Dissidentes quânticos: pesquisa em fundamentos da Teoria Quântica em torno de 1970.
1 Introdução
A florescente pesquisa em fundamentos da Teoria Quântica, no final do século XX, não foi nem a consequência de uma evolução gradual, desde as origens dessa teoria científica em meados da década de 1920, nem apenas o resultado de novas técnicas que permitiram a efetiva realização de experimentos concebidos inicialmente como experimentos mentais. De fato, vários são os fatores que podem ter desempenhado um papel na evolução da controvérsia sobre os fundamentos dessa teoria física. Entre esses fatores, devem ser considerados preconceitos profissionais, questões filosóficas e ideológicas, mudanças culturais e geracionais e a diversidade de ambientes sociais e profissionais nos quais a Física foi praticada ao longo do século. Ao lado desses fatores, houve avanços teóricos e conceituais, inovações técnicas e sucessos em experimentos mentais e reais, bem como expectativas de aplicações tecnológicas. Contudo, nem todos esses fatores atuaram simultaneamente; de fato, em cada corte diacrônico dessa história apenas alguns desses fatores podem ser encontrados. O papel do historiador deve ser então o de discernir a influência de cada fator em cada contexto local e temporal.
Na segunda metade do século XX, um ponto de virada na história da pesquisa sobre os fundamentos da mecânica quântica pode ter sido o ano de 1970. Dados cientométricos parecem indicar que, a partir desse ano, ocorreu um alto crescimento quantitativo de publicações científicas dedicadas aos fundamentos dessa teoria (FREITAS; FREIRE, 2003; KAISER, 2007). Um número significativo de físicos intensificou a sua pesquisa nesse tema. Eles fundaram revistas especializadas, como a Foundations of Physics; organizaram encontros, como a Escola de Verão de Varenna de 1970; e publicaram artigos em revistas de circulação mais ampla, como a Physics Today. Desse modo, alguns deles ajudaram a deslocar os fundamentos da Teoria Quântica das margens da pesquisa em Física-uma “controvérsia filosófica”, como ela era considerada por muitos na década de 1950 -para o terreno da Física normal, ainda que com um apelo filosófico (FREIRE, 2004). As particularidades dos eventos em torno de 1970 ficam mais claras quando comparadas como o que aconteceu mais tarde, principalmente a partir do final da década de 1970 e início da de 1980. De fato, embora a mudança em torno de 1970 tenha sido acelerada pela promessa dos primeiros experimentos sobre o teorema de Bell, os quais seriam os primeiros experimentos reais a serem introduzidos na controvérsia sobre os fundamentos da Teoria Quântica, a referida mudança foi até certo ponto independente do aparecimento do próprio teorema de Bell e de seus experimentos. Em contraste, e prosseguindo na cronologia, na década seguinte, vários experimentos foram sugeridos ou realizados (BROMBERG, 2006, 2008) e a interação entre teoria e experimento tornou-se a força impulsionadora dessa pesquisa. Na década de 1990, foi a promessa de aplicações tecnológicas relacionadas ao uso da Teoria Quântica em computação que provavelmente dinamizou ainda mais essa pesquisa.
Para compreender o que aconteceu com a pesquisa em fundamentos, minha estratégia é produzir um perfil biográfico coletivo dos físicos que foram os protagonistas dessa pesquisa em torno de 1970. Essa estratégia foi inspirada no que os historiadores profissionais chamam de prosopografia (KRAGH, 1978; STONE, 1971); contudo, uso métodos qualitativos no lugar de quantitativos para a produção desse perfil coletivo. Não discutirei os pais fundadores que querelaram entre si entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1950, nem a nova geração de físicos, tais como David Bohm, Jean-Pierre Vigier e Hugh Everett, que começaram a criticar a interpretação padrão da mecânica quântica na década de 1950. Pela mesma razão, não incluo nesse perfil biográfico coletivo aqueles físicos que começaram a pesquisar nesse campo mais tarde, a partir da segunda metade da década de 1970, a exemplo de Alain Aspect, Leonard Mandel, Anthony Leggett, Amir Caldeira, Anton Zeilinger e Marlan Scully. Focalizando sobre os físicos que foram ativos na pesquisa em fundamentos da mecânica quântica, em torno de 1970, e assumindo a arbitrariedade inerente à escolha de uma amostra de personagens para pesquisa histórica, selecionei os seguintes nove casos: Heinz Dieter Zeh (1932-), John Bell (1928-1990), John Clauser (1942-), Abner Shimony (1928-), Eugene Wigner (1902-1995), Léon Rosenfeld (1904-1974), Bernard d’Espagnat (1921-), Franco Selleri (1936-) e Bryce DeWitt (1923-2004).
Formulei as seguintes questões sobre esses personagens: Quais foram seu treinamento profissional e sua carreira inicial, antes de abordar os fundamentos da Teoria Quântica? Quais foram suas realizações em fundamentos da Teoria Quântica e em outros campos da Física? Quando e onde começaram suas preocupações com a mecânica quântica? Por que eles foram atraídos para a pesquisa em fundamentos? Eles enfrentaram obstáculos profissionais ao trabalhar com fundamentos? Foram críticos do que percebiam como sendo a interpretação de Copenhague sobre a mecânica quântica? Como eles avaliavam o pensamento de Bohr sobre as questões epistemológicas relacionadas a essa teoria física? Eles obtiveram êxito em suas carreiras trabalhando com fundamentos? Que tipo de redes eles desenvolveram ao trabalhar com fundamentos da Teoria Quântica?
Antecipando conclusões, meu argumento é que o esboço de uma biografia coletiva desses personagens pode ser obtido notando-se que, exceto Rosenfeld, todos eles foram dissidentes, ou melhor, dissidentes quânticos. Mover a pesquisa em fundamentos para o terreno da física usual requereu não apenas boas ideias teóricas, habilidades experimentais e aprimoramentos tecnológicos, mas também uma mudança na atitude da comunidade da Física quanto ao estatuto dos fundamentos da Teoria Quântica como tema para a pesquisa em Física. Esses físicos lutaram contra a atitude dominante na comunidade dos físicos da época, segundo a qual questões de fundamentos da Teoria Quântica já haviam sido equacionadas pelos pais fundadores da disciplina. Desse modo, eles desafiaram o preconceito contra a pesquisa em fundamentos e muitos deles fora críticos acirrados sobre o que eles identificavam como a interpretação da complementaridade. Suas crenças comuns, entretanto, eram mínimas, e estavam concentradas apenas na importância da pesquisa em fundamentos da Teoria Quântica. Eles foram críticos entre si, apoiaram interpretações distintas para essa teoria física e escolheram temas e abordagens diferentes em suas pesquisas. Uma das fontes de sua força foi o fato de sua plataforma comum ter sido a análise crítica, tanto teórica quanto experimental, dos fundamentos da Teoria Quântica, mais do que o desenvolvimento de apenas uma interpretação alternativa ou mesmo a defesa de seu credo filosófico. A prática desses físicos é uma história de sucesso, no seu todo, na medida em que a pesquisa em fundamentos, ou pelo menos uma parte, foi incorporada ao corpo principal dos resultados e das pesquisas em Física. Eu fiz essa sugestão anteriormente (FREIRE, 2006), com base em um número mais limitado de casos (Clauser, Shimony e Bell) e pretendo agora consubstanciá-la em um estudo mais amplo.
Esse trabalho está organizado da seguinte maneira. Na seção 2, discuto os casos do físico alemão H. D. Zeh, suas contribuições ao que hoje chamamos de “efeito descoerência” e como o preconceito existente contra a pesquisa em fundamentos prejudicou o desenvolvimento de sua carreira. A seção 3 é dedicada aos físicos que trouxeram o experimento idealizado conhecido como EPR para as bancadas dos laboratórios – Bell, Clauser e Shimony – e como eles lidaram com o estigma existente contra a questão das variáveis escondidas. Na seção 4, analiso o modo como dois físicos da velha guarda, Wigner e Rosenfeld, contribuíram, o primeiro intencionalmente e o segundo involuntariamente, para colocar a pesquisa em fundamentos na agenda da Física. A seção 5 é dedicada a três físicos – d’Espagnat, Selleri e DeWitt – que contribuíram, embora de diferentes maneiras, para a mesma agenda. Nesta seção, também analiso suas presenças na Escola de Verão de Varenna, em 1970, e a ressonância dessa Escola na emergente comunidade dedicada aos fundamentos da Física Quântica. As conclusões são apresentadas na última seção.
2 Zeh e os tempos sombrios da descoerência
“Tempos sombrios” foi o termo usado por H. D. Zeh para descrever o período entre seu primeiro contato com o problema da medição no final dos anos 1960 e o início dos anos 1980, quando abordagens análogas foram desenvolvidas por W. H. Zurek e foram mais bem recebidas. Tempos sombrios, contudo, podem ter sido a consequência das circunstâncias profissionais e culturais envolvendo a conversão da atenção de Zeh na direção dos fundamentos da Teoria Quântica. Em 1967, o físico nuclear teórico, então um professor assistente (Privatdozent) em Heidelberg, voltou sua atenção para o problema da medição, chegando à conclusão que as interações entre corpos macroscópicos e seu ambiente nos impede de descrevê-los, do ponto de vista da Teoria Quântica, como sistemas fechados. Isto significa que o sistema acoplado - objeto quântico mais o aparato de medição - não evolui de acordo com a equação de Schrödinger. Ele também notou quão distante essa abordagem estava de duas outras abordagens concorrentes, sobre as quais comentaremos adiante: a amplificação termodinâmica sugerida pelos físicos italianos Daneri, Loinger e Prosperi e a abordagem mentalista formulada por Wigner. As ideias de Zeh foram sistematizadas e submetidas, em forma de artigo, à revista italiana Nuovo Cimento. Ele não desenvolveu completamente as implicações de suas sugestões, mas logo em seguida notou a conexão entre suas ideias e a interpretação dos estados relativos formulada por Hugh Everett em 1957. Esta conexão, explicitada em uma segunda versão de seu artigo, foi finalmente publicada em Foundations of Physics (ZEH, 1970). Os acontecimentos nos bastidores da avaliação desse artigo esclarecem os obstáculos enfrentados à época pela pesquisa sobre os fundamentos da Teoria Quântica.
O artigo foi rejeitado por várias revistas. Franco Bassani, vice-diretor de Nuovo Cimento, por exemplo, recusou o artigo baseado na opinião de um árbitro que havia afirmado: “[...] o artigo é totalmente sem sentido. É claro que o autor não compreendeu completamente o problema e as contribuições anteriores para esse campo.” O editor de Die Naturwissenschaften, F. Boschke, polidamente recusou o artigo justificando que alguns de seus argumentos não estavam claros para os não especialistas1. Além da recusa do artigo, Zeh começou a enfrentar problemas em sua alma mater, a Universidade de Heidelberg. Como Zeh (2006) relembraria,
[...] foi absolutamente impossível à época discutir essas ideias com colegas, ou mesmo publicá-las. Um influente Prêmio Nobel de Heidelberg me informou, com franqueza, que qualquer atividade adicional sobre esse tema finalizaria minha carreira acadêmica!
O Prêmio Nobel era Hans D. Jensen, como Zeh (2006) mais tarde confirmaria, acrescentando que
[...] quando eu escrevi esse artigo que foi publicado em 1970 [...] [Jensen] disse que ele não entendia aquilo, e enviou uma cópia, infelizmente, para Rosenfeld em Copenhague. [...] Ele [Rosenfeld] escreveu uma carta para Jensen, a qual Jensen nunca me mostrou, na qual ele deve ter sido muito cínico sobre o que eu tinha dito, e eu me lembro que Jensen contou aquilo para alguns outros colegas; então, quando eu notei, eles estavam falando entre si, eles estavam sorrindo. Mas ele nunca me disse com precisão o que estava naquela carta. [...] Então Jensen me disse que eu não deveria continuar esse trabalho e nossa relação deteriorou.2
Recentemente, essa carta foi desenterrada dos Arquivos Rosenfeld e seu conteúdo expressa as dificuldades enfrentadas por Zeh: “Eu estabeleci uma regra em minha vida de nunca pisar nos dedos do pé de alguém, mas um preprint que recebi, escrito por certo “dedo do pé” [Zeh, em alemão] do seu instituto, me faz desviar daquela regra. Eu tenho todas as razões do mundo para assumir que tal concentrado de selvagem nonsense não está sendo distribuído pelo mundo com a sua benção, e eu penso estar prestando-lhe um serviço ao chamar sua atenção para esse infortúnio.”3 Desde o início da década de 1970, Zeh praticamente abandonou a Física Nuclear, dedicando-se em tempo integral aos fundamentos da Teoria Quântica. Em retrospectiva, Zeh (2008) vê aquela mudança como consequência dos obstáculos profissionais que enfrentou ao abordar o tema dos fundamentos:
Eu me concentrei naquelas questões porque eu tinha decidido que minha carreira tinha sido destruída. De qualquer modo, eu nunca chegaria ao posto máximo como professor universitário por causa daquelas coisas que tinham ocorrido, aí então eu disse, agora eu posso fazer exatamente o que eu gosto e não tenho que tentar mais obter qualquer posição ou algo similar.4
De fato, apenas na década de 1980 o trabalho de Zeh sobre fundamentos ganharia novo impulso, dessa vez com a colaboração de seu estudante E. Joos.5
Tendo em vista esses acontecimentos, não surpreende que Zeh não tenha mantido uma alta estima pelo que ele considerava ser a interpretação de Copenhague da Teoria Quântica, associada como ela estava aos nomes de Rosenfeld, Bohr, Heisenberg, Pauli e suas conexões com Jensen. Nesse contexto, é que se pode compreender o ressentimento que ele expressou para John Archibald Wheeler, uma década depois daqueles incidentes:
Eu sempre percebi com amargura o modo pelo qual a autoridade de Bohr junto com o sarcasmo de Pauli matou qualquer discussão sobre os problemas fundamentais dos quanta. [...] Eu espero que a interpretação de Copenhague seja algum dia chamada de o maior sofisma da história da ciência, mas eu consideraria uma terrível injustiça se – quando algum dia uma solução seja encontrada – algumas pessoas sustentem que “isso é certamente o que Bohr sempre quis dizer”, somente porque ele foi suficientemente vago.6
Alguns anos antes dessa carta, o historiador David Edge havia lhe perguntado: “Você sente que físicos que sustentam visões não ortodoxas sobre a mecânica quântica têm qualquer grande dificuldade para realizar seu trabalho?” Sua resposta foi: “dificuldades excepcionais.” Perguntado “se um jovem físico começa sua vida profissional trabalhando nesse campo, sua carreira pode enfrentar obstáculos?” ele respondeu “certamente.” Zeh também reconheceu que o número de físicos interessados em fundamentos da mecânica quântica estava crescendo e ele atribuiu ao declínio da injustificada autoridade de N. Bohr, W. Pauli e outros pragmatistas.7
Na fase inicial de sua pesquisa em fundamentos, Zeh (2006) não encontrou apenas adversários. A suprema ironia é que o seu maior apoio veio de um físico que havia partilhado o Nobel de Física de 1963 com Jensen. Eugene Wigner, a quem retornaremos adiante, recebeu uma cópia do mesmo artigo que havia sido recusado por Nuovo Cimento. Embora ele não concordasse com a abordagem de Zeh, pois Wigner sustentava à época que a mente humana desempenha um papel no processo de medição, ele apoiou a publicação do artigo em Foundations of Physics, revista recém criada e da qual ele era membro do corpo editorial. Wigner também o convidou para uma palestra na Escola de Verão, a ser realizada em Varenna em 1970, organizada pela Sociedade Italiana de Física e dirigida por Bernard d’Espagnat. Na palestra de abertura, Wigner introduziu o problema da medição, apresentando a proposta de Zeh como uma das seis possíveis soluções para esse problema (FREIRE, 2007). Em Varenna, Zeh conheceu Bell e sentiu que ele apoiava seu trabalho, mesmo não concordando com a abordagem feita. De fato, Bell não gostava da interpretação de Everett à qual a proposta de Zeh estava associada; Bell favorecia a ideia de onda-piloto de Bohm e estava completamente envolvido com os debates teóricos e experimentais sobre a questão da localidade. Zeh não estava pois em sintonia com Bell, pois considerava que o princípio da superposição tinha validade irrestrita, o qual estava na base da não localidade quântica. Zeh achou Bell
[...] muito interessado e sempre perguntando questões adequadas. Era importante que existisse alguém critico sobre a tendência dominante e que colocava seu dedo nas questões certas. Apenas poucas pessoas faziam aquilo.8
Zeh convidou Bell duas vezes para discutir em Heidelberg questões de fundamentos, o que diminuiu seu próprio isolamento naquela universidade.
3 O estigma contra as variáveis escondidas – Bell, Clauser e Shimony9
John Bell, John Clauser e Abner Shimony são os responsáveis pela introdução do EPR, originalmente um experimento de pensamento, nos laboratórios. Esse empreendimento abriu as portas para um dos mais intrigantes efeitos quânticos: o emaranhamento entre sistemas espacialmente separados, propriedade física que é um dos pilares da atual pesquisa em informação quântica. Em 1964, Bell compreendeu que o requisito da localidade adotado por Einstein (medição sobre um sistema não deve alterar o estado de outro sistema distante do primeiro) implicava em uma desigualdade que seria violada pelas predições da Teoria Quântica. Cinco anos mais tarde, Clauser e Shimony, com contribuições essenciais de Michael Horne e Richard Holt, adaptaram a desigualdade obtida por Bell para um experimento viável em ótica e concluíram que nenhum experimento anteriormente realizado podia contrastar teorias de variáveis escondidas locais com a mecânica quântica.10 Três anos mais tarde Clauser e Stuart Freedman publicaram os resultados do experimento pioneiro sobre esse tema, com resultados confirmando as predições da Teoria Quântica (BELL, 1964; CLAUSER et al., 1969; FREEDMAN; CLAUSER, 1972). A história dessa aventura é, talvez, a melhor ilustração de como a pesquisa em fundamentos saiu das margens da Física para o estatuto de “boa física”, e daí para o mainstream dessa ciência. Não por acaso, A. Van Raan (REDNER, 2005) denominou de “belas adormecidas” artigos como o de Einstein de 1935, com a proposta do experimento idealizado EPR, ou trabalhos clássicos ressuscitados, pois este artigo não obteve mais que algumas dezenas de citações até 1980, saltando para mais de mil atualmente. Efetivamente, experimentos e teoria sobre o EPR só se tornaram temas bem valorizados na Física depois da publicação dos resultados dos experimentos de Alain Aspect em 1982 (FREIRE, 2006), mas esse é um tópico fora do escopo deste artigo. Trazer os experimentos idealizados EPR para as bancadas de laboratório não foi feito sem perdas, como o caso de Clauser irá exemplificar.
Façamos um resumo das carreiras científicas de nossos três personagens. Bell, em sua carreira, cedo começou a refletir sobre os fundamentos da Teoria Quântica. Antes de começar seus estudos de doutoramento em Birmingham, Reino Unido, ele foi atraído pelo artigo de David Bohm de 1952, sugerindo uma interpretação causal da mecânica quântica em termos de variáveis escondidas. Debateu a questão com Franz Mandl, tentando compreender como a proposta de Bohm era possível se existia uma prova matemática, elaborada por John von Neumann, contra a existência de tais variáveis. As interações com Rudolf Peierls foram úteis para sua carreira em Física de altas energias, mas não o ajudaram com a questão das variáveis escondidas, pois Peierls não estava interessado no assunto. No início da década de 1960, já trabalhando na Organização Européia para a Pesquisa Nuclear, o CERN, em Genebra, e tendo construído uma carreira de sucesso com aceleradores de partículas e Física de altas energias, ao assistir seminários nos quais Josef Jauch apresentou uma versão reforçada da prova de von Neumann, ele se sentiu desafiado a retomar suas investigações iniciais. Em 1964, em Stanford, durante uma licença do CERN, Bell retomou seu trabalho inicial com as variáveis escondidas, como meio para completar a mecânica quântica, e produziu um par de artigos que se tornariam referência nos fundamentos da Teoria Quântica. Clauser deslocou sua atenção para a pesquisa em fundamentos quando concluía, em 1969, seu doutoramento na Columbia University, sob a orientação de Patrick Thaddeus, sobre medidas de precisão da radiação cósmica de fundo. Esse era um tema que despertava muito interesse devido à descoberta de Arno Penzias e Robert Wilson, em 1964, de uma radiação uniforme de microondas que chegava à Terra, uma descoberta logo relacionada à teoria do Big Bang. A mudança de foco de Clauser resultou de pelo menos três diferentes fatores: a) uma duradoura insatisfação com a Teoria Quântica desde o seu tempo de aluno de graduação; b) a excitação gerada pela sua descoberta do teorema de Bell e de suas implicações (ele foi o primeiro a escrever para Bell sugerindo experimentos viáveis para testar a localidade); c) o ambiente político da época, como ele relembra (CLAUSER, 2002):
A guerra do Vietnã dominou o pensamento político de minha geração. Como um jovem estudante vivendo naquela era de pensamento revolucionário, eu naturalmente queria “sacudir o mundo.” Como eu já acreditava que variáveis escondidas de fato existiam, eu pensei que esse seria o experimento crucial para revelar sua existência.
Os fundamentos da ciência e suas implicações filosóficas têm sido desde sempre o assunto acadêmico preferido de Shimony. Depois de obter seu doutorado em Filosofia da Probabilidade em Yale, ele foi para Princeton fazer um segundo doutorado, agora em Física, mais especificamente sobre os fundamentos da mecânica estatística, sob a orientação de Wigner. Pouco antes de concluí-lo, foi atraído pelo interesse de Wigner no problema da medição. De Wigner ele também recebeu o apoio de um físico muito prestigiado, que ganharia o Nobel em 1963, para sua entrada no campo dos fundamentos da Teoria Quântica e publicou seu primeiro artigo sobre o tema, exatamente em 1963. Trabalhar nesse campo não se constituiu um obstáculo para a carreira de Shimony. Depois de um contrato do departamento de Filosofia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ele cruzou o rio Charles para uma afiliação dupla, em Filosofia e em Física, na Boston University. De todo modo, ele nunca dependeu exclusivamente de suas credenciais em Física para uma carreira acadêmica. Na Boston University, ele sugeriu a Michael Horne estudar o teorema de Bell como um assunto para o seu doutoramento em Física. Essa colaboração gerou um trabalho que não foi publicado, mas foi incorporado ao trabalho conjunto com Clauser e Holt, publicado em 1969. Para Horne, o seu doutoramento levou-o a uma duradoura carreira de dedicação aos fundamentos da Teoria Quântica. Ao longo da década de 1970, Bell, Clauser e Shimony foram, juntamente com d’Espagnat, os principais promotores da pesquisa teórica e experimental sobre localidade e mecânica quântica e construíram uma rede que levaria à ampliação das fronteiras dessa teoria física (FREIRE, 2006). Shimony atuou como um editor informal de Epistemological Letters, uma revista concebida como um permanente simpósio impresso sobre as “variáveis escondidas e a incerteza quântica;” Bell e d’Espagnat organizaram o Erice Thinkshop sobre Física dedicado ao tema, em 1976; e Clauser e Shimony publicaram, em 1978, o primeiro artigo de revisão sobre os experimentos relacionados ao teorema de Bell.
Bell, Clauser e Shimony eram críticos do que eles compreendiam como a interpretação da complementaridade de Bohr e apoiaram formas levemente diferentes do realismo científico, mas tiveram expectativas distintas sobre os resultados dos experimentos sobre a desigualdade de Bell.11 Clauser e Bell foram mais otimistas do que Shimony sobre as possibilidades de se obter resultados violando a mecânica quântica; e Clauser, de longe o mais otimista entre eles, fato revelador do nível de confiança de cada um deles no formalismo da Teoria Quântica. Bell tinha poucas expectativas de um resultado experimental que fosse um grande avanço na Física:
Em vista do sucesso, em geral, da mecânica quântica, é muito difícil para mim duvidar do resultado desses experimentos. Contudo, eu preferiria que esses experimentos, nos quais os conceitos cruciais são testados muito diretamente, tenham sido feitos e os resultados registrados. Além disso, há sempre uma chance pequena de um resultado inesperado, o que abalaria o mundo.12
O otimismo de Clauser está revelado em uma carta que Shimony lhe enviou:
Incidentalmente, eu estou muito surpreso com suas estimativas das probabilidades dos possíveis resultados do experimento. Eu estimaria um milhão para um em favor da função de correlação mecânico quântica. Não há necessidade de frisar que eu espero estar errado nisso.
Shimony recentemente relembrou as expectativas de Clauser, dizendo
[...] ele estava absolutamente convencido que o experimento iria resultar favoravelmente às teorias de variáveis escondidas locais e contra a mecânica quântica, e que seria um desses experimentos que marca uma época.13
Ao final, o otimismo de Clauser revelou-se infundado.
Bell e Shimony estavam conscientes do estigma que a comunidade dos físicos havia associado à pesquisa sobre variáveis escondidas em mecânica quântica; um estigma herdado da década de 1950 (FREIRE, 2005, 2006). Contudo, foi Clauser que mais sofreu os efeitos do preconceito. Na mesma época em que publicou seus dois artigos seminais, Bell também publicou um terceiro, sobre o problema da medição em mecânica quântica, em coautoria com Michael Nauenberg. Nesse trabalho, eles criticaram a visão partilhada pela maioria dos físicos:
Nós enfatizamos não somente que nossa visão [que a mecânica quântica é, no melhor caso, incompleta] é a de uma minoria mas também que o interesse atual em tais questões é pequeno. O físico típico sente que elas [questões sobre fundamentos] foram há muito respondidas, e que ele compreenderá completamente se puder reservar vinte minutos para pensar sobre elas.
Dez anos mais tarde, em que pese os experimentos já realizados sobre a desigualdade que havia formulado, Bell tinha a mesma sensação de um estigma associado ao tema. Em 1975, Alain Aspect teve um encontro com Bell para discutir sua proposta de novos experimentos sobre as desigualdades de Bell; Bell perguntou-lhe: “Você tem uma posição permanente?” Depois da resposta positiva de Aspect, Bell calorosamente encorajou-o a publicar a ideia, mas o alertou que o tema era considerado pela maioria dos físicos um assunto para excêntricos ou loucos. Como Shimony (1993a, p.xii) mais tarde lembraria,
[...] a preponderância da comunidade da física àquela época aceitava alguma variante da interpretação de Copenhague da mecânica quântica e acreditava que soluções satisfatórias já haviam sido dadas para o problema da medição, o problema de Einstein-Podolsky-Rosen e outras dificuldades conceituais.
As realizações de Clauser na década de 1970 foram notáveis. Ele compreendeu todas as consequências do teorema de Bell, realizou dois experimentos chave sobre ele, um dos quais foi o primeiro desse tipo a ser realizado, e ampliou nossa compreensão do tema com um artigo de revisão. Ademais, ele usou o conhecimento requerido para os experimentos com as desigualdades de Bell para contribuir com o debate entre os que apoiavam teorias semiclássicas da radiação, notavelmente Edwin Jaynes, e os que apoiavam um tratamento quântico integral para a radiação. Contudo, não obstante essas realizações, Clauser nunca obteve uma posição permanente em Física no mundo acadêmico. Para se entender o fracasso de Clauser em obter uma posição é preciso ter em conta que o início da década de 1970 foi um tempo de restrição ao financiamento público da ciência nos Estados Unidos e que essa circunstância teve consequências nas oportunidades de emprego para os jovens físicos. Contudo, a documentação disponível mostra que alguns dos físicos que decidiram não contratar Clauser foram influenciados pelo preconceito de que experimentos sobre variáveis escondidas não eram “física verdadeira.” Seu antigo orientador. P. Thaddeus, escreveu cartas alertando as pessoas a não contratarem Clauser para fazer experimentos sobre variáveis escondidas em mecânica quântica porque isso era “ciência sem valor,” uma visão partilhada por outros potenciais empregadores. Shimony lhe relatou que
[...] quando eu vi d’Espagnat na última semana ele tinha uma carta do chefe do departamento em San José inquirindo se o que você estava fazendo era “realmente física.” Seria desnecessário lhe dizer que ele escreverá uma forte carta respondendo a questão em seu favor. Eu lamento, dessa evidência, saber que a sua situação de trabalho continua não resolvida.
Retrospectivamente, Clauser admite que ele não foi esperto o suficiente para contornar potenciais preconceitos sobre as desigualdades de Bell quando na procura de um emprego. “Eu fui um tipo jovem ingênuo e esquecido de tudo isso. Eu tinha de reconhecer quanto estigma havia, e simplesmente escolhi ignorá-lo. Eu estava me divertindo e achava que era uma física interessante.”14
4 Uma cisão dentro da ortodoxia - Wigner e Rosenfeld15
Diferentemente de nossos outros protagonistas, Wigner e Rosenfeld haviam começado suas carreiras científicas bem antes da Segunda Guerra. Embora eles não pertençam à geração dos pais fundadores da Teoria Quântica, eles podem ser considerados uma “velha guarda” no perfil biográfico que estou construindo. O trabalho que assegurou a Wigner o Prêmio Nobel de Física de 1963 – Contribuições para a teoria do núcleo atômico e as partículas elementares, particularmente através da descoberta e aplicação de princípios fundamentais de simetria – foi realizado no final da década de 1930. O trabalho de Rosenfeld com Bohr sobre a mensurabilidade dos campos eletromagnéticos, uma peça de referência nos debates sobre os fundamentos da Teoria Quântica, foi produzido no início da década de 1920. Na década de 1960, nosso foco de atenção, Wigner já tinha ativamente participado do Projeto Manhattan, tinha uma posição permanente em Princeton e era um vencedor do Nobel. Rosenfeld tinha uma carreira acadêmica bem estabelecida, tendo trabalhado sucessivamente em Copenhague, Utrecht, Manchester e, de novo, Copenhague, dessa vez no Instituto Nórdico para Física Teórica (NORDITA), na maior parte desse tempo servindo como assistente de Bohr para temas epistemológicos.
Rosenfeld estava bem mais envolvido com a controvérsia sobre a interpretação da Teoria Quântica do que Wigner, mas este não era insensível à existência de problemas relevantes nos fundamentos dessa teoria. Na década de 1950, Rosenfeld havia criticado fortemente a interpretação causal de Bohm (FREIRE, 2005) e atentamente seguido os debates em Copenhague sobre a interpretação dos “estados relativos” de Everett (OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009). No início dos anos 1960, ele era, certamente, considerado dos mais fieis intérpretes do princípio da complementaridade de Bohr. Wigner havia contribuído para a análise que John von Neumann fizera do problema da medição e no início dos anos 1950 introduziu o conceito de regras de superseleção para ter em conta as limitações que havia identificado na questão da mensurabilidade (FREIRE, 2007, p. 206). Enquanto Rosenfeld apoiava as ideias de Bohr, Wigner era mais simpático à apresentação da mecânica quântica feita por von Neumann. Embora uma análise lógica hoje possa identificar diferenças entre as apresentações dessa teoria por Bohr e por von Neumann, seria um anacronismo enfatizar o reconhecimento dessas diferenças no período em consideração. Efetivamente, tanto Rosenfeld quanto Wigner se consideravam alinhados, à época, com diferenças menores em relação ao que eles consideravam a interpretação ortodoxa ou usual da Teoria Quântica. Na década de 1960, contudo, essa concordância tácita evaporaria quando cada um toma seu rumo na controvérsia sobre o problema da medição quântica.
No início da década de 1960, Wigner decidiu participar mais ativamente no crescente debate sobre o chamado problema da medição quântica (WIGNER, 1961, 1963), e ousou sugerir que a ação da mente humana era responsável pelas medições quânticas. Essa abordagem mentalista, bizarra nos dias atuais, apresentava, contudo, coerência lógica. Wigner tomava como ponto de partida a análise da evolução do estado que descreve um sistema quântico feita por von Neumann, em 1932. John von Neumann havia afirmado que um estado quântico pode evoluir através de dois diferentes processos: no primeiro, sofre uma evolução linear e determinística, governada pela equação de Schrödinger; no segundo, o estado geralmente descrito por uma superposição de autoestados, subitamente pula para um desses estados, em um processo que von Neumann descreveu, matematicamente, com o recurso a um operador de projeção e sugeriu ser a descrição adequada de um processo de medição quântica. Wigner argumentou que o último processo não podia ser finalizado sem ambiguidade sem o recurso da introspecção, isto é, a interferência da mente humana no processo físico.
Ao analisar o problema da medição, contudo, Wigner tomou sua solução mentalista como uma evidência das limitações da mecânica quântica por causa de sua incapacidade para lidar com fenômenos da vida, como a consciência. Além disso, ele foi cauteloso na defesa da solução mentalista e aceitou a possibilidade de outras soluções para o problema da medição. Sua posição foi claramente afirmada na sua conferência de abertura da Escola de Verão de Varenna, em 1970, dedicada aos fundamentos da Teoria Quântica. Ele reconheceu a existência de pelo menos seis diferentes abordagens do problema (WIGNER, 1971). Elas incluíam a proposta de Everett de um “vetor de estado de todo o universo”; a ideia de que “instrumentos de medição devem ser descritos classicamente,” por ele considerada “mais concisamente articulada” por V. A. Fock e não por Niels Bohr; a proposta de von Neumann da introdução do colapso do vetor de estado como um novo axioma no formalismo quântico; e a proposta de Zeh de mudar o tratamento do problema da medição, passando a considerar que os aparatos, como corpos macroscópicos, não podem ser mantidos em um estado de isolamento. Além destas quatro alternativas, Wigner incluiu mais duas outras propostas, ambas levando à conclusão de que a “validade das leis lineares da mecânica quântica é limitada.” Uma dessas propostas fora introduzida por G. Ludwig e sugeria que “todos os objetos macroscópicos estão situados fora dos limites de validade da mecânica quântica”, enquanto a outra, claramente conectada com a proposta mentalista inicial do próprio Wigner, implicava que a fronteira de validade dessa teoria física fosse colocada “onde a vida e a consciência começam a desempenhar um papel.” Desse modo, ao tempo em que Wigner sustentava uma visão aberta para diferentes soluções em relação ao problema da medição, incluindo a visão relacionada à complementaridade de Bohr, também afirmava que a Teoria Quântica era uma teoria ainda incompleta e inclinava-se pela mudança da equação de Schrödinger para uma equação não-linear. Estas implicações, em si mesmas, colocavam Wigner em rota de colisão com todos aqueles que consideravam a Teoria Quântica uma teoria física completa, em particular com os bohrianos.
Antes de comentar o confronto de Wigner com os bohrianos, eu gostaria de mencionar que a ideia de mudar a linearidade da mecânica quântica para equações não-lineares prosperou em outras mãos que não as de Wigner. Embora a ideia não fosse nova, bastando ver, por exemplo, as propostas de Louis de Broglie no início da década de 1950 (DE BROGLIE, 1960), ela só teve impulso a partir do final da década de 1970. Por isso, quando Max Jammer escreveu, no início da década de 1970, o seu abrangente livro sobre a filosofia da mecânica quântica (JAMMER, 1974), ele não incluiu um capítulo sobre mecânica quântica não-linear, embora tenha dedicado capítulos à teoria e às interpretações de variáveis escondidas e estocásticas. Mais tarde, Pearle (1989), Ghirardi, Rimini e Weber (1986), além de Gisin (1984, 1989), entre outros, sugeriram formas modificadas da equação de Schrödinger. Abner Shimony (1993b) tem servido como uma espécie de consciência crítica dessas propostas, apoiando-as, mas ao mesmo tempo procurando dados derivados de resultados experimentais que possam restringir as hipotéticas equações de Schrödinger não-lineares (BIALYNICKI-BIRULAB; MYCIELSKI, 1976; SHIMONY, 1979; SHULL et al., 1980). Com o passar do tempo, Wigner, contudo, tornou-se mais cético a respeito dessa abordagem. Como escrevera a Shimony, em 1977,
[...] existe somente um aspecto das “visões de Abner” com a qual eu não concordo. É a implicação de que tudo que é necessário é produzir equações de movimento não-lineares. Eu acredito que mudanças muito mais fundamentais serão necessárias – análogas ao que aconteceu quando o eletromagnetismo foi introduzido ou quando a física microscópica, isso é, mecânica quântica, foi criada.16
No início da década de 1960, os físicos italianos Daneri, Loinger e Prosperi (1962) desenvolveram um tratamento do problema da medição no qual trataram os aparatos de medição macroscópicos como sistemas termodinâmicos. Através da descrição de uma medição quântica, como uma amplificação termodinâmica de um sinal resultante da interação entre os sistemas quânticos e os aparelhos de medição, eles forneceram uma explicação referente à causa de os processos de medição levarem a resultados bem definidos. Rosenfeld então decidiu valorizar ainda mais o argumento formulado pelos italianos, afirmando que incompreensões “que remontam às deficiências no tratamento axiomático de von Neumann” tinham sido “[...] completamente removidas pela profunda e elegante discussão dos processos de medição em mecânica quântica realizada por Daneri, Loinger e Prosperi” (ROSENFELD, 1965). Rosenfeld estava se reportando à apresentação da Teoria Quântica feita por von Neumann, anteriormente referida, na qual são postulados dois tipos de evolução para o vetor que descreve o estado quântico. Rosenfeld (1965) já havia, bem antes, considerado a apresentação de von Neumann uma Rosenfeld já havia, bem antes, considerado a apresentação de von Neumann uma “infeliz apresentação da questão da medição na teoria quântica” porque ela dispensava os conceitos clássicos que Bohr, Rosenfeld, e em geral os bohrianos, consideravam um requisito necessário para descrever medições quânticas. Como nós sabemos, os bohrianos consideravam esses conceitos inevitáveis porque eles estavam enraizados na linguagem da “experiência usual,” a qual era necessária para a comunicação dos resultados de experimentos que assegura a objetividade na Física.17 A controvérsia foi então aquecida quando os italianos deram sequência ao debate, afirmando que “nenhum deles [Wigner, estudantes de Wigner como Shimony e Yanase, Jauch, Moldauer] dá novas contribuições que sejam essenciais para o assunto” (DANERI; LOINGER; PROSPERI, 1966). Esse artigo foi contestado por Jauch, Wigner e Yanase (1967) e recebeu a tréplica por Rosenfeld (1968) e Loinger (1968).
Está fora do escopo deste trabalho revisar essa disputa e seus subprodutos, o que tem sido objeto de outros trabalhos (FREIRE, 2007; PESSOA; FREIRE; DE GREIFF, 2008). Nossa discussão pode, contudo, concluir que, pela primeira vez na história da mecânica quântica, uma cisão apareceu não entre os apoiadores da ortodoxia na interpretação dessa teoria e seus críticos, mas entre os apoiadores do que era então considerada a ortodoxia sobre o tema. A cisão foi suficiente para atrair a atenção de certo número de físicos. Pela primeira vez, na literatura especializada, o termo “escola de Princeton” foi utilizado para diferenciar as visões de Wigner e von Neumann daquelas de Bohr e de Rosenfeld. Conforme Ballentine (1970, p. 360), existiam “várias versões da interpretação de Copenhague,” e, “embora ambas identifiquem-se como ortodoxia, parece agora existir uma diferença de posições entre o que pode ser chamada a escola de Copenhague, representada por Rosenfeld, e a escola de Princeton, representada por Wigner.” Desde então, referências às escolas de Copenhague ou de Princeton, bem como a distinção entre Bohr e Wigner no que diz respeito ao problema da medição, tornaram-se comuns na literatura sobre o tema. (HOME; WHITAKER, 1992; LEGGETT, 1987)
Os dois polos da disputa, entretanto, não desempenharam papeis análogos no apoio à pesquisa em fundamentos da mecânica quântica. Tanto Wigner quanto Rosenfeld tomaram partido na disputa e apoiaram pesquisadores mais jovens trabalhando no tema; Wigner, contudo, apresentou uma mentalidade mais aberta do que Rosenfeld e apoiou iniciativas institucionais para a pesquisa em fundamentos. Wigner apoiou Zeh, mesmo não concordando com sua abordagem, como já vimos, e o mesmo pode ser dito do seu apoio a Shimony, na medida em que este era cético em relação à conjectura mentalista de Wigner. Rosenfeld tratava como não merecedoras de consideração qualquer visão conflitante com a posição de Bohr (FREIRE, 2005; JACOBSEN, 2007; OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009; PESSOA; FREIRE; DE GREIFF, 2008). Em 1970, quando Wolfgang Yourgrau e Henry Margenau criaram uma nova revista, significativamente denominada Foundations of Physics, Wigner emprestou o seu prestígio à iniciativa integrando seu comitê editorial. No mesmo ano, ele participou ativamente da Escola de Verão de Varenna, dedicada aos fundamentos da Teoria Quântica, e foi o responsável pela conferência de abertura. Pode ser dito que Wigner intencionalmente apoiou um amplo debate sobre os fundamentos da Teoria Quântica, enquanto Rosenfeld contribuiu para a abertura de tal debate, mas sem intencionalidade, na medida em que considerava não existir problemas a serem resolvidos nos fundamentos dessa teoria científica.
5 D’Espagnat, Selleri e Dewitt – mudanças nas agendas de pesquisa
O físico teórico Bernard d’Espagnat interessou-se tanto por Filosofia como por Ciência desde os tempos de escola secundária. Ele obteve o Baccalauréat francês [grau de estudos secundários] em Matemática e Filosofia, mas logo compreendeu que investigações na Filosofia da Ciência no século XX requereriam treinamento científico, o que o levou aos estudos superiores em Física. Em meados da década de 1960, em paralelo à sua carreira em Física de Altas Energias no CERN, ele foi sendo gradualmente atraído pelo interesse crescente em fundamentos da Teoria Quântica. Em 1965, publicou Conceptions de la physique contemporaine - les interprétations de la mécanique quantique et de la mesure, o qual seria seguido dez anos depois pelo influente Conceptual foundations of quantum mechanics, os quais integram hoje sua série de livros muito elogiados (D’ESPAGNAT, 1965, 1976). No CERN ele se aproximou de Bell quando ambos reconheceram que partilhavam o mesmo interesse em fundamentos da Teoria Quântica. Uma contribuição destacada de d’Espagnat para a pesquisa em fundamentos requereu, entretanto, não apenas a sua formação científica e a sua inclinação filosófica, mas também suas habilidades diplomáticas.18
Quando o conselho da Sociedade Italiana de Física aceitou uma proposta de Franco Selleri de dedicar uma de suas escolas de verão realizadas no resort de Varenna, situada à beira do Lago de Como, ao tema dos fundamentos da Teoria Quântica, ele estava tomando uma decisão polêmica sobre um tema por si mesmo objeto de controvérsia. Desde o fim da Segunda Guerra, essa Escola de Verão tinha sido um espaço privilegiado para treinar físicos jovens e promissores em temas fronteiriços da Física. Contudo, uma questão surgia: como treinar cientistas em questões sobre as quais não existe consenso? Ademais, a edição de 1970 dessa escola foi realizada em uma época em que as universidades italianas e a comunidade dos físicos corriam riscos de cisão, como resultado das manifestações políticas estudantis generalizadas, características do final da década de 1960. Toraldo di Francia, presidente da sociedade, buscou alguém que pudesse aglutinar físicos com diferentes posições sobre a interpretação da Teoria Quântica e, além disso, capaz mais de unir do que dividir os físicos italianos. Sua escolha por Bernard d’Espagnat não poderia ter sido mais adequada.19
A Escola de Verão de Varenna naquele momento foi pacífica e cercada de êxito nas discussões científicas e filosóficas, a despeito de distúrbios em um evento social por causa de discordâncias relacionadas à Guerra do Vietnã. Seus 84 participantes, a qualidade de suas palestras, a edição de suas atas (D’ESPAGNAT, 1971), os primeiros debates sobre o teorema de Bell e seus experimentos, e a diversidade de seus conferencistas, incluindo Bell, Bohm, Wigner, de Broglie, Jauch, Shimony, Zeh, Selleri e DeWitt, criaram um clima de excitação em torno da pesquisa em fundamentos. Seu sucesso, contudo, não foi independente das habilidades de d’Espagnat na sua organização. Na carta-convite, ele estabeleceu os padrões de conduta que os cientistas deveriam adotar para intervenções nesse tema controvertido e essas regras incluíam (D’ESPAGNAT, 1971):
1) Nós não devemos ter como nosso objetivo a conversão do herético mas sim um melhor entendimento de seu ponto de vista. 2) Nós não devemos sugerir que consideramos alguém na audiência um louco estúpido (a não ser que os loucos estúpidos apareçam no final claramente como sendo nós mesmos!). 3) Nós devemos tentar nos apegar aos fatos. 4) Apesar disso, nós devemos estar preparados para ouvir sem indignação visões não muito conformistas que não tenham implicações imediatas sobre fatos.
Após a Escola de Varenna, o crescente interesse em fundamentos na década seguinte absorveu quase toda a energia de d’Espagnat. Em 1977, ele visitou os Estados Unidos como Professor Visitante da Universidade do Texas, em Austin, instituição que John Archibald Wheeler tinha, exitosamente, estabelecido como uma grande instituição universitária norte-americana, dedicada à pesquisa em fundamentos da Relatividade Geral e da Teoria Quântica. D’Espagnat chegou aos Estados Unidos, continuando sua cruzada pela “tolerância de pontos de vista diferenciados,” como observado por Wheeler. Contudo, discussões ali realizadas com Wheeler, Everett, DeWitt, Henry Stapp, George Sudarshan e James Hartle levaram d’Espagnat a rever sua percepção anterior sobre o interesse dos físicos norte-americanos sobre questões de fundamentos. Como ele escreveu para Wheeler,
[...] de fato, essas três semanas fizeram-me descobrir tanto problemas específicos muito atrativos como também alguns aspectos da tendência geral de ideias nos Estados Unidos que eram novos para mim, e que podem talvez corresponder a uma genuína evolução.20
Ao final, d’Espagnat abandonou a Física de altas energias e seguiu seus sonhos primeiros de uma carreira integralmente dedicada à pesquisa em Ciência e Filosofia, agora sempre relacionada ao tema dos fundamentos da mecânica quântica.
Em 1958, Franco Selleri obteve seu doutorado em Física em Bolonha, onde se graduara como físico sob a influência de Giampietro Puppi. Nos dez anos seguintes, Selleri desenvolveu com êxito uma carreira em Física de Altas Energias, para a qual incluiu contribuições originais como o modelo de troca de um pion (one-pion exchange model). Essas realizações contribuíram para lhe assegurar uma posição na Universidade de Bolonha, quando retornou de uma série de estágios com bolsas na Suíça, França e Estados Unidos.21 Desencantado com o ambiente político e cultural no Departamento de Física da Universidade de Bolonha, e atraído por um convite para iniciar o ensino e a pesquisa em Física teórica em uma nova universidade, ele se mudou para Bari em 1968, onde permanece até hoje. Selleri tinha se frustrado com a escassa quantidade de realismo físico que se podia atribuir às abordagens utilizadas em Física de Partículas e começou a ver “- [...] os problemas em física das partículas elementares como derivados do fato de que a mecânica quântica é pouco entendida e é, de todo modo, uma ideia muito abstrata.” Ele deslocou sua atenção para problemas em fundamentos da mecânica quântica, sugeriu a organização da Escola de Verão de Varenna e, finalmente, tornou-se um pesquisador dedicado integralmente aos fundamentos da Teoria Quântica e mais recentemente à Teoria da Relatividade. Durante essa transição, foi muito influenciado pela leitura do livro de d’Espagnat que havia sido publicado em 1965, Conceptions de la physique contemporaine, quando ele compreendeu que diferentes interpretações podiam ser acomodadas ao mesmo formalismo quântico.
Selleri desenvolveu uma abordagem singular ao problema dos fundamentos, combinando sua desconfiança quanto ao formalismo quântico com uma agenda de pesquisa voltada para propor novos experimentos relacionados ao tema. Efetivamente, ele passou a discordar da interpretação da complementaridade não apenas por razões filosóficas, mas também por pensar que o espaço de Hilbert, como estrutura matemática da Teoria Quântica, seria finalmente considerado errôneo e seria substituído por uma descrição nas coordenadas normais do espaço-tempo. Ele foi dos primeiros a sugerir experimentos para testar a representação de onda e partícula, sugerida por Louis de Broglie, posteriormente conhecida como “onda vazia”; a expor possibilidades de evasão das conclusões (loopholes) nos primeiros experimentos com o teorema de Bell; e a sugerir testes com esse teorema em Física de Partículas em altas energias. Os resultados experimentais até os dias atuais têm frustrado suas expectativas, na medida em que têm confirmado as predições da Teoria Quântica. Contudo, seu papel, como uma espécie de consciência crítica dos experimentos com o teorema de Bell, provavelmente tem sido responsável pela sua elevada consideração nesse campo de pesquisa. Adicionalmente, Selleri tem mesclado sua defesa do realismo na Teoria Quântica com preocupações sociais mais amplas.22 Na década de 1980, ele foi responsável pelo estabelecimento de uma ponte entre os físicos críticos da mecânica quântica e o filósofo Karl Popper, que estava interessado nessa teoria, trazendo assim a controvérsia sobre os fundamentos da Teoria Quântica para um público maior. O seu livro, Die Debatte um die Quantentheorie, publicado em alemão em 1983 e imediatamente traduzido em várias línguas, foi parte desse seu empreendimento voltado para leitores não especializados no tema.
A conversão de sua pesquisa para temas de fundamentos não trouxe maiores prejuízos para a carreira profissional de Selleri. Embora sua titularidade como professor tenha sido adiada por dez anos (até 1980), explicada por ele como consequência de sua conversão, ele nunca encontrou obstáculos profissionais maiores a esse tema de pesquisa: “Eu tenho sido tratado justamente. Não tenho sido discriminado pela atividade que eu desenvolvi.” O fato de sair de um grande e tradicional centro para trabalhar em um mais novo, Bari, com físicos mais jovens, também atenuou potenciais obstáculos, como ele próprio reconheceu: “Em Bolonha teria sido mais difícil.” Em retrospectiva, Selleri (ver nota 20) também considera que o ambiente da Física italiana também contribuiu para a nova etapa de sua carreira, “[...] de todo modo, eu tenho o sentimento de que a Itália é mais tolerante do que outros países em relação à pesquisa em fundamentos da mecânica quântica,” uma característica que ele atribui a um fator ainda não estudado pelos historiadores: as críticas de Enrico Fermi à mecânica quântica. Contudo, no início da década de 1970, ele não pensava da Itália do mesmo modo:
[...] por algum tempo Paris parecia como o mais interessante lugar do planeta para o meu tipo de pesquisa, porque de Broglie estava vivo. Existia a Fundação de Broglie, existia Vigier, existia d’Espagnat. Existiam jovens esquerdistas como Paty e Lévy-Leblond interessados em questões fundamentais, assim a cidade parecia um paraíso.
Este ambiente favorável não durou por muito tempo:
Eu presenciei, com o passar do tempo, o paraíso derreter-se completamente, lentamente, porque ao final de Broglie morreu, a Fundação de Broglie depois de sua morte seguiu um perfil de baixa atividade e não foi mais uma instituição de defesa efetiva das ideias de Broglie, d’Espagnat mudou completamente sua filosofia. Com Vigier era muito difícil de se chegar a um acordo porque já como partida ele se considerava um realista não-local, uma posição cuja motivação ainda hoje tenho dificuldade para compreender. [...] E, por fim, os jovens esquerdistas também se converteram à linha ortodoxa de pensamento; então com o tempo nada restou, e Paris desapareceu de meu horizonte.
O rumo dos acontecimentos em Paris foi para ele um indicador de uma característica negativa da ciência à época. Ele relembra que entre os pais fundadores da mecânica quântica existiam dois campos de igual tamanho em conflito, e depois se tornaram “99 a 1” em favor da visão da complementaridade entre aqueles ativos na pesquisa. Ele suspeita que o dogmatismo tenha sido a causa da mudança. “Como foi possível? Através de repressão e controle de publicações? Então existe também uma grande quantidade de dogma. As pessoas não ousam opor ideias importantes.”23
Diferente de d’Espagnat e de Selleri, o relativista norte-americano Bryce Seligman DeWitt nunca se dedicou inteiramente aos fundamentos da Teoria Quântica, mas desempenhou um papel significativo ao ressuscitar a interpretação da mecânica quântica de Everett, no final da década de 1960. Embora conhecesse o trabalho de Everett desde o seu início, apenas dez anos mais tarde ele passou a valorizá-lo de maneira muito expressiva, quando desenvolvia o seu próprio trabalho de quantização da gravidade e notou a ressonância entre as ideias de Everett e seu próprio trabalho. A história das origens da tese de Everett é exemplar para se entender as vicissitudes que a pesquisa em fundamentos atravessava na década de 1950; mas, para essa história, remetemos o leitor a outros trabalhos: Byrne (2007), Freire (2004) e Osnaghi, Freitas e Freire (2009). O fato é que até a década de 1960 o trabalho de Everett estava virtualmente desconhecido, o que levou o historiador da Física, Max Jammer (1974, p. 509), a se referir a ele como “um dos mais bem guardados segredos desse século.” Quando DeWitt começou a trabalhar com a interpretação de Everett, ele já era um físico com reputação destacada. Formado em Harvard, onde obteve seu doutorado com Julian Schwinger, o prestigiado relativista era então professor na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, onde liderava um influente programa de pesquisa em relatividade. No primeiro de uma trilogia de artigos (DEWITT, 1967) sobre a quantização da gravitação, muito bem citados, no qual apareceu o que é agora conhecido como “equação de Wheeler-DeWitt”, ele considerou a interpretação de Everett como necessária para dar sentido à tentativa de quantização de uma equação que descrevesse todo o universo, na medida em que essa interpretação dispensa do apelo a um “observador externo” para realizar medições. Conforme DeWitt (1967, p. 1141), “é muito natural adotar em Teoria Quântica da gravitação a visão do mundo de Everett, pois nessa teoria se está acostumado a falar sem embaraços da ‘função de onda do universo’. É possível que a visão de Everett seja não apenas natural, mas essencial.”
A defesa da interpretação de Everett feita por DeWitt foi muito efetiva. Além do uso em seu próprio trabalho científico, ele alistou um estudante de doutorado, Neil Graham, para revisar o artigo original e, apoiado por Hobart Ellis e Harold Davies, editores da revista Physics Today, ele apresentou as ideias de Everett para um público mais amplo e desencadeou um aquecido debate nas páginas dessa tradicional revista do American Institute of Physics. A própria existência desse debate já era um sinal dos tempos, como foi observado por um dos leitores que escreveu para Physics Today:
Os [debates] exemplificam os modos altamente sutis e complexos pelos quais a opinião científica pode mudar. Quando eu era um estudante de graduação, estudando Física 20 anos atrás, [...] a linha de Copenhague era ‘científica’, qualquer outra coisa era sem sentido, conversa vazia ou, na melhor hipótese, errada. (HAMMERTON, 1971)
Na Escola de Verão de Varenna, DeWitt apresentou as ideias de Everett, para as quais ele cunhou a expressão “interpretação dos muitos mundos”; em seguida, providenciou que a longa tese original fosse publicada e escreveu, com seu aluno Graham, a primeira revisão bibliográfica abrangente sobre fundamentos da mecânica quântica.
Não faz sentido discutir possíveis obstáculos que DeWitt tenha enfrentado ao apresentar as ideias de Everett porque ele não se dedicou ao tema dos fundamentos, nem integral nem permanentemente. Contudo, DeWitt estava sensível e consciente da existência de preconceitos profissionais contra a pesquisa em fundamentos da Teoria Quântica. Além disso, era crítico do que ele entendia como sendo a “interpretação de Copenhague.” Em carta a Wheeler, ao deslanchar sua campanha em defesa da interpretação de Everett, ele escreveu:
[...] os cutucões na Escola de Copenhague não eram para inclusão na versão publicada. [...] Eu devo confessar que dei esses cutucões, de modo levemente malicioso, para seu próprio benefício. [...] (Sobre meu uso da palavra “rígida” ao me referir à “doutrina de Copenhague”, como você descreveria a atitude de Rosenfeld sobre o assunto?).24
Ao citar Rosenfeld, DeWitt certamente estava reagindo ao ceticismo das críticas do primeiro (ROSENFELD, 1963) acerca do projeto de quantização da relatividade geral, o qual era tão apreciado tanto por DeWitt quanto por Wheeler.
6 Conclusões
As realizações científicas dos nossos protagonistas, no período em estudo, são verdadeiramente impressionantes e isto pode ser evidenciado pelos dados cientométricos.25 Mais convincente, contudo, é a lista das suas realizações. Os avanços maiores foram obtidos por Bell, Clauser e Shimony, que contrastaram a localidade com a mecânica quântica e contribuíram para o estabelecimento do emaranhamento como um novo efeito físico quântico. Não obstante, a pesquisa sobre o que agora chamamos de “descoerência” apenas emergiu mais tarde e Zeh pode ser corretamente considerado o seu precursor. DeWitt contribuiu para a quantização da gravitação, embora esse desafio continue sem solução. Wigner, d’Espagnat, Zeh, Shimony e Rosenfeld ampliaram o entendimento do que é o problema da medição, embora nem todos eles, como foi o caso de Rosenfeld, tenham reconhecido que exista um problema da medição quântica. Selleri alimentou a corrida por melhores experimentos melhores e trouxe a controvérsia quântica ao alcance de um público mais vasto.
Nenhum dos nossos protagonistas foi treinado para a pesquisa em fundamentos da mecânica quântica e, exceto Clauser que foi para o teorema de Bell logo depois do seu doutorado, todos eles mudaram para os fundamentos em um estágio posterior das suas carreiras. Deste modo, eles administraram e minimizaram possíveis perdas em suas carreiras. Foram atraídos para os fundamentos a partir de áreas muito diferentes, incluindo partículas, nuclear, relatividade e os próprios fundamentos. Alguns deles, tal como Zeh e Selleri, reconheceram a existência de problemas não resolvidos em fundamentos, quando mudavam para esse campo; outros, como Bell e Clauser, tinham se preocupado com essas questões desde a sua formação inicial. Para alguns deles, como Selleri e Clauser, o clima político da década de 1960 influenciou suas decisões para empreender a pesquisa em fundamentos.
Considerando essa diversidade de perfis profissionais e pessoais, pode-se perguntar o que esses personagens tinham em comum, além do tema de pesquisa que escolheram? Exceto Rosenfeld, eles foram dissidentes, dissidentes quânticos. Quase todos foram críticos do que percebiam como a interpretação da complementaridade, a interpretação de Copenhague ou a interpretação usual da Teoria Quântica, termos que designavam a interpretação mais difundida dessa teoria.26 No entanto, eles não compartilharam uma única interpretação alternativa para a mecânica quântica. Compartilharam, sim, atitudes profissionais e intelectuais, segundo as quais as questões dos fundamentos da mecânica quântica eram relevantes o suficiente de serem investigadas como parte de uma carreira profissional em Física; e que negar isso seria uma atitude dogmática. Essa foi a característica principal da dissidência entre eles, pois a maioria dos físicos, à época, não concordava com isso. Em uma visão compartilhada com Rosenfeld, os físicos pensavam que problemas de fundamentos já tinham sido resolvidos por Bohr, Heisenberg e Pauli. Nos casos de Bell, d’Espagnat, Wigner, DeWitt, Zeh e Clauser, encontramos evidências de quão sensíveis eles foram àquele preconceito e quão forte ele foi. Em retrospectiva, Shimony e Selleri também pensam o mesmo. Ademais, as carreiras de Clauser e Zeh foram prejudicadas por tais preconceitos profissionais.
A literatura sobre a mecânica quântica convida ao uso metafórico do termo dissidência, comum em política e em religião, para lidar com as controvérsias científicas. De fato, Heilbron (2001) escreveu sobre os Missionários do espírito de Copenhague, Rosenfeld utilizou “heresia” para se referir às ideias de Everett (OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009, p. 240), Wigner (1963) apresentou a sua própria ideia como a ortodoxia na mecânica quântica e Jammer (1974, p. 250) escreveu sobre a “monocracia incontestada da Escola de Copenhague na filosofia da mecânica quântica”, ao analisar os debates sobre a interpretação, no início da década de 1950, apenas para citar alguns exemplos. A metáfora é atrativa. Como muitos dos dissidentes da segunda metade do século XX - tal como Mandela, Lula ou Martin Luther King -, eles, ou as causas que eles abraçaram, ganharam, pelo menos no médio prazo. Os fundamentos da mecânica quântica tornaram-se finalmente um campo respeitável de pesquisa. Contudo, a metáfora nem sempre funciona. As expectativas de quebrar a mecânica quântica ou de revelar os seus limites não foram realizadas. O dictum Hamletiano de Bell – “a mecânica quântica está apodrecida” – tem ainda de ser confirmado. A mecânica quântica padrão entra no século XXI ainda mais corroborada experimentalmente.
Finalmente, esse perfil biográfico responde a certo número de questões, mas sugere outras. Trato agora de algumas dessas questões sugeridas. A história da ciência tem se enriquecido pela tomada em consideração do papel dos contextos locais na produção da ciência. Nossos casos são evidências que Paris, Berkeley, Heidelberg, Itália ou Estados Unidos podem ter tido nessa história papeis bem diferentes. A própria existência de um ambiente favorável à investigação em fundamentos, nos Estados Unidos, demanda explicação, pois ela desafia a literatura histórica disponível que enfatiza o pragmatismo e a Guerra Fria como fatores que conformaram a Física norte-americana contra pesquisas filosoficamente inclinadas e a favor de pesquisas aplicadas.27 Contudo, como Bromberg (2006) tem mostrado, a Física aplicada não foi contraditória com a Física de fundamentos, no caso da Ótica Quântica nos Estados Unidos. Kaiser, em American physics and the cold war bubble, livro em preparação, explora como períodos diferentes da Guerra Fria interagiam diferentemente com a Física norte-americana. A segunda questão diz respeito às premissas filosóficas de nossos protagonistas. Exceto, talvez, para Rosenfeld e Wigner, nossos protagonistas, pelo menos na época considerada, estavam comprometidos com uma ou outra variante do realismo científico. Isto parece ter sido uma grande mudança quando comparada com as tendências filosóficas influentes na construção da mecânica quântica. Em artigo mais antigo, Brush (1980) tentou explicar essa mudança sugerindo a existência de oscilações cíclicas entre períodos “românticos” e “realistas” na ciência e na cultura do Ocidente. Por fim, a metáfora da dissidência pode ser um conceito útil em períodos outros da história da mecânica quântica do que esse em torno de 1970? A literatura sugere que ela pode ser adequada a casos anteriores, como os de David Bohm e Hugh Everett, na década de 1950 (FREIRE, 2005; OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009). É menos certo que ela possa se revelar útil em períodos posteriores porque, nesses momentos mais recentes, pode ter crescido o número de físicos teóricos e experimentais trabalhando em fundamentos da mecânica quântica e, ao mesmo tempo, apoiando a interpretação da complementaridade. Ademais, as promessas de aplicações tecnológicas no campo da informação quântica têm mudado o cenário do campo de pesquisas em fundamentos. Todas essas questões requerem mais pesquisa histórica.
Agradecimentos
Traduzido pelo próprio autor, a partir de Quantum dissidents: research on the foundations of quantum theory circa 1970, Studies in history and philosophy of modern physics (n. 40, p. 280-289, 2009), com permissão de Elsevier. Versões preliminares foram apresentadas: na HQ2 Conference on the History of Qantum Physics, 14 a 17 de julho, Utrecht; no Workshop Teoria Quântica: estudos históricos e implicações culturais, 15 a17 de dezembro de 2008, Campina Grande; e no Instituto Max Planck para a História da Ciência, 17 de julho de 2009, Berlim. Esta pesquisa foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Agradeço a Joan Bromberg e Fábio Freitas, por seus comentários, e a dois árbitros anônimos da revista, pela cuidadosa análise crítica desse artigo.
Referências
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