Mecânica Quântica e não-linearidade – Dificuldades e possibilidades
1 Introdução
A pesquisa em torno de alternativas teóricas que tentam interpretar resultados experimentais em sistemas físicos que apresentam fenômenos não-lineares tem se intensificado nas últimas décadas e criado, além de expectativa, certa perplexidade. Por outro lado, apesar de ser um tópico que incite muitas controvérsias, em vista da seriedade com que tem sido debatido, torna-se de grande interesse a busca de certo roteiro histórico, em torno das contribuições mais discutidas e debatidas na literatura recente.
A denominada Física não-linear tem sido discutida fortemente na atualidade, graças aos avanços conseguidos em distintos ramos da Matemática (não-linear), a exemplo de sistemas de equações diferenciais não-lineares, sistemas solitônicos ou ondas solitárias, sistemas fractais, ondas cnoidais, transformadas de Fourier generalizadas (que podem ser não-linearizadas em espaços de uma e duas dimensões), ondaletas, álgebras de operadores não-lineares e outros tópicos. (CROCA, 2003; FOKAS; SING, 2005; LIMA, 2006) Tais objetos matemáticos têm dado grande ajuda para a resolução de vários problemas na Teoria da Relatividade Geral, Eletromagnetismo clássico, Mecânica de Newton, Óptica quântica, Mecânica dos fluidos, sistemas incomensuráveis, Física estatística, teoria de campos clássicos e quânticos, e outros ramos da Física.
No caso da Teoria Quântica estruturada pela escola de Copenhague, com o suporte de Niels Bohr, Werner Heisenberg, Paul Dirac, Max Born, Erwin Schrödinger e outros cientistas, surge o princípio da superposição (linear) como um de seus aspectos básicos. Apesar de seu grande sucesso na resolução de inúmeros problemas, em alguns casos surge a expectativa de correções não-lineares, a fim de explicar alguns dados experimentais. Com a intensa discussão em torno dos fundamentos da Física Quântica, atualmente, as questões envolvendo este ramo da Física e fenômenos não-lineares têm despertado o interesse de distintos pesquisadores.
Em 1971, Bastin editou o livro Quantum theory and beyond, onde registrou as contribuições de distintos autores sobre os fundamentos da mencionada teoria, num colóquio informal, de mesma denominação, realizado em Cambridge, em julho de 1968. Somente 25 pessoas participaram de tal evento, organizado por E. W. Bastin e D. Bohm, que teve como general Chairman O. R. Frisch. Nesse colóquio, somente um de seus participantes, H. R. Post, que apresentou o trabalho The incompleteness of quantum mechanics or the emperor´s missing clothes faria a seguinte inquirição (BASTIN, 1971):
Em todo caso não esperamos que um formalismo linear tal como a mecânica quântica possa expressar a verdade sobre um universo real que abunda em tais fenômenos não-lineares como as cargas elementares, etc.
Pois bem, além de Post, outros físicos têm conjecturado sobre o tema da não-linearidade na atualidade, a partir de experimentos em distintos sistemas quânticos, (vide FINK et al., 2008) que têm sido relatados como exemplos da “não-linearidade quântica”.
A pesquisa em torno de extensões não-lineares para as equações dinâmicas da Teoria Quântica foi bastante intensificada nos anos 50 do século XX. Um exemplo é a contribuição do físico brasileiro Mário Schönberg (1954) que, a partir de uma modificação na equação de Hamilton-Jacobi, ao introduzir potenciais generalizados, conseguiu descrever movimentos de ensembles clássicos de partículas e, a partir de tais cálculos, o mencionado autor, ao estendê-los para a Mecânica Quântica, obteve uma generalização da equação de Schrödinger, por meio de um sistema de equações não-lineares mostrando, também, ser possível usar a mesma metodologia e obter uma generalização não-linear para a equação de Dirac da Teoria Quântica relativística. Este trabalho, publicado na revista Nuovo Cimento, em 1954, tem sido um dos possíveis exemplos que influenciaram a discussão sobre a relação entre a Mecânica Quântica e os problemas da não-linearidade.
Bagchi (1980) em uma palestra proferida no Encontro Internacional sobre Equações de Evolução não-lineares e Sistemas Dinâmicos, realizado em Lecce, Itália, no período de 20 a 23 de junho de 1979, enfatiza que “Acredita-se geralmente que a física seja governada essencialmente por equações matemáticas não-lineares e toda medida implica numa interação não-linear.”
O mencionado autor chama a atenção de que, apesar disso, os físicos envolvidos com a Teoria Quântica ortodoxa (linear) ainda não tinham percebido, àquela época, as sérias dificuldades deste formalismo. Ele lembra que Heisenberg durante os seus últimos anos de vida tentou desenvolver uma teoria não-linear para as partículas elementares. De fato, ele se preocupou com o citado problema e afirmou que:
A conclusão atual é que não sabemos se finalmente o problema fundamental da teoria quântica de partículas elementares será um problema não-linear ou um problema linear […] Finalmente, desejo enfatizar outra vez que o progresso da matemática não-linear, dos métodos de resolver equações não-lineares […] pode ainda ser que cada tal problema seja individual e exija métodos individuais. Contudo, como eu disse, há definitivamente algumas características comuns e consequentemente se pode aprender comparando problemas não-lineares diferentes. (HEISENBERG, 1967)
Apesar de ter escrito tais asserções, Heisenberg afirma que não há dúvida sobre a linearidade intrínseca à Teoria Quântica convencional, pois, apesar das equações dos operadores serem não-lineares, é possível resolver a equação de Schrödinger da Mecânica Quântica não relativística a partir de certas transformações matriciais. O citado autor enfatiza que o caráter linear da mencionada Teoria Quântica não é aproximado, tal aspecto é fundamental para o entendimento de tal teoria e para a sua interpretação, que se fundamenta sobre uma base estatística, a fim de realizar cálculos em distintos sistemas quânticos. Em sua discussão, Heisenberg enfatiza que a linearidade na Teoria Quântica de Copenhague tem um caráter mais fundamental, quase filosófico, pois em tal teoria não se trabalha com fatos e sim com possibilidades, visto que o quadrado do módulo da função de onda de Schrödinger indica uma descrição probabilística e o princípio da superposição que envolve tal função é determinante para a fundamentação da referida teoria.
Apesar do sucesso da Mecânica Quântica linear em explicar vários fenômenos naturais, alguns problemas têm gerado controvérsias, a exemplo do dualismo onda-partícula, a relação entre determinismo e imprevisibilidade encontrada na teoria da medida. Nakamura (1994), na sua discussão sobre a caologia quântica, afirma que apesar do citado formalismo (linear) poder ser aplicável sem grandes modificações “a qualquer sistema seja ele classicamente regular ou caótico”, surgem questões, a exemplo de: é possível obter-se o equivalente quantum-mecânico do caos apesar da linearidade da equação de Schrödinger dependente do tempo?
O objetivo do presente trabalho é relembrar algumas contribuições que têm estimulado o debate em torno de possibilidades e dificuldades que envolvem a relação entre a Teoria Quântica e os sistemas não-lineares. Trata-se, portanto, de sumariar, num breve roteiro histórico, as principais contribuições a este novo ramo de pesquisa, o qual apesar de sua notória importância, ainda desperta certa expectativa na comunidade dos pesquisadores em Física, Filosofia, História da Ciência e Matemática.
2 Dificuldades
Apesar de Heisenberg (1967) ter afirmado que “todo problema em física teórica é governado por equações matemáticas não-lineares exceto a teoria quântica,” ele ainda, no mesmo texto, afirmaria que era uma questão controvertida se tal teoria era linear ou não-linear. A questão da não-linearidade na Mecânica Quântica foi uma das grandes preocupações do príncipe francês Louis de Broglie que, ao introduzir, em 1927, a “teoria da dupla solução”, que não discutiremos neste trabalho, enfatizaria que a equação de Schrödinger, da Mecânica Quântica linear, apresenta dois tipos diferentes de soluções. Neste formalismo, a função de onda Ψ tem caráter estatístico e ao lado desta solução contínua e “fictícia” existiria também uma outra solução que envolve singularidades (ondas u) que, segundo de Broglie, descreveria a realidade física. (DE BROGLIE, 1953, 1956; RIBEIRO FILHO, 2000; RIBEIRO FILHO; VASCONCELOS, 2006) Em 1953, ao reexaminar tais ideias de Broglie escreveu “[…] que a verdadeira equação de propagação para a onda-u deve ser não-linear como são aquelas encontradas na teoria da gravitação de Einstein. (DE BROGLIE, 1953, p. 226)
De Broglie (1953, 1956) afirma que a citada onda-u satisfazia a uma indeterminada equação não-linear. Ele então conjecturou uma “teoria ondulatória não-linear”, sem contudo escrever a equação diferencial não-linear para a citada onda. Para Xiao-Feng e Yuan-Ping (2005) tal teoria apresenta sérias dificuldades em descrever sistemas de muitas partículas, além de não ter verificação experimental. Apesar do apoio de Einstein, a citada teoria de de Broglie não recebeu o apoio da comunidade dos físicos, entretanto, algumas das ideias do príncipe francês tornaram-se fontes de inspiração para outros pesquisadores, a exemplo de equação não-linear para descrever uma partícula física, potencial quântico etc.
Weinberg (1984, 1989), em uma série de trabalhos, introduziu um formalismo matemático a fim de testar a teoria quântica linear, experimentalmente, ao introduzir correções não-lineares à mencionada teoria. O citado autor desenvolveu uma teoria generalizada da Mecânica Quântica, a qual se reduz à Mecânica Quântica linear quando alguns parâmetros utilizados na citada formulação tornam-se muito pequenos. Nesta formulação, as equações que determinam a dependência temporal da função de onda não são lineares, mas são do tipo hamiltoniano. Outro aspecto importante é que as funções de onda que se diferenciam por um fator constante representam o mesmo estado do sistema físico e satisfazem às mesmas equações dinâmicas de movimento.
Weinberg chama a atenção sobre as dificuldades de se encontrar generalizações logicamente consistentes para a Mecânica Quântica linear. Para o citado autor, um possível aspecto a ser generalizado é a linearidade do formalismo ortodoxo, entretanto, a simples adição arbitrária de termos não-lineares à equação de Schrödinger poderia criar dificuldades na interpretação física da nova teoria. Enfim, esta formulação tem por objetivo generalizar a Mecânica Quântica linear, a fim de usá-la em testes experimentais e para isso o princípio da superposição (linear) não é considerado. Em síntese, similarmente à Teoria Quântica linear, Weinberg define o estado quântico, Ψ, como o vetor pertencente a um espaço vetorial complexo e as observáveis quânticas por transformações, em geral, não-lineares. Com referência à interpretação física da teoria, ela surge quando a condição de autovalores é satisfeita: “quando um estado tem um valor definido para alguma observável”. Neste formalismo, as observáveis são representadas por funções não bilineares reais b(ψ,ψ*), as quais são interpretadas em termos de valores esperados, sendo que tais funções devem ser homogêneas de grau um em ambas ψ e ψ*. De fato, as citadas funções (“sem uma condição de realidade”) formam uma álgebra, em que : (#) (b+c) (ψ,ψ*) = b(ψ,ψ*) + c(ψ,ψ*); (##) (βb) (ψ,ψ*) = β b(ψ,ψ*), com β sendo um escalar complexo e, finalmente, a multiplicação entre as funções b e c, ou seja, b*c correspondem a uma generalização da multiplicação matricial na Mecânica Quântica linear.
A contribuição de Weinberg foi objeto de uma breve discussão de Polchinski (1991) que analisou a “mecânica quântica não-linear de Weinberg” em relação ao papel desempenhado na citada teoria pelo paradoxo Einstein-Podolsky-Rosen (EPR). Para o mencionado autor, o fato de nesta nova teoria existirem observáveis não-lineares, além de lineares, cria, do ponto de vista heurístico, a possibilidade de se obter, neste formalismo, mais informação na função de onda do que na Teoria Quântica convencional. Polchinski (1991) conjectura que
[...] aumenta a possibilidade que a violação fictícia da localidade, que ocorre no experimento de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR) na mecânica quântica linear pode tornar-se uma violação real na teoria não-linear. Ou seja, o apparatus EPR poderia ser usado para enviar sinais instantâneos.
Peres (1989), ao discutir a mencionada teoria de Weinberg, enfatiza não ser difícil introduzir variantes não-lineares na equação de Schrödinger, porém ele mostra que tais não-linearidades conduzem à violação da segunda lei da termodinâmica. Weinberg argumenta que:
Parece-me que esta é uma definição não apropriada da entropia em tais teorias generalizadas. Os argumentos de von Neumann, citados por Peres, são estabelecidos no contexto da mecânica quântica linear ordinária […]. (PERES, 1989)
Czachor e Doebner (2002), calculando funções de correlação para muitas partículas na Mecânica Quântica não-linear, afirmam que:
[…] a dinâmica de estados exatamente linear é uma raridade na física. Teorias lineares são em geral aproximações para aquelas não-lineares. A exceção é a mecânica quântica […]
Apesar de tal asserção os mencionados autores perguntam, em seu trabalho, se “é possível construir uma teoria quântica não-linear consistente que contenha a mecânica quântica como um caso especial?”
Eles concluem que tais extensões da Mecânica Quântica não são simples, pois as equações não-lineares de Schrödinger e de von Neumann podem ser justificadas mas não parecem ser permitidas na interpretação ortodoxa, bem como ainda não é clara uma interpretação probabilística para os operadores não-lineares.
3 Matemática não-linear
Henri Poincaré (2008) em explanação sobre
[...] as relações entre a física experimental e a física-matemática”, ao discutir o papel da experiência e de sua generalização enfatiza que “a física-matemática existe e tem prestado serviços inegáveis: aí está um fato que é necessário explicar […] É que não basta observar, é necessário nos servir de nossas observações; para tanto, é preciso generalizar […].
Além do mencionado matemático e pensador francês, outras figuras marcantes da história da Física e da Matemática têm se envolvido no longo debate em torno das ligações entre estes dois campos do saber. A partir do século XVII, com Galilei, a Matemática foi apresentada como sendo uma linguagem apropriada para expressar as leis da natureza. Ribeiro Filho e Vasconcelos (2006), discutindo alguns aspectos matemáticos em sistemas não-lineares, na Mecânica Quântica e na Mecânica Clássica, relembram que, apesar dos grandes êxitos alcançados pela física-matemática na contemporaneidade, muitos autores apresentaram críticas, ao processo de matematização das teorias fisicas. Paty (1995), ao relembrar as contribuições de dois pensadores franceses a este debate, chama a atenção que o filósofo René Descartes enfatizava que a Matemática “só trata de coisas muito simples e muito gerais, sem se preocupar muito se elas estão ou não na natureza”. Sobre o mesmo tema, Poincaré exclamava: “o que ela [Matemática] ganhou em rigor, perdeu em objetividade. Foi distanciando-se da realidade que ela adquiriu essa pureza perfeita”.
Claro está que outros autores também se manifestaram sobre a utilização da Matemática à Física, porém, não sendo possível enumerá-los no presente trabalho, é importante enfatizar que é possível, por distintas maneiras, trabalhar matematicamente os distintos sistemas físicos, em particular os sistemas não-lineares, desde os modelos fenomenológicos, a partir de dados empíricos, até a formulação axiomática da teoria. Enfim, a exemplo de outros ramos da Física, a denominada Física não-linear tem se utilizado de novos métodos matemáticos, a fim de reproduzir teoricamente os resultados experimentais, os quais, além de busca de um melhor entendimento sobre os aspectos fenomenológicos, têm despertado o interesse de matemáticos, físicos e outros pesquisadores.
Uma das grandes descobertas da denominada Matemática não-linear foi aquela que envolveu o surgimento das ondas solitárias, pelo físico e engenheiro escocês John Scott Russell que, em 1834, observou pela primeira vez um tipo de onda que além de ser não-linear era também não dispersiva. Além de divulgar aquele aparecimento e tentar reproduzi-la em laboratório, o mencionado cientista estava introduzindo um dos objetos mais marcantes da física-matemática moderna. Ainda no final do século XIX, os holandeses Korteweg e De Vries (1895) conseguiram desenvolver os aspectos fundamentais das equações de derivadas parciais, denominadas de equações KdV, as quais apresentam soluções do tipo ondas solitárias. Este trabalho ensejou um grande avanço na Matemática não-linear e em estudos de hidrodinâmica. Fermi, Pasta e Ulam (1955) marcaram a história dos sistemas não-lineares ao estudarem um sistema de osciladores não-lineares, o qual despertou a comunidade dos físicos para o estudo desse tipo de sistema. Outras contribuições fundamentais para a matematização de sistemas não-lineares foram apresentadas por Perring e Skyrme (1962) que conseguiram obter, numericamente, soluções solitônicas da equação de seno-Gordon (ou equação de Klein-Gordon não-linear ou equação do pêndulo matemático). Estas soluções mantêm, antes e após uma colisão, a mesma forma e velocidade e receberam esta denominação, a partir do trabalho de Zabulsky e Kruskal (1965), em torno da família de equações de KdV. As ondas solitônicas ao lado de soluções cnoidais e demais soluções “elípticas” têm sido utilizadas bastante nos problemas não-lineares. (TORRIANI, 1986)
De Broglie (1953, 1956) e Heisenberg (1967) conjecturaram a necessidade do surgimento de novos métodos matemáticos, a fim de enfrentar as dificuldades de problemas que ligam a teoria quântica e a não-linearidade. Nas últimas décadas, surgiram novos métodos de resolução de equações diferenciais parciais não-lineares, envolvendo as mencionadas soluções solitônicas, a partir do método do espalhamento inverso e outros. Muitos pesquisadores aplicaram tais soluções solitônicas ao problema das ondas de de Broglie da Teoria Quântica, originando novas questões sobre a fenomenologia das ondas de matéria, o mesmo acontecendo com o emprego de tais soluções na equação de Schrödinger não-linear. (BABY; BARUT, 1988)
Croca, no livro Towards a nonlinear quantum physics, apresenta uma epistemologia causal local, que não discutiremos aqui, como uma alternativa mais geral à Teoria Quântica de Copenhague e, para isso, utiliza uma análise local por ondaletas (wavelets). O citado autor acredita, com o seu formalismo, que:
Finalmente, é possível responder, agora, no referencial de uma epistemologia local, a velha questão de como conciliar as duas aparentemente contraditórias propriedades exibidas pelas entidades quânticas. Essas duas características opostas resultam dos fatos conhecidos que em certos experimentos aquelas estranhas entidades quânticas comportam-se como onda ou como corpúsculos […]. (CROCA, 2003)
Recentemente, Araújo e colaboradores (2009) têm publicado uma série de trabalhos em que apresentam uma análise apoiada no formalismo das ondaletas (ou onduletas), em lugar da análise de Fourier utilizada na Teoria Quântica ortodoxa. Estes autores têm sugerido que, com as citadas transformações, eles têm conseguido derivar relações mais abrangentes, as quais apresentam as relações de Heisenberg como sendo casos particulares. Em síntese, esses pesquisadores afirmam ter encontrado uma alternativa não-linear causal e local para o formalismo quântico, em que é assumido um “novo compromisso ontológico, isto é, a existência de uma realidade independente do observador”, e para isso é postulado, em vez da Equação de Schrödinger uma Equação Mestra Não-linear.
4 Possibilidades
Apesar de várias dificuldades, outras contribuições para o tópico da Mecânica Quântica versus não-linearidade têm sido descritas na literatura, porém aquela que parece singularizar-se é o formalismo introduzido por Xiao-Feng e Yuan-Ping. Estes autores definem a Mecânica Quântica não-linear como sendo uma teoria para estudar as propriedades e o movimento de partículas microscópicas em sistemas não-lineares que exibam características quânticas. Eles a distinguem da Mecânica Quântica ortodoxa de Copenhague, ligada ao mesmo objetivo, porém, em sistemas lineares.
A descoberta de vários fenômenos quânticos não-lineares, a exemplo de movimentos de solitons ou ondas solitárias, alguns efeitos quânticos macroscópicos, em superfluidos, supercondutores, fibras ópticas, macromoléculas, sistemas biológicos e outros, subentendem a necessidade de uma teoria alternativa à Mecânica Quântica linear, pois ela não pode explicar satisfatorimente os resultados experimentais de tais sistemas. A partir dos avanços da Matemática não-linear, estes autores conseguiram introduzir um formalismo, sem contudo seguirem a trilha indicada por de Broglie, já mencionada antes, neste trabalho. Alguns efeitos quânticos macroscópicos, que ocorrem em alguns sistemas supercondutores e superfluido, e que são exemplos de sistemas não-lineares, motivaram esta nova formulação. Os mencionados autores indicam que a fundamentação experimental da Mecânica Quântica não-linear estabelecida por eles são os efeitos quânticos macroscópicos e os denominados efeitos coerentes. Muitos desses efeitos ocorrem em sistemas com estados coerentes, estados condensados tipo Bose, que “são formados através de transições de fase após uma quebra de simetria espontânea nos sistemas por meio de interações não-lineares”.
Xiao-Feng e Yuan-Ping têm publicado intensamente sobre tais questões envolvendo a Mecânica Quântica em tais sistemas, entretanto, eles reconhecem que a Mecânica Quântica linear é muito importante, pelos seus êxitos, em interpretar inúmeros fenômenos, por ser bastante elegante e por possuir muitas vantagens analíticas na sua estruturação matemática. Para esses autores, as duas teorias (linear e não-linear) são totalmente distintas, pois a teoria proposta por eles estuda as propriedades e o movimento de micropartículas em sistemas não-lineares (que exibem características quânticas), em que tais partículas tornam-se self-localized particles ou solitons, sob a ação da interação não-linear.
Na formulação de Xiao-Feng e Yuan-Ping as partículas microscópicas em um sistema quântico não-linear são descritas por uma função de onda, em que a amplitude e a fase são funções do espaço e do tempo. Esta função, no caso não relativístico, satisfaz à equação generalizada de Schrödinger não-linear. No caso em que são considerados efeitos relativísticos, a função de onda satisfaz à equação de Klein-Gordon não-linear ou equação de seno-Gordon não-linear, cujas soluções podem ser do tipo solitônicas. Em síntese, neste formalismo a função de onda representa um soliton ou onda solitária que, em geral, é não-linear e não dispersivo. O conceito de operador permanece na teoria não-linear, entretanto ele é um objeto não-linear.
5 Conclusões
Apesar do sucesso da Teoria Quântica linear, na resolução de inúmeros fenômenos naturais, algumas dificuldades enumeradas por distintos pesquisadores, sobre alguns de seus aspectos fundamentais, têm motivado a busca de alternativas para a melhor elucidação de alguns resultados experimentais. Como já mencionamos neste trabalho, a discussão em torno de tentativas para o estabelecimento de extensões não-lineares à teoria ortodoxa, ou seja, à Mecânica Quântica linear, não tem sido simples. Apesar disso e das controvérsias, o que se nota é que tais discussões não podem ser descartadas, em vista de evidências experimentais que apontam a necessidade de se procurar uma explicação teórica para tais fenômenos não-lineares. Neste trabalho, fizemos um sumário sobre algumas contribuições que marcaram a história da Física Quântica, a partir da contribuição de de Broglie, até aquelas mais recentes, em que a definição de outros objetos matemáticos - a exemplo de soluções solitônicas para as equações diferenciais da teoria, ondaletas e transformações não-lineares - tem motivado alguns pesquisadores na busca de elucidar o embasamento físico-matemático de alguns sistemas não-lineares. O que se pode verificar é que não há, ainda, uma concordância plena sobre a ligação entre a Mecânica Quântica e a não-linearidade. Esta constatação deve ser vista como estimuladora para a busca de futuras soluções para este quase enigma da Física Quântica.
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