cair. Dada a escassez de mão de obra de que a economia de guerra alemã sofria cada vez mais, usar operários judeus parecia inevitável; mas, no fim, não era uma alternativa a matá-los, era apenas uma forma diferente de fazê-lo. A referência quase parentética ao fato de que os judeus do Governo Geral eram na maioria inadequados para o trabalho, mais a declaração de que aqueles que sobrevivessem às colunas de trabalho seriam mortos, significa que o objetivo principal do encontro foi discutir a logística do extermínio. Os homens sentados em torno da mesa na villa de Wannsee estavam bem cientes disso18.

A ênfase da conferência no “extermínio pelo trabalho” teve consequências administrativas importantes nas semanas seguintes. Em fevereiro de 1942, a administração de todos os campos de concentração foi reestruturada, com as divisões econômicas, de construção e administrativas internas sendo fundidas no novo Escritório Central de Economia e Administração da SS sob Oswald Pohl. O Grupo D do escritório central de Pohl, sob Richard Glücks, agora estava a cargo de todo o sistema de campos de concentração. Essas mudanças marcaram o fato de que os campos agora eram vistos como uma fonte significativa de mão de obra a ser fornecida para as indústrias bélicas da Alemanha. Isso, na verdade, já havia começado antes da guerra, mas agora se tornaria mais sistemático. Todavia, a SS não abordou de modo racional a necessidade de usar mão de obra prisioneira na economia de guerra. Para a SS, tirar o máximo daqueles homens não era uma questão de melhorar suas condições ou pagar salários. Em vez disso, eles seriam forçados a aumentar a produção operária pela violência e pelo terror. Os prisioneiros eram considerados pela SS não apenas sacrificáveis, mas obstáculos ao reordenamento racial da Europa oriental a médio e longo prazo. Por conseguinte, deveriam ser submetidos a “extermínio através do trabalho”. Aqueles que se tornassem improdutivos seriam mortos e substituídos por novos trabalhadores escravos. Era isso que a SS também imaginava que aconteceria com milhões de eslavos quando a guerra acabasse. A seleção de judeus com aptidões físicas para tarefas de trabalho proporcionou uma justificativa conveniente para a chacina em massa de milhões julgados inaptos para o trabalho19.

A conversa na Conferência de Wannsee, conforme Eichmann – que fez as minutas – mais tarde admitiu, foi sobre matança, muitas vezes expressa “em palavras muito grosseiras [...] totalmente fora da linguagem legal20”. As minutas atenuaram isso, mas em pontos-chave deixam claro que todos os judeus da Europa pereceriam de um jeito ou de outro. Quase todos os homens ao redor da mesa em algum momento tinham dado ordens diretas para matar judeus – quatro deles haviam ordenado ou dirigido os assassinatos em massa levados a cabo pelas forças-tarefa do Serviço de Segurança da SS, tanto Eichmann quanto Martin Luther, do Ministério de Relações Exteriores, haviam exigido explicitamente que todos os judeus da Sérvia fossem fuzilados, vários participantes, inclusive os representantes da Chancelaria do Reich e do Ministério de Relações Exteriores, muito provavelmente tinham visto as estatísticas de assassinato em massa compiladas pelas forças-tarefa e mandadas para Berlim, e os oficiais enviados a Wannsee pelo Governo Geral e pelo Ministério para os Territórios Ocupados do Leste já haviam sancionado o assassinato de judeus julgados inaptos para o trabalho – ou criado condições nos guetos que sabiam que seriam fatais para muitos de seus habitantes21. Assim, não tinham problemas em planejar um genocídio.

No fim do encontro, os participantes ficaram por lá mais um tempo bebendo conhaque e se parabenizando por um dia de trabalho produtivo. Heydrich sentou-se à lareira com Eichmann e Heinrich Müller, o chefe da Gestapo, os três do Escritório Central de Segurança do Reich. Heydrich começou a fumar e a beber conhaque, algo que Eichmann disse mais tarde que nunca o vira fazer antes, ou pelo menos não há muitos anos. O Ministério do Interior e o Governo Geral tinham entrado na linha, e a autoridade geral de Heydrich sobre a “solução final” fora afirmada de modo inequívoco. Ao remeter 30 cópias das minutas para vários oficiais, Heydrich notou que “felizmente a linha fundamental” fora estabelecida “no que se refere à execução prática da solução final da questão judaica22”. Ao ler a cópia das minutas, Joseph Goebbels anotou: “A questão judaica deve ser resolvida agora em uma escala pan-europeia”. Em 31 de janeiro de 1942, Eichmann emitiu novas ordens de deportação. Problemas nos transportes retardaram as coisas por algumas semanas, de modo que ele ordenou uma nova série de deportações de judeus alemães em março23. Estes foram levados não para campos de concentração, mas para guetos no leste. Lá ficariam confinados por um tempo, possivelmente até o fim da guerra, antes de serem mortos. Nesse meio-tempo, os que tivessem condições seriam usados como mão de obra. Para dar espaço a eles, os judeus poloneses e europeus orientais dos guetos teriam de ser retirados e exterminados nos campos próximos que já estavam sendo preparados com esse propósito24.

 

 

III

 

A Conferência de Wannsee e seu rescaldo aconteceram em uma atmosfera de violenta propaganda antissemita, liderada pelo próprio Hitler. Em 30 de janeiro de 1942, no tradicional discurso para assinalar o aniversário de sua nomeação como chanceler do Reich em 1933, ele recordou à plateia no Palácio de Esportes de Berlim que, em 1939, havia profetizado que, se os judeus começassem uma guerra mundial, seriam aniquilados: “Estamos [...] certos de que a guerra só pode acabar ou com os povos arianos sendo exterminados, ou com a judiaria desaparecendo da Europa [...] Dessa vez a verdadeira velha lei judaica do ‘olho por olho, dente por dente’, está sendo aplicada pela primeira vez!25”. Em particular, Hitler garantiu a Himmler e a Lammers que os judeus teriam de deixar a Europa de vez. “Não sei”, disse ele em 25 de janeiro de 1942,

 

sou colossalmente humano. Nos tempos do governo papal em Roma, os judeus foram maltratados. Todos os anos, até 1830, oito judeus eram transportados pela cidade em jumentos. Só estou dizendo que eles têm de ir. Se perecerem no processo, não posso fazer nada. Só vejo o extermínio total caso eles não partam por sua livre vontade. Por que eu deveria considerar um judeu diferente de um prisioneiro russo? Muitos estão morrendo nos campos de prisioneiros porque foram levados a essa situação pelos judeus. Mas o que posso fazer? Por que então os judeus provocaram a guerra?26

 

Eis aí um momento em que Hitler admitiu a chacina de grande quantidade de prisioneiros de guerra soviéticos, declarando que igual sina estava se abatendo sobre os judeus da Europa, ao mesmo tempo que verbalmente lavou as mãos da responsabilidade por ambas as atividades de assassinato em massa: na imaginação dele, os judeus eram os responsáveis.

As justificativas de Hitler para o genocídio continuaram ao longo dos primeiros meses de 1942, expressas em termos que não deixavam nada a desejar em clareza. A insistência repetida na necessidade de destruir, remover, aniquilar e exterminar os judeus da Europa constituiu uma série de estímulos a seus subordinados, liderados por Himmler, de prosseguir com o extermínio vigoroso de judeus mesmo antes de a guerra acabar27. Em 14 de fevereiro de 1942, Hitler disse a Goebbels que

 

está determinado a liquidar os judeus da Europa sem remorso. É inadmissível ter-se qualquer tipo de emoção sentimental nisso. Os judeus mereceram a catástrofe que estão vivenciando hoje. Assim como nossos inimigos são aniquilados, eles também vão experimentar sua própria aniquilação. Devemos acelerar esse processo com frieza implacável, e fazendo isso prestamos um serviço incalculável para a raça humana, que foi atormentada pela judiaria por milênios28.

 

O próprio Goebbels estava bem ciente do processo pelo qual o programa de matança estava sendo posto em prática. Em 27 de março de 1942, ele confidenciou ao diário os detalhes do que ficara sabendo – ou pelo menos alguns deles; até mesmo Goebbels era cauteloso demais para colocar tudo no papel. A passagem a seguir é crucial quanto às ideias de Hitler, bem como de seu ministro de Propaganda, e merece ser citada na íntegra:

 

Os judeus agora estão sendo postos para fora do Governo Geral, começando por Lublin, no leste. Um procedimento deveras bárbaro está sendo aplicado por lá, e não deve ser descrito com nenhum detalhe, e não restam muito judeus. No geral, pode-se concluir que 60% deles devem ser liquidados, ao passo que apenas 40% podem ser colocados para trabalhar. O ex-líder regional de Viena [Globocnik], que está desempenhando a ação, age de modo deveras prudente e com um procedimento que não funciona de modo excessivamente chamativo. Os judeus estão sendo punidos de forma bárbara, mas mereceram plenamente. A profecia que o Líder lançou a eles no processo, caso iniciassem uma nova guerra mundial, está começando a se realizar da maneira mais terrível. Não se pode permitir que nenhum sentimentalismo governe esses assuntos. Se não nos defendêssemos contra eles, os judeus nos aniquilariam. É uma luta de vida e morte entre a raça ariana e o bacilo judaico. Nenhum outro governo e nenhum outro regime poderiam reunir o vigor para a solução geral da questão. Nisso também o Líder é o porta-voz pioneiro e persistente de uma solução radical, exigida pelo jeito que as coisas são e que por isso parece inevitável29.

 

Os guetos do Governo Geral, prosseguiu ele, seriam enchidos de judeus do Reich à medida que ficassem desocupados (em outras palavras, quando seus habitantes houvessem sido mortos), e depois o processo se repetiria30. A insistência em que os judeus estavam terminantemente decididos a exterminar a raça alemã proporcionava uma justificativa implícita para matá-los em massa.

Essa série de invectivas antissemitas culminou com um discurso proferido por Hitler na derradeira sessão do Reichstag, na tarde de 26 de abril de 1942. Os judeus, disse ele, haviam destruído as tradições culturais da sociedade humana. “O que resta então é a parte animal do ser humano e uma classe judaica que, tendo sido conduzida à liderança, no fim destrói sua própria fonte de nutrição como um parasita.” Só agora a Europa estava declarando guerra a esse processo de decomposição de seus povos pelos judeus31. No mesmo dia, Goebbels anotou no diário: “Repassei mais vez a questão judaica com o Líder em detalhes. Sua posição a respeito desse problema é implacável. Ele deseja expulsar os judeus da Europa de forma absoluta32”. Os discursos de Hitler nesses meses foram acompanhados de um coro crescente de falas antissemitas de outros líderes nazistas e de diatribes antijudaicas na imprensa. Em um discurso proferido no Palácio de Esportes de Berlim em 2 de fevereiro de 1942, o líder da Frente Trabalhista Alemã Robert Ley declarou: “A judiaria vai e deve ser exterminada. Essa é nossa missão sagrada. É disso que trata essa guerra33”. Para isso, foram cruciais as ansiedades de fundo ideológico dos líderes nazistas sobre a ameaça à segurança que acreditavam que os judeus representavam. Essa ameaça foi ilustrada de modo dramático por um ataque a bomba organizado por um grupo de resistência comunista sob a liderança de Herbert Baum a uma exposição antissoviética em Berlim em 18 de maio de 1942. Houve pouco estrago, e ninguém ficou ferido. Mas a ação causou considerável impressão na liderança nazista. A Gestapo teve sucesso em rastrear e deter os responsáveis, entre os quais, escreveu Goebbels em 24 de maio de 1942, havia cinco judeus e três semijudeus, bem como quatro não judeus. “A partir dessa composição, vê-se o quanto nossa política judaica está correta”, ele anotou. Goebbels achou que aquilo mostrava que todos os judeus remanescentes tinham de ser removidos de Berlim por medida de segurança. “Claro que a melhor coisa seria o extermínio34.” Baum cometeu suicídio depois de ser torturado, os outros membros do grupo foram executados, e 250 homens judeus encarcerados em Sachsenhausen foram fuzilados em “represália”, sendo substituídos por outros 250 judeus de Berlim presos como reféns. Em 23 de maio de 1942, Hitler disse a líderes nazistas reunidos na Chancelaria do Reich que o ataque a bomba demonstrou “que os judeus estão decididos a levar essa guerra a uma conclusão vitoriosa para eles sob qualquer circunstância, uma vez que sabem que a derrota também significa extermínio pessoal para eles35”. Em conversa com o ministro da Propaganda em 29 de maio de 1942, Hitler concordou em não ceder a objeções à deportação dos trabalhadores forçados judeus de Berlim. Eles poderiam ser substituídos por trabalhadores estrangeiros. “Vejo um grande perigo”, disse Goebbels, “no fato de 40 mil judeus que não têm mais nada a perder estarem à solta na capital do Reich.” A experiência da Primeira Guerra Mundial, acrescentou Hitler, mostrou que os alemães só participavam em movimentos subversivos quando persuadidos a fazê-lo por judeus. “Em todo caso”, escreveu Goebbels, “a meta do Líder é deixar toda a Europa ocidental livre de judeus36.”

Essas diatribes radicais contra os judeus foram traduzidas em ação por Heinrich Himmler, que se reuniu com Hitler em várias ocasiões nesses meses para discussões confidenciais. No fim do inverno e começo da primavera de 1942, após a Conferência de Wannsee, Himmler forçou o avanço do programa de matança repetidas vezes. Visitou a Cracóvia e Lublin em 13-14 de março, quando teve início o programa de chacinas em massa por gás venenoso. Um mês depois, em 17 de abril de 1942, um dia após falar com Hitler, ele estava em Varsóvia, onde ordenou o assassinato de judeus europeus orientais que haviam chegado ao gueto de Lódź. Depois de mais uma consulta com Hitler em 14 de julho de 1942, Himmler viajou para o leste de novo para acelerar o programa de matança. Em Lublin, enviou para Krüger, o chefe de polícia do Governo Geral, uma ordem de organizar a matança dos judeus restantes no Governo Geral até o fim do ano. Himmler emitiu até mesmo uma ordem escrita para o extermínio dos últimos judeus ucranianos, que teve início em maio de 1942. Como no outono e no inverno passados, Himmler, viajando atarefado pelas áreas ocupadas na Polônia, forçou o andamento da matança mais uma vez. A Conferência de Wannsee tornara o processo mais fácil de coordenar e implementar, mas não o havia inaugurado, nem tampouco transformado em uma sequência automática de acontecimentos37. A atividade incansável de Himmler garantiu que o processo entrasse em vigor. Conforme ele anotou em 26 de julho de 1942, em reação ao que viu como uma tentativa de Rosenberg de interferir na política referente aos judeus: “Os territórios ocupados do leste ficarão livres de judeus. O Líder depositou a implementação dessa ordem muito difícil sobre os meus ombros. Portanto, proíbo qualquer outro de se meter nisso38”.

Ao mesmo tempo, no Escritório Central de Segurança do Reich, Adolf Eichmann dava prosseguimento à Conferência de Wannsee emitindo uma torrente de ordens projetadas para fazer os trens rodar para os guetos da Europa oriental outra vez. Em 6 de março de 1942, ele disse aos chefes da Gestapo que mais 55 mil judeus teriam de ser deportados do Velho Reich, do Protetorado e do “Marco Oriental” (isto é, a antiga Áustria). Cerca de 60 trens, cada um deles carregado com até mil deportados, rumaram para os guetos nas semanas seguintes. A remoção da maioria dos empregados das instituições judaicas restantes começou, com a primeira leva de trem partindo em 20 de outubro de 1942, seguida dos reclusos judeus dos campos de concentração do Reich. Em decorrência da decisão de começar a deportar trabalhadores judeus das fábricas de munição da Alemanha e substituí-los por poloneses, a polícia começou a reunir os “judeus inteiros” e suas famílias na Alemanha em 27 de fevereiro de 1943. A primeira leva de trem partiu em 1º de março de 1943 e até o fim da primeira semana de atividade quase 11 mil judeus haviam sido transportados, inclusive 7 mil de Berlim, onde a maioria dos judeus restantes agora vivia. Dos judeus detidos em Berlim, entre 1,5 mil e 2 mil conseguiram demonstrar à polícia que estavam isentos de deportação, a maioria por serem casados com cônjuges não judeus. Enquanto as autoridades elaboravam os detalhes a respeito de para onde deveriam ser mandados para trabalhar – não mais em fábricas de munição por motivo de segurança, mas nas poucas instituições judaicas remanescentes na capital, como hospitais –, a esposa, os parentes e os amigos dos prisioneiros reuniram-se na calçada do outro lado do prédio da Rosenstrasse, 2-4, onde eles haviam sido detidos, chamando-os e às vezes tentando enviar pacotes de comida para dentro do edifício. Em 8 de março de 1943, a maioria dos prisioneiros fora remanejada para novos serviços; o resto foi logo em seguida. A pequena multidão dispersou-se. A lenda decorrente disso elevou o incidente a um raro protesto público que haveria garantido a liberação dos reclusos; mas jamais houve intenção de se mandar esses judeus específicos para o extermínio no leste, e a multidão não se engajou em nenhum tipo de protesto explícito39. A essa altura, as últimas organizações comunitárias judaicas restantes na Alemanha haviam enfim sido destruídas; os únicos judeus que sobravam eram aqueles em posição privilegiada (basicamente pelo casamento com não judeus) ou os que estavam na clandestinidade.

Para alguns, o suicídio pareceu a única saída digna. O escritor Jochen Klepper, devoto protestante cuja esposa e enteadas eram judias, rejeitou a ideia de resistência, como muitos fizeram, por questão de patriotismo. “Não podemos desejar a derrocada da Alemanha por causa da amargura contra o Terceiro Reich”, ele escreveu em seu diário na eclosão da guerra40. À medida que uma regra antissemita após a outra era impingida à sua família, Klepper deu jeito de garantir a permissão para que uma das enteadas emigrasse, mas a outra, Renate, ficou. Em 1937, ele havia enviado ao ministro do Interior, Wilhelm Frick, exemplares de seu bem-sucedido romance histórico Der Vater: Roman des Soldatenkönigs [O pai: o romance do soldado rei], e em outubro de 1941 usou a apreciação de Frick a seu trabalho para garantir uma carta oficial certificando que Renate ficaria isenta da deportação. Em 5 de dezembro de 1942, Renate obteve um visto de imigração da embaixada sueca em Berlim, mas, quando Klepper visitou Frick para tentar obter permissão para que sua esposa fosse embora com ela, o ministro do Interior disse: “Não posso proteger sua esposa. Não posso proteger nenhum judeu. Coisas assim por sua própria natureza não podem ser levadas a cabo em segredo. Elas vão chegar aos ouvidos do Líder e então haverá uma comoção mortífera41”. Era provável, disse Frick, que as duas mulheres fossem deportadas para o leste. “Deus sabe”, escreveu Klepper em desespero, “que não posso suportar deixar Hanni e a filha irem na mais cruel e mais pavorosa de todas as deportações42.” Restava uma última chance. Visto que Frick de qualquer modo havia perdido o poder de conceder vistos de emigração, Klepper mexeu mais alguns pauzinhos e obteve uma entrevista pessoal com Adolf Eichmann, que lhe disse que a filha provavelmente teria condições de partir, mas sua esposa não. Klepper, a esposa e a filha não queriam se separar. “Agora vamos morrer – oh, isso também está nas mãos de Deus”, escreveu Klepper em 10 de dezembro. “Vamos para a morte juntos hoje à noite. Em nossas últimas horas, paira acima de nós a imagem de Cristo abençoando, e ele vai lutar por nós. Com essa visão, nossa vida chegará ao fim43.” Poucas horas depois, eles estavam mortos.

Muitos judeus mataram-se em vez de ser deportados nessa época; outros o fizeram mais pelo desespero diante de sua situação cada vez mais intolerável. Entre eles, estava Joachim Gottschalk, um conhecido ator de cinema que fora proibido por Goebbels de aparecer em filmes por ter se recusado a se divorciar da esposa judia. Em 6 de novembro de 1941, ele se matou com a esposa e a filha quando as duas mulheres receberam uma carta de deportação. Outra foi a viúva do pintor Max Liebermann, que se matou em 1943 quando recebeu a ordem de deportação. Ela foi sepultada no cemitério judaico de Weissensee, onde 811 suicidas haviam sido enterrados no ano anterior, contra 254 em 1941. Cerca de 4 mil judeus alemães mataram-se em 1941-43, com o número subindo para 850 apenas no quarto trimestre de 1941. Àquela altura, o suicídio de judeus somava quase metade de todos os suicídios de Berlim não obstante o número minúsculo da comunidade judaica sobrevivente. A maioria eram idosos, que viam a ingestão de veneno, o método mais comum, como uma forma de garantir o direito de acabar com a própria vida quando e como quisessem, em vez de ser assassinados pelos nazistas. Alguns homens colocavam suas medalhas por serviço na Primeira Guerra Mundial antes de cometer suicídio. Tais atos continuaram quase até o fim da guerra. Em 30 de outubro de 1944, por exemplo, uma judia de Berlim cujo marido não judeu havia sido morto na frente oriental recusou-se a aceitar sua situação e não pegou sua “estrela judaica” no escritório da Gestapo em sua cidade natal, preferindo em vez disso tirar sua vida44.

Bem antes dessa época, o programa de extermínio fora estendido a outras partes da Europa. As deportações começaram em 25 de março de 1942. Ao longo das semanas seguintes, cerca de 90 mil judeus, primeiro rapazes para o trabalho, depois homens mais velhos, mulheres e crianças foram enviados pelo Estado-fantoche da Eslováquia para guetos no distrito de Lublin e para campos no leste. Ao visitar Bratislava, a capital eslovaca, em 10 de abril de 1942, Heydrich disse ao ministro presidente Tuka que aquela era apenas “uma parte do programa” de deportação de meio milhão de judeus de países europeus, incluindo a Holanda, a Bélgica e a França45. Em 27 de março de 1942, 1.112 judeus foram deportados de Paris para o leste, a fim de serem mantidos como reféns para deter a resistência francesa (com a qual, na realidade, muito poucos deles tinham qualquer conexão). Mais cinco levas de trem, cuja partida já fora proposta por Heydrich na primavera, seguiram-se em junho e julho de 1942. Em julho, houve a decisão de solicitar ao governo croata que entregasse os judeus do país à Alemanha para extermínio; 5 mil foram devidamente deportados no mês seguinte. Foi feita pressão sobre outros aliados da Alemanha, incluindo a Hungria e a Finlândia, para que fizessem a mesma coisa. A “solução final da questão judaica na Europa” agora estava em andamento46.

 

 

IV

 

Alguns meses antes, perto do fim de setembro de 1941, Hitler havia aposentado o protetor do Reich da Boêmia e Morávia, o antigo conservador e ex-ministro de Relações Exteriores Konstantin von Neurath, aparentemente por motivo de saúde. Os ocupantes alemães haviam começado a deparar com resistência crescente dos tchecos, e atos de sabotagem comunista e outras atividades de subversão multiplicavam-se no rastro da invasão alemã da União Soviética. A situação, pensou Hitler, exigia uma abordagem mais firme e mais completa do que Neurath podia oferecer. O novo protetor do Reich foi Reinhard Heydrich, que agora somava, portanto, o governo da Boêmia e Morávia a suas muitas outras tarefas. Heydrich não tardou a anunciar que os tchecos seriam divididos em três categorias básicas. Os racial e ideologicamente doentios seriam deportados para o leste. Aqueles julgados racialmente insatisfatórios mas ideologicamente aceitáveis seriam esterilizados. Os tchecos racialmente impecáveis mas ideologicamente dúbios seriam germanizados. Caso se recusassem, seriam fuzilados. Antes que pudesse lançar esse programa bizarro, Heydrich teve de lidar com a onda crescente de resistência. Ele começou a deter e a executar tchecos pela participação no movimento – 404 apenas nos primeiros dois meses de gabinete. Ao longo do mesmo período, mandou mais 1,3 mil para campos de concentração do Reich, onde a maioria pereceu. Em outubro de 1941, encenou um julgamento espetaculoso do primeiro-ministro tcheco de fachada, Alois Eliáš, que foi condenado à morte em uma avalanche de publicidade por supostamente fazer contato com o governo tcheco no exílio e encorajar a resistência local. Eliáš acabou executado em junho de 1942. Essas medidas destruíram efetivamente o movimento de resistência tcheco, conferindo a Heydrich o apelido de “o Carniceiro de Praga”. Encarregado entre outras coisas de melhorar a produtividade dos trabalhadores e fazendeiros tchecos no interesse do abastecimento da agricultura e da indústria alemãs, ele, não obstante, também aumentou a ração alimentar de mais de 2 milhões de operários e disponibilizou 200 mil pares de sapatos novos muito necessários para os trabalhadores da indústria bélica. Organizou e melhorou o sistema de seguridade social tcheco e se envolveu em uma série de gestos públicos para atrair as massas tchecas para longe da classe intelectual nacionalista, inclusive um esquema de mandar operários para hotéis de luxo em estações de águas tchecas. Tudo isso, ele considerou, evitaria o ressurgimento de qualquer tipo de movimento de resistência sério, agora que a resistência existente fora efetivamente destruída47.

Alarmado com o aparente sucesso das políticas de Heydrich, o governo tcheco no exílio em Londres insistiu em que ele deveria ser morto. Isso teria o benefício adicional de incitar uma rígida repressão, que por sua vez colocaria o movimento de resistência em funcionamento outra vez. Sem um movimento de resistência ativo trabalhando por ele no Protetorado, o governo exilado tcheco poderia se encontrar em uma posição de negociação frágil quando a guerra enfim acabasse. O governo britânico concordou com esse plano. Dois exilados tchecos, Jozef Gabčik e Jan Kubiš, foram selecionados pelo governo exilado tcheco em dezembro de 1941 para fazer o serviço. Receberam treinamento em técnicas de sabotagem e espionagem dos britânicos e voaram para o Protetorado em um avião fornecido pela Executiva de Operações Especiais Britânicas em maio de 1942, saltando de paraquedas em um campo nos arredores de Praga. Na manhã de 27 de maio de 1942, Heydrich saiu de casa, a 20 quilômetros de Praga, para ir de carro até seu escritório no Castelo de Hradany, no centro da cidade. Apesar de ser o principal oficial de segurança do Reich, ele não se dava ao menor trabalho com sua segurança pessoal. Viajava sozinho, sem escolta; a única pessoa com ele no carro era o motorista. Nessa ocasião específica, desfrutando do clima agradável de primavera, Heydrich pedira para ser levado ao trabalho em um carro sem capota. Os matadores haviam percebido que Heydrich percorria a mesma rota todos os dias na mesma hora. Embora Heydrich estivesse um pouco mais atrasado que de costume naquela manhã específica, eles ainda estavam à espera quando o carro reduziu a velocidade para fazer uma curva fechada na estrada de um subúrbio da capital tcheca. A submetralhadora de Gabčik emperrou quando ele tentou disparar, mas Kubiš conseguiu lançar uma granada que atingiu a roda traseira e explodiu, fazendo o carro parar. Heydrich saltou, sacou o revólver e começou a atirar em Kubiš, que correu para trás de um bonde que passava, pulou em uma bicicleta e pedalou para longe da cena. Frustrado, Heydrich voltou-se para Gabčik, que trocou tiros com um revólver, errando Heydrich, mas atingindo o motorista nas duas pernas. A seguir, Heydrich levou a mão ao quadril e parou, vacilante. Gabčik deixou a cena e conseguiu escapar metendo-se em um bonde lotado. O vigia, que havia sinalizado com um espelho para avisar os matadores de que o carro estava vindo, saiu a pé calmamente da cena48.

Heydrich ficou gravemente ferido. A granada, ao explodir, fez que pedacinhos de couro e crina e fragmentos de molas de aço do estofamento do carro penetrassem em suas costelas, estômago e baço. Os estilhaços foram removidos em uma cirurgia, mas o corte foi grande demais, o ferimento infeccionou e, em 4 de junho de 1942, Heydrich morreu49. Ele era, declarou o jornal da SS, As Tropas Negras, em um obituário, “um homem sem defeitos50”. Hitler classificou-o como “indispensável51”. Com certeza, para muita gente, ele parecia a encarnação de todas as virtudes da SS. Até mesmo seus homens, às vezes, chamavam-no, com um toque de ironia, de “a besta loira”. Todavia, seu caráter permaneceu elusivo, difícil de determinar com exatidão. Muitos historiadores caracterizaram Heydrich como um técnico do poder, um “artífice do pragmatismo”, ou a “encarnação da tecnologia de governo pela força bruta”. Não resta dúvida a respeito de sua ambição voraz de fazer uma carreira pessoal no Terceiro Reich. Argumentou-se que ideologia era algo que ele era inteligente demais para levar a sério. Contudo, qualquer um que leia seus memorandos e declarações deve por certo ficar impressionado com a assimilação insensata e total da ideologia nazista, com a impregnação dos padrões de pensamento do nazismo, com a falta de reconhecimento de qualquer alternativa possível à visão de mundo nazista52. Seu extraordinário esquema para classificar e lidar com a população tcheca é um caso típico.

O que estava ausente na retórica de Heydrich era a grosseria e a crueza que com tanta frequência caraterizavam a linguagem usada pelos “velhos combatentes” como Hans Frank, Hermann Göring ou Heinrich Himmler. Para Heydrich, a ideologia nazista parecia ser algo totalmente impessoal, um conjunto incontestado de ideias e atitudes que ele ambicionava colocar em prática no mundo com eficiência fria e desapaixonada. A maioria de seus colegas e subordinados tinha medo dele, até mesmo Himmler, que sabia muitíssimo bem de sua inferioridade intelectual em relação a Heydrich. “Você e sua lógica”, Himmler gritou com Heydrich em certa ocasião: “Nunca ouvimos nada a não ser sua lógica. Tudo que eu proponho você demole com sua lógica. Estou farto de seu criticismo frio e racional53.” Contudo, por outro lado, Heydrich também era, conforme muitos observaram, um homem apaixonado, um esportista entusiástico, um músico que com frequência ficava nítida e profundamente emocionado ao tocar violino. A personalidade dividida não escapou à atenção de seus contemporâneos, muitos dos quais (de forma bastante equivocada) explicaram-na em termos de uma ancestralidade dividida, parcialmente judaica – “um homem infeliz, completamente dividido contra si mesmo, como muito acontece com aqueles de raça mista”, teria dito Himmler54. Carl J. Burckhardt, comissário da Liga das Nações em Danzig durante a década de 1930, disse para si mesmo ao conhecer Heydrich: “Duas pessoas estão olhando para mim simultaneamente55”. Um dos colegas de Heydrich contou a Burckhardt uma história de que Heydrich, ao chegar em casa bêbado, olhou pela porta do banheiro, onde as luzes estavam acesas, e viu sua imagem de corpo inteiro no espelho da parede em frente. Sacou o revólver e disparou duas vezes no reflexo, gritando: “Finalmente peguei você, canalha!56”.

Hitler concedeu a Heydrich uma cerimônia fúnebre adequadamente solene e pomposa. No âmbito particular, ficou furioso com a falha de segurança que havia propiciado a chance dos matadores. O hábito de Heydrich de se entregar a “esses gestos heroicos de andar em veículos abertos e sem blindagem” era, disse ele, “estúpido e idiota57”. Heydrich foi substituído no Protetorado por Karl Hermann Frank, que havia sido seu vice, bem como de Neurath. Defensor de uma abordagem menos sutil, mais cruamente repressora que Heydrich, Frank foi por fim nomeado ministro de Estado alemão para a Boêmia e Morávia em agosto de 1943. Foi Frank que presidiu a pavorosa vingança de Hitler imposta aos tchecos. Os matadores, escondidos na Igreja Ortodoxa de São Cirilo e Metódio em Praga, foram entregues à Gestapo por um agente local da Executiva de Operações Especiais Britânica em troca de uma gorda recompensa. Junto com outros cinco agentes que também haviam sido lançados de paraquedas no Protetorado pelos britânicos, Gabčik e Kubiš lutaram em uma encarniçada troca de tiros durante horas. Enfim, percebendo que a situação não tinha remédio, voltaram as armas contra si mesmos. De início, Hitler queria fuzilar 10 mil tchecos imediatamente como retaliação pelo assassinato e eliminar toda a intelectualidade tcheca, como fizera com os poloneses. Ele disse ao presidente-fantoche tcheco Hácha: “Vamos considerar a deportação de toda a população tcheca”, caso ocorresse outro incidente semelhante58. Voando sem demora para Berlim, Hermann Frank persuadiu o Líder de que essas medidas causariam um dano imenso à produção tcheca de armas. Entre os documentos encontrados com outro agente tcheco da Executiva de Operações Especiais havia um mencionando a aldeia tcheca de Lídice. Frank sugeriu que transformar a aldeia em um exemplo seria uma retaliação suficiente. Hitler concordou. Em 10 de junho de 1942, toda a população de Lídice, acusada de oferecer abrigo aos matadores, foi reunida, os homens fuzilados, as mulheres mandadas para o campo de concentração de Ravensbrück e as crianças levadas para classificação racial. Dessas, 88 foram julgadas racialmente inferiores, retiradas e mortas; as outras 17 receberam novas identidades e foram colocadas com famílias alemãs para adoção. A aldeia foi reduzida a cinzas. Outros 24 homens e mulheres foram fuzilados no povoado de Lezacky, e seus filhos enviados para Ravensbrück. Mais 1.357 pessoas foram sumariamente julgadas e executadas por suposto envolvimento com a resistência. Outros 250 tchecos, incluindo famílias inteiras, foram mortos no campo de concentração de Mauthausen. E mil judeus foram arrebanhados em Praga e levados embora para ser fuzilados. No total, cerca de 5 mil tchecos pereceram na orgia de vingança. Apenas a necessidade desesperada do regime nazista pelos produtos da grande e avançada indústria de armas boêmia impediu que o terror fosse adiante. Por enquanto, pelo menos, o objetivo fora atingido59.

O assassinato de Heydrich reforçou o medo da liderança nazista de que os judeus (que, na verdade, não tinham nada a ver com aquilo) representassem uma crescente ameaça à segurança na frente doméstica. Alguns historiadores também argumentaram que a crescente escassez de alimentos no Reich foi o que incitou a aceleração do programa de matança na época. A ração diária distribuída à população alemã em casa fora cortada em abril de 1942. Os cortes não só eram impopulares, como obrigavam o governo a reduzir ainda mais a ração distribuída a trabalhadores estrangeiros na Alemanha para evitar comentários hostis dos nativos alemães. Isso prejudicava a produtividade. A severidade dos cortes foi tamanha que Hitler tomou a medida incomum de forçar a aposentadoria de seu ministro da Agricultura, Richard Walther Darré, que havia se mostrado mais um ideólogo do que administrador, e promover o principal funcionário público do ministério, Herbert Backe, ao posto de ministro interino. Depois de se reunir com Hitler e Himmler em maio de 1942, Backe garantiu a concordância deles com o fim do abastecimento das Forças Armadas alemãs a partir da Alemanha. Dali em diante, elas teriam de viver da terra. No leste, onde a maior parte estava estacionada, isso significou cortar ainda mais a ração da população local, o que foi ordenado por Backe em 23 de junho de 1942. E, quanto aos judeus restantes na região, cujo abastecimento de comida já havia sido reduzido a índices de inanição por muitos administradores locais, a ração seria cortada de vez. O Governo Geral, disse Backe, estaria “higienizado” de judeus “no ano que vem60”. Mas é claro que isso não foi uma declaração de intenção, sendo mais um relatório sobre o que era esperado, dada a escala dos programas de matança já em operação. Tampouco existe alguma evidência que sugira ligação causal direta entre a situação da comida e qualquer aceleração decisiva no programa de extermínio. As considerações de segurança mantiveram-se predominantes na mente da liderança nazista.

Em 19 de julho de 1942, Himmler mandou Friedrich Wilhelm Krüger, o chefe de polícia do Governo Geral, assegurar-se “de que o reassentamento de toda a população judaica do Governo Geral seja executado e concluído até 31 de dezembro de 1942”. A reordenação étnica da Europa exigia uma “limpeza total61”. Hitler agora também decidira, conforme disse em setembro de 1942, que os operários judeus deviam ser removidos tanto quanto possível das fábricas de munição do Reich e que todos os judeus restantes de Berlim deviam ser deportados62. Ele voltou à “profecia” de 30 de janeiro de 1939 em um discurso no Palácio de Esportes de Berlim em 30 de setembro de 1942. Disse à plateia que havia previsto “que, caso a judiaria provoque uma guerra mundial internacional para o extermínio dos povos arianos, não serão os povos arianos que serão exterminados, mas a judiaria”. Contudo agora, “uma onda antissemita” estava passando pela Europa “de um povo para outro”, e todo Estado que entrava na guerra tornava-se um Estado antissemita63. Foi relatado que, em uma discussão privada com Bormann em 10 de outubro de 1942, Göring teria dito “acreditar que os passos tomados pelo líder da SS do Reich, Himmler, estejam absolutamente corretos”, a despeito de que tivesse de haver pelo menos algumas exceções (provavelmente por motivos econômicos)64. Poucos dias antes, em um discurso proferido no Palácio de Esportes de Berlim, Göring havia dito à plateia que Churchill e Roosevelt eram “gente bêbada e doente mental, manipulada pelos judeus”. A guerra era uma “grande guerra de raças [...] a respeito de se os alemães e arianos vão sobreviver, ou se os judeus vão dominar o mundo65”. Portanto, ele também apresentou o extermínio como um ato necessário de autodefesa por parte do povo alemão. O discurso anual de Hitler para os “velhos combatentes” nazistas em Munique a 8 de novembro de 1942, transmitido pelo rádio alemão, repetiu mais uma vez sua profecia de 1939, dizendo claramente dessa vez que a guerra terminaria com o “extermínio”. Ele acrescentou que os judeus que, pensava ele, tinham rido dele, agora “não estão mais rindo66”.

Logo depois desse discurso, o chefe de imprensa de Hitler, Dietrich, impulsionou de novo a propaganda antissemita. Ao longo dos meses seguintes, Goebbels também voltou ao tema repetidamente. Uma parte significativa de seu discurso no Palácio de Esportes de Berlim em 18 de fevereiro de 1943, transmitido por todas as estações de rádio alemãs, foi dedicado a isso:

 

Por trás da investida – [gritos excitados de exclamação] –, por trás das divisões soviéticas que investem, podemos ver claramente os esquadrões de morte judeus, que assomam por trás do terror, o espectro de milhões passando fome e da anarquia total na Europa. A judiaria internacional está aqui provando mais uma vez que é o elemento diabólico de
decomposição [...] Nós nunca tivemos medo da judiaria e hoje temos menos medo do que nunca! [gritos de “Salve!”, aplauso ruidoso] [...] A meta do bolchevismo é a revolução mundial dos judeus [...] A Alemanha pelo menos não pretende acovardar-se diante dessa ameaça judaica; em vez disso, pretende enfrentá-la com oportuna, se necessária total e a mais radical exter [...] [corrigindo-se] exclusão da judiaria! [aplauso ruidoso, gritaria selvagem, risadas]67.

 

O escorregão deliberado de Goebbels arregimentou a cumplicidade de sua audiência através da Alemanha não apenas para o assassinato em massa dos judeus, mas também para o entendimento de que se devia usar linguagem eufemista ao se referir a isso. Hitler falou de modo menos explícito na mesma linha em 24 de fevereiro e em 21 de março de 1943. Ele instruiu Goebbels a intensificar a propaganda antissemita em transmissões estrangeiras, especialmente para a Inglaterra68. Em um alentado monólogo dirigido ao ministro da Propaganda em 12 de maio de 1943, após Goebbels ter atraído sua atenção para a falsificação tsarista Os protocolos dos sábios de Sião (uma obra que Hitler insistia que sem dúvida era genuína), o Líder nazista insistiu em que os judeus estavam por toda parte agindo com base em seu instinto racial de minar a civilização. “Não resta outra escolha aos povos modernos a não ser exterminar os judeus.” Apenas combatendo a raça judaica “com todos os meios ao nosso dispor” a vitória seria possível. “Os povos que descobriram primeiro as intenções dos judeus e que os combateram primeiro vão governar o mundo no lugar deles69.” O tom apocalíptico desse discurso foi notável. Hitler agora justificava o extermínio dos judeus como uma pré-condição necessária para o domínio do mundo pelos alemães.

Em 3 de maio de 1943, Goebbels emitiu uma circular confidencial para a imprensa alemã exigindo que dedicasse maior atenção ao ataque aos judeus. “As possibilidades para se expor o verdadeiro caráter dos judeus são infinitas”, opinou ele. “Os judeus devem ser usados agora como um alvo político: os judeus devem levar a culpa; os judeus quiseram a guerra; os judeus estão piorando a guerra; e, outra vez, os judeus devem levar a culpa70.” Depois de apenas quatro manchetes de primeira página de natureza antissemita no Observador Racial em todo o ano de 1942, houve 17 apenas nos primeiros cinco meses de 1943. De fato, em 1943, o jornal estampou no total 34 manchetes de primeira página referindo-se aos judeus71. A ofensiva de propaganda repetiu ad nauseam as agora familiares diatribes contra Churchill, Roosevelt e Stálin como fantoches de uma conspiração mundial judaica com a meta de aniquilar a raça alemã – uma espécie de projeção, argumentou-se, do ímpeto nazista de aniquilar os judeus72. Quando a situação militar piorou e os bombardeios aliados sobre cidades alemãs começaram a ter um impacto sério, as advertências da propaganda de que a vitória dos aliados significaria um extermínio genocida do povo alemão tornaram-se continuamente mais estridentes. Fez-se grande estardalhaço com a descoberta de túmulos de oficiais poloneses massacrados pela polícia secreta soviética em Katyń no começo da guerra – um massacre inevitavelmente atribuído não aos russos, mas aos judeus. A propaganda antijudaica, que atravessara seu primeiro período de intensidade concentrada na segunda metade de 1941 como uma forma de lançar o que os nazistas chamavam de a “solução final da questão judaica na Europa”, estava se tornando agora um meio de animar o povo alemão para que continuasse lutando73.

Assim, o ritmo, a justificativa e o modo de implementação do genocídio mudaram repetidamente desde sua criação no verão de 1941. Examinar as origens da “solução final” em termos de processo em vez de uma decisão única desvenda uma variedade de impulsos dados pela liderança nazista em geral, e Hitler e Himmler em particular, para o combate contra o suposto inimigo global dos alemães. Subjacente a todos eles, porém, havia a memória de 1918, a crença de que os judeus, onde quer que estivessem e quem quer que fossem, ameaçavam minar o esforço de guerra alemão, engajando-se em subversão, atividades guerrilheiras, movimentos comunistas de resistência e muito mais. O que impelia os impulsos exterminadores dos nazistas em todos os níveis da hierarquia não era o tipo de desprezo que tachava milhões de eslavos como sub-humanos dispensáveis, mas uma mistura ideologicamente difusa de medo e ódio, que culpava os judeus por todos os males da Alemanha e buscava sua destruição como uma questão fundamental para a sobrevivência da Alemanha.

 


 

1 Mark Roseman, The Wannsee Conference and the Final Solution: A Reconsideration (Nova York, 2002), p. 81; Friedländer, The Years of Extermination, p. 728-31, nota 193.

2 Christian Gerlach, “Die Wannsee-Konferenz, das Schicksal der deutschen Juden und Hitlers politische Grundsatzentscheidung, alle Juden Europas zu ermorden”, Werkstatt Geschichte, 18 (1997), p. 7-44; Roseman, The Wannsee Conference, p. 86.

3 Ibid., p. 86.

4 Fröhlich (ed.), Die Tagebücher, II/II, p. 498-9 (13 de dezembro de 1941); ver também Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 138.

5 Citado em ibid., p. 139.

6 Ibid., p. 140-2.

7 Präg e Jacobmeyer (eds.), Das Diensttagebuch, p. 457 (16 de dezembro de 1941).

8 Ibid., p. 458.

9 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 133; idem, Politik, p. 461-5; Richard J. Evans, Telling Lies About Hitler: The Holocaust, History and the David Irving Trial (Londres, 2002), p. 84-8.

10 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 122-37.

11 Witte et al. (eds.), Der Dienstkalender, p. 294.

12 Citado em Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 169-70.

13 Longerich, Politik, p. 447-8, sublinha a existência em outubro de 1941 da intenção, mas não de um plano para exterminar os judeus da Europa; mais genericamente, sobre os assassinatos em massa em Wartheland e distrito de Lublin, ver ibid., p. 450-8.

14 Roseman, The Wannsee Conference, p. 157-62, republicando as minutas originais do encontro, geralmente conhecidas como “The Wannsee Protocol”. Eberhard Jäckel, “On the Purpose of the Wannsee Conference”, em James S. Pacy e Alan P. Wertheimer (eds.), Perspectives on the Holocaust: Essays in Honor of Raul Hilberg (Boulder, Colo., 1995), p. 39-49, argumentam que o objetivo da reunião foi convencer os participantes de que Hitler em pessoa havia encarregado Heydrich de levar a cabo o genocídio, uma hipótese para a qual não há evidência convincente.

15 Roseman, The Wannsee Conference, p. 163-4.

16 Roseman, The Wannsee Conference, p. 165-72. Para detalhes das discussões e decisões sobre pessoas de “raça mista”, ver Beate Meyer, “Jüdische Mischlinge”: Rassenpolitik und Verfolgungserfahrung 1933-1945 (Hamburgo, 1999), p. 99-101; e Peter Longerich e Dieter Pohl (eds.), Die Ermordung der europäischen Juden: Eine umfassende Dokumentation des Holocaust 1941-1945 (Munique, 1989), p. 167-9.

17 Tooze, The Wages of Destruction, p. 476.

18 Roseman, The Wannsee Conference, p. 136-40.

19 Longerich, Politik, p. 476-82; Tooze, The Wages of Destruction, p. 531-3.

20 Julgamento de Eichmann, 26 de junho de 1961, 24 de julho de 1961, citado em Roseman, The Wannsee Conference, p. 144. Para a ideia de que a referência aos planos de construção de estradas era metafórica, simbolizando trabalho escravo de todos os tipos, ver Friedländer, The Years of Extermination, p. 342.

21 Roseman, The Wannsee Conference, p. 136-40.

22 Ibid., p. 144-5, 148.

23 Ibid., p. 149-50.

24 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 143-8.

25 Domarus (ed.), Hitler, IV, p. 1.828-9 (30 de janeiro de 1942).

26 Jochmann (ed.), Adolf Hitler, p. 227-9.

27 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 138-42.

28 Fröhlich (ed.), Die Tagebücher, II/III, p. 320-1 (15 de fevereiro de 1942).

29 Ibid. II/III, p. 561 (27 de março de 1942).

30 Ibid.

31 Domarus (ed.), Hitler, IV, p. 1.869.

32 Fröhlich (ed.), Die Tagebücher, II/IV, p. 184 (27 de abril 1942). Para a chamada “Nota Schlegelberger”, um memorando não datado relatando a repetida insistência de Hitler a Lammers de que o problema judaico só seria resolvido depois da guerra, ver Evans, Telling Lies, p. 89-94. Se, conforme sugere a localização do documento no arquivo, o memorando data da primavera de 1942, então refere-se ou ao problema específico das pessoas de “raça mestiça” e “semijudeus”, ou expressa a crença de Hitler de que a conclusão da “Solução Final” só poderia ocorrer após o fim da guerra, um acontecimento que àquela altura ainda era esperado para o mesmo ano.

33 Citado em Herf, The Jewish Enemy, p. 155.

34 Fröhlich (ed.), Die Tagebücher, II/IV, p. 350 (24 de maio de 1942).

35 Ibid., p. 355.

36 Ibid., p. 406 (30 de maio de 1942).

37 Roseman, The Wannsee Conference, p. 152-5.

38 Citado em Berenstein et al. (eds.), Faschismus, p. 296; também em Evans, Telling Lies, p. 96.

39 Wolf Gruner, Widerstand in der Rosenstrasse: Die Fabrik-Aktion und die Verfolgung der Mischehen 1943 (Frankfurt am Main, 2005); idem, “Die Fabrik-Aktion und die Ereignisse in der Berliner Rosenstrasse: Fakten und Fiktionen um den 27. Februar 1943”, Jahrbuch für Antisemitismusforschung, 11 (2002), p. 137-77. Para a lenda em sua versão clássica, ver Nathan Stoltzfus, Resistance of the Heart: Intermarriage and the Rosenstrasse Protest in Nazi Germany (Nova York, 1996), p. 209-58 (baseando-se pesadamente em entrevistas de história oral).

40 Jochen Klepper, Unter dem Schatten deiner Flügel: Aus den Tagebüchern der Jahre 1932-1942 (Stuttgart, 1955), p. 798 (3 de setembro de 1939); idem, Briefwechsel 1925-1942 (ed. Ernst G. Riemschneider, Stuttgart, 1973), p. 227-30 (troca de cartas com Frick).

41 Citado em Klepper, Unter dem Schatten, p. 1.130 (8 de dezembro de 1942).

42 Ibid., p. 1.130-1 (8 de dezembro de 1942).

43 Ibid., p. 1.133 (10 de dezembro de 1942).

44 Christian Goeschel, “Suicide in Weimar and Nazi Germany” (dissertação de Ph.D., Universidade de Cambridge, 2006), p. 135-59.

45 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 151-2.

46 Ibid., p. 149-6, 170-3. Para uma lista das deportações, ver idem, Politik, p. 483-93.

47 Höhne, The Order of the Death’s Head, p. 455-6; Detlev Brandes, Die Tschechen unter deutschem Protektorat, I: Besatzungspolitik, Kollaboration und Widerstand im Protektorat Böhmen und Mähren bis Heydrichs Tod, 1939-1942 (Munique, 1969); Miroslav Kárny, ‘‘‘Heydrichiaden’: Widerstand und Terror im Protektorat Böhmen und Mähren”, em Droulia e Fleischer (eds.), Von Lidice bis Kalavryta, p. 51-63.

48 Charles Whiting, Heydrich: Henchman of Death (Londres, 1999), p. 141-7.

49 Höhne, The Order of the Death’s Head, p. 455-7; Kershaw, Hitler, II, p. 518-9; ainda útil para os detalhes: Charles Wighton, Heydrich: Hitler’s Most Evil Henchman (Londres, 1962), p. 270-6; relato recente apoiado no testemunho dos cirurgiões em Mario R. Dederichs Heydrich: Das Gesicht des Bösen (Munique, 2005), p. 185-212.

50 Citado em Günther Deschner, “Reinhard Heydrich: Security Technocrat”, em Ronald Smelser e Rainer Zitelmann (eds.), The Nazi Elite (Londres, 1993 [1989]), p. 85-97, na p. 87; idem, Reinhard Heydrich – Statthalter der totalen Macht (Munique, 1978).

51 Hitler, Hitler’s Table Talk, 4 de junho de 1942.

52 Höhne, The Order of the Death’s Head, p. 149-50; Fest, The Face of the Third Reich, p. 152-70.

53 Conforme relatado mais tarde por sua viúva; ver ibid., p. 161.

54 Felix Kersten, The Kersten Memoirs 1940-1945 (Londres, 1956), p. 90-9.

55 Carl J. Burckhardt, Meine Danziger Mission 1937-1939 (Munique, 1960), p. 55.

56 Ibid., p. 57.

57 Hitler, Hitler’s Table Talk, 4 de junho de 1942.

58 Ibid., 4 de julho de 1942.

59 Jürgen Tampke, Czech-German Relations and the Politics of Central Europe from Bohemia to the EU (Londres, 2003), p. 67-9; René Kupper, “Karl Hermann Frank als Deutscher Staatsminister für Böhmen und Mähren”, em Monika Glettler et al. (eds.), Geteilt, Besetzt, Beherrscht: Die Tschechoslowakei 1938-1945: Reichsgau Sudetenland, Protektorat Böhmen und Mähren, Slowakei (Essen, 2004), p. 31-52.

60 Tooze, The Wages of Destruction, p. 538-45. A importância da questão da comida foi destacada pela primeira vez em Christian Gerlach’s Krieg, Ernährung, Völkermord: Forschungen zur deutschen Vernichtungspolitik im Zweiten Weltkrieg (Hamburgo, 1998).

61 Berenstein et al. (eds.), Faschismus, p. 303.

62 Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 168.

63 Domarus (ed.), Hitler, IV, p. 1.920 (30 de setembro de 1942); nessa ocasião Hitler usou a palavra Ausrottung em vez da usual Vernichtung.

64 Citado em Friedländer, The Years of Extermination, p. 403.

65 Citado em Herf, The Jewish Enemy, p. 169.

66 Domarus (ed.), Hitler IV, p. 1.937 (8 de novembro de 1942).

67 Helmut Heiber, Goebbels-Reden (2 vols., Düsseldorf, 1971-72). A versão citada em Jeremy Noakes (ed.), Nazism 1919-1945, IV: The German Home Front in World War II: A Documentary Reader (Exeter, 1998), p. 490-1, do serviço de monitoramento de rádio da BBC, registra gritos da plateia de “Fora com os judeus” depois de cada frase.

68 Domarus (ed.), Hitler, IV, p. 1.991 (24 de fevereiro de 1943) e p. 2.001 (21 de março de 1943).

69 Frohlich (ed.), Die Tagebücher II/VIII, p. 287-90 (13 de maio de 1943); ver também Norman Cohn, Warrant for Genocide: The Myth of the Jewish World-Conspiracy and the Protocols of the Elders of Zion (Londres, 1967).

70 Citado em Noakes (ed.), Nazism, IV, p. 497.

71 Herf, The Jewish Enemy, p. 281-7.

72 Essa é a tese de Herf, ibid. Ver também ibid., p. 183-230, para um levantamento da propaganda antissemita em 1943.

73 Citado em Longerich, Der ungeschriebene Befehl, p. 181-2.