A imagem pública de Arthur Holly Compton: um físico quântico ou clássico?
1 Introdução
O impacto da criação da Teoria Quântica na ciência do século XX pode ser inferido também pela terminologia que ela gerou em relação aos físicos que contribuíram para a sua criação. Tal impacto foi bem caracterizado pelo historiador Helge Kragh (1999) ao designar a sua história síntese da Física do século XX de Quantum generations. O termo físico quântico foi utilizado para referências, por exemplo, a Niels Bohr (1885-1962), Wolfgang Pauli (1900-1958) ou Werner Heisenberg (1901-1976), e ainda hoje sobrevive no léxico da Física e do senso comum.1 A expressão “pais fundadores” se tornou corrente para denominar os físicos que criaram essa teoria física. Mesmo quando se almeja matizar a contribuição de um desses “fundadores”, utilizam-se expressões que ainda acentuam o caráter revolucionário atribuído a essa teoria física e à participação do físico nessa revolução. Assim é que Max Planck (1858-1947) muitas vezes é apresentado como o “revolucionário relutante”, mesma expressão utilizada, por exemplo, para referenciar Martin Luther (1483-1546)2 e Charles Darwin (1809-1882). Parece-nos, então, que estamos diante de um fenômeno que a história designa de mito de fundação. Eficaz como os mitos podem ser, eles não resistem, em geral, a uma análise histórica acurada.
A imagem pública do físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962), vencedor do Prêmio Nobel de 1927 “pela descoberta do efeito que leva o seu nome”, está associada à ideia de um físico quântico, um dos “pais fundadores” dessa teoria. Não obstante, a análise da biografia intelectual de Compton revelanos um físico que dedicou quase todo o seu programa de investigação ao estudo do fenômeno dos raios-X e raios gama, nos marcos da Física clássica. Fruto dessa atividade foi, por exemplo, a proposição de um modelo de um “grande elétron” para explicar os efeitos observados no espalhamento dos raios-X pela matéria. A criação do efeito Compton, para explicar esse espalhamento com base nos conceitos quânticos, foi o ponto de chegada de um percurso de mais de seis anos, em que Compton trabalhou essencialmente nos marcos das teorias da Física clássica, em especial, a mecânica e a eletrodinâmica. Ainda mais, nos marcos desse programa essencialmente clássico, não há indícios de que Compton havia sido guiado ou utilizado conscientemente a ideia do quantum de luz desenvolvida por Einstein. (STUEWER, 2000, p. 986)
Mesmo depois da obtenção desse resultado e de sua premiação, Compton não se destacou pelo uso ou desenvolvimento da Teoria Quântica. Ele trabalhou com os raios cósmicos a partir de 1930, participou do Projeto Manhattan que construiu a primeira bomba atômica e, depois da guerra, abandonou a atividade científica para se dedicar à administração acadêmica, assumindo a presidência da Washington University, em 1946.
A apresentação de Compton como essencialmente um físico quântico não parece contribuir para os objetivos da generalização da educação científica. Tal imagem, cercada do heroísmo associado aos criadores da Teoria Quântica, é uma simplificação, típica dos mitos de fundação. Nessa imagem, Compton é essencialmente um revolucionário, partícipe da revolução científica, para usarmos os termos de Thomas Kuhn (1978), representada pela criação da Teoria Quântica. Essa imagem desumaniza a atividade científica efetivamente desenvolvida por Compton, desenvolvida na maior parte do seu tempo nos marcos, ainda usando os termos kuhnianos, da “ciência normal”. Estudantes de Física certamente se reconhecerão mais facilmente nessa segunda imagem, mais complexa, porém mais realista, da atividade de Compton que na imagem mitificada presente nos livros-textos onde se aprende a disciplina. Parece-nos que o termo utilizado por Samuel K. Allison (1962, p. 138) é o mais adequado ao tratar do nosso personagem, Arthur Holly Compton, por físico pesquisador.
Este artigo é uma pequena contribuição para o resgate dessa imagem mais realista das contribuições de Arthur Compton. Na primeira seção, evidenciamos quão difundida está, nos livros textos e na história da ciência, a imagem de Compton como um físico quântico. Neste sentido, faremos dois tipos básicos de críticas: (i) àqueles que descrevem Compton essencialmente como um dos pais fundadores da Teoria Quântica; (ii) àqueles que afirmam que Compton apenas aplicou a hipótese do quantum de radiação proposta por Einstein, na sua explicação do processo de espalhamento dos raios-X pela matéria. Na segunda seção, sintetizamos os resultados da dissertação de um dos autores (SILVA, 2009) na qual, apoiada tanto na análise dos artigos originais do período, quanto da literatura secundária, emerge a imagem de um Compton inserido na tradição e na comunidade de pesquisa em raios-X do início do século XX. Um Compton clássico, eventualmente contribuindo para a criação da Teoria Quântica, será a imagem que dele sintetizaremos.
2 A imagem pública do físico Arthur Compton
A imagem pública da trajetória científica desenvolvida por Compton é aquela presente nos livros didáticos, em particular, naqueles que contribuem para a formação de físicos e de professores de Física. Muitos estudos têm destacado que a história da ciência retratada nesses livros é uma pseudo história, muitas vezes, limitada ao relato de nomes, datas e lugares. Nesta seção, analisamos os livros didáticos mais comumente utilizados nos cursos de graduação de Licenciatura e Bacharelado em Física, os quais contribuem para formar as opiniões de físicos e professores de Física: Física moderna (TIPLER; LLEWELLY, 2006), Curso de física básica (NUSSENZVEIG, 1998) e Fundamentos de física (HALLIDAY, RESNICK; WALKER, 2007), de modo que se possa evidenciar a imagem de Compton neles difundida. Além disso, também verificamos aquela difundida pela história da ciência.
O livro Física moderna, escrito por Tipler e Llewelly (2006, p. 94), destaca que
Compton aplicou as leis de conservação do momento e da energia, em sua fórmula relativística, à colisão de um fóton com um elétron; isso lhe permitiu calcular a diferença entre os comprimentos de onda do fóton incidente e do fóton difratado.
Os autores continuaram afirmando que
Compton verificou os seus resultados experimentalmente usando como fótons incidentes os fótons associados à linha do espectro característico de raios X do Molibdênio com um comprimento de onda de 0.0711 e como alvo os elétrons de um bloco de grafita. (TIPLER; LLEWELLY, 2006, p. 95)
A esse livro não se aplica a nenhuma daquelas críticas descritas, (i) e (ii), descritas anteriormente. No entanto, os autores simplificaram bastante a atividade científica desenvolvida por Compton, descrevendo apenas o produto final do saber científico. Ainda que as simplificações sejam necessárias em livros didáticos, os autores poderiam ter mencionado que Compton havia explicado o mesmo fenômeno através da teoria clássica.
Já o livro Curso de física básica, publicado pelo físico brasileiro Moysés H. Nussenzveig, apesar da familiaridade do autor com a história da ciência, afirma que “Compton levou às últimas consequências a hipótese de Einstein”. (NUSSENZVEIG, 1998, p. 254) Essa afirmação não tem respaldo histórico, já que no seu artigo de 1923, Compton não fez nenhuma alusão às ideias de Einstein sobre o quantum-corpuscular. E conforme o historiador Stuewer (1975, p. 217), Compton construiu a sua Teoria Quântica para o espalhamento de modo relativamente autônomo. Segundo ele,
Não existe uma indicação de que Compton tenha lido em algum momento o trabalho do quantum de luz de Einstein de 1905. De fato, Compton também não citou o trabalho de Einstein em seu próprio trabalho de 1923, e nem mesmo mencionou o seu nome. (STUEWER, 2000, p. 986)
O interessante a notar é que se Compton foi realmente influenciado, essa influência não partiu dos estudos de Einstein sobre a radiação, mas sim dos estudos acerca dos raios-X. Afinal, a comunidade de pesquisadores com a qual Compton se relacionava diretamente era exatamente aquela dos especialistas em raios-X.
Ao abordar o efeito Compton, Nussenzveig (1998, p. 254) mencionou que a “Evidência mais direta das propriedades corpusculares da luz foi obtida entre 1919 e 1923 por Arthur Compton”. Essa consideração nos induz a interpretar que Compton sempre estivera dedicado à aplicação da hipótese do quantum de luz, de 1919 a 1923, o que não é verídico historicamente, visto que as suas conjecturas iniciais estavam apoiadas na teoria eletromagnética clássica da luz. Foi apenas no final de 1922 que Compton propôs a sua abordagem quântica. Em relação aos resultados experimentais, o autor descreveu que “Compton verificou experimentalmente tanto o valor absoluto quanto sua dependência angular.” (NUSSENZVEIG, 1998, p. 256) A abordagem clássica do efeito Compton não aparece, portanto, na obra escrita por Nussenzveig.
No livro Fundamentos de física, publicado por Halliday, Resnick e Walker, reeditado há várias décadas e influente na formação de físicos e engenheiros em todo o mundo, inicialmente os autores mencionaram o artigo de Einstein de 1916, no qual ele propõe que os fótons possuem momento. E prosseguem
Em 1923, Arthur Compton, da Washington University, em Saint Louis, executou um experimento que confirmou a previsão de que os fótons possuem energia e momento. O cientista fez incidir um feixe de raios-X de comprimento de onda λ em num alvo de carbono. (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2007, p. 185)
Mais uma vez, isso nos conduz a imaginar que Compton somente aplicou a hipótese de Einstein, o que não há respaldo na história da ciência, pois Compton fez toda sua carreira pesquisando em raios-X, com modelos baseados na Física clássica; e quando usou a hipótese quântica, não deixou evidências de que tenha sido influenciado diretamente pela ideia do quantum de luz de Einstein. Os autores também não se referem à abordagem clássica adotada por Compton, antes da sua descoberta do efeito que leva o seu nome.
Essa análise evidencia que os livros-texto reduzem o árduo trabalho teórico-experimental realizado por Compton, como também desconsideram o universo clássico no qual ele viveu durante seis anos. Os livros supracitados também destacam a importância da sua atividade experimental, mas essa aparece subestimada quando comparada ao Compton teórico, evidenciando uma subestimação da Física experimental.
É preciso destacar que, neste trabalho, não se propõe que os livros didáticos abordem todo percurso trilhado pelo nosso personagem. Todavia, se eles iniciassem uma discussão do efeito Compton a partir da análise de uma das suas hipóteses clássicas, evidenciando o modo pelo qual as ideias de Compton foram construídas - partindo de um modelo clássico e chegando a um quântico - isso poderia contribuir para uma imagem mais realista do sentido da atividade científica de Compton. Desse modo, os livros didáticos poderiam contribuir para a compreensão da natureza da ciência por parte dos estudantes. Portanto, concordamos com Matthews (1994) quando afirma que o estudo da história da ciência proporciona um olhar mais aguçado sobre a natureza da ciência.
Além disso, a visão de um Compton quântico tem sido reforçada pela história da ciência, mesmo aquela elaborada por historiadores experientes. O livro de Sanchez Ron, reconhecido historiador espanhol da Física, em livro destinado ao grande público, relata a história da pesquisa sobre os raio-X, sem citar Compton como um de seus protagonistas, enquanto inclui Compton ao remeter-se à história da Mecânica Quântica. (RON, 2007, p. 357) Compton aparece, assim, em El poder de la ciencia – historia social, política y econômica de la ciencia (siglos XIX y XX) como um físico quântico que “[...] pôs em evidência a natureza corpuscular da luz”. (RON, 2007, p. 357) Em A física do século XX, obra do epistemólogo francês Michel Paty, Compton comparece em capítulo dedicado à criação da Teoria Quântica, como tendo “confirmado” o caráter corpuscular da radiação ou “observado” experimentalmente a natureza da luz como partículas, concepção formulada por Einstein em 1916. (PATY, 2009, p. 28 e 80)
No livro Quantum generations publicado por Helge Kragh (1999), Compton não é citado como protagonista nos estudos sobre raios-X, comparecendo apenas na história da construção da Teoria Quântica. Deste modo, a descoberta do Efeito Compton é abordada isoladamente, o que nos faz pensar que o interesse do nosso personagem sempre estivera associado com o desenvolvimento da velha Mecânica Quântica.
Todavia, outros historiadores têm sido mais atentos à especificidade da prática científica de Compton. O historiador J. L. Heilbron (2003), enquanto escrevia o seu verbete sobre os raios-X, mencionou a contribuição de Compton para a pesquisa nessa área e, consequentemente, para a Teoria Quântica. A abordagem do efeito Compton escrita pelos físicos e historiadores japoneses Mituo Taketani e M. Nagasaki (2001), é um exemplo de como esse efeito poderia ser discutido. Os autores inicialmente mencionam a hipótese do grande elétron proposta por Compton e, em seguida, discutem a sua abordagem quântica. No caso do historiador Stuewer (1975), embora o título do seu livro valorize apenas a contribuição para a Teoria Quântica, ele, de fato, analisou todo o programa de pesquisa desenvolvido por Compton, antes da sua abordagem quântica para o fenômeno do espalhamento. A análise dos livros textos e dos historiadores está sintetizada no quadro 1.
Autores | Crítica (i) |
Crítica (ii) |
Outra |
Tipler e Llewelly (2006) | Simpliplificação Excessiva. | ||
Nussenzveig (1998) | X | ||
Halliday, Resnick e Walker (2007) | X | ||
Sanchez Ron (2007) | X | ||
Paty (2009) | X | ||
Kragh (1999) | X | ||
Heilbron (2003) | |||
Taketani & Nagasaki (2001) | |||
Stuewer (1975) |
Quadro 1 - Sistematização da análise
3 A trajetória de um físico clássico
O interesse de Compton pela Física clássica dos raios-X iniciou em Princeton e continuou durante toda a sua carreira. (SHANKLAND, 1973, p. xxvii) Tal interesse pela teoria clássica foi influenciado por dois personagens, Karl Compton e O. W. Richardson, e ficou mais acentuado quando Compton soube da descoberta realizada por Max von Laue (1879-1960). Laue havia demonstrado, através da difração, que os raios-X poderiam ser considerados apenas ondas eletromagnéticas clássicas. (STUEWER, 1975, p. 97)
De fato, o título do seu discurso na premiação do Nobel foi X-Rays as a branch of optics, o que evidencia a cultura científica na qual Compton estava inserido. Os seus trabalhos sobre reflexão, refração, difração e polarização demonstram o seu contínuo interesse acerca da natureza ondulatória dos raios-X. (SHANKLAND, 1973, p. xxvii) Além disso, Compton publicou dois livros sobre a Física dos raios-X (X-rays and electrons e X-Rays in theory and experiment) escritos juntamente com Allison, que se tornaram referência sobre a Física teórica e experimental dos raios-X.
Para ilustrar o mundo clássico construído por Compton, analisamos uma das abordagens clássicas desenvolvidas por ele para explicar o processo de espalhamento dos raios-X e γ pela matéria: a hipótese do grande elétron.
Em seu artigo de 1919, intitulado The size and the shape of the electron: I. Scattering of high frequency radiation, Compton descreveu os dois problemas que a teoria clássica não estava conseguindo resolver. O primeiro era que o valor teórico determinado pela teoria clássica para o coeficiente de espalhamento de massa para os raios-X e γ nunca deveria ser menor do que 0.118, no caso do alumínio. No entanto, os resultados experimentais obtidos por C. G. Barkla (1877-1944) e M. Ishino mostravam que o coeficiente de absorção do alumínio era, de fato, 0.045. O coeficiente de espalhamento de massa torna-se o coeficiente de absorção desde que o feixe primário de raio-X perca energia ao atravessar a matéria. (COMPTON, 1919, p. 21) O segundo problema referia-se à intensidade do feixe de raios-X encontrada quando eles atravessavam uma fina camada de matéria. Para a teoria clássica, a intensidade dos raios espalhados sobre os dois lados de uma placa deveria ser a mesma. Contudo, os experimentos evidenciavam que a radiação espalhada sobre o lado emergente da placa era mais intensa do que aquela espalhada no lado incidente.
Para Compton, a solução desses problemas parecia ser
[...] inexplicável de acordo com a eletrodinâmica clássica se as dimensões do elétron são consideradas ser desta ordem de magnitude [se o elétron fosse considerado uma carga pontual] [...] Se, de outro lado, considera-se que o elétron tem um raio comparável com o comprimento de onda da radiação incidente, uma explicação quantitativa do fenômeno de baixo espalhamento para comprimento de onda curto é óbvia. (COMPTON, 1919, p. 21, 23)
3. 1 Primeiro problema: explicação de Compton
De acordo com Compton (1919, p. 28-29), se o diâmetro do elétron é comparável com o comprimento de onda da radiação incidente em magnitude, então, haveria uma diferença de fase entre os raios espalhados pelas diferentes partes do elétron. Essa diferença de fase é maior para raios espalhados em grandes ângulos do que para pequenos ângulos. Vamos supor que uma frente de onda S incide sob um grande elétron (ver Figura 1), sendo que a radiação é espalhada pela parte do elétron em A e a outra pela parte do elétron em B. Se o diâmetro do elétron é proporcional em tamanho com o comprimento de onda da radiação incidente, logo, o caminho percorrido pela radiação espalhada em A é maior do que aquela espalhada em B. Essa diferença de fase entre os dois caminhos pode resultar em uma interferência destrutiva, devido à superposição de ondas, já que elas não possuem a mesma fase. (STUEWER, 1975, p. 99) A intensidade dos raios espalhados em P, portanto, teria um valor reduzido.
Compton (1919) também determinou o valor teórico para o coeficiente de espalhamento, σ/ρ, baseado em três modelos de elétrons: (I) uma esfera rígida de eletricidade; (II) uma casca esférica flexível de eletricidade; e (III) um fino anel flexível de eletricidade. Para Compton (1919, p. 23), considerar a forma do elétron era essencial para explicar o baixo valor encontrado para o espalhamento. Para cada modelo de elétron, Compton determinou uma estimativa para o seu raio por meio dos resultados experimentais de Ishino e A. W. Hull e M. Rice para o coeficiente de espalhamento. Ver Quadro 2 a seguir.
Nessas expressões, σ é a razão entre a energia espalhada e a incidente por unidade de volume do material, ρ é a sua densidade, então, σ/ρ é o coeficiente de espalhamento, N é o número de elétrons em unidade de massa da substância, e e m são respectivamente a carga e a massa do elétron, C é a velocidade da luz, λ é o comprimento de onda do feixe incidente, a1 é o raio do elétron determinado a partir dos resultados experimentais de Ishino para o alumínio, a2 é o raio do elétron encontrado a partir dos experimentos de Hull e Rice para o alumínio, Iθ é a intensidade do feixe espalhado pelo elétron em um ângulo θ, I é a intensidade do feixe incidente.
No Quadro 2, para cada modelo de elétron há o valor teórico determinado por Compton. Ele substituiu os valores experimentais para o coeficiente de espalhamento e encontrou o raio do elétron para cada modelo de elétron.
Compton, portanto, estava defendendo um elétron da ordem de 2.10-10 cm, ou seja mil vezes maior que o do modelo de elétron sugerido por Thomson, cujo raio deveria ser 1.10-13 cm ou 10-5 Å. (STUEWER, 1975, p. 99) É importante destacar que o tamanho do grande elétron de Compton era menor do que o tamanho do átomo proposto pela teoria atômica de Bohr.
3. 2 Segundo problema: explicação de Compton
De acordo com a teoria de Thomson, a intensidade dos raios espalhados sobre os lados de uma placa deveria ser a mesma. Barkla e Ayres constaram que essa explicação apenas seria aplicada quando raios-X moles e substâncias de baixo peso atômico eram utilizados. Porém, quando se utilizava raios-X e γ duros, os resultados experimentais mostravam que a radiação espalhada sobre a face emergente de uma placa era mais intensa do que sobre a face incidente. (COMPTON, 1919, p. 27)
Quando um feixe de radiação incide em uma placa, a diferença de fase dos raios espalhados em grandes ângulos era maior do que para aqueles em pequenos. Então, a intensidade da radiação espalhada na face incidente, em grandes ângulos, seria reduzida uma vez que haveria uma interferência destrutiva entre os feixes espalhados na face incidente da placa (COMPTON, 1919, 28-29). Foi, assim, que Compton explicou os dados de observação a partir da teoria clássica.
No final de seu artigo, Compton (1919, p. 31-32) concluiu que a teoria de Thomson não era capaz de explicar o baixo valor encontrado para o coeficiente de absorção e a dissimetria observada entre a intensidade do feixe espalhado incidente e a do emergente, devido ao modelo de elétron empregado (carga elétrica pontual). No entanto, tais problemas, para ele, poderiam ser explicados através da hipótese de que o diâmetro do elétron seria da ordem de grandeza do comprimento de onda dos raios γ muito curtos. O raio do grande elétron de Compton era de aproximadamente 2.10-10 cm. Ainda segundo Compton, também seria preciso supor que o elétron realizasse movimentos de rotação e translação.
4 Considerações finais
Compton duvidou da aplicabilidade do seu modelo de grande elétron para explicar o processo de espalhamento somente em 1922. O modelo apresentava inconsistências, pois os seus resultados experimentais sugeriam que seria necessário assumir que o raio do elétron deveria aumentar com o comprimento de onda da radiação de alta frequência, já que Compton utilizava o efeito de interferência, onde a ~ λ, para explicar o espalhamento dos raios-X pela matéria. (STUEWER, 1975, p. 196; TAKETANI; NAGASAKI, 2001, p. 234-235)
Apresentamos a hipótese do grande elétron para ilustrar como a abordagem clássica proposta por Compton para explicar o espalhamento dos raios-X pela matéria era sofisticada e instrumental. Para ele, considerar “o tamanho e a forma do elétron” na sua modelagem era essencial para explicar aqueles dois problemas que a teoria clássica não era capaz de fazer. O objetivo de Compton não era mostrar a possível incoerência entre a teoria clássica da Física utilizada por Thomson e os resultados experimentais, mas, sim, demonstrar que o problema com a abordagem de Thomson estava relacionado com o modelo de elétron empregado e não com a Física clássica.
Ademais, destacamos a imagem de Compton difundida pelos livros didáticos e pela história da ciência através de duas críticas assim categorizadas: (i) na qual Compton é mencionado como um dos fundadores da revolução quântica; (ii) a abordagem quântica do efeito Compton é descrita apenas como uma mera aplicação da hipótese do quantum de luz proposta por Einstein em 1905 e 1916. A imagem de Compton como um físico quântico é, como vimos, uma reconstrução da história. Isto é, uma visão baseada em anacronismo. Compton foi, de fato, um físico que trabalhou com a Física teórica e experimental do espalhamento de raios-X e γ com modelos apoiados na Física clássica, em especial, na eletrodinâmica. O Efeito Compton, quântico, foi o produto de um programa de pesquisa clássico. O ensino de Física e da História da Física deveria incluir essa visão mais complexa e mais realista da história de Compton. Ao limitar o seu trabalho teórico e experimental simplesmente à descoberta do Efeito Compton, subestima-se toda a sua contribuição científica, o seu interesse e a sua motivação.
Referências
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