CAPÍTULO 11

Elliot instalou-se para uma noite cuja única companhia seria a dos seus próprios pensamentos. Com um pouco de sorte, conseguiria parar de imaginar a mulher que estava no cimo das escadas dentro em breve.

Ele forçou a mente a voltar-se para dentro, para o mundo das histórias que escrevia. Não precisava dos seus papéis para viajar até lá. As notas e esboços preliminares desempenhavam a função de meros registos, não de suportes de memória. A informação existia na sua cabeça, acessível a qualquer altura. Elliot refugiava-se nesse mundo em muitas ocasiões sociais para gozar de breves períodos de alívio se as conversas o entediavam.

Os seus irmãos, Christian e Hayden, possuíam câmaras secretas semelhantes nas suas cabeças. Quando se aventuravam no seu interior, fechavam as portas atrás delas e perdiam o contacto com a realidade. Apenas Elliot fora abençoado com a capacidade de entrar e sair quando queria, como se essa porta se mantivesse sempre entreaberta. A ligação ao mundo real estava sempre ao seu alcance.

Neste momento, essa dádiva não era tão bem-vinda como habitualmente. O mundo que forçava ilegitimamente a sua entrada consistia numa frustração física que se recusava a acalmar. Especulações a respeito dos movimentos acima da sua cabeça intrometiam-se incessantemente. O lado pior do sangue que lhe corria nas veias calculou o custo de honra e orgulho de tomar primeiro e ressarcir depois o mal causado.

De uma maneira ou outra, conseguiu manter grande parte disto à porta, não permitindo a sua interferência completa, concentrando-se em sintetizar a informação de práticas funerárias recolhida em antigos relatos romanos.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Todos os seus sentidos ficaram alerta. Ele ouviu-a tão claramente como se ela estivesse a poucos passos de distância. As paredes e degraus em pedra transportaram a sua voz até si. Ela nem sequer precisou de elevar o tom de voz.

Phaedra não voltou a falar. Limitou-se a partir do princípio de que ele a tinha ouvido. Ou talvez soubesse que ele viria ao seu encontro mesmo se ela apenas o chamasse nos seus pensamentos.

Provavelmente só precisava de ajuda com a vela. Ou talvez tenha visto movimento de uma das janelas e antecipasse algum tipo de problemas por parte dos seus carcereiros. Ele podia elevar a voz e perguntar-lhe, mas não o faria, mesmo sabendo que virar-lhe novamente as costas seria quase impossível.

Confiando que Phaedra era demasiado inteligente para brincar com o fogo, ele subiu as escadas.

Luzes ténues e sombras escuras dançavam por entre as pedras das paredes e abóbadas da divisão superior. O cobertor suspenso ocultava um dos cantos com o seu manto escuro. Uma grande vela solitária refulgia suavemente e a sua chama farta fundia clarões dourados com os clarões mais crus da luz do luar.

Este conjunto de luz difusa agrupava-se e intensificava-se num único lugar. Uma estátua pálida absorvia-a, acentuando a sua exibição sensual de cobre rubro e porcelana branca.

Phaedra estava ajoelhada na enxerga de palha, sentada sobre os calcanhares. Estava de frente para as escadas e para ele. Ele es­tacou quando a viu, momentaneamente aturdido pela sua beleza e audácia.

Ela estava nua. As ondas do seu cabelo caíam em cascata ao longo da pele despida. Pareciam tiras de um tecido sedoso que deixavam entrever ombros cremosos, braços macios, seios redondos e ancas curvilíneas.

Ela deixou-o olhar um bom bocado, reconhecendo com o seu próprio observar a forma como a tempestade se erguia dentro dele, admitindo com os olhos que o desejo era igualmente partilhado.

Ela ergueu o braço e puxou o cabelo para trás, expondo completamente o corpo. Os seus seios redondos elevaram-se, com os mamilos rosa escuros erectos e duros.

– Podemos partilhar prazer esta noite, se quiserdes – declarou.

Ele desembaraçou-se do casaco e caminhou até junto dela.

– Se eu quiser? Eu quero possuir-vos desde a primeira vez que vos vi.

Ela descontraiu o corpo e estirou a sua beleza nua aos pés dele, observando-o enquanto ele despia a camisa.

– Não vai ser bem assim que as coisas se irão passar. Vamos possuir-nos um ao outro.

– Como queirais. Os termos desta rendição já me são completamente indiferentes.

Tudo lhe era completamente indiferente excepto o desejo cada vez mais agudo e premente a cada instante que passava. Ele caiu de joelhos ao seu lado.

– Isto não se trata de uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite em que desfrutamos da nossa amizade – replicou Phaedra, soerguendo-se para ajudá-lo a desabotoar os botões das calças.

As mãos dela tornaram a sua excitação selvática. Ele olhou para baixo, para aquele seu corpo nu, tão vulnerável e receptivo. Imagens invadiram-lhe a cabeça e ímpetos urgentes incendiaram-lhe o sangue. Se ela pensava que isto tinha alguma coisa a ver com amizade, ela não conhecia muito bem os homens.

– Sem dúvida, Phaedra. Claro que sim.

*

Ele não falara a sério. A alma de Phaedra sentia-o, mas, neste momento, ela não queria pensar nisso.

Ele era sensual e belo. Mesmo de joelhos, parecia alto. O seu torso e ombros nus erguiam-se acima dela e da enxerga de palha, fazendo-a sentir-se pequena e… vulnerável. Essa sensação era nova. Ela nunca a experimentara antes de conhecer este homem. Não era desagradável. Ela permitiu-se gozar o prazer que suscitava porque sabia que ele não representava qualquer perigo real.

A luz dava um tom de bronze à pele dele e desenhava linhas escuras ao longo dos traços dos músculos. Não havia nada suave à vista. Nem no corpo nem no rosto. A paixão tornava os traços dos Rothwell ainda mais severos até mesmo no mais afável dos seus filhos. O cabelo escuro, revolto e desalinhado pelas aventuras do dia deixara algumas mechas soltas a tocar ao de leve nas sobrancelhas e rosto. Os olhos transformaram-se em cristais negros quando ela se soergueu para o ajudar a despir.

As mãos de Elliot descaíram para os lados, deixando as dela terminar a tarefa. Ele limitou-se a olhar para baixo, porventura a desafiá-la a continuar, a testá-la para ver se iria voltar atrás na ousadia.

Ela continuou lentamente, sem afastar o olhar dos olhos dele. O seu corpo foi ateado por sensações maravilhosas. O doce formigueiro que sentia era mais intenso porque ela sabia o que estava para vir. A expectativa interpôs-se entre ambos de forma tão espantosa que se transformou num dos melhores prazeres que ela alguma vez experimentara.

Com a tarefa concluída, ela fez subir a palma da mão até à barriga dele, saboreando o toque da sua pele, a combinação masculina de uma superfície suave e um suporte duro. Ela adorava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, incluindo o intuitivo que lhe dizia o quanto ele gostava daquele toque e como o resto da realidade estava igualmente a desaparecer para ele.

Quando não conseguiu avançar mais, fez a mão deslizar para baixo novamente até atingir a peça de roupa interior folgada. Com carícias lentas, ela puxou-a habilmente para baixo, libertando-o até o tecido se deter nos seus joelhos. As pontas dos seus dedos familiarizaram-se com o corpo, centímetro a centímetro. Ela fê-las deslizar e pressionou-as acima da musculatura firme das suas ancas e coxas. Com um toque leve como uma pena, ela percorreu toda a extensão da sua erecção até à extremidade e circulou suavemente, para depois a acariciar com mais agressividade.

Ele tentou refrear o que isso lhe fazia, mas ela conseguia ver a fúria sensual a assumir o controlo. Esta fazia com que todo ele ficasse mais duro. O seu rosto e o seu olhar, o seu corpo inteiro, ficaram ainda mais tensos.

– Correis o sério risco de serdes tomada sem qualquer cortesia ou cerimónia, Phaedra.

Ela ponderou a ameaça e a excitação física do seu próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta para isso.

Ele juntou-se a ela no cobertor e libertou-se do resto das suas roupas. De seguida, lançou o seu corpo nu para cima do dela, apoian­do-se nos antebraços, que posicionou lado a lado com os ombros dela.

Um beijo. Um beijo profundo, íntimo, tão lento e sedutor que uma ânsia doce e estranha conquistou a impaciência dela. Ela afastou as pernas para que ele se encaixasse melhor nela, convidando-o instintivamente a unir-se a ela já para que o resto dessa noite fosse tão tocante como esse momento.

Ele afastou o rosto do dela para a fitar.

– Sois uma mulher muito generosa.

– Não se trata de uma questão de generosidade. Se uma mulher é honesta nestes prazeres, ela só tem a ganhar.

– Essa é uma perspectiva admirável e democrática. Mas receio que não estejais a ser tão honesta como professais e convidais-me a ser um mau amante por causa disso.

– Eu assumi a minha condição carnal da forma mais honesta possível.

De forma tão honesta que este atraso a enlouquecia. Ela mexeu um pouco as ancas para o encorajar.

A resposta dele foi superficial, subtil e devastadora. Ele fez pressão, mas não a suficiente. Ela sentiu-o ali em baixo, mal a tocando, numa provocação horrível e maravilhosa.

Ele encostou os lábios ao seu pescoço e ombros, beijando-os.

– Dissestes que estáveis mais do que pronta – afirmou, ao mesmo tempo que a estimulava. – Eu sei que isso não é verdade, mas talvez as vossas palavras sejam fruto da ignorância.

A indignação trespassou o estado de abandono provocado pelas pulsações maravilhosas do seu sangue.

– Eu não sou ignorante. Pensava que isso era óbvio.

Ele posicionou o tronco de lado para a poder acariciar e observou as pontas dos seus dedos a percorrer suavemente o contorno da base e protuberância do seio, à semelhança da forma como as dela se tinham movimentado há pouco sobre a anca e coxas masculinas.

– Uma mulher mais do que pronta não está assim tão senhora de si. Não estais nem por sombras tão pronta como podeis estar. Se não sois ignorante, sabeis isso. Mas talvez temais o abandono do prazer.

Ele friccionou o mamilo. Um tremor profundo abalou-a, estendendo-se desde o maxilar até aos dedos dos pés. O seu corpo ansiava por o puxar para dentro dela para conseguir fugir à tortura sensual, por mais deliciosa que esta fosse.

Ele tocou no seio mais intencionalmente, esfregando a ponta, fazendo o tremor repetir-se de modo deliberado com uma intensidade crescente. Ela dera início a esta sedução com confiança e ousadia. Agora, esta onda de vulnerabilidade tentadora arrastava para bem longe o seu firme autodomínio.

Ela não conseguia resistir à corrente. Ele pareceu pressentir as suas tentativas e afastou a mão do corpo dela, como se estivesse a anunciar que ele, e não ela, decidiria quando ela estaria pronta. Esticado ao seu lado, com o torso erguido apoiado num único braço tenso, ele acariciou-a com gestos longos e seguros, levando o toque possessivo a toda a extensão da sua pele e membros.

Os seios ansiavam dolorosamente pelo regresso da sua mão. Os outros prazeres e excitações que ele incitava exacerbaram essa sensação. A frustração conduzia-a a passos largos para a loucura. Ela nem sequer o podia abraçar enquanto ele estivesse soerguido sobre ela. A sua posição forçava-a a ficar deitada, aberta e submissa ao seu olhar e mão diabólica.

Ela não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Ele não estava todo fora do seu alcance. Ela procurou a parte interna da sua coxa com a mão direita. Acariciou-o um pouco acima e fez tudo para não se afogar no prazer sozinha.

Ele reagiu como ela esperava, da forma que a sua essência clamava. Acariciou-lhe os seios tão completa e perfeitamente que a insanidade ameaçou tomar conta do seu espírito. O prazer insuportável agravou-se deliciosamente e a avidez por mais ocupou toda a sua consciência.

Ele baixou a cabeça para poder pousar a boca num dos seios. Uma nova sensação sobrepôs-se às restantes. Tão doce, intensa e poderosa que dissolveu todo o contacto que ela ainda tinha com a realidade. Agarrou-lhe os ombros num abraço impetuoso para não vaguear sozinha à deriva das sensações. Percepções vagas entraram no lugar escuro e concentrado em que a sua mente se tornara. Sons ecoaram as súplicas nos seus pensamentos e as necessidades que a submergiam. Um abraço de ferro e beijos violentos arrastaram-na mais profundamente rumo à sensação pura.

Um novo toque. Um toque bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que ia desmaiar de alívio. A sua consciência soltou um grito. Ela afastou um pouco mais as pernas para ele não parar. Arrepios profundos concentraram-se lá e disseminaram-se, prolongando a tortura, provocando nela o desejo de implorar por algum alívio.

De seguida, ela sentiu todo o corpo dele encaixado entre as suas coxas da mesma forma como isto começara, pressionando ligeiramente, daquela forma exasperante e incompleta. Ele beijou-a com uma autoridade feroz enquanto entrava dentro dela, abafando o seu gemido de alívio.

As suas investidas firmes, profundas e completas levaram-na à plena satisfação. A explosão pungente de prazer inundou-a de paz e de sensações perfeitas. Ela deixou-se flutuar nelas, extasiada pela violência do clímax e o carácter físico do êxtase.

Phaedra emergiu lentamente da escuridão abençoada. Os seus braços sentiram de novo os ombros que abraçava, e as pernas as ancas que rodeavam. Ele continuava duro e completo dentro de si.

Ela procurou os olhos dele entre os fios de cabelo transpirados, olhos que ainda estavam acesos e duros com a tensão sensual.

– Pareceis plenamente satisfeita, Phaedra.

Tão plenamente satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia voltar a sentir-se insatisfeita.

– Podeis ter a certeza que sim.

Ele moveu-se lentamente, provocando uma pressão demorada numa pele ainda intensamente sensível no rescaldo do clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher tão decidida a tomar o seu próprio prazer.

Elliot assentou um beijo firme nos seus lábios. Nas profundezas do seu ser, a satisfação esmoreceu. Necessidades novas vibraram, subtil mas distintamente.

Ele fê-lo acontecer novamente. Elliot fitava-a, demasiado se­nhor de si, demasiado seguro do que estava a fazer com estas investidas lentas e profundas.

– Não acredito que alguma vez tenha sido tão absolutamente possuído por uma mulher.

– Não me culpeis por não terdes partilhado a satisfação. Por norma, nestas coisas existe uma unidade entre ambos.

– Duvido que alguma vez tenha existido alguma unidade convosco. Os vossos amigos encontram o seu próprio prazer enquanto a ajudam a procurar o vosso, mas isso é diferente.

Ela divisou um insulto nas suas observações tranquilas. Se ela não estivesse tão consciente do poder masculino que exsudava dele, se os arrepios de uma nova excitação não a estivessem a distrair, ela poderia ter encontrado as palavras para o castigar pelo seu atrevimento.

Contudo, a satisfação que preenchia o seu corpo estava a esbater-se rapidamente. Necessidades profundas e ressonantes despertaram, à mistura com uma confusão e um desespero avassaladores.

A ausência de consciência começou a instalar-se novamente, mas permaneceu insuportavelmente fora de alcance. Ela continuou demasiado presente no mundo, demasiado ciente do homem que estava a demorar demasiado tempo, demasiado consciente do facto de que ele também não desviava o olhar dela.

Ela moveu as ancas, encorajando-o continuar. Mais depressa. Ele acariciou-lhe a anca direita com uma mão e pressionou-a, impedindo-a.

– Dissestes que nos iríamos possuir um ao outro e eu quero possuir-vos lentamente.

– Foi muito indelicado da vossa parte não ter terminado ao mesmo tempo que eu.

Ela nem sequer sabia que um homem podia controlar estas questões até este ponto.

Em resposta, obteve apenas um leve sorriso. A mão dele abandonou a sua anca. Ela pensou que ele havia finalmente cedido. Em vez disso, ele rodou o braço para trás e libertou a anca do abraço firme da perna de Phaedra.

A outra perna foi igualmente desprendida e uniu as suas duas coxas sob ele. Quando ele se moveu dentro dela novamente, o prazer concentrou-se e subiu em espiral tão bruscamente que ela arquejou.

As sensações atordoaram-na. Conquistaram-na. Ela não as conseguiu negar e rendeu-se ao abandono. Mas o seu primeiro clímax fez com que este fosse diferente. Ela nunca perdeu completamente o contacto com o mundo. Phaedra conseguiu escutar os seus próprios gritos. A aura dele preencheu-a. A vulnerabilidade regressou, mas mais esbatida desta feita, ainda excitante, mas apenas vagamente assustadora.

Ele nunca perdeu o controlo, nunca sucumbiu ao prazer. Mes­mo quando as suas investidas aceleraram e se intensificaram, mesmo quando ela estava a gritar no momento do êxtase, ela sentiu a forma como ele controlou o poder no final.

Desta vez, houve uma unidade. Ela não estava sozinha na ausência de consciência. Quando muito, a predominância da presença dele intensificou-se. O alívio glorioso atravessou-a da mesma forma que um relâmpago trespassa uma árvore, mas ele permaneceu tangível através das sensações.

No rescaldo do êxtase, enquanto a sua alma buscava e reunia o que sobrara do seu autodomínio, enquanto ela se esforçava por reconstituir a mulher que reconhecia, um mau pressentimento insinuou-se nos seus pensamentos. Ela sentiu-o nos seus braços, o corpo masculino a cobrir o seu. Ele estava extenuado, satisfeito e silencioso, mas distinta e estranhamente real.

Ela nunca antes se sentira em desvantagem nestas coisas. Sob a sua profusa beatitude, avaliou languidamente esta nova situação. Ela tentou determinar o que significara e de que modo havia acontecido.

Esta misteriosa sensação de vazio do ser seguramente desapareceria quando ele se retirasse. Com certeza que era causada apenas pela noite, a escuridão e o prazer.

Ele ergueu-se com a ajuda dos antebraços, levantando o seu peso de cima dela. O seu olhar invadiu-a profundamente, e tão ardente e intensamente que ela perguntou a si mesma se ele estava a tentar gravar a sua marca na mente dela. De seguida, rodou o corpo de cima dela e deitou-se ao seu lado, junto ao seu corpo. Adormeceu pouco depois com um braço estendido sobre ela.

Ele tencionava ficar ali a noite inteira. Ela nunca permitira isso aos seus amigos, mas dificilmente o podia acordar e exigir que re­gressasse ao cobertor sobre a pedra nua lá em baixo. Mas…

Ela fitou as luzes ténues que bruxuleavam entre as pedras sobre ambos. Aquele último longo olhar fora emotivo e comovente, mas exigira igualmente que ela reconhecesse o poder da união entre ambos. Continha a intimidade profunda que ainda os vinculava e recusava-se a permitir que ela se libertasse desse vínculo.

Mas houvera algo mais, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não quando um homem a mirava.

Ela tinha acabado de fitar os olhos de um conquistador.

Phaedra perguntou-se o que seria aquilo que ele erroneamente pensara ter conquistado.

A porta para a sua mente continuou entreaberta. Ele ouviu-a a suspirar e balbuciar durante o sono. Amanhecia e ela ia acordar dentro em breve. Por agora, ele deixou-se desfrutar plenamente da paz, da companhia dela e da brisa fresca enquanto a sua mente acabava de pôr em ordem outras coisas.

Fora acordado por um som e descobrira os vagos indícios que precediam um novo dia. Perscrutou através da luz prateada enquan­to uma nova forma, semelhante à de um cesto, se desenhava no espaço. Estava pousado no cimo das escadas. Uma das mulheres mais velhas devia ter subido para lhes trazer mais provisões.

Phaedra acordou lentamente como um gatinho ronronante. Enrolou e esticou a sua elegância nua, para de seguida se virar de lado, o que lhe permitiu admirar a linha encantadora que se afundava antes de subir para a sua anca.

Ela exibia uma expressão muito doce neste momento e muito mais jovem do que a sua idade sugeria. Despida da sua indumentária negra, liberta da armadura com a qual enfrentava o mundo, ela pareceu-lhe frágil. Na noite passada, tinha revelado este outro lado do seu espírito, de formas não ditas e indefinidas. A sua paixão tinha sido tão mundana como ignorante, tão confiante como intimidada. Ele pressentira a fraqueza e suavidade que ela não se atrevia a deixar o mundo ver. Ela vivia uma vida simbólica que não permitia tais contradições.

Ele queria-a novamente, porque ela era belíssima de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Ele suspeitou que iria continuar a querê-la durante muito tempo. Calculou as horas e os locais, as noites e os dias, enquanto memórias dos seus abraços o tentavam.

Ela despertou com um sobressalto, como se tivesse escutado os seus pensamentos e caiu de costas. Através de pálpebras escassamente abertas, avaliou onde estava e quem estava consigo. Um leve rubor tingiu-lhe o pescoço e estendeu-se até aos seus bonitos seios. Os mamilos enrijeceram-se por motivos alheios à fresca brisa marítima que se fazia sentir.

O seu embaraço fazia-a parecer inexperiente e insegura. Ele perguntou-se que pensamentos estariam a causar o leve franzir do sobrolho que dirigia ao seu próprio corpo. A ousadia da noite passada desaparecera, sem a escuridão para deslocar os acontecimentos para um outro mundo.

Ele enfiou algumas peças de roupa para ela não ter de sair do lugar onde escolhera ficar. De seguida, passou-lhe a trouxa negra do seu vestido. Ela sentou-se e enfiou-o pela cabeça.

Ele sentou-se ao lado dela na enxerga de palha. Perguntou-se se ela iria falar da noite passada e o que deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era o tipo de mulher que estaria à espera de gratidão ou desculpas. E era mais do que certo que não pretenderia uma oferta de pagamento ou apoio. Ela não esperava rigorosamente nada da sua parte e iria interpretar mal qualquer proposta nesse sentido.

– Tendes a Alexia – disse ele. – Ontem dissestes que estáveis sozinha, mas a Alexia é uma amiga leal.

As palavras dela tinham ecoado na sua cabeça enquanto estava deitado ao seu lado. Tinha-se interrogado acerca das amizades dela em rapariga, se é que tinha tido alguma. Suspeitava que não existiam muitas mães dispostas a autorizar as suas filhas a manter uma amizade com a filha de Artemis Blair.

Ela inclinou-se na sua direcção para lhe dar um beijo no rosto. Ele partira do princípio que a determinado ponto do dia de hoje a intimidade latente iria extinguir-se e que ela trataria a noite anterior como parte do passado. Agora, porém, ela mostrara-lhe com aquele gesto que considerava a sua preocupação, no mínimo, enternecedora.

Ele aproveitou a oportunidade para enrolar um braço à sua volta. Sentado na cama de palha, com as costas contra a parede, a cabeça de uma bela mulher encostada ao seu ombro e os sons e odores do mar a entrarem pelas janelas adentro, Elliot concluiu que esta não seria uma má forma de passar o dia.

– Ela fez o vosso irmão prometer que autorizava a nossa amizade – declarou Phaedra. – Quando Alexia negociou aquele casamento, ela fê-lo prometer. Eu parti do princípio… Declinei o convite de casamento que me enviou e escrevi-lhe a dizer que a minha presença só iria dar origem à discórdia com o seu novo marido. Ela respondeu-me e explicou-me o que acordara com ele – acrescentou e inspirou profundamente. – Chorei quando li aquela carta. Foi a coisa mais nobre que um amigo alguma vez fez por mim. O facto de ela ter sequer pensado em mim num momento daqueles… Ainda me custa a acreditar que o vosso irmão tenha concordado com isso. Eu não sou o tipo de mulher que a maioria dos homens deseja que faça parte das relações das respectivas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda do que eu nas mais ilustres salas de estar de Londres – confessou num fio de voz.

Elliot suspeitou que a generosidade do irmão fazia parte de um plano mais vasto. Phaedra Blair era uma concessão fácil nas negociações que Hayden teve de levar a cabo para conseguir a mulher que desejava.

Elliot não podia apresentar o caso dessa forma.

– Hayden nunca foi nenhum escravo da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz. Ele sabe que a amizade dela convosco não encerra qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor tornou-o estúpido. Eu não levo a mal os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, imporia as mesmas regras.

Ele baixou o olhar até à sua nuca. O cabelo de Phaedra parecia mais dourado do que vermelho à luz cristalina da manhã. Ela não queria a compaixão dele pela sua infância solitária. Ela não esperava que o mundo mudasse de forma a adaptar-se a alguém como ela. Ela queria apenas que a deixassem em paz para viver a seu bel-prazer as suas heresias.

Compreender isso juntou uma nova onda de afecto à satisfação que ele experimentava neste momento. Infelizmente, deixá-la sozinha agora seria quase impossível.

O chamamento de Carmelita não veio das escadas de pedra. A sua voz subiu pelas paredes exteriores da torre. Pelo menos uma das mulheres que se reuniam lá fora tinha-se apresentado sem ter sido convidada antes e agora envidavam todos os esforços para não voltar a fazê-lo.

Ele levantou-se e olhou pela janela. As cinco mulheres mais velhas rodeavam, agitadas, Carmelita, falando ininterruptamente, sem arredar pé do seu posto de vigia.

– Lord Elliot, o signore Greenwood aproxima-se – anunciou e apontou para a entrada do promontório e para além dos homens que acordavam para um novo dia.

Greenwood estava a atravessar as docas, agora repletas de barcos de pesca. Os ruídos que se ouviam na cidade lembraram a Elliot o motivo pelo qual nenhum deles saíra para o mar. Hoje era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deixaram Greenwood passar e este disse-lhes algo à sua passagem. Ele reparou em Elliot à janela e acenou-lhe. O seu sorriso e maneira de andar desenvolta indicavam que trazia boas notícias.

Matthias fez uma grande mesura a Carmelita e às mulheres mais velhas e depois olhou para cima.

– Tenho a haver agradecimentos profusos da vossa parte e de Miss Blair, Rothwell. Fui tão diplomático e brilhante que mereço uma colocação no serviço de negócios estrangeiros.

– Convencestes aquele imbecil a pôr um ponto final nisto? – perguntou Carmelita.

– Estabeleci um compromisso. Um compromisso de tal ordem que os serviços das senhoras não serão mais necessários no futuro.

Carmelita explicou as coisas às mulheres mais velhas. Ela encontrou alguma resistência no grupo. Uma pequena discussão teve início, mas Carmelita levou a melhor sobre ela. Todas as mulheres começaram a encaminhar-se de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar tudo – anunciou Matthias e a sua cabeça mergulhou por baixo da portada.

Elliot virou-se para encarar Phaedra. Ela parecia igual a si própria, senhora de si, orgulhosa e invulgar. Um tecido negro cobria o corpo que ele havia possuído apenas algumas horas antes. Ela ajoelhou-se e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a prova mais óbvia dos acontecimentos da noite.

– Devia ter cedido à tentação e ter-vos acordado mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia ter terminado de forma tão abrupta.

O seu pequeno sorriso parecia nervoso.

– Abrupta ou lentamente, elas terminam sempre, ao fim e ao cabo.

Havia muito para dizer em resposta a isso, mas as botas de Greenwood aproximavam-se da divisão.

O cabelo branco de Matthias e o seu rosto sorridente assomaram e elevaram-se. Ele parecia muito satisfeito consigo próprio.

– Trouxe-vos a chave da vossa prisão, Miss Blair. Infelizmente, para isto funcionar conforme o planeado, tendes de abandonar Positano imediatamente.