CAPÍTULO 13

Phaedra adormeceu nos braços de Elliot. Ele deitou-a num banco de madeira longe da amurada do barco e deu instruções à tripulação para prender um toldo de lona improvisado sobre ambos para proteger a sua beleza pálida do sol alto e quente.

Duas horas passaram e Phaedra absorveu por completo os seus pensamentos. Os votos que eles haviam proferido em Positano podiam ter sido as derradeiras linhas de uma ópera cómica, mas complicavam as intenções dele. Ele duvidava que ela aceitaria a responsabilidade que ele agora sentia para com ela. Independentemente do que a lei inglesa poderia decidir, ela nunca estaria de acordo quanto ao facto de ele possuir o direito de a proteger. Ela iria negar a qualquer homem a autoridade que o exercício de tais obrigações exigiam.

Os olhos de Phaedra abriram-se, como se os pensamentos dele a tivessem convocado para esta batalha. Ainda aninhada contra ele, ela perscrutou o mar até distinguir a linha difusa das colinas do litoral no horizonte a este.

Ela olhou de relance para o sol e calculou a sua posição.

– Estamos a uma distância considerável da costa. Não deveríamos estar a chegar a Amalfi por esta altura?

– Disse-lhes para nos levarem um pouco mais abaixo na costa para Paestum, tendo em conta que manifestastes interesse em ver os templos locais.

Ela baixou os olhos enquanto considerava esta mudança de planos.

– Podíeis ter-me acordado e perguntado se uma visita a Paestum me convinha.

Ele não lhe tinha perguntado porque não lhe queria colocar essa escolha à consideração. Quando chegassem a Pompeia, a atenção dela seria novamente absorvida por fosse qual fosse a missão que levava secretamente a cabo. Ele próprio seria obrigado a retomar a sua incumbência quando regressassem a Nápoles, depois disso. Em breve, entrariam novamente em conflito. Ele só queria evitar essa discussão por um ou mais dias.

– A vossa indisposição na igreja foi genuína. Precisais de descansar.

Ela assentiu ligeiramente com a cabeça e o cabelo dela roçagou contra o seu ombro. Ele ficou contente por ela não fazer qualquer tentativa de se soltar do seu abraço. A Phaedra adormecida era uma visão encantadora. Ele passara as últimas horas a estudar os pormenores e nuances do seu rosto, a inspirar o seu perfume feminino e a cingir o seu corpo macio. Mas a Phaedra alerta e consciente interessava-o muito mais.

– É claro que nós não estamos verdadeiramente casados – disse ela, como se estivessem estado a falar disso durante horas. De uma forma silenciosa, talvez tivessem estado.

– Na verdade, no Reino das Duas Sicílias, creio que estamos.

– Não foram assinados quaisquer documentos.

– Esta é uma terra católica. Eles vêem o casamento como um sacramento, não um contrato.

– Nós não somos católicos.

– Isso pode fazer toda a diferença. Porém, não sei ao certo. Creio que se for legal aqui, é provável que seja legal em Inglaterra – replicou Elliot e preparou-se para a sua negação explosiva.

Em vez disso, ela expressou uma consternação de formas tão subtis que lhe teriam passado despercebidas se o rosto dela não estivesse a centímetros do dele e o seu corpo não estivesse a ser embalado pelos seus braços.

– O que este reino crê ser legal não tem qualquer importância – afirmou ela. – Iremos regressar em breve a Inglaterra onde reinam leis superiores. O que é importante é que ambos saibamos que não estamos realmente casados.

O barco mudou de direcção. A sua proa estava apontada para sudeste, na direcção da costa. Ele franziu os olhos para ver melhor o porto distante e minúsculo que era o destino de ambos.

– Dizei-o – exigiu ela.

– Digo o quê?

– Dizei que é claro que ambos sabemos que não estamos realmente casados.

Ele podia dizer isso para a tranquilizar, mas não se sentia inclinado a mentir. E as ambiguidades tão-pouco o desconcertavam como seria de esperar. Ele podia protegê-la melhor e envolver a imunidade especial do manto aristocrático da sua família em torno dela. Ele podia igualmente mantê-la debaixo de olho, dia e noite. E se descobrissem quando regressassem a Inglaterra que os votos proferidos em Positano os vinculavam… Essa situação também teria uma certa utilidade.

Se estivessem verdadeiramente casados, a decisão de publicar aquelas memórias já não lhe pertenceria. Ele nunca previra uma solução tão drástica para proteger o nome da família, mas o destino podia ter fornecido uma solução inesperada para o problema que o tinha trazido até ela.

Ela abominaria essa solução, obviamente. Esse fora o motivo por que dissera à tripulação do barco para rumar na direcção de Paestum. Ele queria submeter-se aos caprichos da sua fascinação tanto tempo quanto lhe fosse possível antes de descobrir se Phaedra Blair iria passar o resto da vida a tornar a sua existência nesta terra um inferno.

– Estais a exigir que eu diga que ambos sabemos quando eu não posso dizer que sei seja o que for. Nem vós. Na realidade, o que me estais a pedir para dizer é que irei fingir que ambos sabemos que não estamos casados.

– Essa seria uma forma sensata de ver as coisas.

– Eu não concordo. Acho que isso seria um desperdício criminoso de uma grande oportunidade.

Irritada com a sua recusa e quiçá com o tom trocista que invadiu a sua voz, ela libertou-se do abraço e ergueu-se. Virou-se de frente para ele com as mãos nas ancas, encarnando a imagem de uma mulher prestes a admoestar até o persuadir da superioridade do seu ponto de vista.

A sombra esbatida projectada pela vela de lona dava à sua pele um reflexo etéreo. A brisa fazia esvoaçar anéis do seu cabelo até dançarem em torno do seu corpo como uma auréola viva. O tecido fino da saia do vestido foi repuxado pelo vento, revelando as formas das suas pernas e ancas, fazendo-o recordar o seu corpo nu e a forma como este dia começara.

– Permiti que vos explique todas as razões por que devemos ignorar aquele casamento até regressarmos a Inglaterra – declarou e começou a esmiuçar a lógica desse argumento, assinalando as suas razões com os dedos.

Ele ouviu a voz dela como um canto distante. Ele estava de novo na torre, de joelhos, a fitar o seu corpo nu. No momento se­guinte, estava a possuí-la como na noite passada, só que desta vez era um acto de verdadeira posse decretado a um marido pela lei.

Ela andou de um lado para o outro à frente dele ao longo do limite da sombra. A sua argumentação prosseguiu ininterruptamente, transformando-se em palavras insignificantes quase inaudíveis do outro lado da porta da divisão onde ele a tomara.

Ela deteve-se e as suas mãos regressaram às ancas.

– Nem sequer estais a fazer o esforço de me escutar.

– Estou, pois. A vossa lógica faria inveja a um professor de Oxford. Nem tão-pouco estou em desacordo com uma palavra que seja. Simplesmente pouco me importa quer um desfecho, quer outro, neste preciso momento.

Ela soltou um suspiro profundo provocado pelo homem estúpido sentado no banco.

– Não achais que merece a pena considerar o facto de poderdes estar unido para a vida a uma mulher que não quereis?

– Já tive oportunidade de considerar o facto a que vos referis exaustivamente. Quanto ao ponto de não querer a mulher em questão, é aí que as coisas se complicam.

Ele puxou-a para o colo e beijou-a, forçando o regresso da intimidade da noite passada. Ele ordenou ao desejo dela que se juntasse ao seu, para que ela compreendesse a única parte deste desenvolvimento inesperado com que ele se importava nesse momento.

A mulher do estalajadeiro abriu a porta do quarto de dormir de Phaedra com gestos floreados dignos da cortesã de uma rainha. Um pouco à frente no corredor, por sua vez, o estalajadeiro mostrava a Elliot o outro quarto. Os seus anfitriões haviam decidido que a chegada deste uomo magnifico em particular obrigava a alguma subserviência.

Phaedra olhou de relance para o final do corredor ao mesmo tempo que Elliot olhava para o início. Ela suspeitou que ele estava a calcular os passos de distância entre ambas as portas. A sua excitação tranquila estremeceu de forma intensa mais uma vez durante alguns breves e desconfortáveis momentos. Ela entrou no seu quarto e fechou a porta, procurando um santuário para fugir ao modo como ele a afectava.

A última meia hora naquele barco baralhara os seus pensamentos a respeito da situação peculiar em que ela se encontrava. Os beijos dele tinham confundido a sua mente, corpo e coração. Minuto após minuto de puro deleite, ele havia desatado lentamente a corda das amarras que a seguravam de forma firme a um local familiar. Ela sentiu-se a ser puxada para águas desconhecidas.

Ela tinha quase a certeza que aqueles votos não resistiriam ao peso de um escrutínio, mas, independentemente disso, prometiam causar problemas terríveis. A atitude mais sensata seria a de presumir que não existia qualquer casamento. Infelizmente, Elliot parecia pensar que seria útil partir do princípio oposto.

Ela não acreditava que era apenas a perspectiva de uma ligação amorosa continuada que o atraía. Na qualidade de seu marido, ele podia invocar direitos em outras matérias, como o direito de conhecer pormenorizadamente os seus pensamentos e planos, o de a proteger e possuir e o de interferir se porventura discordasse das suas intenções. Ninguém nesta terra lhe faria a vontade se o seu «marido» não quisesse que esta fosse feita.

A mulher abriu a sua maleta. Esticou e sacudiu os seus vestidos e, de seguida, pendurou-os em ganchos no armário. Os seus olhos negros avaliaram o conjunto de tecido leve e crepe negro.

Mi dispiace – comentou.

Ela pensou que eram roupas de luto. Phaedra não sabia as palavras que podiam rectificar o mal-entendido. Por outro lado, as suas explicações em Positano não tinham surtido bons resultados.

A mulher retirou-se para ir buscar água. Quando regressou, deitou alguma água num alguidar e ofereceu-se para ajudar Phaedra a despir-se.

– O vosso marido… bello, elegante – disse, enquanto desprendia os colchetes nas costas.

Ele não é o meu marido. A negação continuava a ser uma objecção silenciosa. Não importava o que esta estalajadeira pensava. Elliot tinha razão numa coisa. Esta viagem seria mais fácil se as pessoas achassem que eles eram casados. Ela já tinha visto a diferença que o pressuposto fizera. Em vez do desdém subtil que ela normalmente suportava no seu dia-a-dia, quer no barco quer na estalagem, ela tinha sido tratada com respeito e deferência.

A noite começou a cair quando ela acabou de se instalar. No momento em que a mulher se estava a retirar, Elliot surgiu à sua porta. O seu domínio desta língua italiana do Sul melhorara durante a última semana e deu algumas instruções à mulher do estalajadeiro.

– O que lhe dissestes?

– Disse-lhe que iremos jantar ao ar livre. Eles têm um jardim encantador. Também lhe disse para nos preparar banhos a seguir. É melhor descermos agora. Tirando aquele pedaço de pão e queijo no barco, não comemos mais nada o dia todo.

– Já vos irei fazer companhia. Gostaria de ficar alguns minutos sozinha antes.

A porta fechou-se. Ela inspirou o silêncio que se abateu no quarto após a partida dele. Ela aguardou até a sua presença se atenuar, para o ar regressar ao normal e para o seu isolamento ser completo. Demorou mais tempo do que ela esperava.

Ela culpou a noite passada por isso. A intimidade fora demasiado intensa. Não restavam quaisquer dúvidas que ele tinha tomado demasiado, e muito mais do que o seu mero prazer. Ela deixara bem claro o que permitia e o que não permitia, mas ele tirara deliberadamente partido da sua vantagem. Ela não teve qualquer pudor em admitir que se sentira impotente para o impedir pois, para começar, ele era o primeiro homem a possuir uma vantagem a partir da qual podia tirar partido.

Phaedra olhou em volta no quarto. Ela calculou que era o melhor da estalagem. Este exibia mobiliário em madeira que parecia uma versão campestre das peças elaboradamente trabalhadas tão comuns em Nápoles. Uma coberta com motivos azul-claros envolvia a cama num luxo simples e um tapete profusamente ornamentado disseminava flores ao longo do piso de tábuas de madeira.

A ideia de jantar ao ar livre agradava-lhe. O banho também seria muito bem-vindo. Ele antecipara as suas necessidades e ela podia fechar os olhos às presunções por detrás dos seus planos se o desejasse. Ele estava a atender às suas necessidades, à semelhança do que os homens faziam com as suas esposas, e qualquer outra mulher teria ficado encantada. Levantar objecções a isso iria parecer deselegante e quiçá ingrato.

O problema é que ela sabia como é que isto iria acabar se ela permitisse que esse tipo de presunções continuasse sem qualquer refreamento. O perigo residia tanto nele como nela. O mundo conspirava para convencer as mulheres a viver as vidas normais decretadas pela sociedade. Phaedra já se deparara com muitas alturas em que a opção de o fazer de modo diferente parecera tão difícil e tão solitária que questionara as suas crenças. Nadar contra a corrente das expectativas do mundo podia ser extenuante. Se um barco passasse corrente abaixo, a perspectiva de subir a bordo era deveras tentadora.

Se o homem que se oferecesse para a tirar da água e protegê-la fosse bonito, rico, inteligente e apaixonado, era muito fácil chegar à conclusão de que tinha estado sempre a nadar na direcção errada. Provavelmente passaria muito tempo antes de se dar conta de que perdera a capacidade de nadar.

Ela sentou-se no toucador e escovou o cabelo. Atou-o num rolo grosso à volta da nuca por consideração a Elliot, para que ele não se sentisse embaraçado pela sua excentricidade se outros hóspedes também estivessem a jantar no jardim. Ela abriu a maleta, retirou o seu chapéu e prendeu-o.

Phaedra observou o seu reflexo no espelho. Esta pequena ce­dência no seu aspecto fora fácil de fazer. Não lhe custara nada e ela fizera-a completamente consciente da razão pela qual fizera essa escolha. Pequenos gestos desta natureza não redefiniam o plano geral do seu carácter. As mudanças que poderiam ter esse efeito pernicioso não seriam tão óbvias, nem tão claramente seleccionadas.

Ela pensou no homem que a aguardava no jardim. Tão bonito, tão atraente. Era muito tentador brincar aos casamentos com ele durante alguns dias. Uma parte cansada da sua alma ansiava por deixar alguém cuidar de si durante algum tempo. Talvez ela pudesse colocar de parte a luta durante uma semana ou duas para voltar a empunhar as armas apenas quando regressasse a Inglaterra.

A memória de sua mãe imiscuiu-se. Uma sobrancelha céptica erguia-se na visão mental do rosto encantador de Artemis Blair. Artemis nunca havia exigido que a sua filha seguisse os seus passos. Limitara-se a explicar-lhe o que perdia e o que ganhava se reivindicasse essa liberdade. Ela avisara-a igualmente de que não podiam existir meios-termos ou quaisquer suspensões temporárias em favor da aceitabilidade e da respeitabilidade. O mundo não permitia à mulher encontrar uma solução de compromisso. As leis eram escritas de forma a tornar a decisão de ser uma mulher normal e aceitável numa decisão irrevogável.

Phaedra deu por terminados os seus esforços. Ela iria permitir que os desconhecidos nesta terra presumissem que ela e Elliot eram casados, mas não podia consentir que ele pensasse o mesmo. Não podia consentir sequer que ele pensasse que talvez estivessem casados ou que se encontravam temporariamente nessa condição. Se jogassem a esse jogo, ela só podia sair a perder.

Phaedra tornava-se ainda mais encantadora à medida que o sol se punha. A luz do crepúsculo dava à sua paleta de cores vivas matizes frios, suavizando-a. Elliot consentiu a si próprio uma certa dose de sentimentalidade poética enquanto terminavam a refeição. As flores no jardim formavam um círculo complexo de jóias interpostas à volta do terraço que ocupavam.

Tinham passado a longa ceia a falar da visita de ambos aos templos de Paestum no dia seguinte, mas Phaedra ficara mais silenciosa à medida que a noite caía. Ele pressentia que os seus pensamentos se concentravam nas horas que se seguiam e naqueles quartos lá em cima. Os olhos dela reflectiam a consciência da expectativa que se retesava entre ambos. Ela tentou escondê-la pela primeira vez desde que ele a conhecera, sem sucesso.

Um por um, os outros hóspedes abandonaram o terraço. O es­talajadeiro trouxe-lhes café, serviu-o com uma deferência meticulosa e, de seguida, retirou-se para o interior da casa.

– O sol desapareceu, Phaedra. Os outros hóspedes já se foram embora. Já podeis tirar esse chapéu.

Ele não sabia se o chapéu fora um símbolo de uma concessão ou meramente uma precaução contra a reincidência de uma indisposição provocada pelo sol. Todavia, a sua aba projectava agora uma sombra profunda, obscurecendo os seus olhos ousados. Ele não queria que nada escondesse o desejo dela por ele.

– Falais como se me estivésseis a dar a vossa permissão, Elliot. Ou a dar uma ordem – replicou. Dito isto, ela desprendeu o chapéu e pousou-o numa mesa ao lado. – Independentemente da vossa opinião a respeito da nossa situação, não me deveis tratar como uma esposa. Eu não irei aceitar isso de bom grado.

Como é que ela podia saber isso? Nunca fora a esposa de ninguém. Ela nem sequer crescera numa casa ao lado de uma.

Ele esperou que o seu sorriso vago pudesse ser interpretado como uma concordância para poder voltar a desfrutar da sua companhia à luz fugidia. Ela fitou-o, expectante, à espera de uma corroboração mais oficial. Ela parecia determinada a clarificar este assunto agora. Ele adivinhou que não abandonariam este terraço até ela se dar por satisfeita.

– Como é que vos devo tratar, Phaedra? Como uma amante? Como um caso amoroso de ocasião?

– Como uma amiga.

– Fomos amigos ontem à noite. Espero vir a tratar-vos dessa forma tão frequentemente como mo permitais.

Ele ficou com a impressão de ter visto um rubor nas suas faces, apesar da luz ténue.

– Não exactamente como na noite passada. A minha preocupação prende-se igualmente em parte com isso.

– Não me parecestes preocupada na altura. Todavia, estou aberto a uma mudança. Dizei-me, como é que os vossos amigos vos tratam?

– Com menos… Isto não tem de ser, como afirmastes ontem à noite, uma rendição ou uma vitória para qualquer um de nós. Não tem de se resumir a uma questão de submissão e posse. E um homem não tem… Não temos de nos intrometer assim tanto no espírito um do outro – declarou ela, parecendo alheada das implicações das suas últimas palavras.

Ele reagiu instintivamente a estas referências aos seus amantes passados. Mal, apesar de ela ter admitido que não existira qualquer intrusão espiritual com eles.

O ciúme estalou dentro dele. Não era uma emoção que exigira muito de si no passado. Aturdido e repugnado pelo seu poder perigoso, ele tentou empurrá-lo de volta para a masmorra da sua alma. Não tinha quaisquer dúvidas de que, entre todas as coisas que Phaedra decidira que os homens não tinham o direito de sentir por ela, esta estaria no primeiro lugar da lista.

Ele controlou este ímpeto violento, mas não o conseguiu refrear completamente. A sua irritação agudizou-se e deu lugar à ira.

– Estou a ver que já tivestes oportunidade de ponderar aquilo que isto tem e não tem de ser em pormenor, Phaedra. Dedicastes-lhe muito mais atenção do que eu e a vossa filosofia é demasiado sofisticada e astuciosa para mim.

– Eu conheço esse tom. Não vos atreveis a ser grosseiro e cínico comigo, senhor. Eu sabia que nunca poderia… É possível partilhar prazer e…

– E o quê? Enfrentar o amanhecer indiferente ao corpo que está ao lado? Se um homem pretender um mero alívio carnal, ele pode comprar uma prostituta. Eu podia dizer que sois uma mulher generosa para não exigir mais nada, se não se desse o caso de achar que falais sem conhecimento de causa. Não enfrentais o amanhecer de todo com os vossos amigos, pois não? Até aposto que os mandais embora muito antes disso para que não existam quaisquer pretensões sobre vós.

– Eu não fico indiferente. Mas também não lhes pertenço. Nem tão-pouco fico vinculada a eles pelos laços falsos que a paixão pode criar. E nunca fui dominada no próprio acto.

Ele não queria ouvir falar mais dela com outros homens.

– Os vossos amigos decidiram que seria melhor esconder os seus verdadeiros pensamentos e reacções de vós, ponto final.

Agora era a vez dela de ficar zangada. Bem, se eles estavam prestes a lançar-se numa discussão épica em torno dos princípios que ela julgava que ele violara a noite passada, mais valia deitar tudo cá para fora.

– Estais a falar de homens bons e honestos e não de imbecis ou patifes. Eles não eram como vós, ponto final.

As palavras dela cortaram o ar, tensas e frias. Um homem sensato bateria em retirada agora.

Para o diabo com os homens sensatos.

– Se eles fossem homens de todo, teriam muitas afinidades comigo. Um homem não pára de pensar como um homem porque está com uma mulher que não gosta da forma como os homens pensam. Os vossos amigos limitaram-se a fingir não pensar como homens para obter os vossos favores. Nós, os homens, fazemos constantemente coisas desse género.

– Acho que teria reparado se houvesse algum tipo de dissimulação.

– Talvez estivésseis demasiado concentrada em tomar o vosso próprio prazer e em evitar essas inconvenientes intrusões espirituais para reparardes nisso.

A expressão dela reflectiu o choque provocado por esta crítica do seu comportamento na noite anterior.

– Eu tinha esperança… Só agora vejo que a minha mãe tinha razão. A maior parte dos homens não são suficientemente iluminados para compreender o que descrevo e não podem ser modificados – anunciou. Pegou no chapéu e levantou-se. – Lamento que não possais ser um dos meus amigos, Elliot. Não reunis as condições necessárias para isso.

Phaedra marchou através do jardim até à porta da estalagem. A rainha fizera a sua escolha. Esta abelha em particular podia ir zumbir para outro lado.

Por norma, ele aceitaria a rejeição de uma mulher com humor e elegância. Por norma, esse facto teria pouca importância, à excepção de um breve desconforto físico.

A renúncia imperiosa desta mulher assumia uma tremenda importância, por razões que ele não se sentia minimamente disposto a analisar. Ela lançara-lhe novamente um desafio e ele não o podia ignorar. A situação entre ambos mudara consideravelmente desde a última vez em que ele lhe havia permitido virar-lhe as costas.

O homem era impossível. Como é que alguém tão obviamente inteligente podia ser tão estúpido? Como é que ele se atrevia a insinuar, não, não só insinuar, mas sugerir abertamente, não, nem sequer sugerir, mas acusá-la abertamente de não ser melhor do que uma prostituta na forma de proceder com os seus amigos?

Ela resmungou e amaldiçoou-o durante todo o caminho até ao quarto. Ele provavelmente não tinha nenhuma amiga mulher. Não tinha a menor dúvida de que Lord Elliot Rothwell só tinha tido amantes e as prostitutas que ele parecia conhecer tão bem.

Ela puxou o ferrolho da porta do seu quarto. Ele era um caso perdido. Agora estava presa a ele durante dias sem fim e ele estaria sempre por perto, a forçar ilegitimamente a sua presença daquela forma irritante que a perturbava mesmo sem uma intimidade física, a fazer o seu coração dar saltinhos estúpidos só por entrar na mesma divisão que ela. Ele deixava-a sem fôlego, mas ela não se atrevia a ceder novamente à tentação.

Quando abriu a porta, um calor húmido deu-lhe as boas-vindas. Uma criada fez uma mesura e, numa série de movimentos rápidos, começou a levantar grandes selhas das brasas de um fogo baixo que ardia na lareira e a despejar a água quente numa banheira de metal a postos.

De repente, sentiu todas as dores acumuladas dos últimos dois dias. O seu corpo parecia tresandar aos cheiros da noite passada. O odor deteve-se perto do nariz, opressivo e doce, lembrando-lhe o prazer e o poder que acabara de rejeitar. Ia ser bom lavar do corpo os últimos dias da sua vida.

A criada acabou de encher a banheira. Ela mandou a rapariga embora e tratou de si própria como fazia há anos. Despiu o vestido e a combinação e anunciou com cada movimento que ela não era nenhuma posse com regalias especiais que um homem protegia pelas suas próprias razões egoístas. Ela era Phaedra Blair, livre e auto-suficiente, uma mulher que não se sujeitava a quaisquer regras, excepto aquelas que fazia para si própria.

Ela proferiu um gemido audível quando mergulhou na banheira. O calor da água arrefeceu-lhe a pele. O corpo ficou frouxo, num relaxamento perfeito. Vagas minúsculas amainaram a raiva tensa que ela trouxera consigo do jardim.

Deixou-se flutuar durante muito tempo e, de seguida, sentou-se, soltou o cabelo e lavou-o. Utilizou um sabonete perfumado no corpo e brincou com a espuma. Descontraída, limpa e confiante, a sentir-se mais ela própria do que se sentia há dias, ela ergueu-se na banheira e deixou a brisa nocturna secar as gotas de água que lhe pingavam do corpo.

Phaedra rendeu-se à sensação e deixou-se levar pelo prazer de se sentir verdadeiramente fresca pela primeira vez em dias. Ela ponderou se havia de deitar mais água pelo corpo abaixo.

Um estalido no ferrolho da porta acabou com o seu isolamento. Uma outra presença intrometeu-se, física e espiritualmente. Deliberadamente. Ela ficou imóvel durante um momento, aturdida pela mudança que se operara no quarto e em si mesma, estarrecida com a excitação que estimulava o seu corpo e que tão depressa comprometia as escolhas cuidadosas da sua mente.

Phaedra tentou agarrar a toalha que estava em cima de um banco ao lado da banheira.

Uma mão masculina bronzeada alcançou-a primeiro.