“Vamos arrastar o mundo conosco”

 

 

I

 

 

 

 

O último discurso de Hitler, transmitido em 30 de janeiro de 1945, décimo segundo aniversário de sua indicação a chanceler do Reich, suscitou mais pena que entusiasmo entre seus ouvintes. Ele nem se deu ao trabalho de manter a esperança de que “armas maravilhosas” iriam virar o jogo. Pelo contrário, vociferou como sempre contra a “conspiração mundial judaico-internacional” que estava determinada a aniquilar a Europa. Os alemães, disse, tinham de continuar a resistir até que a vitória fosse alcançada. Não haveria uma punhalada pelas costas como acontecera na Primeira Guerra Mundial. Nem mesmo os nazistas convictos acharam que o discurso era inspirador. Como Melita Maschmann escreveu posteriormente:

 

Durante os últimos meses da guerra eu sempre tinha de conter as lágrimas quando ouvia a voz de Hitler no rádio ou via sua imagem nos cinejornais. Nossa mente consciente poderia se recusar a reconhecer os sinais de um colapso iminente, que estavam se tornando cada vez mais óbvios, mas as impressões imediatas que recebíamos por meio dos olhos e dos ouvidos não poderiam ser falsificadas, e nosso coração estava repleto de medo por causa da verdade aterradora: os cinejornais mostravam um homem envelhecido, que caminhava com os ombros encurvados e ficava olhando ansioso ao seu redor. Sua voz soava aguda por causa do desespero. Estaria ele, então, destinado a fracassar? Para nós, ele incorporava o esforço sem precedentes que havia feito a nação alemã assumir o controle do governo do continente. Ao olhar para ele nós víamos a soma total de todos os incontáveis sacrifícios de vidas, de saúde e de propriedades que tal esforço havia requerido. Teria tudo isso sido em vão1?

 

Muitos dos nazistas mais fervorosos, ou dos mais inocentes, continuavam a esperar contra todas as evidências de que não tivesse sido. Uma menina de 15 anos de idade, cuja educação inteira tivera como um de seus propósitos fazer de Hitler uma figura paterna, foi capaz de escrever em seu diário, depois de anotar os últimos desastres militares: “Nosso pobre, pobre Líder, ele não deve estar mais conseguindo dormir à noite, e, no entanto, ele tinha em mente o bem da Alemanha2”.

O tom de suas observações não era nada excepcional em tais círculos. Tendo recebido o treinamento para ser membro da Força Aérea, Albert Molter se juntou a um grupo que estava reunido para ouvir o discurso de Hitler na sala de reuniões de seu comandante. Cantaram-se hinos patrióticos e trechos da peça Schlageter, de Hanns Johst, foram apresentados3. O rádio então foi ligado e todos se acomodaram para ouvir. “Como sempre”, escreveu Albert para sua esposa Inge, “foi maravilhoso ouvir a voz do Líder. Quão pesado deve ser o fardo que ele carrega. Vendo dessa perspectiva, é quase mesquinharia ouvir as palavras do Líder na esperança de que elas tragam uma decisão. Mas, na verdade, uma decisão já foi tomada. Nenhum milagre vai nos salvar, a não ser o da determinação da Alemanha4.” Como resposta, sua esposa comparou a causa do nacional-socialismo com a do cristianismo, e os supostos sofrimentos de Hitler com os de Jesus. A vida de Cristo, ela relembrou, havia terminado com a crucificação. “Fred, querido”, perguntou Inge para seu marido, “será que pedirão a nós semelhante sacrifício, para que nossa ideia possa viver para sempre?5” A identificação deles com Hitler era completa. “Devemos ficar ao lado da Alemanha, ao lado do Líder”, escreveu Alfred para sua esposa em 9 de março de 1945, “somente desse jeito ficaremos ao lado de nós mesmos6.”

Pouco tempo depois, sua unidade foi enviada a Berlim para lutar ao lado da infantaria que defendia a capital alemã. Em poucas semanas, os britânicos ocuparam Nienburg, onde Inge estava então vivendo, e prenderam o pai dela, um nazista. “Nossa bela e amada Alemanha”, escreveu ela em desespero para seu marido, “todos os sacrifícios dela, todo o heroísmo dela foram em vão7.” Alfred nunca respondeu. Na época em que Inge escreveu essa carta, ele havia desaparecido em uma missão. Seu corpo nunca foi encontrado8.

Enquanto os mais fiéis de seus seguidores mergulhavam em piedade excessiva pela triste situação do Líder, os pensamentos de Hitler se voltavam de maneira cada vez mais intensa para o suicídio. Protegido de um ataque aéreo no bunker sob a Chancelaria do Reich logo depois da derrota alemã na Batalha de Ardenas, Hitler se entregou momentaneamente ao desespero. O Exército o havia traído, ele disse; a Força Aérea era um junco partido. “Sei que a guerra está perdida”, disse ele a seu secretário, Nicolaus von Below, e continuou: “Acima de tudo, eu gostaria de colocar uma bala em minha cabeça”. Mas, se ele perecesse, então a Alemanha também pereceria. “Não iremos capitular. Nunca. Podemos cair. Mas vamos arrastar um mundo conosco9.” Quando o assunto era a propaganda pública, Hitler e Goebbels se voltavam então cada vez mais para a ameaça de aniquilação que eles viam vindo do leste. O medo deveria instigar os alemães a continuar lutando. No dia 21 de janeiro de 1945, em um editorial para O Reich, Goebbels protestava desesperadamente contra “a conspiração mundial de uma raça parasitária”, os judeus, que tinham conseguido mobilizar o mundo todo contra o nacional-socialismo. Apesar de tudo, ele proclamou, desafiador, “não a Europa, mas os próprios judeus vão perecer10”.

Apesar de tal tirada, estava claro para a maioria dos alemães que a guerra se aproximava rapidamente do fim, à medida que o Exército Vermelho, então reagrupado e reequipado depois de seus rápidos avanços dos meses anteriores, retomava os ataques. Depois da perda dos campos de petróleo da Romênia, o Exército alemão precisava desesperadamente se agarrar a sua fonte de suprimentos na Hungria, ou então não haveria praticamente mais combustível para mover seus tanques, caminhões, artilharia autopropulsada e veículos de transporte que ainda restavam. Hitler se recusou a permitir que as forças alemãs em Budapeste recuassem, e a capital húngara logo foi cercada por forças soviéticas. Uma grande ofensiva com o objetivo de romper o cerco falhou em fevereiro de 1945, com a perda de cerca de 30 mil homens mortos ou capturados. Um ataque dos blindados desencadeado pela Sexta Divisão Panzer do Exército, retirada da Batalha de Ardenas, falhou de modo também decisivo, e no fim de março o Exército Vermelho havia ocupado praticamente toda a Hungria. No norte, as forças alemãs na Letônia resistiram, mas estavam completamente isoladas. O ataque soviético principal aconteceu no setor central, no meio de janeiro, quando formações blindadas do Exército Vermelho se aproveitaram da transferência de cruciais unidades alemãs para a campanha da Hungria para pulverizar o front alemão e esmagar o que restava dos blindados alemães. No fim de janeiro, o Exército Vermelho tinha ocupado quase todo o território polonês do período pré-guerra. Alguns bolsões de resistência permaneciam, o mais notável deles era a cidade de Breslau, que resistiu até maio. Mas o Exército Vermelho estava então às margens do rio Oder, na fronteira do Reich Alemão. Havia capturado a grande área industrial da Silésia e assumido o controle dos campos petrolíferos da Hungria, e estava se aproximando de Viena. Seus comandantes fizeram uma pausa para reagrupar e reforçar as munições e os suprimentos para a ofensiva final11.

No oeste, depois do fracasso da contraofensiva alemã na Batalha de Ardenas, 1,5 milhão de americanos, mais de 400 mil britânicos e canadenses e 100 mil soldados da França Livre se reuniram no fim de janeiro para um ataque à região do Reno. Eles fizeram mais de 50 mil prisioneiros enquanto avançavam, empurrando as forças alemãs para o outro lado do rio. Em 7 de março de 1945, quando as tropas americanas chegaram a Remagen, viram soldados alemães tentando desesperadamente explodir a ponte sobre o rio, a última que restava. Apressando a vinda de reforços, elas atravessaram o rio e fizeram uma cabeça de ponte no outro lado, permitindo que muitas tropas atravessassem a ponte antes que esta finalmente caísse. Quando o Reno foi cruzado, mais 30 mil soldados alemães tinham sido capturados e outros 60 mil mortos ou feridos. Os americanos avançaram na direção leste, rumo à Saxônia, enquanto as forças canadenses avançavam na Holanda. Forças britânicas se dirigiram para o nordeste, na direção de Bremen e de Hamburgo, e ainda mais divisões americanas organizaram uma grande operação de envolvimento na região do Ruhr, capturando mais de 300 mil prisioneiros alemães. Em 25 de abril de 1945, as tropas americanas encontraram o Exército Vermelho para um aperto de mãos cerimonial na cidadezinha de Torgau, no rio Mulde, um tributário do Elba. Outras tropas se dirigiam para o sudeste, na direção de Munique, com o objetivo de encontrar as forças aliadas que avançavam na direção do passo do Brennero vindas do norte da Itália, onde um ataque final começara em 9 de abril de 1945. O Exército Vermelho já entrara em Viena no dia 3 de abril de 1945, enquanto as tropas americanas estavam avançando pela Áustria vindas do oeste. Entre negociações constantes, as forças invasoras concordaram em uma divisão aproximada do território entre elas, já que o acerto de contas final se aproximava. Apesar de algumas dúvidas do lado dos britânicos, a capital alemã foi deixada para ser conquistada pelo Exército Vermelho. Forças soviéticas haviam então assumido controle total dos céus e tinham em terra uma imensa superioridade em blindados, em artilharia, em munições e em soldados. Em uma luta acirrada em março e no começo de abril de 1945, elas destruíram praticamente todo o resto do Exército alemão e as fortalezas em que Hitler depositava tantas esperanças, na Prússia Oriental e na Pomerânia, enquanto Rokossovskii desencadeava um ataque maciço em Mecklenburg no norte. No meio de abril de 1945, 2,5 milhões de soldados estavam então posicionados para o ataque final à capital de Hitler.

As Forças Armadas alemãs pouco tinham com que atacar o inimigo. Em março de 1945, cerca de 58 mil jovens entre 16 e 17 anos de idade foram mandados para o campo de batalha: o treinamento deles fora mínimo, e, por mais que tivessem sido doutrinados pela causa nazista, não eram páreo para os duros veteranos do Exército Vermelho ou para os bem equipados batalhões de britânicos e de americanos e seus aliados12. As baixas alemãs no front oriental haviam aumentado de 812 mil em 1943 para 1,8 milhão em 1944. No fim do ano, mais de 3,5 milhões de soldados alemães haviam sido mortos ou capturados pelo Exército Vermelho. No total, mais de 450 mil membros das Forças Armadas alemãs foram mortos em janeiro de 1945; 295 mil em fevereiro; 284 mil em março e 281 mil em abril: na verdade, mais de um terço de todos os soldados alemães mortos durante a guerra o foram nos últimos quatro meses e meio do conflito. No fim de 1944, cerca de 800 mil soldados alemães estavam sob custódia dos aliados ocidentais, um número que aumentara para mais de 1 milhão em abril e 4 milhões na época em que a guerra terminou. Setecentos mil membros das Forças Armadas alemãs estavam em campos soviéticos. Em abril de 1945, havia 600 mil soldados, aviadores e marinheiros doentes e feridos em hospitais13. Somente no segundo semestre de 1944, a Força Aérea perdeu mais de 20 mil aviões. O controle dos céus passou para os bombardeiros aliados, para o Exército Vermelho e as forças invasoras no oeste14. Speer estava redobrando seus esforços para aumentar a produção de armamentos, e em setembro de 1944 quase 3 mil caças haviam sido concluídos. Mas, quanto mais território a Alemanha perdia, mais rapidamente a economia de guerra encolhia. De modo especial, a perda para o Exército Vermelho das grandes áreas industriais ao leste, principalmente a Alta Silésia, privou o Reich de recursos econômicos vitais. Não era mais possível recrutar mão de obra forçada nas áreas ocupadas. As fontes de combustível da Alemanha na Romênia e na Hungria tinham acabado. A tentativa de conseguir um substituto produzindo combustível sintético fora em vão. Não havia mais defesas contra a destruição que caía do céu continuamente nas cidades alemãs. O Exército alemão não era mais composto por forças disciplinadas, eficientes e motivadas, mas, rapidamente diminuindo em quantidade, desmoralizado e desorganizado, era pouco mais do que um grupo armado15.

 

 

II

 

A propaganda nazista se concentrava então cada vez mais em incutir no povo alemão o medo ao invasor. A mensagem escrita por Hitler, lida no rádio em 24 de fevereiro de 1945, aniversário da promulgação do programa do Partido Nazista em 1920, advertia que os alemães seriam despachados para a Sibéria como escravos se o Exército Vermelho triunfasse16. No dia seguinte, 25 de fevereiro de 1945, Goebbels advertia, em um artigo em O Reich, que, se a Alemanha se rendesse, Stálin ocuparia imediatamente a região sudeste da Europa, e “uma cortina de ferro cairia imediatamente sobre esse imenso território, junto com a vastidão da União Soviética, e nações seriam massacradas por trás dela17”. O apelo final de Hitler para as tropas no front oriental, lançado para todos os escalões em 15 de abril de 1945, usava o medo como sua arma principal ao convocar até o último homem para a resistência: “O mortal inimigo judaico-bolchevista, junto com suas multidões, está começando seu ataque final. Ele está tentando destruir a Alemanha e exterminar nosso povo [...] Velhos e crianças serão assassinados, mulheres e crianças serão rebaixadas a prostitutas de alojamentos. O restante irá marchar para a Sibéria”. Porém, a Alemanha seria poupada desse destino se o povo permanecesse firme. “Os bolcheviques [...] irão sangrar às portas da capital do Reich Alemão18.” Goebbels fez questão de repetir tais advertências em detalhes nessas semanas finais. Ele desencavou uma vez mais a alegação de que os aliados tencionavam exterminar a raça alemã. Suas advertências eram ecoadas por Heinz Guderian, chefe do Estado-Maior do Exército, que declarou que tudo que o Exército Vermelho desejava fazer na Alemanha era roubar, estuprar e matar19.

Contudo, essas advertências sérias tiveram, por certo tempo, tanto a possibilidade de dar em nada quanto de alcançar sucesso. Muitos alemães, como já vimos, sentiam que não podiam criticar o Exército Vermelho tendo em vista as atrocidades que a própria Alemanha cometera. Não eram apenas os maus-tratos contra os judeus que suscitavam tais sentimentos de culpa. Relatou-se que um membro do Partido na região de Stuttgart havia perguntado retoricamente: “Não foram os nossos membros da SS com tanta frequência até mesmo mais cruéis em relação aos alemães, seus concidadãos, do que os russos foram em relação aos prussianos orientais? Nós mostramos aos outros como lidar com inimigos políticos20”. Exortações públicas para continuar a lutar tinham igualmente pouco efeito. Em 24 de fevereiro de 1945, Bormann fez um apelo no aniversário da proclamação do programa do Partido Nazista em 1920. Qualquer pessoa que pensasse em recuar ou em se render, ele disse, seria um traidor da nação. O autossacrifício seria recompensado com a vitória. Só se o povo alemão permanecesse firme, a Alemanha triunfaria21. Não muito tempo depois, em Berlim, três mulheres foram vistas olhando um pôster colocado na vitrine da loja de departamentos KdW, que dizia: “Berlim está trabalhando, lutando e ficando em pé”. Mais alguns bombardeios como o do dia anterior, ouviram uma das mulheres dizer, “e a única coisa que vai ficar em pé serão ruínas [...] Não deu para ver muitas provas de Berlim estar lutando no último domingo. Os americanos jogaram suas bombas onde eles quiseram. Elas voaram pelo céu sem oposição, sem nenhuma luta22”. Nas áreas invadidas, as pessoas começaram a buscar um modo de se render. Suas tentativas não foram bem-vistas por fanáticos nazistas. “Em uma sessão do conselho municipal”, notou Lore Walb, que havia partido de Munique para sua cidade natal de Alzey, na região da Renânia, “o doutor Sch. também pediu pela rendição da cidade, já que continuar a lutar é inútil, e também para preservar o pouco que ainda existe. O líder distrital [do Partido Nazista], é claro, foi favorável a lutar até o fim23.” Em uma zona rural do oeste da Alemanha, soldados que tentaram ativar cargas explosivas na frente das tropas americanas que avançavam foram atacados por habitantes locais com forcados24.

20Endofwar.jpg

Mapa 20. O fim da guerra

Quando a propaganda fracassou, o terror começou a ocupar seu lugar. Em 15 de fevereiro de 1945, o ministro da Justiça do Reich, Otto-Georg Thierack, ordenou que qualquer pessoa que tentasse evitar seu dever de continuar a lutar, desse modo pondo em risco a determinação da Alemanha em vencer, seria julgada por uma corte marcial convocada às pressas, que consistiria de um juiz da corte criminal, de um membro do Partido Nazista e de um membro das Forças Armadas, da SS Militar ou da polícia, e, se fosse considerada culpada, seria executada no local25. Quando essas cortes temporárias entraram em ação, os mais fanáticos e energéticos membros do Partido Nazista deixaram de lado as regras com rapidez ainda maior. Em 18 de março de 1945, o marechal de campo Model ordenou à polícia militar que atirasse em quaisquer soldados ou civis engajados em atos de sabotagem. “Quando uma bandeira branca aparecer”, Himmler instruiu seus oficiais da SS e da polícia, “todos os homens da casa em questão deverão ser baleados. Não deve haver”, acrescentou ele, “a menor hesitação em tomar essas medidas26.” E, em suas últimas ordens para os soldados do front oriental na metade do mês de abril de 1945, Hitler repetiu que não deveria haver nem retirada nem rendição: “Qualquer pessoa que lhes dê ordens para a retirada deve ser presa imediatamente se vocês não souberem exatamente quem ela é, e, se for necessário, ela deverá ser morta imediatamente, não importando a posição que possa ocupar27”. “Força pelo Medo” tornou-se o slogan do momento, substituindo o “Força pela Alegria” – em alemão, as iniciais, Kdf, eram as mesmas.

Cerca de 10 mil pessoas foram sumariamente executadas nessa fase final de terror e de repressão28. Elas incluíam uma parte significativa dos 190 mil criminosos, ou mais, que então superlotavam as prisões e as penitenciárias estaduais, muitos dos quais mandados para lá pela repressão política, ou pelas regulamentações dos tempos de guerra quanto ao saque, ao roubo ou por “debilitar o estado de ânimo”. À medida que as forças aliadas avançavam, as autoridades penitenciárias começaram a evacuar as prisões. O administrador da penitenciária feminina em Fordon, perto de Bromberg, retirou as 565 prisioneiras que estavam lá sob custódia em 21 de janeiro de 1945 e fez que caminhassem para outra penitenciária feminina em Krone, a 36 quilômetros de distância. Apenas 40 delas chegaram a seu destino. “A temperatura era de 12º negativos”, relatou o administrador, “e tudo estava coberto de gelo. Por isso, as prisioneiras, assim como os guardas, estavam caindo o tempo todo [...] Durante a caminhada”, prosseguiu ele, “eu vi inúmeras prisioneiras que foram deixadas para trás lutando para seguir em frente. Muitas estavam sentadas ou caídas ao lado da estrada, e nada podia convencê-las a se levantar de novo29.” Quando foi a vez de as prisioneiras de Krone serem evacuadas, as mesmas cenas se repetiram. Ao deparar com a coluna, uma unidade da SS que recuava atirou em um grupo de prisioneiras, enquanto outras foram violentamente tiradas da coluna por soldados alemães que passavam e foram estupradas30.

Por toda a Alemanha e nos territórios incorporados, prisioneiros sob custódia do Estado estavam sendo forçados a partir de modo semelhante, alguns deles mandados para campos de concentração. Alguns, classificados pelos oficiais penais como corrigíveis, foram liberados para se juntar a uma formação especial da SS Militar. Milhares dos assim considerados incorrigíveis, por outro lado, simplesmente foram retirados e baleados. Em Sonnenberg, uma penitenciária localizada a leste de Berlim, o promotor regional do estado, Kurt-Walter Hanssen, antigo assistente pessoal de Martin Bormann, em 30 de janeiro ordenou que uma unidade da SS e os oficiais de polícia levados para lá com esse propósito matassem a maior parte dos prisioneiros. Estes foram obrigados a se ajoelhar em grupos de dez e então foram baleados na nuca; os prisioneiros doentes foram baleados em sua cama na enfermaria da prisão. Mais de 800 presos foram mortos no intervalo de poucas horas, a maior parte deles trabalhadores forçados estrangeiros que haviam sido encarcerados por infringir as duras leis sob as quais eles tinham sido obrigados a viver e a trabalhar. Os demais – míseros 150 –, que haviam sido classificados como “úteis”, tiveram de ir caminhando na direção de Berlim. Para os deixados para trás, as condições pioraram drasticamente com a chegada de prisioneiros evacuados de outros locais; suprimentos de comida ficaram ainda mais escassos, as doenças se tornaram comuns e as mortes aumentaram subitamente. Thierack, ministro da Justiça do Reich, ordenou pessoalmente grande número de execuções nas prisões até mesmo em abril de 1945. Também ordenaram execuções os comandantes do Exército que viam os prisioneiros como uma ameaça militar: o marechal de campo Model, cercado pelos americanos na região do Ruhr, ordenou que os prisioneiros das penitenciárias fossem selecionados e executados se fossem considerados “perigosos”: entre estes estavam muitos prisioneiros políticos alemães bem como trabalhadores estrangeiros. No total, 200 prisioneiros, incluindo alguns que estavam apenas sob custódia, foram baleados nessa região na semana seguinte31.

As cruéis ações de Model se assemelhavam às do próprio Hitler e refletiam uma mentalidade parecida. Quanto mais desesperadora ficava a situação militar, mais vital parecia para tais homens eliminar qualquer pessoa que pudesse ser uma ameaça interna ao regime. Obcecado até o fim com o imaginário precedente de 1918, Hitler não desejava outra “punhalada pelas costas”. “Dei ordens para Himmler, caso algum dia haja razão para temer problemas na pátria”, ele dissera alguns anos antes, na noite de 14-15 de setembro de 1941, “para liquidar tudo que encontre nos campos de concentração. Assim, com um só golpe, a revolução seria destituída de seus líderes32.” Isso incluía estrangeiros, como os 141 trabalhadores da Resistência Francesa que foram baleados em Natzweiler um dia antes de o campo ser evacuado devido ao avanço das tropas aliadas. Acima de tudo, entretanto, a atenção cruel de Hitler estava voltada para seus inimigos internos33. O julgamento e as execuções dos envolvidos no complô com a bomba de 20 de julho de 1944 continuaram praticamente até o fim. Em 4 de abril de 1945, a falta de sorte levou à descoberta dos diários pessoais do almirante Canaris. Lendo-os em seu bunker de Berlim, Hitler se convenceu de que Canaris e seus coconspiradores tinham trabalhado contra ele desde o início. Todos os inimigos restantes deveriam ser mortos, decidiu. Ele começou ordenando que o chefe do Serviço de Segurança da SS, Ernst Kaltenbrunner, acabasse com os conspiradores sobreviventes. No dia 9 de abril de 1945, Canaris, Oster, Bonhoeffer e outros dois prisioneiros políticos do campo de concentração de Flossenbürg foram despidos e enforcados com cordas grosseiras penduradas em ganchos de madeira no pátio. Os corpos foram imediatamente cremados. A sede de vingança de Hitler foi incrementada pela determinação de Himmler de que oponentes destacados do nazismo não deveriam sobreviver no pós-guerra. Como o chefe da Gestapo, Heinrich Müller, disse a Helmuth von Moltke: “Não vamos cometer o mesmo erro de 1918. Não vamos deixar inimigos internos da Alemanha vivos34”. No mesmo dia em que Canaris e os demais foram executados, quando o Exército Vermelho estava se aproximando do campo de concentração de Sachsenhausen, um dos prisioneiros, Georg Elser, que por pouco não conseguira matar Hitler com uma bomba caseira acionada por relógio em novembro de 1939, foi transferido de seu alojamento no campo para Dachau, onde o comandante o entrevistou rapidamente antes de fazer que ele fosse levado para fora e baleado na nuca. Himmler dera ordens para a execução e instruíra as autoridades do campo a atribuir a morte a um ataque aéreo britânico. Uma semana mais tarde, ela foi zelosamente anunciada como tal na imprensa35. Outras execuções aconteceram entre os dias 20 e 24 de abril em Berlim, onde a SS atirou em mais pessoas envolvidas no complô com a bomba de julho de 194436.

Esse era o tipo de conclusão a que Hitler chegara anteriormente, quando aproveitara a oportunidade da eliminação das tropas de assalto de Ernst Röhm no fim de junho de 1934 para acertar velhas contas e eliminar possíveis membros de um governo alternativo. Mas agora isso estava sendo feito em uma escala muito maior. Entre as vítimas estava o antigo líder comunista Ernst Thälmann. Encarcerado em diversas prisões e campos desde 1933, Thälmann tinha poucas ilusões a respeito de seu destino caso o Exército Vermelho conseguisse entrar na Alemanha. Em agosto de 1943, ele foi transferido para a prisão estadual em Bautzen; poucos meses depois, sua esposa e sua filha foram presas e levadas para o campo de concentração de Ravensbrück. “Thälmann”, rabiscou Himmler em suas anotações para uma reunião com Hitler em 14 de agosto de 1944, “deve ser executado.” Hitler assinou a ordem e, três dias mais tarde, Thälmann foi retirado de sua cela e levado para o campo de concentração em Buchenwald. Antes de sua chegada, os prisioneiros, que incluíam muitos antigos comunistas, foram trancados no alojamento. Um prisioneiro polonês conseguiu, no entanto, se esconder perto da entrada da área do crematório, onde os fornos estavam sendo alimentados e deixados prontos para receber o cadáver de Thälmann. Ele viu um grande automóvel chegar, e um homem de ombros largos descer, ladeado por dois membros da Gestapo. Empurrado pela Gestapo, o homem passou pela entrada do crematório, que estava ladeada por homens da SS. Imediatamente, três tiros foram ouvidos, e logo em seguida mais um. A porta então foi fechada e, uns 25 minutos depois, elas foram reabertas e os homens da SS saíram. O polonês entreouviu a conversa deles. “Sabe quem era aquele?”, perguntou um membro da SS para seu companheiro. “Era o líder comunista, Thälmann”, foi a resposta. O anúncio oficial de sua morte colocou a culpa em um ataque aéreo britânico37.

Destino parecido claramente aguardava outros importantes prisioneiros do regime, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior Geral do Exército, o general Franz Halder; o antigo ministro da Economia Hjalmar Schacht; o chefe demitido do abastecimento das Forças Armadas, general Georg Thomas (todos os três presos depois do complô com a bomba); o último chanceler austríaco Kurt Schuschnigg; o político francês e ex-primeiro-ministro Léon Blum; o líder da Igreja Confessional Martin Niemöller; o antigo primeiro-ministro da Hungria, Miklós Kalláy; o participante do complô da bomba, Fabian von Schlabrendorff; e a família de muitos de seus companheiros na conspiração, incluindo os Stauffenberg, Goerdeler e Von Hassell, junto com um sobrinho do ministro do Exterior da União Soviética, Molotov, diversos agentes britânicos e comandantes do Exército de países antes aliados da Alemanha. Umas 160 pessoas no total foram reunidas em um comboio da SS e levadas para uma área do Tirol do Sul em 28 de abril de 1945. Fora decidido que lá todas elas deveriam ser baleadas e seu corpo teria de desaparecer. Quando um guarda acidentalmente deixou escapar qual era o destino deles, um dos prisioneiros conseguiu entrar em contato com o comandante local do Exército alemão, que mandou um oficial subordinado, o capitão Wichard von Alvensleben, investigar: reunindo um grupo de soldados armados, o capitão chegou ao local e, antes que alguma coisa pudesse acontecer, usou seu hauteur aristocrático para intimidar os membros da SS e fazê-los liberar os prisioneiros. Todos saíram ilesos, mas tinham escapado por pouco38.

 

 

III

 

Ainda havia uns 700 mil prisioneiros nos campos de concentração no começo de 1945. Além dos campos principais, havia pelo menos 662 subcampos espalhados por todo o Reich e nos territórios incorporados nessa época. Nesse momento, eles retinham um total maior de prisioneiros do que os mantidos em centros principais como Auschwitz, Buchenwald, Sachsenhausen e Ravensbrück. À medida que o Exército Vermelho avançava, Himmler ordenava que os campos que estivessem no caminho das tropas fossem evacuados. Precisamente quando e como isso seria feito foi deixado, de modo geral, a critério dos próprios comandantes. O maior dos complexos de campos, em Auschwitz, obrigava nada menos que 155 mil prisioneiros, a maior parte deles poloneses e russos. Aproximadamente metade foi transportada para campos mais ao oeste. Grande quantidade de material, de equipamentos e de objetos pessoais foi levada com os evacuados de Auschwitz. Enquanto a evacuação acontecia, o trabalho de construção de novos prédios foi mantido, incluindo um grande grupo de instalações adicionais em Birkenau, apelidado de “México” pelos prisioneiros. Somente em outubro de 1944 o trabalho de construção foi interrompido. No mesmo mês, cerca de 40 mil pessoas morreram nas câmaras de gás existentes em Birkenau. Em novembro, entretanto, Himmler ordenou que todas as câmaras de gás em todos os campos fossem fechadas e desmontadas. Em Auschwitz, as trincheiras usadas para incinerar cadáveres foram aplainadas, áreas onde ocorriam sepultamentos coletivos foram preenchidas com terra e cobertas com grama, os fornos e os crematórios foram desmontados, e as câmaras de gás, destruídas ou convertidas em bunkers antiaéreos39.

Agora trabalhando para a inspetoria dos campos de concentração, o antigo comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, foi mandado por Oswald Pohl para o campo, quase no fim de 1944, “na esperança de chegar em Auschwitz a tempo de garantir que a ordem de destruir tudo que fosse importante tivesse sido devidamente executada”, como ele relembrou mais tarde. Höss dirigiu por um certo tempo pela Silésia, mas não conseguiu chegar ao campo por causa do implacável avanço do Exército Vermelho. “Em todos os caminhos e estradas da Alta Silésia a oeste do rio Oder”, relatou, “eu deparava com colunas de prisioneiros lutando para caminhar pela neve funda. Eles não tinham comida. Muitos dos soldados encarregados dessas cambaleantes colunas de cadáveres não tinham ideia do local para onde deveriam ir.” Eles requisitavam comida nas cidadezinhas por onde passavam, mas “nem se pensava em passar a noite em celeiros ou em escolas, já que todos esses locais estavam repletos de refugiados”. Höss viu “caminhões abertos usados para o transporte de carvão lotados de corpos congelados, trens lotados de prisioneiros que haviam sido transferidos para desvios abertos, e deixados lá sem comida ou abrigo”. Havia refugiados alemães, também, fugindo rapidamente dos russos que avançavam, mulheres “empurrando carrinhos de bebê lotados com seus pertences”. A trajetória seguida pelas “desgraçadas colunas” de prisioneiros evacuados era fácil de acompanhar, ele acrescentou, “já que mais ou menos a cada 100 metros jazia o corpo dos prisioneiros que haviam caído ou sido baleados”. Parando o carro ao lado de um cadáver, ele desceu para investigar tiros que ouviu nas proximidades, “e vi um soldado parando sua motocicleta e atirando em um prisioneiro que se apoiava em uma árvore. Gritei na direção dele, perguntando-lhe o que achava que estava fazendo, e que mal o prisioneiro lhe tinha feito. Ele riu de modo impertinente bem na minha cara e me perguntou o que eu pretendia fazer a respeito”. A reação de Höss ao fato de sua autoridade de oficial de alto escalão da SS ser desafiada foi clara: “Saquei minha pistola e atirei nele imediatamente40”.

Em 19 de janeiro de 1945, apesar de Höss não ter conseguido chegar ao campo, 58 mil prisioneiros começaram a partir lentamente de Auschwitz na direção oeste, a maior parte deles a pé, poucos de trem. Guardas da SS atiraram em retardatários e deixaram os corpos largados na estrada. Quinze mil prisioneiros morreram de fome ou de frio ou foram mortos pelos homens da SS. Alguns poucos poloneses desafiaram as ameaças dos homens da SS e ofereceram comida ou abrigo aos prisioneiros; alemães étnicos permaneceram dentro de casa. No fim, cerca de 43 mil prisioneiros chegaram aos campos no oeste. Apenas os muito doentes permaneceram em Auschwitz, onde membros da SS estavam desesperadamente tentando explodir as instalações remanescentes e queimar documentos incriminatórios antes da chegada do Exército Vermelho. Os arquivos relativos ao prédio, à administração e ao departamento político do campo foram levados para o oeste; muitos acabaram ficando em Gross-Rosen. Equipamentos médicos usados em experimentos foram desmontados ou destruídos. Em meio ao caos, prisioneiros dos destacamentos especiais, testemunhas-chave do extermínio em massa, conseguiram se misturar às multidões que saíam do campo e escapar da SS, que havia planejado matá-los. O médico do campo, Josef Mengele, também fugiu, levando suas anotações de pesquisa e papéis. Em 20-21 de janeiro de 1945, os guardas da SS abandonaram as torres de vigia, explodiram o que restava do crematório principal e incendiaram a imensa quantidade de objetos pessoais conhecida pelos prisioneiros como Canadá. As execuções continuaram até o último instante, até que o Crematório V, onde elas aconteciam, também foi explodido, em 25-26 de janeiro de 1945. A SS matou cerca de 700 prisioneiros nos vários campos e subcampos que faziam parte do complexo de Auschwitz antes de partir, mas não teve tempo de matar todos eles. Em 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho entrou no campo. Seiscentos corpos estavam caídos no terreno do lado de fora dos prédios, mas cerca de 7 mil prisioneiros ainda estavam vivos, muitos deles em um estado de saúde muito precário. Nos depósitos que não haviam sido incendiados, os soldados russos laboriosamente catalogaram 837 mil casacos de mulher e vestidos, 44 mil pares de sapatos e 7,7 toneladas de cabelo humano41.

Prisioneiros judeus eram um alvo particular das marchas forçadas para fora de Auschwitz e de outros campos. Quando os prisioneiros empregados na produção de veículos blindados de transporte pessoal nas Indústrias Adler em Frankfurt foram evacuados em 1945, enquanto os americanos se aproximavam da cidade, a SS tirou os prisioneiros judeus da coluna que marchava e atirou neles; algumas das vítimas foram identificadas por seus companheiros de prisão poloneses42. Na Prússia Oriental, cerca de 5 mil prisioneiros judeus, na maioria mulheres, foram obrigados a marchar para fora dos vários subcampos que pertenciam a Stutthof até pararem na vila de pescadores de Palmnicken, onde seu caminho estava bloqueado; o líder regional da Prússia Oriental, juntamente com os comandantes dos subcampos e com membros da SS local e da Organização Todt, decidiram matá-los, e atiraram em todos, com exceção de 200 ou 30043. Em um subcampo de Flossenbürg, Helmbrechts, perto da cidade de Hof, na Francônia, que abrigava em sua maior parte mulheres polonesas e russas que trabalhavam em fábricas de armamentos, pouco mais de 1.100 prisioneiros foram obrigados a partir em três grupos em 13 de abril de 1945, acompanhados por 47 guardas armados, homens e mulheres. Caminhando sem destino certo, eles haviam percorrido cerca de 300 quilômetros até o dia 3 de maio. Deixando os não judeus para trás depois da primeira semana, os guardas prosseguiram rumo ao sul, espancando e baleando os retardatários e os doentes, e privando os prisioneiros de comida e de água. Mais espancamentos ocorreram quando, em uma ocasião, habitantes locais sentiram pena dos prisioneiros e tentaram jogar bocados de comida na direção deles. Em 4 de maio, chegando perto da cidade tcheca fronteiriça de Prachtice, a coluna foi atacada por um avião americano, matando um dos guardas; os demais guardas abriram fogo indiscriminadamente contra os prisioneiros. Alguns dos sobreviventes foram obrigados a caminhar até o alto de um morro coberto de árvores nas redondezas e mortos a tiros um por um quando desmaiaram de exaustão. Antes de fugir, os guardas obrigaram os demais prisioneiros a entrar na cidade, onde os habitantes tchecos deram-lhes comida e abrigo. Para muitos, isso aconteceu tarde demais; 26 morreram antes ou pouco depois da chegada das tropas americanas, em 6 de maio de 1945. No total, pelo menos 178 prisioneiros judeus morreram na marcha; um médico do Exército americano afirmou posteriormente que metade dos sobreviventes foi salva unicamente pelo pronto atendimento dispensado por sua equipe médica. Não foi sem motivo que tais inúteis e mortais caminhadas foram chamadas pelos prisioneiros de “marchas da morte”. Muitas não tinham destino certo. Algumas das marchas, na verdade, perambularam pela região, até mesmo voltando sobre seus próprios passos; uma marcha da morte que saiu de Flossenbürg percorreu uns 400 quilômetros, indo na direção norte por um terço do caminho, então voltando para o sul, passando não muito longe do campo, antes de continuar para Regensburg44.

A evacuação do campo de concentração de Neuengamme, que, com seus 57 subcampos, mantinha cerca de 50 mil prisioneiros, foi executada em cooperação com Karl Kaufmann, líder regional de Hamburgo, cidade que ficava nas proximidades. A maior parte dos prisioneiros dos subcampos foi levada em “marchas da morte” criminosas e exaustivas para “campos de passagem”, incluindo Bergen-Belsen, na metade de abril. Mesmo com as marchas, ainda restaram 14 mil prisioneiros no campo principal. Kaufmann já resolvera, depois de solicitações de líderes de negócios e militares, entregar a cidade aos aliados. Kaufmann temia que, se libertasse os presos, estes se encaminhassem para a cidade procurando comida e abrigo. Nessa época, não havia outros campos no lado alemão das linhas de frente para os quais pudessem ser evacuados, então Kaufmann decidiu colocá-los a bordo de navios. Quatro mil prisioneiros dinamarqueses e noruegueses já haviam sido levados para a Suécia em março de 1945 por ordens de Heinrich Himmler, com a concordância do conde Bernadotte, chefe da Cruz Vermelha sueca. Himmler esperava com isso ganhar a confiança da família real sueca, da qual Bernadotte era membro, para que ela fosse intermediária nas negociações que ele, Himmler, achava (de modo totalmente injustificado) que poderia manter com os britânicos. Os restantes 10 mil prisioneiros do campo principal em Neuengamme foram obrigados a marchar para Lübeck entre 21 e 26 de abril de 1945 e colocados em três navios que Kaufmann havia solicitado como “campos de concentração flutuantes” – os navios cargueiros Atenas e Thielbeck e um luxuoso transatlântico, o Cap Arcona. Nenhum suprimento havia sido providenciado para os prisioneiros, que foram amontoados nos porões, sem instalações sanitárias e sem água. Caldeirões de sopa eram mandados para baixo quando a SS abria as escotilhas, mas não havia tigelas ou colheres, e grande parte da comida caía sobre o piso do porão, se misturando com o excremento que então se acumulava rapidamente. A SS retirou os coletes salva-vidas para evitar fugas. Todos os dias, um rebocador trazia água potável e voltava para a costa com o corpo dos prisioneiros que haviam morrido durante a noite. Em 3 de maio de 1945, caças-bombardeiros britânicos localizaram os navios. Pensaram tratar-se de transporte de tropas e atacaram-nos com seus foguetes. O Thielbeck e o Cap Arcona foram seriamente atingidos. O Thielback afundou, afogando todos os 2.800 prisioneiros a bordo, com exceção de 50. O Cap Arcona pegou fogo. A maior parte de seus barcos salva-vidas foi destruída no incêndio. Enquanto os prisioneiros se jogavam nas águas geladas do Báltico, suas roupas em chamas, uma gigantesca explosão destruiu o navio. Ele adernou a bombordo e encalhou na parte rasa da baía, com metade do casco ainda acima da linha d’água. Dos prisioneiros a bordo, 4.250 se afogaram, morreram queimados ou foram atingidos pelas balas que enchiam o ar enquanto os aviões trocavam tiros com um grupo de submarinos no porto mais próximo; 350 foram resgatados depois de ficarem agarrados ao casco por muitas horas. Dos 500 membros da SS a bordo, sobreviveram 40045.

21Deathmarches.jpg

Mapa 21. As marchas da morte

Outros evacuados dos campos foram mortos em massa pela SS. Uma coluna de cerca de mil prisioneiros evacuados do campo de Dora foi confinada em um celeiro na cidade de Gardelegen para passar a noite; quando as paredes do celeiro caíram devido à pressão exercida pelos corpos, a polícia e a Juventude Hitlerista derramaram petróleo no teto e queimaram vivos os que estavam lá dentro. Apenas alguns prisioneiros conseguiram escapar. Os corpos ainda queimavam quando os americanos chegaram no dia seguinte46. Em determinadas ocasiões, a população local nas áreas pelas quais os prisioneiros eram forçados a caminhar se unia à matança. Em 8 de abril de 1945, por exemplo, quando uma coluna de prisioneiros se dispersou durante um ataque aéreo à cidade de Celle, no norte da Alemanha, ex-policiais e outras pessoas, incluindo adolescentes, ajudaram a persegui-los. Apesar de todo o particular sadismo e da violência dirigidos pela SS contra os prisioneiros judeus, as marchas da morte não foram, como às vezes tem sido alegado, simplesmente o último capítulo da “Solução Final”; muitos milhares de prisioneiros dos campos que não eram judeus, pessoas encarceradas nas prisões estaduais, trabalhadores forçados e outros tiveram de enfrentá-las, e elas podem ser vistas como o último ato na brutal e violenta história do sistema de repressão do Terceiro Reich de modo geral, em vez de uma ação de extermínio dirigida exclusivamente contra os judeus47.

Para os que sobreviveram e chegaram a seu destino, mais horrores os aguardavam. Os campos na região central do Reich ficaram extremamente superlotados, como resultado da chegada de esfarrapadas colunas de evacuados: a população de Buchenwald, por exemplo, aumentou de 37 mil em 1943 para 100 mil em janeiro de 1945. Em tais condições, a taxa de mortalidade aumentou de modo drástico, e cerca de 14 mil pessoas morreram no campo entre janeiro e abril de 1945; metade delas eram judeus. Em Mauthausen, a chegada de milhares de prisioneiros vindos de subcampos na região levou a uma deterioração tão drástica das condições que 45 mil prisioneiros morreram entre outubro de 1944 e maio de 1945. As condições nos subcampos que foram mantidos até o fim da guerra não eram melhores. Ohrdruf, um subcampo de Buchenwald perto de Gotha, foi o primeiro a ser descoberto pelo Exército americano quando avançava pela Turíngia. Ele tinha alojado 10 mil prisioneiros empregados nos trabalhos de escavação de bunkers subterrâneos. A SS havia levado alguns dos prisioneiros poucos dias antes e atirado em muitos deles. Os soldados que descobriram o campo em 5 de abril de 1945 ficaram tão chocados com o que viram que seu comandante convidou os generais Patton, Bradley e Eisenhower a visitá-lo. “Mais de 3.200 corpos nus e emagrecidos”, relembrou Bradley posteriormente, “tinham sido jogados nas covas rasas. Os piolhos rastejavam sobre a pele amarelada de seus corpos finos e ossudos.” Os generais depararam com um abrigo repleto de cadáveres. Bradley ficou tão abalado que adoeceu. Eisenhower reagiu ordenando que todas as suas tropas que estavam na área fizessem a ronda do campo. Cenas semelhantes se repetiram em muitos outros lugares enquanto as tropas americanas avançavam. Alguns dos antigos guardas ainda estavam no campo, disfarçados de prisioneiros; presos sobreviventes identificaram os antigos guardas para os soldados aliados, que, repugnados, às vezes baleavam os membros da SS; outros guardas já haviam sido mortos por prisioneiros revoltados que se vingavam48.

As condições terríveis que predominavam nos campos nos últimos meses da guerra eram mais evidentes no local que passou a simbolizar, mais do que qualquer outro, a falta de humanidade da SS para os britânicos, que o liberaram no fim da guerra: Belsen. O campo de concentração em Bergen-Belsen fora criado a partir de um campo para prisioneiros de guerra no começo de 1943. Sua função especial era servir de local para acomodação temporária a um grupo relativamente pequeno de judeus vindos de vários países europeus, e particularmente dos Países Baixos, que Himmler e seus aliados no Serviço de Relações Exteriores achavam que poderiam ser usados como moeda de troca ou como reféns em negociações internacionais. Quando ficou evidente que seria difícil fazer as trocas de tais prisioneiros, a SS decidiu, em março de 1944, usar Bergen-Belsen como “campo para convalescentes”, ou, para dizer de modo mais realista, um depósito para prisioneiros doentes e exaustos de outros campos, cuja fraqueza tornava-os incapazes de trabalhar. Até o fim de 1944, cerca de 4 mil desses prisioneiros tinham sido enviados para o campo, mas, como não dispunham de instalações médicas adequadas, a taxa de mortalidade aumentou rapidamente para mais de 50%. Em agosto de 1944, o campo foi ampliado para incluir mulheres judias, muitas delas vindas de Auschwitz. Em dezembro de 1944, havia mais de 15 mil pessoas no campo, incluindo 8 mil na ala das mulheres. Uma delas era a jovem holandesa Anne Frank, que fora mandada para lá no fim de outubro como evacuada de Auschwitz; ela morreu de tifo no mês de março seguinte. O comandante, Josef Kramer, designado em 2 de dezembro de 1944, era membro da SS havia muito tempo. Trabalhara anteriormente em Auschwitz-Birkenau, onde havia pouco supervisionara o extermínio de centenas de milhares de judeus húngaros nas câmaras de gás. Um grupo de oficiais, incluindo mulheres que trabalhavam como guardas, acompanhou-o. Kramer imediatamente revogou os poucos privilégios de que desfrutavam os cerca de 6 mil “judeus para troca” que ainda restavam do contingente original do campo e começou um regime de caos e de brutalidade que aumentou rapidamente49.

Quando Bergen-Belsen se tornou o destino para prisioneiros evacuados de outros campos devido à aproximação do Exército Vermelho, ficou ainda mais lotado. O número de presos aumentara para mais de 44 mil na metade de março. Tentativas de evacuar alguns deles para Theresienstadt se defrontaram com bombardeios, e dois trens foram obrigados a parar em uma área rural no meio do trajeto, quando os guardas fugiram e as tropas aliadas chegaram para libertar os famintos prisioneiros que ainda estavam vivos. Enquanto isso, outros milhares de prisioneiros ainda estavam sendo enviados para Bergen-Belsen, incluindo um grande grupo vindo do Dora-Fábrica Central, de modo que o número total de prisioneiros alcançou 60 mil em abril de 1945. Kramer não havia feito preparativos adequados ou satisfatórios relativos às instalações sanitárias para recebê-los, então essas 60 mil pessoas tinham de contar com exatamente o mesmo número de banheiros, de chuveiros e de latrinas que havia sido providenciado um ano antes para uma população do campo que não passava de 2 mil prisioneiros. Em pouco tempo, o excremento se acumulava no chão dos alojamentos até um metro de altura. Os suprimentos de alimentos eram absolutamente inadequados; eles acabaram completamente quando a guerra interrompeu as últimas linhas de comunicação. O suprimento de água acabou quando uma bomba atingiu a estação de bombeamento, fazendo que fosse impossível manter as cozinhas em operação. Kramer não se deu ao trabalho de tentar dar um jeito na situação; contudo, depois de os britânicos assumirem o controle do campo em 15 de abril, em poucos dias conseguiram restabelecer os suprimentos de água e de alimentos e consertar as instalações da cozinha. Um médico que trabalhava entre os prisioneiros posteriormente relatou que havia testemunhado bem mais de 200 casos de canibalismo entre eles. Kramer tornou as coisas ainda piores ao organizar constantemente demoradas conferências de presença a céu aberto, não importando quão frio ou chuvoso estivesse o tempo. Epidemias começaram a grassar. O tifo matou milhares de pessoas. Se não fosse pelos esforços dos médicos entre os prisioneiros, a situação teria sido ainda pior. Não obstante, entre o começo de 1945 e meados de maio, cerca de 35 mil pessoas morreram em Bergen-Belsen. Os britânicos, que assumiram o controle do campo em 15 de maio de 1945, não conseguiram salvar outras 14 mil, que estavam muito fracas, doentes ou desnutridas demais para se recuperar50. Estima-se que, no total, por toda a Alemanha, entre 200 mil e 350 mil prisioneiros de campos de concentração morreram nas “marchas da morte” e nos campos para onde foram levados nesses últimos meses: em outras palavras, até metade dos prisioneiros mantidos no sistema de campos em janeiro de 1945 estava morta quatro meses depois51.

 

 

IV

 

As fases finais da guerra testemunharam alguns dos mais devastadores ataques aéreos. O bombardeio era quase diário, às vezes com tal intensidade que foram criadas tempestades de fogo semelhantes àquela que havia causado tamanha destruição em Hamburgo no verão de 1943. Em Magdeburgo, em 16 de janeiro de 1945, uma tempestade de fogo matou 4 mil pessoas e arrasou completamente um terço da cidade; ela ficou ainda pior por causa de um ataque liderado por 72 Mosquitos na noite seguinte, que jogaram minas e explosivos para interromper o trabalho das brigadas antifogo e das equipes de limpeza. Cada vez mais, também, eram lançadas bombas de efeito retardado, para deixar a situação ainda mais perigosa. Pequenas esquadrilhas de velozes caça-bombardeiros Mosquito de longo alcance sobrevoavam cidades alemãs grandes e pequenas sem serem impedidos, causando perturbação maciça ao provocar repetidos alarmes e mobilizações defensivas na expectativa de que um ataque aéreo maior iria acontecer. Em 21 de fevereiro de 1945, mais de 2 mil bombardeiros atacaram Nuremberg, arrasando grandes áreas da cidade e interrompendo os suprimentos de água e de eletricidade. Dois dias depois, na noite de 23-24 de fevereiro de 1945, 360 bombardeiros britânicos fizeram o único ataque durante a guerra à cidade de Pforzheim, no sudoeste da Alemanha, a qual foi bombardeada de modo tão intenso durante um período de 22 minutos que se criou uma tempestade de fogo que destruiu o centro da cidade e matou cerca de 17 mil de seus 79 mil habitantes. Berlim também sofreu seu maior e mais destrutivo ataque nessa época. Cerca de mil bombardeiros americanos atacaram a capital à luz do dia em 3 de março de 1945, pulverizando grande parte do centro da cidade, deixando mais de 100 mil pessoas desabrigadas, privando os habitantes de fornecimento de água e de eletricidade, e matando cerca de 3 mil pessoas. A pedido da Força Aérea soviética, em 12 de março, mais de 650 bombardeiros americanos devastaram o porto de Swinemünde, onde muitos refugiados alemães que fugiam do avanço do Exército Vermelho haviam se abrigado. Cerca de 5 mil pessoas foram mortas, embora o mito popular logo afirmasse que a quantidade de mortos havia sido muitas vezes maior. A esse ataque se seguiu outro em Dortmund, que, como muitos desses outros ataques recentes, tinha por objetivo destruir centros de transporte e de comunicações. Em 16-17 de março, foi a vez de Würzburg, onde 225 bombardeiros britânicos destruíram mais de 80% da área construída da cidade e mataram mais de 5 mil de seus habitantes. O último ataque aéreo noturno significativo dos britânicos durante a guerra foi o desencadeado contra Potsdam em 14-15 de abril de 1945, matando pelo menos 3.500 pessoas52.

O ataque aéreo mais devastador da fase final da guerra foi perpetrado em Dresden. Até esse momento, a cidade barroca às margens do Elba tinha sido poupada dos horrores dos bombardeios aéreos. Entretanto, ela não era apenas um monumento cultural, mas também um importante centro de comunicações e de produção de armamentos. O avanço soviético, agora se aproximando do Elba, seria auxiliado pelos bombardeios aéreos aliados, que tinham por objetivo interromper as comunicações rodoviárias e ferroviárias alemãs dentro e ao redor da cidade. E a vontade de resistir dos alemães deveria ser ainda mais combalida. Em 13 de fevereiro de 1945, duas ondas de bombardeiros britânicos atacaram o centro da cidade indiscriminadamente, sem serem impedidas por baterias antiaéreas, que haviam sido removidas mais para o leste para fortificar defesas contra o avanço do Exército Vermelho, ou por caças alemães, que permaneceram no solo por não disporem de combustível. O tempo estava claro, e a tarefa dos aviões pathfinder foi fácil. Os ataques britânicos foram seguidos por dois ataques aéreos diurnos realizados por bombardeiros americanos. A sucessão prolongada e concentrada de ataques criou uma tempestade de fogo que destruiu todo o centro da cidade e grandes áreas dos bairros mais afastados. A cidade, escreveu um habitante, “era um único mar de chamas que resultavam das ruas estreitas e dos prédios construídos perto uns dos outros. O céu noturno tinha um fulgor vermelho como sangue53”. Morreram 35 mil pessoas54. Entre os habitantes da cidade naqueles dias fatais estava Victor Klemperer. Como um dos poucos judeus remanescentes na Alemanha, com sua vida até então salvaguardada pela lealdade de sua esposa não judia, Eva, Klemperer tinha outras coisas com que se preocupar além da possibilidade de ataques aéreos. Na própria manhã do primeiro ataque, uma ordem chegou à Casa dos Judeus, onde ele estava sendo obrigado a viver, anunciando que os judeus remanescentes de Dresden deveriam ser evacuados no dia 16. A ordem dizia que seriam requisitados para trabalhar, mas, como crianças também eram nomeadas na lista que a acompanhava, ninguém tinha dúvidas quanto ao seu verdadeiro significado. O próprio Klemperer teve de entregar cópias da circular para as pessoas afetadas. Ele mesmo não estava na lista, mas não tinha ilusões quanto ao fato de que poderia constar da próxima. Mesmo nos últimos meses da guerra, os nazistas faziam que a máquina do extermínio triturasse ainda mais fino55.

Naquela noite, enquanto Klemperer ainda estava pensando em seu provável e iminente destino, a primeira onda de bombardeiros sobrevoou a cidade e começou a lançar sua carga mortal. A princípio, Klemperer se escondeu no porão da Casa dos Judeus. Então, a casa foi atingida pelo deslocamento de ar causado pela explosão de uma bomba. Ele foi para o andar de cima. As janelas tinham sido destruídas, e havia vidro por todos os lados. “Do lado de fora, estava claro como dia.” Ventos fortes, causados pela imensa tempestade de fogo no centro da cidade, sopravam pelas ruas, e havia contínuas explosões de bombas. “Então houve uma explosão na janela perto de mim. Algo duro e incandescente atingiu o lado direito do meu rosto. Toquei-o com minha mão, ele estava coberto de sangue. Toquei meu olho. Ele ainda estava lá.” Na confusão, Klemperer foi separado de sua esposa. Levando as joias dela e seus manuscritos em uma mochila, ele se precipitou para fora da casa, passou pelo porão semidestruído e por uma cratera feita por uma bomba, e foi para a rua, se unindo a um grupo de pessoas que estavam abrindo caminho ao longo dos jardins públicos para um terraço com vista para a cidade, onde achavam que seria mais fácil respirar. A cidade inteira estava em chamas. “Onde quer que as inúmeras centelhas fossem excessivas em um lado, eu ia rapidamente para o outro.” Começou a chover. Klemperer se enrolou em um cobertor e observou torres e edifícios na cidade a seus pés que luziam, brancos, e então ruíam em montes de cinzas. Caminhando até a borda do terraço, ele por sorte deparou com sua esposa. Ela ainda estava viva. Escapara da morte porque alguém a havia tirado da Casa dos Judeus e levado para um porão nas redondezas que era reservado para arianos. Com vontade de acender um cigarro para aliviar a tensão, mas sem ter fósforos, ela percebeu que “algo estava brilhando no chão e quis usá-lo – era um corpo que queimava56”. Assim como muitas outras pessoas, ela conseguira abrir caminho para fora do incêndio até o parque.

Nesse momento, o amigo de Klemperer, Eisenmann, outro judeu sobrevivente, se aproximou do casal, carregando um de seus filhos; o resto de sua família desaparecera. Eisenmann deu alguns conselhos úteis. “Eu deveria tirar minha estrela de Davi”, Klemperer contou que ele disse, “assim como ele já havia tirado a dele. Imediatamente, Eva tirou a estrela de meu casaco com um canivete.” Com essa atitude, os Klemperer haviam definitivamente entrado para a clandestinidade. No caos da destruição, a Gestapo e outras autoridades teriam, pelo menos por um tempo, outras coisas para fazer do que capturar os judeus que permaneciam em Dresden; de qualquer modo, provavelmente todas as suas listas tinham sido destruídas. Klemperer e sua esposa caminharam lentamente pela margem do rio:

 

Acima de nós, um edifício depois do outro era uma ruína incendiada. Aqui embaixo, no rio, onde muitas pessoas estavam caminhando ou deitadas no chão, os montes dos revestimentos retangulares e vazios dos dispositivos incendiários sobressaíam da terra revolta. O fogo ainda estava incandescente em muitos dos edifícios na rua acima. Às vezes, os mortos, pequenos, não mais que um monte de roupas, estavam espalhados ao longo de nosso caminho. O crânio de um deles havia sido arrancado, o topo da cabeça era uma bola de um tom vermelho-escuro. Às vezes, um braço jazia por lá, com uma mão pálida e delicada, como um modelo feito de cera, assim como vemos em janelas de barbearia. Carcaças de metal de veículos destruídos, abrigos incendiados. Mais longe do centro, algumas pessoas tinham conseguido salvar poucas coisas, elas empurravam carrinhos de mão com roupas de cama ou algo parecido, ou se sentavam em caixas e pacotes. Multidões se moviam incessantemente entre essas ilhas, passando pelos corpos e pelos veículos esmagados, acima e abaixo ao longo do Elba, uma procissão silenciosa e agitada57.

 

Abrindo caminho através da cidade que ainda ardia, eles chegaram à Casa dos Judeus, e a encontraram completamente destruída. A equipe de uma ambulância cuidou do olho de Klemperer, e então o casal chegou a um centro médico, onde puderam dormir e conseguir algo para comer, embora não fosse nada muito além disso. Finalmente, todos foram levados para uma base aérea fora da cidade, onde receberam mais comida. Lá, Klemperer recebeu cuidados médicos adicionais. Registrou-se com seu nome verdadeiro, mas deixou de fora o denunciador “Israel” que tinha sido forçado por lei a carregar desde o começo de 1939. Saindo de Dresden rumo ao norte, por trem – proibido para os judeus sob pena de morte –, os Klemperer chegaram a Piskowitz, onde sua antiga doméstica, Agnes, vivia; ela lhes garantiu que não tinha contado para ninguém que trabalhara para um casal judeu, e lhes deu abrigo. Klemperer respondeu à inevitável pergunta feita pelo prefeito local (“O senhor não é descendente de judeus ou de raça misturada?”) com um “não” decidido58. Para eles, assim como para um pequeno número de outros judeus, o caos e a destruição dos últimos meses da guerra ofereceram uma chance de sobrevivência. Eles a aproveitaram com alegria.

Apenas os nazistas mais convictos viram os ataques aéreos como um incentivo para um subsequente desafio aos aliados. Logo depois do bombardeio aliado a Dresden, Luise Solmitz se encontrou com um conhecido que trabalhava para o Ministério da Propaganda:

 

Quando eu disse que 99% dos habitantes de Hamburgo queriam que os bombardeios cessassem, e que teríamos de suportar o que acontecesse depois, X gritou: “Mas isso é com certeza uma loucura, esse é o ponto de vista da plebe estúpida! Nós temos de nos posicionar perante a História com honra. Não é possível pintar as consequências de uma derrota com cores que são, de algum modo, inadequadas” [...] Para ele, Dresden é “o maior extermínio em massa organizado de toda a História59”.

 

Durante os últimos meses da guerra, ela passou a maior parte do tempo simplesmente tentando manter a família viva. Embora não fosse fumante, solicitou um cartão de racionamento para cigarros, pois, como observou, “cigarros são uma moeda, uma moeda forte”. Assim, ela podia trocá-los por cartões de comida para seu neto, que era bebê. A tubulação de gás da sua casa havia sido destruída nos ataques aéreos do fim de julho de 1943, e não fora consertada até janeiro de 1944; mas, de qualquer modo, no começo de 1945, tanto os suprimentos de gás quanto de eletricidade estavam sendo regularmente interrompidos devido aos chamados “dias de racionamento de gás” e “dias de racionamento de energia”. Nessa época, também, cartões de racionamento para quatro semanas tinham de durar cinco semanas. No fim de 1944, suprimentos oficiais de comida começaram a ser cortados a níveis com os quais ninguém conseguiria sobreviver. Na segunda semana de janeiro de 1945, a ração mensal de pão foi cortada de 10,5 quilos para 8,75 quilos, e em meados de abril caíra para 3,6 quilos; a ração de carne foi reduzida de 1,9 quilos para 550 gramas no mesmo período; e a ração de gordura de 875 gramas para 325 gramas60. A infraestrutura do país estava ruindo rapidamente. “Estou no fim das minhas forças, do meu ânimo; completamente exausta e acabada”, escreveu, desesperada, Luise Solmitz em 9 de abril de 194561.

Sob o impacto da derrota e da retirada, e esgotada pelos constantes bombardeios em sua cidade natal, Hamburgo, Luise Solmitz finalmente começou a perder a fé em Hitler, embora fosse cautelosa demais para dizer isso de modo explícito até mesmo na intimidade de seu diário. Organizando seus pensamentos a respeito dos alemães e de sua situação atual em 8 de setembro de 1942, ela escreveu:

 

Para mim, um grande homem é somente aquele que sabe como se controlar, porque não é apenas no momento presente que a vingança pode ser experimentada, mas também em um futuro em que a retaliação acontecerá. Bismarck conseguiu se controlar, um dos poucos que resistiu e não foi destroçado pelo poder do sucesso, um homem que opôs sua própria lei interna ao tipo de lei da natureza que arrebatou o conquistador. O destino inescapável de muitos conquistadores é a autodestruição62.

 

Mas foi somente depois de sua filha Gisela deixar o filho recém-nascido, Richard, sob sua custódia que Luise Solmitz realmente se voltou contra Hitler. Já era ruim demais pensar que ela e seu marido, Friedrich, poderiam morrer em um bombardeio, mas a ameaça que isso representava para seu neto, o inocente sustentáculo do futuro da Alemanha, a revoltava. Nessa época, ela tinha apenas “ódio” e “maldições” para Hitler. “Peguei o costume de acompanhar cada bomba com um ‘Que Hitler tenha uma morte infeliz’ quando estávamos entre nós”, escreveu ela63. A família começou a se referir aos nazistas como “Herr Jaspers”, se permitindo discutir o declínio e o fim próximo do sistema nazista sem medo de ir para a prisão caso alguém os ouvisse. Cada vez que Goebbels ou outro líder nazista se pronunciava no rádio, eles corriam para desligá-lo64. O bombardeio constante estava destruindo o pouco que restava da crença popular em Hitler e do apoio ao regime nazista.

À medida que a situação começou a ficar mais desesperadora, roubo e transações ilegais no mercado negro se tornaram os únicos meios de sobrevivência. O saque se tornou mais generalizado, sobretudo do verão de 1944 em diante. Em Essen, por exemplo, mais de 90 mercearias foram saqueadas em apenas duas semanas no outono de 1944. As pessoas se aproveitavam da ausência dos donos durante os ataques aéreos noturnos. Estragos causados por bombas lhes ofereciam ainda mais oportunidades. Geralmente, levavam pequenas quantidades de alimentos e de roupas. Patrulhamentos da polícia foram aumentados, e a Gestapo expandiu sua rede de informantes nas comunidades de trabalhadores estrangeiros. Em setembro de 1944, os membros da Gestapo foram autorizados a fazer execuções sumárias de saqueadores, uma ordem oficializada pelo Escritório Central de Segurança do Reich no começo de novembro de 1944, inicialmente apenas em relação aos trabalhadores orientais, e depois valendo para todos. Autoridades locais da polícia e da administração foram então, na verdade, encorajadas a resolver o assunto com suas próprias mãos. Membros da Força de Ataque do Povo foram usados para montar guarda em prédios avariados por bombas a fim de prender trabalhadores orientais que fossem flagrados com produto de saque de locais bombardeados e, até mesmo, para atirar neles. Em outubro de 1944, um membro da Gestapo em Dalheim, cidade do oeste da Alemanha, que não se localizava longe de Colônia, ao se encontrar com alguns trabalhadores orientais, em sua maioria mulheres, carregando o que pareciam ser produtos saqueados, fez que seus homens prendessem sete deles; eles confessaram durante o interrogatório e ele ordenou que os trabalhadores fossem mortos a tiros no dia seguinte. Às vezes, habitantes locais se juntavam a eles. No começo de abril de 1945, por exemplo, em Oberhausen, um telefonista que estava a caminho de casa, vindo do trabalho, percebeu quatro trabalhadores orientais saindo de uma casa cujos moradores tinham claramente se refugiado em um abrigo antiaéreo; ele reuniu outros homens e prenderam um dos trabalhadores, que os homens começaram a espancar. O trabalhador confessou que havia roubado algumas batatas, e foi levado a um escritório das Forças Armadas, onde o telefonista recebeu um revólver. Levando seu prisioneiro a um campo de esportes, a ele se juntou uma multidão, que também começou a espancar o homem com tacos de golfe e tábuas. O telefonista então atirou no homem, mas ele não morreu imediatamente; enquanto jazia no chão, gemendo, a multidão se reuniu e o espancou até a morte65.

Em tais circunstâncias, não chega a surpreender que um número cada vez maior de trabalhadores estrangeiros fugisse ou entrasse para a clandestinidade. Trabalhadores franceses que recebiam licença para visitar a família em casa muitas vezes simplesmente deixavam de voltar – na I. G. Farben em Ludwigshafen, por exemplo, 68% dos trabalhadores da Europa ocidental que receberam licença para visitar a família em maio e em junho de 1943 nunca voltaram. Proibir a licença para visitar a família, entretanto, teria causado insatisfação generalizada entre esses trabalhadores, e medidas disciplinares não eram possíveis porque eles vinham de países “amigos”. Metade ou mais dos trabalhadores que desertaram de seu emprego vinha do leste, e esses homens e mulheres estavam, sem dúvida, agindo de modo ilegal. As chances de realmente conseguirem voltar para casa eram remotas, mas muitos deles conseguiram encontrar trabalho em outros lugares, especialmente se exigisse menos que o emprego que haviam abandonado. A maioria fazia o possível para ser transferida para áreas que não seriam ameaçadas por ataques aéreos. A Gestapo localizou e prendeu muitos deles, organizando caçadas humanas abrangentes e intensificando seus procedimentos de controle em estações de trem, em bares e em locais públicos. Em 1944, o número de fugas havia chegado ao impressionante total de meio milhão por ano, pelo menos segundo Albert Speer, que insistia que, por causa de sua importância para a economia de guerra, o máximo que poderia ser feito aos trabalhadores fugitivos quando fossem presos seria levá-los de volta para seu local original de trabalho. Cada vez mais trabalhadores estrangeiros se afastavam por motivo de doença, ou simplesmente trabalhavam mais devagar. A polícia descobriu a seguinte carta-corrente no bolso de um trabalhador francês em maio de 1944: “Os Dez Mandamentos de um Perfeito Trabalhador Francês: 1. Caminhar lentamente no local de trabalho; 2. Caminhar depressa depois de sair do trabalho; 3. Ir ao banheiro com frequência; 4. Não trabalhar com empenho; 5. Aborrecer o capataz; 6. Flertar com as moças bonitas; 7. Ir sempre ao consultório médico; 8. Não contar com as férias; 9. Prezar a limpeza; 10. Ter esperança, sempre66”. Alguns trabalhadores sabotavam deliberadamente as armas que estavam sendo obrigados a produzir. Outros simplesmente faziam o trabalho malfeito porque estavam cansados e mal alimentados.

Resistência ou insubmissão desse tipo acontecia quase sempre em uma esfera de ação individual. Em alguns lugares, trabalhadores estrangeiros comunistas organizaram movimentos clandestinos de resistência, mas estes raramente conseguiam ir além de preparar fugas ou de identificar informantes e dar um jeito neles. Muito mais comuns eram as gangues de trabalhadores estrangeiros foragidos que se escondiam em edifícios bombardeados e sobreviviam à custa de sua esperteza, muitas vezes junto com jovens alemães. Em geral, seu maior recurso para sobreviver era o mercado negro. Com a comida sendo oferecida em suprimentos cada vez menores, o tabaco, como Luise Solmitz havia percebido, se tornou um tipo de moeda, para ser trocado por pão ou por roupas, quando necessário. Trabalhadores ocidentais, sobretudo os franceses, recebiam um salário melhor que os orientais, e muitas vezes recebiam pacotes de comida de sua família que estava em casa, então podiam se aproveitar dessa situação vantajosa para estabelecer um florescente mercado clandestino de comida, que era tão desesperadamente necessária para trabalhadores soviéticos e italianos. Sem poder de compra, prisioneiros de guerra russos e trabalhadores forçados civis começaram a fabricar pequenos brinquedos e outras quinquilharias com lixo industrial e a vendê-los nas ruas ou nas fábricas, embora isso logo fosse proibido sob a alegação de que o material usado por eles era importante para a economia de guerra67. Grandes gangues começaram a surgir, afirmando seu papel em tais transações, frequentemente perigosas. Em setembro de 1944, encorajadas pela aproximação dos exércitos aliados, essas gangues estavam aumentando em quantidade, sobretudo em cidades arruinadas do oeste da Alemanha como Colônia. Frequentemente estavam armadas, e não tinham medo de morrer em tiroteios com a polícia. Em Colônia, disseram que uma gangue de cerca de 30 membros, em sua maior parte trabalhadores orientais, vivia de comida roubada e saqueada, e quando a Gestapo a desbaratou depois de um tiroteio no qual um policial foi morto, o líder, Mishka Finn, encontrou lugar em outra gangue, liderada por um alemão que era antigo prisioneiro de um campo de concentração. A maior parte dos membros era de desertores do Exército e prisioneiros foragidos. Essa gangue trabalhava alternadamente com um grupo mais politizado de jovens das classes trabalhadoras conhecidos como os Piratas de Edelweiss, que estavam atacando membros da Juventude Hitlerista e roubando mercearias e outros estabelecimentos. Quando o grupo ficou mais ambicioso e começou a planejar explodir os quartéis-generais da Gestapo na cidade, a polícia localizou e prendeu seus membros. Seis deles, todos trabalhadores orientais, foram enforcados em público, perante uma grande multidão, no dia 25 de outubro de 1944, acontecimento seguido pela execução pública de 13 membros da gangue alemã em 10 de novembro de 194468.

Contudo, isso não colocou um ponto-final em tais atividades na cidade; na verdade, o chefe da Gestapo em Colônia foi morto logo em seguida em um tiroteio com outra gangue de trabalhadores orientais. Uma gangue em Duisburg tinha 100 membros e arrombava imóveis quase todos os dias. A Gestapo reagiu a esse caos crescente com uma política de prisões em massa e de execuções em uma escala ainda maior. Em Duisburg, 24 membros da gangue dos trabalhadores orientais foram mortos a tiros em fevereiro de 1945, seguidos em março por mais 67 pessoas, muitos deles alemães suspeitos de dar abrigo a membros da gangue. Em Essen, o chefe da Gestapo, junto com seu oficial superior de Düsseldorf, fez que 35 prisioneiros, a maior parte deles mandados para a prisão por suspeita de saque ou roubo, fossem tirados da cadeia da polícia e baleados. Outros 30 trabalhadores orientais foram executados em 20 de março de 1945 perto de Wuppertal; 23 em Bochum, 11 em Gelsenkirchen. Em Dortmund, a Gestapo eliminou cerca de 240 homens e mulheres em março e em abril de 1945, prosseguindo com as execuções até o momento em que as tropas aliadas entraram na cidade. Suas vítimas eram pessoas presas por suspeita de saque, roubo, atividades de resistência ligadas ao comunismo, espionagem e diversas outras infrações. A raiva pela derrota iminente da Alemanha atiçou o espírito de vingança e o desejo de restaurar um sentimento de ordem nazista em um mundo que estava rapidamente se tornando caótico, onde as pessoas que a Gestapo considerava racialmente inferiores estavam perambulando praticamente sem controle pelas maiores cidades industriais do oeste da Alemanha. A atividade das gangues nessa região era motivada mais por uma necessidade de sobrevivência do que por qualquer desejo de oferecer resistência aberta ao regime nazista; mas, como acontecia com tanta frequência, a resposta do regime era política em sua própria essência, ideológica até o último instante69.

 

 

V

 

Segundo as estimativas da própria União Soviética, as perdas do Exército Vermelho na guerra totalizaram mais de 11 milhões de soldados, mais de 100 mil aviões, mais de 300 mil peças de artilharia e cerca de 100 mil tanques e de obuses autopropulsados. Outras autoridades estimaram que as perdas de pessoal militar foram ainda mais altas, alcançando, de fato, 26 milhões de mortes. As tropas do Exército Vermelho eram destreinadas, pouco educadas e muitas vezes despreparadas. As perdas continuaram na mesma escala até o fim da guerra; na verdade, mais tanques foram perdidos a cada dia na batalha final para a conquista de Berlim do que até mesmo na Batalha de Kursk. Stálin queria a vitória a qualquer preço, e o preço que seus homens pagaram foi astronomicamente alto. Diziam para os oficiais e soldados do Exército Vermelho que eles deveriam obedecer às ordens sem questionar e evitar fazer qualquer coisa sob iniciativa própria. Em vez de organizar ataques taticamente sofisticados, muitas vezes atacavam as linhas inimigas em assaltos frontais, incorrendo em perdas tão grandes que era preciso tempo para substituí-los, mesmo com os grandes recursos à disposição do Exército Vermelho. Como resultado, foi mais demorado vencer a guerra no front oriental do que ocorreria se ela fosse conduzida por uma liderança militar mais inteligente e menos perdulária70. Acima de tudo, entretanto, o sofrimento que as tropas tiveram de suportar e as perdas colossais que sofreram instilaram o comprometimento dos soldados soviéticos com a vitória com uma forte dose de amargura e ódio pelo inimigo. Esse fato ficou visível assim que eles alcançaram as fronteiras da Alemanha.

Em julho de 1944, tropas soviéticas entraram em Majdanek, o primeiro campo de extermínio descoberto pelas tropas aliadas. Os alojamentos e os pátios estavam lotados de corpos – russos, poloneses e muitos outros, bem como judeus. Repórteres chocados percorreram as câmaras de gás que os alemães não tinham conseguido destruir em tempo. Milhares de soldados do Exército Vermelho foram levados pelo campo de Majdanek para ver pessoalmente. O Pravda (“Verdade”), maior jornal diário soviético, publicou relatos vívidos, que foram acrescentados às já tão conhecidas histórias de milhões de prisioneiros soviéticos que haviam sido deliberadamente privados de alimentos e deixados para morrer pelos alemães. Enquanto prosseguiam na direção oeste pela Alemanha, as forças soviéticas descobriram outros centros de extermínio, não apenas Auschwitz, mas lugares menores como Klooga, perto de Tallinn, onde foram tiradas fotos dos corpos dos judeus mortos empilhados com achas de madeira prontos para uma cremação em massa que os alemães não tiveram tempo de iniciar. A profunda impressão que tais visões causaram atiçaram ainda mais a raiva contra os alemães, alimentada ao longo dos anos de sofrimentos nas mãos deles. As lembranças de cidades incendiadas e saqueadas, como Kiev ou Smolensk, se intensificaram à medida que as tropas entraram em um país cujo padrão de vida parecia inimaginavelmente alto se comparado ao delas. Se a Alemanha era tão rica, por que os alemães tinham começado a guerra? O contraste parecia apenas aumentar a fúria dos soldados russos. “Vamos nos vingar”, escreveu um deles enquanto atravessava a Prússia Oriental em janeiro de 1945, “nos vingar de todo nosso sofrimento [...] Partindo de tudo que vemos, é óbvio que Hitler roubou toda a Europa para agradar seus Fritzes manchados de sangue [...] Suas lojas estão repletas de mercadorias vindas de todas as lojas e fábricas da Europa71.” “Nós odiamos profundamente a Alemanha e os alemães”, escreveu outro. “Dá para ver com frequência civis caídos, mortos, na rua [...] Mas os alemães merecem as atrocidades que eles desencadearam. Nós só precisamos pensar em Majdanek72.” Os comissários políticos, eles próprios alvos de uma ordem de morte especial emitida para as forças alemãs em 1941, insistiam com suas tropas para que elas se vingassem. “A ira dos soldados na batalha deve ser terrível”, dizia um slogan político soviético muito comum na época. “O senhor disse que poderíamos fazer na Alemanha as mesmas coisas que os alemães fizeram conosco”, escreveu outro soldado para seu pai. “O julgamento já começou: eles vão relembrar esta marcha do nosso Exército pelo território alemão por muito, muito tempo73.”

As autoridades militares e civis soviéticas ordenaram que as partes ocupadas da Alemanha fossem espoliadas. Tropas levaram grandes quantidades de trilhos de trem, de locomotivas e de vagões, de armas e de munições, e muitas outras coisas mais, para reabastecer tanto quanto possível a indústria e os equipamentos soviéticos destruídos durante a guerra. Os americanos descobriram que 80% da maquinaria industrial de Berlim fora removida para a União Soviética na época em que eles chegaram à cidade em 1945. Obras de arte também eram parte da pilhagem oficialmente sancionada. Em sua retirada apressada, os alemães foram obrigados a deixar para trás inúmeras coleções, assim como outras em toda a Europa que estavam nessa época guardadas por questão de segurança em porões, em minas e em outros esconderijos longe do calor da batalha e da destruição dos bombardeios. Unidades especiais soviéticas para recuperação de arte percorreram o interior do país buscando esses tesouros, e os que elas conseguiram encontrar foram levados para um depósito especial em Moscou. Em um profundo túnel em uma pedreira na vila de Groscotta, perto de Dresden, eles encontraram inúmeros quadros guardados pelos museus de Dresden, incluindo a Madonna Sistina, de Rafael, e o Rapto de Ganimedes, de Rembrandt. O imenso Altar de Pérgamo foi desmontado e levado. Um milhão e meio de objetos culturais foram, finalmente, devolvidos para a Alemanha Oriental depois de 1949, mas uma boa parte se perdeu. O prefeito de Bremen, por exemplo, havia mandado a coleção de arte da cidade para ficar guardada em segurança em um castelo não muito longe de Berlim, onde as tropas do Exército Vermelho a encontraram. Chegando para inspecionar a coleção, Viktor Baldin, um arquiteto russo que se alistara no Exército Vermelho, encontrou obras valiosas espalhadas pela região, e fez o máximo possível para recuperá-las, em um caso trocando com um soldado russo um par de botas por uma água-forte de Albrecht Dürer. Enquanto Baldin mantinha as centenas de desenhos que ele descobrira em um local seguro, esperando uma oportunidade para devolver sua coleção a Bremen, outros itens da mesma coleção começaram a surgir no mercado de arte posteriormente; um negociante deu a uma mulher de Berlim 150 marcos e um quarto de quilo de pó de café em troca de um Cranach em 1956. Os russos mantiveram muitos de seus “troféus de arte” mesmo depois de 1990, perguntando ardilosamente por que deveriam devolver objetos de arte que haviam sido saqueados da Alemanha quando tantos de seus próprios tesouros culturais haviam desaparecido ou sido destruídos como resultado das ações das tropas invasoras alemãs74.

Soldados rasos do Exército Vermelho saqueavam a seu bel-prazer. A agressividade do combate nos últimos meses da guerra apenas intensificou a fúria dos soldados soviéticos. Talvez, também, eles estivessem liberando a raiva e a frustração acumuladas durante tantos anos de sofrimentos infligidos não apenas por Hitler, mas também por Stálin antes dele. Assim como os soldados alemães que entraram na Rússia em 1941, eles lutavam em grupos unidos por um éthos comum de agressividade masculina. As atrocidades que cometeram eram um sintoma não da diminuição da disciplina e do moral, mas da coesão do grupo e da mentalidade coletiva formadas no calor da batalha. Os alemães haviam pilhado e destruído, então, por que não poderiam fazer o mesmo? Soldados rasos soviéticos se apropriavam de qualquer coisa que pudessem encontrar, ignorando os regulamentos militares. Comida era o mais importante: soldados pilharam lojas militares alemãs, arrombaram adegas e beberam até perder os sentidos, e mandaram pacotes de comida para sua família em grandes quantidades. Oficiais pegaram livros raros, pinturas, rifles de caça, máquinas de escrever, bicicletas, roupas de cama, roupas, sapatos, instrumentos musicais e sobretudo rádios, algo muito raro e muito valioso na Rússia. Todos eles roubaram relógios de pulso. No depósito ferroviário em Kursk, o total mensal de pacotes que chegava dos soldados na Alemanha saltou de 300 em janeiro para 50 mil em abril. Na metade de maio de 1945, cerca de 20 mil vagões ferroviários carregados de produtos saqueados estavam esperando para ser descarregados ou mandados para seu destino. Mas havia violência e destruição sem sentido também75. Soldados do Exército Vermelho incendiaram casas, fazendas e até mesmo cidadezinhas e vilarejos inteiros; atiraram em milhares de civis, homens, mulheres e crianças. “O coração fica feliz”, escreveu um soldado para seus pais em fevereiro de 1945, “quando passamos por uma cidade alemã que está pegando fogo. Estamos nos vingando de tudo, e nossa vingança é justa. Fogo por fogo, sangue por sangue, morte por morte76.”

Movidas pelo ódio, pela vingança e pelas aparentemente infindáveis quantidades de álcool, as tropas se permitiram fazer uma campanha sistemática de estupro e de violência sexual contra mulheres alemãs. Na verdade, isso quase não tinha relação com a liberação de meses e de anos de frustração sexual e de desejo acumulado; outros fatores, principalmente ódio e agressão, eram muito mais importantes. As mulheres compunham a maior parte dos civis adultos que as tropas do Exército Vermelho encontraram na Alemanha: os homens estavam mortos, ainda lutando ou trabalhando em fábricas de munição. Foram as mulheres que se tornaram objeto da ira dos soldados soviéticos contra os alemães. Posteriormente, ao serem entrevistadas, as mulheres alemãs tipicamente relembravam que, quando tentavam protestar, elas não eram contestadas com histórias de soldados alemães que violentavam mulheres russas, mas com “a imagem de um soldado alemão atirando um bebê, arrancado dos braços de sua mãe, contra uma parede – a mãe grita, o cérebro do bebê se espalha pela parede, os soldados riem77”. Afinal, eram os alemães que, sem terem sido provocados, tinham invadido a Rússia e causado um nível quase inimaginável de morte, de sofrimento e de destruição. Eles receberiam uma lição que duraria mil anos. Como escreveu um soldado do Exército Vermelho: “É absolutamente claro que, se agora nós não os deixarmos apavorados mesmo, não vai haver jeito de evitar outra guerra no futuro78”.

Um jovem oficial que deparou com uma unidade que ultrapassara uma coluna de refugiados alemães rumo a oeste relembrou posteriormente: “Mulheres, mães e seus filhos jazem à direita e à esquerda ao longo da estrada, e na frente de cada uma delas está parada uma fila barulhenta de homens com suas calças abaixadas. As mulheres que estão sangrando ou perdendo consciência são empurradas para um lado, e nossos homens atiram naquelas que tentam salvar seus filhos”. Um grupo de oficiais “sorridentes” estava parado por perto, para garantir “que cada soldado, sem exceção, tomasse parte79”. Mulheres e moças eram vítimas de estupros em série onde quer que fossem encontradas. O estupro era com frequência seguido pela tortura e pela mutilação e muitas vezes acabava com a vítima sendo baleada ou espancada até a morte. A violência crescente era indiscriminada. Frequentemente, sobretudo em Berlim, as mulheres eram estupradas na presença do marido, para ressaltar a humilhação. Em geral, os homens eram mortos se tentassem intervir. Na Prússia Oriental, na Pomerânia e na Silésia, acreditam que cerca de 1,4 milhão de mulheres tenham sido estupradas, muitas delas diversas vezes. Estupros em grupo eram a regra, e não a exceção. Os dois maiores hospitais de Berlim estimaram que pelo menos 100 mil mulheres tenham sido estupradas na capital alemã. Muitas contraíram doenças sexualmente transmissíveis, e não poucas ficaram grávidas; a maior parte destas conseguiu fazer aborto, ou, se deram à luz, abandonaram o bebê no hospital. A violência sexual prosseguiu por muitas semanas, até mesmo depois de a guerra ter formalmente acabado. As mulheres alemãs aprenderam a se esconder, sobretudo depois de escurecer; ou, se fossem jovens, a pegar um soldado soviético, de preferência um oficial, como amante e protetor. Em 4 de maio de 1945, uma mulher anônima de Berlim escreveu em seu diário: “Lenta, mas definitivamente, estamos começando a encarar todos esses estupros com senso de humor – humor sardônico80”. Ela observou com certa satisfação que os soldados russos tendiam a preferir mulheres gordinhas e bem alimentadas como suas vítimas depois de a fúria inicial ter acabado, e que, compreensivelmente, essas eram geralmente as viúvas de membros do Partido Nazista81.

Temerosos, e com razão, do que poderia lhes acontecer quando o Exército Vermelho chegasse, milhares de alemães fugiram antes do avanço das tropas soviéticas. Colunas patéticas como aquelas das mulheres, das crianças e das pessoas idosas que pegaram as estradas europeias da Bélgica para a Bielorrússia temendo por sua vida quando o Exército alemão entrou em seus países em 1940 e 1941 agora podiam ser vistas fazendo o percurso contrário na direção da Alemanha em 1944 e em 1945: mas, agora, elas eram compostas por alemães. Os felizardos carregavam suas posses pessoais em um carro ou em uma carroça puxada a cavalo, os menos felizes acompanhavam-nos lentamente a pé. Muitas crianças morreram congeladas no trajeto. Alguns refugiados ainda conseguiram encontrar uma linha ferroviária não danificada e um lugar em um trem. Membros do Partido Nazista em algumas cidades amontoavam pessoas tremendo, e sem comida ou bebida, em vagões abertos destinados ao transporte de mercadoria. Na ocasião em que um desses trens carregados chegou a Schleswig-Holstein, relatou-se que os refugiados se encontravam “em estado deplorável. Eles estavam infestados de piolhos e tinham muitas doenças, como sarna. Depois da longa viagem, havia muitos mortos caídos nos vagões82”. Perto do fim de janeiro de 1945, quase 50 mil refugiados estavam chegando a Berlim por trem todos os dias. As autoridades nazistas avaliaram que, na metade de fevereiro de 1945, mais de 8 milhões de pessoas estavam fugindo para oeste, para a parte mais central do Reich. Ao longo da costa do Báltico, cerca de 500 mil refugiados estavam cercados em Danzig, e pacotes de suprimentos levados por via aérea ou marítima eram frequentemente saqueados por soldados alemães famintos. Outros 200 mil foram encurralados pela batalha no pequeno porto de Pillau. Autoridades regionais e locais começaram a organizar a evacuação deles por mar. O navio transatlântico da Força pela Alegria Wilhelm Gustloff levou cerca de 6.600 deles de Gdynia para o Báltico: um submarino soviético o encontrou casualmente, atirou três torpedos e o afundou com a perda de 5.300 vidas. Esse não foi o único navio de refugiados que afundou de tal modo. Confrontada com recriminações enfurecidas por ter cometido uma imensa atrocidade, a Marinha soviética alegou que o navio estava cheio de membros da tripulação de submarinos. Ela sabia que, por ordens do grande almirante Dönitz, a evacuação dos membros das Forças Armadas tinha prioridade sobre a dos civis. Nesse caso, entretanto, havia cometido um erro terrível. Não obstante, o capitão do submarino que afundou o navio foi recompensado, sendo poupado da sentença de prisão que enfrentaria devido à descoberta de seu longo relacionamento amoroso com uma mulher estrangeira; em 1990, foi postumamente agraciado com o título de Herói da União Soviética83.

22GermanExpellees.jpg

Mapa 22. Refugiados e expatriados alemães, 1944-50

Os alemães que permaneceram nos territórios ocupados e conquistados no leste enfrentaram uma situação difícil. Durante a guerra, tinham feito parte da muitas vezes brutal e violenta elite étnica dominante. Agora eram os conquistados. Ao longo dos meses seguintes, tchecos, poloneses e outros governos restabelecidos organizaram a expulsão forçada e a expropriação de praticamente toda a população alemã étnica de seu país, que foi mandada embora para se juntar aos milhões que já haviam fugido. No total, talvez 11 milhões de refugiados e de expatriados alemães chegaram ao “Velho Reich” entre 1944 e 1947. Pessoas fugiam em grande número à frente das tropas aliadas que avançavam no oeste também. De volta a sua cidade natal de Alzey, na Renânia, Lore Walb viu pessoas fazendo as malas quando os americanos se aproximaram. “As filas de carros estão passando por nossa casinha a noite inteira em uma procissão ininterrupta”, escreveu ela em 26 de março de 1945. “Estão todos vindo do front e se dirigindo para o leste.” Um quarto da população da cidade, ela calculou, se juntou às colunas de refugiados84. Por toda a Alemanha, nos primeiros meses de 1945, as pessoas estavam circulando, vivendo sob o medo permanente da violência e da morte, esperando o fim com uma mistura de temor e de esperança.

 


 

1 Maschmann, Account Rendered, p. 176.

2 Breloer (ed.), Geheime Welten, p. 154 (27 de janeiro de 1945).

 

3 Para essa peça de teatro, consultar Evans, The Coming of the Third Reich, p. 417-8.

4 Wirrer (ed.), Ich glaube an den Führer, p. 293 (Albert para Inge, 30 de janeiro de 1945).

5 Ibid., p. 295-6 (Inge para Alfred, 3-4 de fevereiro de 1945).

6 Ibid., p. 313 (Alfred para Inge, 9 de março de 1945).

7 Ibid., p. 321 (Inge para Alfred, 10 de abril de 1945).

8 Ibid., p. 317.

9 Nicolaus von Below, Als Hitlers Adjutant 1937-1945 (Frankfurt am Main, 1980), p. 398.

10 Citado em Herf, The Jewish Enemy, p. 255-6.

11 Weinberg, A World at Arms, p. 798-802.

12 Jörg Echternkamp (ed.), Kriegsschauplatz Deutschland 1945: Leben in Angst – Hoffnung auf Frieden: Feldpost aus der Heimat und von der Front (Paderborn, 2006), p. 20-1.

13 Overmans, Deutsche Militärische Verluste, p. 238-9.

14 Para um relato detalhado, consultar Holst Boog, “Die strategische Bomberoffensive der Alliierten gegen Deutschland und die Reichluftverteidigung in der Schlussphase des Krieges”, em DRZW X/I, p. 771-884.

15 Andreas Kunz, Wehrmacht und Niederlage: Die bewaffnete Macht in der Endphase der nationalsozialistischen Herrschaft 1944 bis 1945 (Munique, 2005); p. 207-15; idem, “Die Wehrmacht 1944/45: Eine Armee im Untergang”, em DRZW X/II, p. 3-54.

16 Kershaw, Hitler, II, p. 781.

17 Citado em Patrick Wright, Iron Curtain: From Stage to Cold War (Londres, 2007), p. 352. A primeira vez em que Churchill usou esse termo foi logo depois disso.

18 Hubatsch (ed.), Hitlers Weisungen, p. 310-1.

19 Baird, The Mythical World, p. 246-55.

20 Noakes (ed.), Nazism, IV, p. 652.

21 Ibid., p. 653.

22 Ibid., p. 651.

23 Walb, Ich, die Alte, p. 316 (26 de março de 1945).

24 Noakes (ed.), Nazism, IV, p. 654.

25 Ibid., p. 655-6.

26 Ibid., p. 658.

27 Hubatsch (ed.), Hitlers Weisungen, p. 311.

28 Gerhard Paul, “‘Diese Erschiessungen haben mich innerlich gar nicht mehr berührt’: Die Kriegsendphasenverbrechen der Gestapo 1944/45”, em idem e Klaus-Michael Mallmann (eds.), Die Gestapo im Zweiten Weltkrieg: “Heimatfront” und besetztes Europa (Darmstadt, 2000), p. 543-68.

29 Wachsmann, Hitler’s Prisons, p. 327.

30 Ibid.

31 Ibid., p. 334-7.

32 Hitler, Hitler’s Table Talk, p. 29.

33 Para Natzweiler, consultar Wolfgang Kirstin, Das Konzentrationslager als Institution totalen Terrors: Das Beispiel des KL Natzweiler (Pfaffenweiler, 1992), p. 13-6.

34 Citado em Fest, Plotting Hitler’s Death, p. 312.

35 Moorhouse, Killing Hitler, p. 58; Hoffmann, The History, p. 258.

36 Ueberschär, Für ein anderes Deutschland, p. 238-9.

37 Hannes Heer, Ernst Thälmann in Selbstzeugnissen und Bilddokumenten (Reinbek, 1975), p. 127-30.

38 Fest, Plotting Hitler’s Death, p. 304; Ueberschär, Für ein anderes Deutschland, p. 238; Willi Dressen, “Konzentrationslager als Tötungs- und Hinrichtungsstätten für Oppositionelle, Behinderte, Kriegsgefangene”, em Benz e Distel (eds.), Der Ort des Terrors, I, p. 230-41.

39 Echternkamp (ed.), Kriegsschauplatz, p. 34-5.

40 Höss, Commandant of Auschwitz, p. 190-2.

41 Steinbacher, Auschwitz, p. 123-8.

42 Ernst Kaiser e Michael Knorn, “Wir lebten und schliefen zwischen den Toten”: Rüstungsproduktion, Zwangsarbeit und Vernichtung in den Frankfurter Adlerwerken (Frankfurt am Main, 1994), p. 214-27.

43 Daniel Blatman, “The Death Marches, January-May 1945: Who Was Responsible for What?”, Yad Vashem Studies, 28 (2000), p. 155-201.

44 Goldhagen, Hitler’s Willing Executioners, p. 327-71, oferece um detalhado relato visual, comprometido pela retórica antialemã e pela suposição de que as marchas envolviam somente prisioneiros judeus.

45 Wilhelm Lange, Cap Arcona: Dokumentation (Eutin, 1992); Detlef Garbe, “Institutionen des Terrors und der Widerstand der Wenigen”, em Forschungsstelle für Zeitgeschichte in Hamburg (ed.), Hamburg, p. 519-72, nas p. 549-55; David Stafford, Endgame 1945: Victory, Retribution, Liberation (Londres, 2007), p. 291-306.

46 Neuman, The Rocket and the Reich, p. 264.

47 Daniel Blatman, “Rückzug, Evakuierung und Todesmärsche 1944-1945”, em Benz e Distel (eds.), Der Ort des Terrors, I, p. 296-312, nas p. 306-8; para a marcha da morte, em 1945, dos trabalhadores russos aprisionados pela Gestapo em Oldenburg, consultar Hoffmann, Zwangsarbeit, p. 288-92.

48 Harry Stein, “Funktionswandel des Konzentrationslagers Buchenwald im Spiegel der Lagerstatistiken”, em Herbert et al. (eds.), Die Nationsozialistische Konzentrationslager, I, p. 167-92; Michael Fabréguet, “Entwicklung und Veränderung der Funktionen des Konzentrationslager Mauthausen 1938-1945”, em ibid., p. 193-214; também Blatman, Rückzug; e Robert H. Abzug, Inside the Vicious Heart: Americans and the Liberation of Nazi Concentration Camps (Nova York, 1985), p. 21-30.

49 Eberhard Kolb, Bergen-Belsen 1943-1945: Vom “Aufenthaltslager” zum Konzentrationslager 1943-1945 (Göttingen, 2001), p. 21-4, 38-41.

50 Ibid., também Joanne Reilly, Belsen: The Liberation of a Concentration Camp (Londres, 1998), e Ben Shephard, After Daybreak: The Liberation of Belsen, 1945 (Londres, 2005).

51 Daniel Blatman, “Die Todesmärsche – Entscheidungsträger, Mörder und Opfer”, em Herbert et al. (eds.), Die nationalsozialistischen Konzentrationslager, II, p. 1063-92.

52 Blank, “Kriegsalltag”, p. 451-7; detalhes completos em Boog, “Die Strategische Bomber offensive”.

53 Citado em Blank, “Kriegsalltag”, p. 455.

54 Evans, Telling Lies, p. 193-231; relatos confiáveis em Rudolf Förster, “Dresden”, em Marlene P. Hiller et al. (eds.), Städte im 2. Weltkrieg: Ein internationaler Vergleich (Essen, 1991), p. 299-315; Götz Bergander, Dresden im Luftkrieg: Vorgeschichte, Zerstörung, Folgen (Würzburg, 1998); e Frederick Taylor, Dresden: Tuesday 13 February 1945 (Londres, 2004).

55 Klemperer, To the Bitter End, p. 387-9 (13 de fevereiro de 1945).

56 Ibid., p. 389-92 (22-24 de fevereiro de 1945).

57 Ibid., p. 393 (22-24 de fevereiro de 1945).

58 Ibid., p. 396-405 (15-27 de fevereiro de 1945).

59 Solmitz, Tagebuch, p. 998 (7 de março de 1945).

60 Noakes (ed.), Nazism, IV, p. 515.

61 Solmitz, Tagebuch, p. 983 (2 de fevereiro de 1945), p. 995 (27 de fevereiro de 1945), p. 1010 (9 de abril de 1945).

62 Solmitz, Tagebuch, p. 765 (8 de setembro de 1942).

63 Ibid., p. 888 (8 de janeiro de 1944), p. 928 (10 de junho de 1944), p. 943 (8 de agosto de 1944).

64 Ibid., p. 944 (3 de setembro de 1944), p. 958 (27 de outubro de 1944).

 

65 Herbert, Hitler’s Foreign Workers, p. 359-64.

66 Ibid., p. 329 (citação) e p. 326-45.

67 Ibid., p. 326-8.

68 Ibid., p. 366-9; Fritz Theilen, Edelweisspiraten (Frankfurt am Main, 1984); Bernd-A. Rusinek, Gesellschaft in der Katastrophe: Terror, Illegalität, Widerstand – Köln 1944/45 (Essen, 1989).

69 Herbert, Hitler’s Foreign Workers, p. 369-71.

70 Frieser, “Die Schlacht”, p. 200-8.

71 Citado em Merridale, Ivan’s War, p. 260.

72 Ibid., p. 261.

73 Ibid., p. 261-2.

74 Nicholas, The Rape of Europa, p. 361-7.

75 Merridale, Ivan’s War, p. 277-82.

76 Ibid., p. 267-9.

77 Atina Grossmann, “A Question of Silence: The Rape of German Women by Occupation Soldiers”, October, 72 (1995), p. 43-63, na p. 51.

78 Merridale, Ivan’s War, p. 270.

79 Ibid., p. 267-8.

80 (Anon.), A Woman in Berlin: Diary 20 April 1945 to 22 June 1945 (Oxford, 2006 [1955]), p. 173. A autora era a jornalista Masta Hillers (Grossmann, “A Question of Silence”, p. 54).

81 Ibid.

82 Citado em Antony Beevor, Berlin: The Downfall 1945 (Londres, 2002), p. 52.

83 Ibid., p. 46-55, 88; Heinrich Schwendemann, “‘Deutsche Menschen vor der Vernichtung durch den Bolschewismus zu retten’: Das Programm der Regierung Dönitz und der Beginn einer Legendenbildung”, em Bernd-A. Rusinek (ed.), Kriegsende 1945: Verbrechen, Katastrophen, Befreiungen in nationaler und internationaler Perspektive (Göttingen, 2004), p. 9-33.

84 Walb, Ich, die Alte, p. 313 (26 de março de 1945).