A felicidade

Um grande imperador ordenou que lhe apresentassem todos os poetas e sábios do seu país. Perguntou-lhes:

— Em que está a felicidade?

— Em ver sempre — apressou-se a responder o primeiro — o resplendor do teu rosto divino e sentir eternamente...

— Furai-lhe os olhos — disse o imperador, com indiferença. — O seguinte!

— A felicidade é o poder. Tu, imperador, és feliz! — gritou o segundo.

O imperador retrucou-lhe com um sorriso amargo:

— Porém eu sofro de hemorróidas e não tenho o poder de curá-las. Arrancai as ventas a esse canalha! Prossigamos!

— Ser rico! — disse o seguinte, a gaguejar.

O monarca respondeu:

— Eu sou rico, mas fiz uma pergunta sobre a felicidade. Bastar-te-ia uma barra de ouro do peso da tua cabeça?

— Oh, Majestade!

— Tu a receberás. Atai-lhe ao pescoço uma barra de ouro do peso da sua cabeça e lançai este mendigo ao mar.

Em seguida, gritou com impaciência:

— O quarto!

Acercou-se, a rastejar, um homem esfarrapado, de olhos febris, e balbuciou:

— Oh, sapientíssimo! Eu quero pouco! Eu estou faminto! Dá-me comida, e eu glorificarei o teu nome no mundo inteiro.

— Alimentai-o — disse o soberano, com asco. — Quando ele morrer de tanto comer, vinde dizer-mo.

Aproximaram-se mais dois. Um, vigoroso atleta de corpo rosado e fronte baixa, disse, com um suspiro:

— A felicidade está na arte.

O outro era um poeta magro e pálido, em cujas faces ardiam manchas vermelhas. Disse:

— A felicidade está na saúde.

O imperador sorriu com amargura.

— Se estivesse em meu poder mudar os vossos destinos, então, daqui a um mês, tu, poeta, implorarias inspiração aos deuses, ao passo que tu, Hércules, correrias aos médicos a pedir pílulas atrofiantes. Ide ambos em paz. Quem mais há lá?

— Imortal! — disse, orgulhosamente o sétimo, ornado com as cores de Narciso. — A felicidade está no não ser.

— Cortai-lhe a cabeça! — proferiu o soberano, com indolência.

— Majestade, ó Majestade, clemência!... — pôs-se a balbuciar o condenado, e empalideceu mais do que as pétalas de um narciso. — Eu não quis dizer isso.

Mas o imperador fez um movimento com a mão, de cansaço, bocejou e ordenou sumariamente:

— Levai-o... Cortai-lhe a cabeça. A palavra do imperador é firme como a ágata.

Abeiraram-se ainda muitos outros. Um disse apenas três palavras:

— O amor feminino!...

— Muito bem — concordou o monarca —, dai-lhe uma centena das mulheres mais belas do meu país. Mas dai-lhe, também, uma taça de veneno. Quando chegar a hora, dizei-mo: eu irei olhar o seu cadáver.

Um outro disse:

— A felicidade está em que cada desejo meu se realize instantaneamente.

— Que queres, neste momento? — perguntou-lhe o imperador, maliciosamente.

— Eu?

— Sim. Tu.

— Majestade... A pergunta foi inesperada demais.

— Enterrai-o vivo. Ah, então temos mais um sábio? Ora, ora. Achega-te... Não saberias em que está a felicidade?

O sábio — e ele era um verdadeiro sábio — respondeu:

— A felicidade está no esplendor do pensamento humano.

O soberano teve um estremecimento de sobrancelhas e entrou a gritar, colérico:

— Ora! O pensamento humano! Que é o pensamento humano?

O sábio — pois ele era um verdadeiro sábio — apenas sorriu, compadecido.

Então, o imperador ordenou que o atirassem à masmorra, onde havia escuridão eterna e não penetrava nenhum som de fora. Um ano depois, conduziram a ele o cativo, que ficara cego e surdo e mal se agüentava em pé.

— Então? Ainda és feliz agora?

O sábio respondeu tranqüilamente:

— Sim, sou feliz. Na prisão, fui imperador, dono de tesouros, amei, tive mesa farta, passei fome, e tudo isso me foi dado pelo meu pensamento.

— Mas que é o pensamento?! — exclamou o monarca com impaciência. — Pois fica a saber que, daqui a cinco minutos, eu te enforcarei e cuspirei no teu rosto maldito! Então, ainda te consolará o teu pensamento? Onde estarão, então, os pensamentos, que desperdiçaste pelo mundo?

O sábio respondeu-lhe tranqüilamente, pois era um verdadeiro sábio:

— Parvo! O pensamento é imortal.