CAPÍTULO 12

– Inundei Tarpetta de vinho durante grande parte da noite – afirmou Matthias. – Convenci-o de que não era do seu me­lhor interesse arriscar incorrer no descontentamento do rei ao criar um escândalo internacional que envolve o irmão de um marquês inglês.

– Ter-se-ia esperado que um argumento racional tivesse mais peso do que uma ameaça – replicou Phaedra, exasperada por Elliot ter mais uma vez garantido a sua liberdade.

Ela devia estar grata. Depois da noite passada, ela devia considerar romântico o facto de ter sido salva por este homem. Essa reacção florescia dentro dela, mas a sua mente estava igualmente a calcular o quanto ela estaria mais uma vez em dívida para com ele. Se isto continuasse a acontecer, ele podia exigir uma compensação na forma de algo que não fosse do seu agrado.

– Aceitaremos qualquer argumento que tenha sido bem-sucedido – declarou Elliot.

O seu tom tinha uma mensagem implícita. Silêncio, mulher. Deixai este assunto nas mãos dos homens.

Matthias ofereceu-lhe um sorriso conciliador.

– Miss Blair, Tarpetta é um homem por demais enamorado com o seu próprio orgulho e sentido de autoridade. O melhor argumento revelou ser aquele que sugeria que a sua linha de acção projectada iria prejudicar ambos.

– Se é esse que funciona, assim seja. Eu preferia algum tipo de vindicação, mas contentar-me-ei com a segurança e a liberdade.

– Quando diz que Miss Blair tem de abandonar este local sem mais demoras, qual é a pressa que isso implica?

– Vamos regressar à villa, reaver a sua bagagem e embarcá-la num barco imediatamente – replicou Matthias e fez um gesto na direcção dos cestos e do cobertor. – Deixai ficar isto. Eu mandarei criados buscá-los mais tarde.

Phaedra aceitou a escolta de ambos para fora da torre. Antes de descer as escadas, olhou pela última vez a divisão. Continuava a parecer humilde e doméstica, mas nem por sombras tão encantadora como no lusco-fusco e na escuridão fechada da noite passada. À luz da manhã parecia ser aquilo que era, uma morada rudimentar gerada à força pelo perigo e pelo medo e um simulacro de um lar para ela não se sentir tão desamparada.

Ela suspeitava que a noite inteira não passara de uma reacção feminina ao perigo. Nunca compreendera a atracção do cavaleiro destemido, mas, por outro lado, também nunca tinha desempenhado o papel da donzela em perigo.

Phaedra analisou racionalmente o que se passara. A luz clara do dia sugeria que o romance da noite havia sido um sonho a ser recordado calorosamente, mas nada mais do que isso. E, no entanto, quando ela começou a descer as escadas, Elliot pegou na sua mão num gesto que tinha tanto de cortesia como de comando, para a guiar e conduzir para fora da torre de amor de ambos.

O seu coração contraiu-se em resposta ao modo gentil como ele a escoltava. O pulso acelerou com o toque. Quando passaram por uma fenda estreita na parede da caixa de escada, a luz demarcou o seu belo rosto da mesma forma que ela o recordava na noite passada. Por um momento, ela ficou deslumbrada, aturdida com a forma como ele conseguia alterar o ar e o espaço e invadi-la tão completamente.

Cá fora, esperava-os um típico dia do pino do Verão, quente e abafado. A brisa marítima matinal esmorecera e o sol gravava a cidade em relevo com uma luz viva e sombras profundas. O promontório estava vazio, assim como as docas.

– A festa está em curso – disse Matthias. – Estão todos concentrados na piazza da igreja.

– Vamos contorná-la – respondeu Elliot.

O seu rosto assumira novamente uma leve máscara de preocupação. Ela percebeu que ele permanecia alerta ao perigo, como um gato a avançar cuidadosamente em território desconhecido.

– Certamente, mas não tereis oportunidade de ver os preparativos para a procissão. São deveras pitorescos – afirmou Matthias e conduziu-os para uma ruela que ladeava a praça. – A vossa vigilância é admirável, Rothwell, mas Miss Blair está bastante segura agora. Tarpetta compreendeu que desistir da sua acção serve muito melhor os seus interesses.

Não havia rapazes com burros à vista, por isso deram início à longa subida para a villa através de ruelas vazias. Sons vindos da praça retumbavam entre as casas silenciosas. Quando atravessaram uma rua que se dirigia para sul, Phaedra avistou um lampejo negro pelo canto do olho. Nem todos os habitantes da cidade estavam na igreja.

Subir a colina foi extenuante. As pernas de Phaedra ficaram doridas e, de seguida, húmidas. O sol brilhava implacavelmente sobre eles e o suor começou a humedecer o tecido do seu vestido. Elliot não parecia nem um pouco desconfortável, mas Matthias não partilhava o seu vigor. A sua respiração tornou-se ofegante.

– Tenho de abrandar, Mr. Greenwood. Será que vos posso pedir para ficar comigo? Lord Elliot pode ir à frente e começar os preparativos.

– Certamente que sim, Miss Blair. Pareceis um pouco pálida. Quereis parar e descansar um pouco? Conquanto a pressa seja a palavra de ordem, não temos uma pistola apontada às nossas costas.

– O sol está a ofuscar-me mais do que gostaria, mas estou certa de que se caminhar mais devagar, ficarei…

– Que diabo…

O tom exasperado de Elliot interrompeu-a. Ela desviou a sua atenção de Matthias e este desviou a sua dela. Olharam ambos em frente para ver o que tinha detido Elliot.

Cinco figuras erguiam-se à sua frente na ruela. Vestidas com o negro das viúvas, e envoltas em véus muito à semelhança de árabes ou freiras, as velhas mulheres de Carmelita bloqueavam-lhes o caminho.

– Sorride e continuai a caminhar – aconselhou Matthias, arvorando a sua expressão mais benevolente às mulheres.

Isso podia ter funcionado se a barreira continuasse a ser constituída apenas por aquelas cinco mulheres. Infelizmente, juntaram-se-lhes outras. Phaedra reconheceu algumas das mulheres que tinha conhecido na fonte e outras que tinham feito frente aos homens. Todas elas lançavam olhares assaz reprovadores do cimo da ruela.

O objecto da desaprovação do grupo era nada mais nada menos do que l’uomo magnifico, Lord Elliot Rothwell.

Carmelita furou a multidão que se juntara. Os braços dela pareciam voar, enquanto gesticulava e admoestava as velhas mulheres. A réplica delas foi tão inflexível e incisiva como os olhares fulminantes que continuavam a lançar a Elliot.

Matthias deu meia-volta em busca de outro caminho.

– Céus – murmurou entre dentes.

Phaedra olhou por cima do ombro. Um número crescente de mulheres materializara-se na ruela atrás deles.

Carmelita caminhou os vinte passos que os separavam das ve­lhas mulheres e esboçou um esgar que exibia um pedido de desculpas resignado.

– Temos um pequeno problema.

– Tarpetta e Greenwood fizeram um acordo – disse Elliot. – Ex­plicai-lhes isso. Estas mulheres que se arriscaram para proteger Miss Blair estão agora a interferir com a sua fuga oportuna.

Carmelita assentiu solenemente com a cabeça.

– A questão é que o propósito delas continua a ser o de a proteger. Neste momento, receiam pela sua honra – anunciou, dirigindo um olhar sabedor a Elliot. – Elas acham que vós… Elas acham… Na verdade, elas sabem, não acham.

Phaedra sentiu o rubor a subir-lhe às faces. O rosto de Elliot permaneceu impassível, mas também corou levemente.

– Elas não podem saber nada – replicou Phaedra.

– Phaedra Blair, o vosso isolamento naquela torre com um homem serviria por si só para vos comprometer aos olhos delas. Porém, ali a Maria levou-vos um pouco de água e pão ao amanhecer e… – explicou Carmelita e abriu os braços num gesto que dizia que tudo tinha sido visto. – Eu disse-lhe que ela devia esquecer o que tinha visto. As mulheres da cidade, porém… Cada uma delas vos vê como uma irmã agora. Lutaram por vós e não irão permitir que este sedutor leve a sua avante sem remediar a situação.

Sedutor? Escutai, eu não sou…

O suspiro ruidoso de Matthias interrompeu-o.

– Rothwell, meu querido rapaz, fostes desastrosamente indiscreto.

Phaedra deu um passo em frente.

– Eu não preciso que outras mulheres lutem por mim esta batalha em particular, Carmelita. Sou uma mulher adulta e acredito que… Deus do Céu, o que está agora o padre aqui a fazer?

O desafortunado padre da batalha do dia anterior estava a ser empurrado na direcção deles através da multidão.

– Creio que é a isto que costumam chamar um desenvolvimento inesperado – afirmou Elliot num tom seco.

– Elliot, fazei alguma coisa – ciciou Phaedra, num tom que raiava o pânico.

A cidade inteira parecia rodeá-los agora. Os corpos formavam um rio com um caudal lento que se estendia através das ruelas. Elliot, Phaedra, Matthias e o pobre padre formavam os destroços de um naufrágio, levados pela corrente.

– O que sugeris, Phaedra? Na qualidade de cavalheiro, não me posso recusar a casar-me com uma mulher que eu comprometi.

– Oh, por amor de Deus. Isto é uma coerção e recusá-la não faria de vós um patife. Nem tão-pouco me comprometestes. Não podeis estar seriamente a pensar em pactuar com isto.

Ele ainda não sabia o que pensava. Só sabia que fincar o pé ali e agora podia ser um erro perigoso. A cidade estava exultante com os esponsais iminentes. Até mesmo os apoiantes mais fiéis de Tarpetta esboçavam sorrisos de satisfação. O sentimento geral, daquilo que Elliot se conseguiu aperceber, era de que a cidade achava que esta seria a melhor festa de San Giovanni de que havia memória.

A cada passo que dava em frente, os olhos de Phaedra ficavam mais arregalados.

– Nesse caso, eu recusar-me-ei a fazê-lo.

Matthias juntou a sua cabeça à dela.

– Miss Blair, acabei de passar horas a convencer o signore Tarpetta de que não sois, hum, pouco virtuosa. Se vos recusardes a casar com um homem com o qual fostes vista em, hum, disposições íntimas, todos os meus esforços podem ter sido em vão.

– Eu não me irei casar, muito menos sob a ponta de uma espada.

Elliot também não tinha qualquer desejo de se casar sob a ponta de uma espada, mas não considerava a igreja que se começava a desenhar lá no fundo tão alarmante como Phaedra. Embora nunca se tivesse sentido impelido a fazer uma proposta de casamento a uma mulher, ele não se opunha ao princípio do casamento como ela. É claro que a história da sua família mostrara que uma má união podia dar origem a um inferno em vida, mas isso não se aplicava a esta situação. Ainda.

– Isto será sequer legal? – perguntou ela a Matthias. – Nós não somos católicos. Isto não é Inglaterra. Não haverá qualquer publicação de banhos nem licença. Este género de uniões é reconhecido em casa? Afinal de contas, a própria cerimónia católica não é legítima em Inglaterra e…

– Confesso que não sei responder-vos a isso com toda a certeza. Mas estou certo de que poderá ser tudo esclarecido depois.

Esclarecido depois? E se os esclarecimentos não forem do meu agrado? Falai com elas. Dizei-lhes que… – rogou Phaedra, mas a sua resposta foi interrompida por uma mudança de direcção da multidão.

A ruela desembocou subitamente na praça. Os corpos reorganizaram-se e afrouxaram a sua pressão, mas continuaram a formar uma parede maciça. Uma nova figura juntou-se ao pequeno núcleo no meio da multidão. O signore Tarpetta posicionou-se a coxear ao lado de Elliot.

– Este é um bom desenlace para esta história – afirmou com uma aprovação pomposa. – Se ela for una sposa, haverá a lei de um homem sobre ela. Podereis talvez «autorizá-la» melhor agora.

Elliot conteve a maldição que lhe veio à cabeça. A presença de Tarpetta não era acidental. Não tinha quaisquer dúvidas de que o homem ouvira a má-língua das velhas mulheres e encorajara a cidade a levar a cabo esta farsa.

Matthias forçou a passagem até junto de Tarpetta e murmurou algo lentamente. Não parecia estar a fazer muitos progressos a favor da causa que peticionava. Pouco depois, voltou-se para Elliot.

– Vou tratar dos preparativos para o barco de que falámos, Rothwell. A ausência de uma testemunha inglesa poderá ajudar uma futura reivindicação de que esta cerimónia não foi legítima.

Elliot já estava a alinhavar essa petição na sua cabeça. Phaedra parecia uma mulher a ser conduzida para a fogueira, não para o altar. A solidariedade dele para com o seu desespero continha uma boa dose de irritação. Ela estava a agir como se casar-se com Lord Elliot Rothwell fosse um destino pior do que a morte.

O facto de ser um destino que nenhum dos dois escolhera, previra ou desejara era irrelevante. Ele estava a deixar-se levar para o matadouro para salvar a honra de ambos e a pele dela. Ela podia pelo menos tentar fingir algum tipo de postura graciosa para com esta situação.

Matthias afastou-se furtivamente. A multidão abriu-se e deu livre passagem ao padre e aos seus cordeiros sacrificiais às portas da igreja. Phaedra estava muito pálida.

O padre deu meia-volta para encarar de frente Elliot e a noiva. Um acólito saiu apressadamente da igreja com uma casula reluzente que o padre colocou. De seguida, este dirigiu-se à multidão.

– O que está a dizer? – perguntou Phaedra.

– Segundo percebi, está a anunciar que o casamento se vai realizar aqui e depois seguiremos para o interior da igreja assinar os documentos.

– Aqui? – exclamou Phaedra, olhando para o chão, como se se estivesse a perguntar onde era esse aqui. Por um momento, ele achou que ela ia desfalecer. – Agora?

– Receio que sim – replicou e tomou-lhe a mão. – Coragem, minha esposa.

O gracejo devolveu alguma cor ao seu rosto. Ela parecia que lhe queria bater.

O padre começou a proferir as suas orações. A multidão aquietou-se. Elliot deu-se conta instantaneamente que a primeira linha de defesa contra a validade desta cerimónia, a de que os votos seriam numa língua que Phaedra não compreendia, não seria válida. O padre estava a falar em latim e ela compreenderia todas as palavras.

A sua mente lançou-se num célere debate interno. Os consentimentos de ambos seriam solicitados muito em breve. Ele olhou por cima do ombro para a turba que ouvia as palavras do padre com profunda atenção e desejou ardentemente ter algumas noções a respeito da lei canónica.

O padre exibia um entusiasmo crescente para com o papel que desempenhava na celebração. Elevou a voz e esta ressoou sobre as cabeças presentes na praça. Phaedra não parou de olhar em volta como uma donzela à espera do cavalo branco que transportaria o seu salvador.

O padre proferiu os votos e virou-se de forma expectante para o noivo. Elliot olhou para Phaedra, que lhe implorava com os olhos para desempenhar o papel de um patife.

Tarpetta tossiu levemente, chamando a atenção de Elliot. Era uma lembrança do perigo do dia anterior e dos mensageiros a caminho de Nápoles.

Elliot voltou-se para Phaedra. Ele não acreditava que esta cerimónia era legítima, mas podia ser. Nesse caso, eles ficariam vinculados um ao outro para sempre.

Podia-lhe ter calhado pior sorte. A ela também.

Elliot proferiu as palavras de consentimento.

Phaedra pareceu demorar uma eternidade a dizer as palavras. Elas ficaram presas na garganta, recusando-se a subir. Ela podia estar a selar o seu destino de uma forma que evitara conscientemente até aí. Ela podia estar a trocar uma prisão por outra.

Olhou demoradamente para Elliot, incapaz de esconder o seu desespero.

Ele aguardou pacientemente, com um olhar amável, mas uma expressão firme. Ela sabia a mensagem mental que ele lhe estava a enviar. A figura sinistra do signore Tarpetta rondava-os a cerca de dez passos, uma recordação física de que embora isto tudo lhe parecesse um sonho estranho, pleno de absurdo e farsa, ela ainda não estava fora de perigo nesta terra.

O pânico que tentara reprimir atingiu o ponto de ebulição. E se… Ele podia… Podiam passar anos até…

Ela confinou os seus pensamentos e impôs-lhes toda a força da racionalidade. É claro que isto não era um casamento legítimo. É claro que Elliot iria ajudá-la a rectificar esta situação da forma mais correcta se surgisse alguma questão. Ele gostava tanto deste desfecho como ela. Uma noite de prazer não fazia um homem mudar de opinião nem transformava o seu cérebro em papas de aveia.

A hesitação dela tornou-se constrangedora. Um murmúrio geral começou a levantar-se na multidão. As sobrancelhas do padre ergueram-se, como duas meias-luas apontadas à sua cabeça calva.

Carmelita lançou-lhe um olhar curioso, como se estivesse a reavaliar o seu valor.

Phaedra respirou fundo e proferiu os votos.

Ergueram-se vivas e rebentou um pandemónio geral. O festival de San Giovanni começara da melhor forma.

O padre retrocedeu uns passos e pediu à multidão para fazer os preparativos para a saída da procissão. Chamou com o dedo os recém-casados e deu meia-volta para entrar na igreja.

– Ele quer que assinemos os papéis agora – explicou Elliot.

Phaedra tentou manter a calma adquirida a muito custo.

– Pelo menos, vamos sair de baixo deste sol. Nunca tive tanto calor na minha vida.

Elliot aproximou-se um pouco mais dela.

– Agora que reparo nisso, estais um pouco descorada. Receio que o sol vos tenha indisposto. Espero que não me desmaieis nos braços.

No meio do tom preocupado, as suas palavras adquiriram uma inflexão intencional. Ela olhou para ele, para o padre que os aguardava à porta da igreja, e para o remanescente da multidão que ainda os circundava.

Phaedra encostou a mão a uma bochecha e depois à testa.

– Sinto-me muito tonta e não tenho sais comigo. Toda esta excitação e o calor… – anunciou e cambaleou um pouco.

O braço de Elliot apoiou-a imediatamente.

– Deixai que vos ajude a ir lá para dentro, minha querida.

Carmelita deu um passo em frente para os acompanhar e para servir de testemunha na assinatura dos documentos. O signore Tarpetta fez o mesmo.

– Não – disse-lhe Elliot. – Não revelastes ser um amigo de minha mulher – acusou-o e olhou para Carmelita. – Escolhei outra pessoa. Qualquer outra pessoa.

O mal-estar começara por ser um teatro, mas Phaedra sentia-se verdadeiramente indisposta agora. Elliot conduziu-a para a escuridão fresca da igreja. Carmelita e um pescador seguiram-nos. A porta da igreja fechou-se sobre o barulho que vinha da praça.

Através da luz difusa, Phaedra descortinou o padre curvado sobre o púlpito, a escrevinhar energicamente num pergaminho. Um volume grosso estava igualmente a postos.

Ela não sabia nada a respeito de casamentos católicos, mas sabia o suficiente a respeito da lei inglesa. Dizer palavras era uma coisa. Assinar documentos era outra muito diferente. Se ela escrevesse o seu nome de livre vontade, esse acto condená-la-ia.

Ela pressionou a palma da mão contra o peito de Elliot, deten­do-o. O fingimento deixara de ser necessário. O ar fresco da igreja favoreceu o aparecimento de gotas de suor em todo o corpo. O sangue fugiu-lhe da cabeça e das extremidades.

O rosto de Elliot abeirou-se para depois retroceder rapidamente no meio da escuridão.

– Ela está a fingir? – sussurrou Carmelita.

– Não me parece – respondeu Elliot.

Ele olhou para o corpo que segurava nos braços. Pegara nela ao colo quando ela caíra, impressionado pela sua capacidade de fingir um desmaio digno dos melhores palcos. Agora, o peso morto que suportava e a cor acinzentada de Phaedra indicavam que não se tratara de golpe de teatro.

O padre correu até eles, torcendo as mãos. Elliot dirigiu-se a ele em latim.

– Vou levar a minha mulher para a villa para recuperar. Regressaremos esta tarde para assinar a licença e os registos.

Estes dois últimos dias não tinham sido fáceis para o padre. Ele acenou-lhes um gesto de despedida, parecendo aliviado. Elliot começou a caminhar ao longo da nave da igreja na direcção oposta ao portão frontal.

– Mostrai-me outra saída – pediu a Carmelita.

Ela caminhou apressadamente à sua frente, apontando-lhe uma pequena porta na nave lateral. Ele fez uma pequena pausa para agradecer a Carmelita por toda a sua ajuda e, de seguida, caminhou a passos largos por uma ruela deserta em direcção ao mar.

Phaedra remexeu-se nos seus braços. Os olhos abriram-se. Ele deu mais alguns passos antes de ela recuperar o domínio sobre si mesma. Acto contínuo, fez uma avaliação crítica da situação.

– Porque me estais a levar ao colo?

– Porque desmaiastes.

– Pousai-me no chão. Eu nunca desmaio.

Ele deteve-se e colocou-a de pé.

– Desta vez desmaiastes. Caistes redonda no chão.

Ela testou a sua estabilidade.

– Bem, eu nunca tinha desmaiado antes.

– Isso foi porque nunca havíeis sido obrigada a casar-vos comigo antes. A ideia horrorizou-vos tanto que não conseguistes conter o choque.

– Fostes vós que me dissestes para desmaiar. Pouco faltou para me ordenardes isso.

– Se obedecerdes a todas as minhas ordens com a mesma precisão cuidadosa, uma vida conjugal convosco pode vir a revelar-se tolerável – replicou. Ela parecia ter recuperado. Ele ofereceu-lhe o braço.

– Apoiai-vos em mim. O caminho é íngreme.

Ela enfiou o braço no dele e saltitou para conseguir acompanhar as suas passadas.

– Nós não estamos a voltar para a villa.

– Estou a contar que Greenwood tenha o barco pronto antes de a procissão se encaminhar para cá. Com alguma sorte, vamos conseguir zarpar antes que alguém se aperceba.

Ela começou a andar mais depressa com a perspectiva da fuga em mente. Quando desembocaram perto das docas, avistaram Matthias à espera ao lado de um barco de pesca tripulado por quatro homens.

Ele chamou-os e deu ordens à tripulação para se preparar para zarpar.

– Saltai lá para dentro. Não há tempo para cerimónias nem despedidas longas. A vossa bagagem já está a bordo.

Elliot ajudou Phaedra a entrar no barco e fez, ainda assim, uma pausa para se despedir.

– Um dia destes, tendes de regressar a Inglaterra para uma visita. Já faz muito tempo desde a última vez que pisastes solo inglês.

Matthias virou o rosto na direcção do sol abrasador.

– Já estou demasiado aclimatado a esta terra, Rothwell. A humidade de Inglaterra não me seduz. Mas talvez… Quem sabe.

– Escrever-vos-ei a contar-vos como é que me saí em Pompeia.

– A minha carta está no meio dos vossos papéis. Enfiei-a lá para dentro – acrescentou Matthias. Enquanto Elliot subia a bordo do barco, dirigiu-se a Phaedra. – Whitmarsh envia-vos felicitações pelo vosso casamento.

– Eu não estou casada.

– Bem…

O encolher de ombros de Matthias realçava a ambiguidade dessa afirmação. Ele fez uma mesura para se afastar.

– Mr. Greenwood – disse ela. – Posso não ter a oportunidade de me cruzar convosco novamente. Aceitai os meus agradecimentos pela vossa hospitalidade e ajuda.

– O prazer foi meu em ter a filha de Artemis Blair como minha hóspede. Tendes de me escrever e dizer-me se alguma vez solucionardes aquele pequeno mistério de que falámos.

O barco flutuou para longe das docas. Phaedra e Elliot ficaram a olhar enquanto a figura de Matthias se tornava mais pequena contra o impressionante pano de fundo da profusão de telhados e ruelas íngremes de Positano.

Uma vez em segurança, livre de um perigo que ela nem sequer se atrevera a considerar, o coração de Phaedra foi inundado por um alívio visceral.

O braço de Elliot deslizou à volta da sua cintura. Deu um passo atrás e abraçou-a pelas costas. Ela sucumbiu à segurança e protecção oferecidas pelo manto íntimo e humano que ele formava. Deixou-se tombar contra ele e ignorou o modo como a força dele a tentava a renunciar à sua.