CAPÍTULO 19

Phaedra deslizou para fora da tipóia de aluguer abraçada a um embrulho grosso nos braços. Acenou em despedida às mulheres com quem partilhara os assentos. Ela descobrira há muito tempo que, com um pouco de ousadia, era possível encontrar desconhecidas com as quais partilhar o aluguer de um veículo. A sua visita à City não levara muito tempo em resultado disso.

Ela protelara a ida à City para recuperar o manuscrito durante vá­rios dias. Primeiro, precisava de descansar após a viagem. De se­gui­da, precisava de se instalar novamente e visitar alguns velhos amigos.

Ela aguardava igualmente a visita de alguns velhos amigos e, em particular, a de Alexia. Ela esperava que a ausência de cartas e cartões de Alexia fosse sinónimo de uma visita ao campo e não um repúdio da amizade de ambas devido ao embrulho que ela agora transportava.

Ela não podia recriminar Alexia se este último motivo viesse a ser confirmado. Nem um pouco.

A honestidade era uma virtude que ela tentava praticar, especialmente consigo própria. E foi por isso que esta manhã tinha enfrentado a verdade enquanto se vestia. Ela tinha um dever que não queria, mas chegara a altura de assumir essa responsabilidade. As cartas que estavam à sua espera quando regressara tornavam isso bem claro. A que chegara no dia anterior tinha feito soar o alarme.

Havia pessoas para além de Elliot que queriam ver as memórias destruídas e estavam dispostas a pagar generosamente por isso. A carta anónima de ontem tinha ido muito além de ofertas de subornos. Continha uma ameaça velada, mas suficientemente clara para lhe arrepiar os pêlos da nuca.

Se ela não tivesse feito aquela promessa ao seu pai, provavelmente ter-lhes-ia dado tudo o que quisessem. Queimaria estas páginas e deixaria a editora falir. Quase não se importava com a perspectiva de vir a ficar sem um tostão se o fizesse.

Ela virou a esquina que dava para a sua rua e começou a aproximar-se da porta de casa. Antes de chegar, parou e deu algumas moedas à pedinte Bess.

– Esses gatos sabem que estais cá – disse Bess, apontando com o queixo para o edifício atrás de si.

Phaedra não ouvia o miar tão bem como Bess. No entanto, conseguia ver os gatos, um preto e o outro branco, do outro lado do vidro fosco das janelas da casa ao lado da sua. Uma velha mulher afagava um dos animais ao mesmo tempo que uma menina fazia o mesmo ao outro. As vizinhas haviam acolhido os gatos quando ela partira para Itália. O apego da pequena Sally aos dois animais transformava o que devia ter sido uma solução temporária em algo mais permanente.

– Apareceu aqui uma carruagem há pouco – disse Bess. – Bem grande, pelo som que fazia. Não parou, mas passou mesmo muito devagar. Ninguém foi à vossa porta antes do que está lá agora.

Bess escolhera este lugar para o seu mister há cinco anos. Apesar da sua cegueira, a velha mulher dera-se conta de que as visitas de Phaedra tinham mais dinheiro do que a maior parte das pessoas que vinham àquela rua e que uma proximidade da porta de Miss Blair podia ser rentável.

Uma dessas visitas aguardava agora por ela, com as costas apoiadas na sua porta. Uma grande pasta de documentos estava encostada às suas pernas e tinha um pequeno livro aberto nas mãos onde desenhava.

Harry Lawrence, um jovem artista com o qual encetara uma relação de amizade no passado Inverno, aguardava o seu regresso. Ela esquecera-se por completo da sua carta que chegara ontem a dizer que lhe ia fazer uma visita. Aquela outra carta suprimira essa memória.

– As minhas desculpas – disse ela, após se terem saudado. – A minha visita à City demorou mais do que contava.

– Não tem qualquer importância. Desenhei a pedinte, assim como a prostituta à janela do outro lado da rua. Um artista nunca se aborrece.

Ela conduziu-o até à sua sala de estar. Pousou o manuscrito numa mesa ao lado do divã onde este ficou à espera que ela terminasse de desempenhar o papel de anfitriã. Phaedra e Harry passaram a hora seguinte a olhar para os desenhos. Ela preferia de longe os esboços expressivos do seu caderno de rascunhos aos estudos meticulosos que fizera em preparação para uma pintura extensa que pretendia submeter à Academia Real.

Outra visita interrompeu a sua explicação para essa preferência. Quando Phaedra abriu a porta, encontrou Elliot à sua espera.

O coração dela deu um salto e a alegria paralisou-a. A sua única reacção foi fitá-lo intensamente, de novo aturdida pela forma como ele perturbava os seus sentidos. Durante um longo momento, limitaram-se a olhar um para o outro.

Ele estendeu-lhe o seu cartão.

– Espero que Miss Blair esteja em casa hoje.

Ela aceitou o cartão e examinou-o com uma expressão crítica.

– Bem, talvez esteja, somente para vós.

Ela abriu completamente a porta e deu-lhe um beijo na cara quando ele passou diante da soleira da porta. Ele fechou a porta e abraçou-a enquanto lhe dava um beijo menos decoroso.

– Não me escrevestes – disse ele. – Eu não podia esperar mais.

Ela não lhe escrevera porque não sabia o que escrever. Só sabia que não queria que a ligação entre ambos tivesse uma morte triste e temia que fosse esse o seu destino se fosse continuada em Londres.

A sua alegria neste momento, envolta no beijo e no calor dele, na sua mera existência tão próxima da dele, prenunciava a tristeza que poderia vir a sentir. Isso não iria estragar esta felicidade, porém. Só tinham passado quatro dias, mas as saudades que sentia dele já eram insuportáveis. Só agora se dera conta da intensidade desse sentimento.

Ela conduziu-o à sala de estar, regalando os olhos com o rosto dele. Ele deteve-se à soleira da porta. O sorriso dele retesou-se numa linha menos amigável.

Ela seguiu o seu olhar furioso e dissimulado até ao lugar onde Harry ainda estudava atentamente o seu caderno de rascunho.

– Parece que Miss Blair não está em casa somente para mim – murmurou ele. – É um dos vossos amigos, Phaedra?

Ela estava tão feliz que, na verdade, achou o ciúme lisonjeador, pese embora o facto de servir de prenúncio a tudo aquilo que estaria errado entre ambos aqui em Londres. Ela apresentou os dois ho­mens. Harry, exibindo toda a doçura e inocência que por vezes lhe eram características, mostrou-se tão efusivo por conhecer um membro da aristocracia aqui na casa humilde de Phaedra, que pouco faltou para desatar a dançar de alegria.

Elliot foi a imagem perfeita da afabilidade. Sentou-se ao seu lado e fingiu interessar-se pelos desenhos. Phaedra pressentiu a sua impaciência com uma visita que não estava a correr da forma que antecipara.

– Creio que irei dar-vos a oportunidade de brindar ao meu re­gresso sã e salva – anunciou ela. – Voltarei daqui a nada com as bebidas espirituosas necessárias.

Ela saiu da sala enquanto Harry explicava as suas intenções artísticas com respeito a uma imagem imponente de um general no dorso de um cavalo. Dirigiu-se à cozinha, serviu duas doses generosas de brandy e regressou à sala de estar.

Harry desaparecera, assim como todos os seus esboços e desenhos. Elliot estava de pé junto da parede a analisar a sua água-forte de Piranesi que retratava uma prisão macabra. Ele aproximou-se para lhe tirar os copos das mãos. De seguida, colocou um dos copos na mesa ao lado do seu divã e beberricou do outro.

– Mr. Lawrence teve de nos deixar – disse ele.

– De forma abrupta, aparentemente.

– É provável que já tenha visto um homem a mexer-se mais depressa do que ele, mas não me consigo recordar quando.

– O que lhe dissestes para o fazer sair com tanta pressa, Elliot?

– Admirei o seu talento prodigioso e aludi à possibilidade de adquirir o seu novo quadro para a colecção de arte de Easterbrook. Oh, sim, e também lhe disse para desaparecer ou morrer.

Ela reprimiu um risinho ao imaginar a reacção de Harry.

– Isso foi muito pouco correcto da vossa parte.

– Não estou nada arrependido.

Ele olhou em volta na sala de estar. O seu olhar deteve-se nos estofos gastos do divã. Os xailes venezianos que os cobriam não conseguiam esconder completamente o seu tecido puído.

– Esta era a casa da vossa mãe?

– Ela arrendava aposentos em Piccadilly. Eu comprei esta casa quando dei início à minha vida independente.

– Quando tínheis dezasseis anos. A má escolha de vizinhança pode ser explicada pela sua inexperiência, mas continuais a morar aqui.

– É a minha casa. Já conheço todas as pessoas que aqui vivem. Sinto-me feliz aqui.

– Há uma pedinte à vossa porta e uma mulher a mostrar os seios à janela do outro lado da rua.

– São ambas inofensivas e qualquer uma delas arriscaria a sua própria vida para me salvar de um incêndio.

– Não me tranquilizastes em nada com a menção a um incêndio, tendo em conta o estado em que se encontram os edifícios nesta rua. Quero que me deixeis procurar um sítio melhor para vós.

Ela sentou-se no divã. Elliot já não exibia a expressão amigável que mostrara à chegada. A severidade dos Rothwell apoderara-se dele. Ela sabia porquê, mas preferia que eles pudessem ter adiado esta conversa pelo menos durante cerca de uma hora.

– Viestes até cá para vos oferecer para me manter, Elliot?

Ele sentou-se ao seu lado.

– Vim porque não consegui ficar longe de vós.

– Então a oferta de uma casa melhor foi um impulso?

– Não reparei que esta rua era assim tão pobre quando vos deixei aqui no outro dia. Os meus pensamentos estavam unicamente concentrados na nossa despedida e no quanto eu não queria que isso acontecesse. Nem tão-pouco esperava encontrar-vos a receber outro homem tão pouco tempo depois… – interrompeu-se, cerrando os dentes. De seguida, bebeu mais um pouco de brandy.

– Elliot, os homens visitam mulheres em todas as casas de Londres. Nas melhores casas. Até mesmo nas casas de mulheres por conta de outros homens. Decerto que já o fizestes. Uma visita de um homem não significa que está em curso um caso amoroso.

– Estais a dizer que aquele artista não era o amante que aguardava o vosso regresso?

Ele tentou evitar que a pergunta parecesse a exigência de uma explicação. Tentou igualmente esconder o seu alívio perante a possibilidade dessa explicação. Ela considerou ambas as reacções assaz enternecedoras.

– Estou a dizer que ele não é, actualmente, meu amante e não espero que venha a ser no futuro próximo. Tendo em conta o facto de não serdes casado, nenhuma outra mulher alguma vez vos pôde dar uma garantia maior do que essa. Não consigo imaginar por que motivo precisaríeis de mais garantias da minha parte.

A expressão dele sugeria que não estava feliz com a ausência de uma negação definitiva.

– Em todo o caso, continuo a preferir ver-vos a morar noutro local.

– Eu não sou uma cortesã, Elliot.

– Não me estava a oferecer para vos manter. Só quero cuidar da vossa segurança.

– Primeiro é a minha segurança, depois, o meu conforto e, de seguida, o meu bem-estar. Chamai-lhe o que quiserdes para começar, mas vai terminar no mesmo sítio – replicou ela. Phaedra colocou a mão no rosto dele. A sensação da pele dele sob a palma da mão deixou-a ligeiramente tonta. – Não me façais lamentar o pouco apoio que aceitei da vossa parte em Itália. Já devíeis saber que eu não podia permitir que isso continuasse aqui. Se alugardes uma casa para mim, tornar-me-ei uma meretriz, independentemente da filosofia que professar.

– Pelo menos, dessa forma não vos irei encontrar sozinha com outros homens, Phaedra. Estive muito perto de esmurrar aquele vosso artista hoje – confessou ele, tomando a mão que o afagava para lhe depositar um beijo. – O regresso a Londres não fez com que vos quisesse menos. Aparentemente o meu desejo não foi provocado pelo sol do Sul, mas lamento profundamente perder os poucos direitos que as circunstâncias me deram lá.

Ela percebeu o que ele queria dizer. Os beijos dele reanimaram a excitação a um ritmo demasiado veloz, mas algo mais do que o prazer sobrevivera ao regresso de ambos. Ela mergulhara num estado nostálgico que durava há dias à medida que memórias e sentimentos invadiam a sua cabeça e coração.

– Não posso permitir que sejais o meu protector. Não serei a vossa amante. Não podemos viver juntos como fazíamos em Itália. Mas podemos ser amigos, Elliot. Podemos continuar as nossas vidas da mesma forma e ainda assim partilhar isso um com o outro.

Os lábios dele pressionaram de novo a palma da sua mão. Os olhos dele fecharam-se.

– Se fizermos isto, não pode existir outro homem. Não sou suficientemente iluminado para isso.

– Se eu alguma vez quiser outro homem, dir-vos-ei. Estou certa de que me dispensareis a mesma cortesia. Terminaremos essa parte da nossa amizade com dignidade se um ocaso sobrevir à luz do sol que o ilumina.

Ele beijou-a. Ela apercebeu-se da discussão interior que ele levava a cabo nesse preciso momento, como se estivesse a pesar o que perdia e o que receberia num acordo desta natureza. Os olhos dele fitavam-na muito sérios.

Um medo terrível fez tremer o seu coração. Ele podia recusar a sua proposta. Estava a ponderar fazê-lo nesse preciso momento. Ela conseguia sentir isso.

O coração de Phaedra foi trespassado por uma dor mais lancinante do que a provocada por um mero pesar. A mágoa começou a irromper do golpe profundo gerado pela dor. A mágoa, o pavor, o pânico e o medo.

Ela beijou-o furiosamente. Desesperadamente. Evocou o desejo dele com o seu próprio desejo para que ele se lembrasse por que razão a queria.

Ele reagiu com a mesma fúria, agarrando-a pelos braços e segurando-lhe a cabeça para receber um beijo castigador. Fê-la lembrar dos abraços febris no barco, repletos de exigências mudas. Ela sentiu ira à mistura com o prazer, mas ignorou-a. O seu coração experimentava agora um alívio imenso e uma alegria incrível.

– Onde é o quarto? – perguntou ele, com a voz rouca.

– Vinde comigo – respondeu ela. Pegou-lhe na mão e conduziu-o escadas acima até ao seu quarto.

Ele não reparou no mobiliário modesto que encontrou lá em cima. Ela não lhe deu tempo para isso. Phaedra desfez os laços do vestido e deixou-o cair no chão.

Ele esticou os braços para lhe tocar. Ela impediu-o, empurrando o peito dele com as mãos.

– Deitai-vos na cama – disse ela.

Ele mostrou-se surpreendido com a ordem, à semelhança da reacção dela em Portici. Ela deu-lhe um pequeno empurrão. Com uma gargalhada, Elliot deixou-se cair na cama de Phaedra.

– Devo recear pela minha virtude?

– Sem dúvida – respondeu ela. Phaedra pôs-se em cima dele e prendeu o corpo dele com os joelhos. Os dedos dele afloraram junto à bainha da sua combinação. Ela afastou a mão dele com uma palmada.

– Agora é a vossa vez de ser tomado, senhor.

– Então, tirai-a por mim, Phaedra. Deixai-me ser tomado pela vossa beleza.

Ela despiu-a e recuou um pouco, sem desviar o olhar dele. O sorriso dele maravilhou-a. Os olhos dele exibiam uma profundidade estonteante.

– Estou a olhar para uma deusa. Foi o que pensei naquela noite na torre quando subi as escadas e vos vi. Nunca tinha visto uma mulher tão confiante e tão bela na minha vida. E tenho a certeza de que nunca mais irei ver.

Ela tentou sorrir, mas a boca dela tremeu. As palavras dele comoveram-na. Ela inclinou-se para o beijar e começou a despi-lo.

– Enquanto vos deixais tomar pela minha beleza, eu tomarei a vossa beleza.

Ele continuou a tentar acariciá-la enquanto ela se debatia com os botões da roupa dele. Tornou-se um jogo no qual ela se desviava das mãos travessas de Elliot ao mesmo tempo que tentava terminar a sua tarefa. Finalmente, no meio de risos, da sua falta de jeito e de um mau bocado a braços com as botas de Elliot, ele ficou nu por baixo dela.

Ela sentou-se novamente em cima das coxas dele. A euforia de ambos dissipou-se lentamente para dar lugar a uma paz doce na qual o desejo e a boa disposição de ambos estavam unidos. Ele agarrou na ponta de uma madeixa de cabelo dela e entrelaçou-a nos dedos, observando-a. A seguir, o seu olhar regressou ao rosto dela.

A sua expressão ainda estava iluminada com a alegria de ambos, mas o entendimento especial e a intimidade que partilhavam estavam presentes nos olhos dele.

– Sabeis como tomar um homem, Phaedra? Apesar de toda a vossa ousadia, duvido que o saibais.

Ela sentiu as faces a corar.

– Sei. Mas o conhecimento e a experiência não são a mesma coisa. Seja como for, espero dar conta do recado.

Existiam razões para ela nunca antes ter tomado um homem. As suas amizades passadas não possuíam qualquer semelhança com esta.

Ele puxou suavemente a sua madeixa de cabelo. A cabeça dela obedeceu ao convite. Ela beijou-o. Pressentiu o impulso dele para assumir o comando e tornar o acto da tomada de corpos tão mútuo quanto possível. Em vez disso, ele submeteu-se à sua boca e língua.

Ela beijou-o mais abaixo, no pescoço e no peito. O corpo dela foi agitado por reacções novas que a fascinavam mesmo quando o frémito da sua própria excitação se fazia sentir. Ela já fora uma participante activa antes, mas isto era diferente. Phaedra começou a compreender de que forma o prazer dela lhe dava prazer a ele.

Ela acariciou-o da cabeça aos pés enquanto beijava e lambia. Saboreou o toque do seu corpo e os sinais dos efeitos que este tinha sobre ele. O seu poder arrebatou-a. Pareceu a coisa mais natural do mundo beijá-lo todo, as suas ancas, coxas e barriga, e até mesmo a erecção que a sua mão cingia.

Ele tocou-lhe levemente na cabeça. Era um gesto de encorajamento e um pedido. Ela utilizou a boca para o tomar plenamente, da melhor forma que o seu instinto a comandava.

Ele não conseguiu conter o seu próprio abandono. Elliot abdicou do controlo sob si próprio de formas que nunca antes havia abdicado. Quando ela se sentou de novo sobre o corpo dele e o tornou seu, a rendição de Elliot era patente aos olhos dela.

Esta não era a primeira vez que ela estava por cima dele, mas desta vez era diferente. Ela permitiu que ele a acariciasse, mas a atenção dela estava concentrada na união de ambos. A sua percepção estava imersa na dureza dele dentro de si, nas exigências do seu corpo e nos movimentos das suas ancas à medida que o absorvia.

Até mesmo o seu próprio êxtase pareceu diferente, mais poderoso e violento. Ela insistiu para ele aceitar que também chegara a sua altura. Ela nunca se perdeu a si própria, nem por um único instante. Experimentou todas as sensações de prazer num estado completo de alerta.

Phaedra deixou-se cair sobre ele muito à semelhança da forma como ele cairia sobre ela. Os braços dele envolveram-na, prendendo-a bem junto a ele. As respirações aceleradas de ambos fundiram-se, reflectindo a exaustão de ambos. Ela rodou o rosto no seu ombro para que o perfil dele ficasse junto ao nariz dela.

Os olhos dele estavam fechados, mas ele sentiu a atenção dela sobre si. Um sorriso começou a desenhar-se-lhe nos lábios.

– Convosco, não existem meias-medidas, Phaedra.

Ela perguntou-se se ele estava chocado por a experiência ter ido tão longe.

– Era isso que queríeis, meias-medidas?

– Mil vezes não – replicou ele e voltou a cabeça para olhar para ela. – Sou suficientemente egoísta para estar feliz por terdes o conhecimento, mas estou igualmente feliz por não terdes tido a experiência antes.

Era-lhe completamente impossível ter tido esta experiência antes, ou muitas das outras que ela havia permitido a este homem. Havia uma diferença entre um amigo e um amante.

– É comum dizer-se que não é algo que mulheres normais e decentes façam – disse ela.

– Suspeito que muitas pessoas normais e decentes mentem sobre isso.

– Alguma vez o tínheis feito com uma mulher normal e decente?

– Antes do dia de hoje, é essa a vossa pergunta?

Ele provocou-lhe um pequeno sobressalto de surpresa. A seu ver, a parte do decente não andava longe da verdade, mas a do normal…

Ele soltou um riso abafado e deu-lhe uma pancadinha no nariz com o dedo.

– Estáveis tão arrebatada pelo vosso próprio poder que hesito em dizer isto, mas…

Ela aguardou pacientemente.

– Também eu possuía o conhecimento, mas não a experiência.

Se um ocaso sobrevir à luz do sol que o ilumina. Os dedos dele desceram pelo peito de Phaedra e ao longo do vale de seda entre os seus seios. Se. A forma como essa palavra o afectara maravilhara-o. Não quando, mas se. A alegria dele tinha sido completa. Infantil. Ridícula. Minha.

Ele imaginou o seu futuro se esse ocaso nunca viesse a acontecer. O facto de sentir contentamento e não preocupação perante essa ideia deixou-o assombrado. Talvez a filosofia de Phaedra estivesse correcta e a própria ausência de vínculos legais ajudasse o desejo a sobreviver ao longo do tempo.

Mas tudo levava a crer que ela própria não acreditava nisso, ou não acreditava que isso acontecesse com ele. Ela aludira a um para sempre, assim como a um final, na frase imediatamente a seguir. Ela pode ter dito se, mas não tinha esperanças que qualquer parte da amizade entre ambos sobrevivesse à publicação daquele manuscrito, e muito menos esta parte em particular.

Iria sobreviver? Poderia sobreviver? Ele não sabia. Não devia encarar o dever dela como uma traição. Ele nem sequer queria que ela o pusesse de parte por sua causa. Esta paixão possuía uma clareza que ele não queria obscurecer com negociações tão ignóbeis.

Por outro lado, ele devia à família a sua lealdade de forma tão inevitável como ela. Devia mais do que isso a seu pai, mais do que queria admitir.

Christian não queria saber. Talvez tivesse até envidado todos os esforços e mais alguns para permanecer na ignorância. Contudo, saber a verdade podia ser a única forma de solucionar o dilema.

– Tenho de vos pedir uma coisa – disse ele.

– Neste momento, são muito poucas as coisas que vos recusaria, Elliot. Se tendes de pedir, eu provavelmente terei de dar.

Isso não era verdade. Ela reservava para si muitas coisas que não queria dar, razão pela qual ele se preparava agora para solicitar tão-só uma pequena parte do que desejava. Razão pela qual ele atravessaria toda a cidade até esta rua humilde para receber aquilo que ela se predispunha a dar. Talvez, com o tempo, se conseguisse habituar à sua ausência total de direitos e àquilo que ela não lhe queria dar, mas duvidava que alguma vez se visse livre da vontade de querer mais.

– Em Nápoles, Merriweather não pôde negar que o jantar que o vosso pai descreve ocorreu de facto. Nem tão-pouco que a conversa se desenrolou nesses termos. No entanto, ele não sabe se as suspeitas dele estão correctas. Se eu encontrar provas de que ele estava errado, ou de que aquela morte na Colónia do Cabo não teve qualquer ligação à minha família, eliminareis aquela passagem?

Ela pareceu achar a sugestão interessante.

– Tendo em conta que eu presumi que tivesse ligações à vossa família, como estou certa de que o meu pai o fez… O meu pai incumbiu-me de fazer com que as suas palavras verdadeiras fossem impressas. Se eu souber que não é esse o caso, ou que podem lançar suposições falsas sobre alguém… Sim, Elliot, podia eliminá-la – declarou ela e sorriu pesarosamente. – Talvez fosse boa ideia colocar um anúncio no The Times a oferecer o mesmo aos demais. Não fostes a única pessoa que me tentou subornar para editar livremente as memórias de Richard Drury. A minha caixa de correio lá em baixo está repleta de ameaças e súplicas. Não restam dúvidas de que o meu antigo sócio tentou este esquema com outros e de que estes já sabem quem detém agora quer as memórias, quer aquela editora.

– Se fôsseis menos honrada, teríeis em breve os meios para adquirir uma casa melhor sem a ajuda de ninguém. Podíeis vir a receber uma fortuna só da parte de Easterbrook.

Ele não queria dar a impressão de uma possível reabertura das negociações com as suas palavras, mas se ela expressasse o mais pequeno interesse na dimensão dessa fortuna… Ele devia preparar-se para enumerar todas as razões pelas quais ela devia ser prática. Ele não se importaria de fazer este problema em particular desaparecer se ela pensasse da mesma forma.

– Dissestes uma fortuna? Só de Easterbrook! Deus do Céu, não fazia ideia de que a chantagem era assim tão lucrativa – exclamou Phaedra, e ostentou uma expressão de falsa hesitação e ponderação. – Uma fortuna de que tamanho?

– Cinco mil.

A quantia fora-lhe comunicada esta manhã. Chegou no seu tabuleiro do pequeno-almoço, escrita na letra irrepreensível do irmão. Sem palavras, sem o símbolo da libra, somente o algarismo cinco e os zeros necessários.

Ele interpretou-a como a ordem que era, e igualmente como um aviso de que Christian não aceitara que Phaedra devia ser deixada em paz para decidir o seu próprio rumo.

– Isso é uma quantia ridícula. Receio que Easterbrook esteja de facto meio louco. Felizmente, vou poupá-lo a um desfalque dessa magnitude porque não tenciono aceitá-lo.

Eis a prova. Christian estava errado. Um grande suborno não fazia vacilar toda a gente. Phaedra não se sentira insultada, mas também não estava a calcular o que podia comprar.

– Se eu recebesse uma fortuna dessa natureza, depois teria de viver de acordo com ela – devaneou ela. – Pensai nas consequências. Um novo guarda-roupa, é claro. Um sem-número de espartilhos, fitas e ganchos. Depois, precisaria de criados para tratar dos meus luxos e para me vestirem.

Afinal, também ela começara a calcular. Era irritante constatar que Christian tinha razão.

– Iríeis aprender a gostar dos luxos.

E ele gostaria de a ver a recebê-los. Ela merecia melhor do que esta casa e o hábito de contar tostões de que devia padecer.

– Oh, mas todos aqueles criados seriam uma grande maçada. Seria difícil ficar na cama assim durante toda a tarde e toda a noite, saindo dela apenas por breves momentos para um jantar simples que eu própria tratarei de cozinhar.

– Estais a convidar-me para ficar para o jantar? Um jantar que será cozinhado por vós?

A ideia evocou imagens encantadoras e domésticas. Quase tão encantadoras como aquelas que tinham a ver com a noite que se seguiria ao jantar.

E dos dois, era Phaedra quem receava perder vontade própria. Se ela soubesse…

– Claro. Estais com fome?

Ele mexeu ligeiramente a mão. O seio dela retesou-se sob ela.

– Tenho sempre fome quando estou convosco, Phaedra.

*

Ele vestiu-se nas sombras cada vez mais ténues do quarto. De seguida, olhou para o corpo pálido e adorável de Phaedra no meio dos lençóis desalinhados. Ela estava deitada de barriga para baixo com o rosto meio coberto pela almofada que abraçava. As pernas continuavam afastadas e as suas nádegas redondas expostas, tal como na última vez que ele a possuíra, apenas uma hora antes.

Ele podia ter ficado ali a olhar para ela durante horas. Sabendo que isso só iria aumentar a obsessão que já sentia por ela, ele deixou-a a dormir e desceu até ao piso inferior.

A cozinha ainda exibia os restos do jantar que ela servira na mesa corrida perto da lareira. Tendo em conta o facto de estarem os dois nus, teria sido ridículo pôr a mesa na sala de jantar.

A sala de estar, com a sua colecção heterogénea de mobília e arte, era a divisão que exibia mais luz da alvorada entre todas as outras. Ele caminhou até ao divã e à mesa junto dele. O segundo copo de brandy ainda estava lá, intocado, mesmo ao lado de um embrulho de volume considerável embrulhado em papel.

Ele reparara naquele embrulho no dia anterior quando chegara. Tinha aproximadamente as mesmas dimensões de uma resma de papel. O tamanho perfeito de um manuscrito de um livro.

Elliot quebrou o selo do embrulho, que caiu no chão. No mo­mento seguinte, fitava a primeira página das memórias de Richard Drury.

Ele partiu do princípio de que as memórias estariam organizadas por ordem cronológica. Se quisesse encontrar as páginas ofensivas, não seria difícil localizá-las.

O silêncio que envolvia a casa rodeou-o. Phaedra dormia profundamente lá em cima. Da rua chegavam escassos sinais de vida. Ele não conseguiu resistir a tocar nas páginas empilhadas de forma tão ordenada. Fez deslizar o polegar pelos cantos das páginas, espalhando-as de forma cautelosa em forma de leque.

Ele duvidava que existisse uma cópia. Phaedra tinha sido muito pouco cuidadosa com o manuscrito ao abandoná-lo ali.

A ideia de que ela queria que ele cedesse à tentação invadiu-lhe a mente. Se o manuscrito, ou até mesmo aquelas páginas, desaparecessem, ela seria desobrigada da promessa a Richard Drury. Ela própria jamais quebraria essa promessa, mas podia-se dar o caso de ela não lamentar não ter tido qualquer escolha nessa matéria.

E se, por outro lado, ela o considerasse uma traição? Christian consideraria que o final do caso amoroso do irmão seria um preço pequeno a pagar. Christian encontraria igualmente uma forma de compensar Phaedra sem ela se dar conta disso, se Elliot o exigisse.

Dessa forma, ela seria dotada de alguma segurança. Não teria de viver de modo tão frugal. Se ela se vestisse de acordo com os ditames da moda e se mudasse para a parte ocidental da cidade, podia ocupar o lugar deixado vago pela sua mãe entre os homens de letras e deixar de ser a encantadora mas estranha filha de Artemis Blair que residia no meio dos bairros fétidos da parte oriental de Londres.

Um pequeno furto e a vida dela mudaria para melhor. O seu dever estaria concluído. Ninguém diria em surdina que o falecido Lord Easterbrook havia pago a um homem para matar o seu rival. Os seus filhos poderiam continuar a fingir que não sabiam que existiam boas probabilidades de o ter feito.

A forma extraordinariamente implacável através da qual ele pesava e calculava a situação não lhe passou despercebida. A melhor parte de si já deixara de ficar surpreendida ou chocada com isso. Nem tão-pouco podia oferecer melhores argumentos para além dos de teor sentimental com respeito à confiança e ao afecto. Estes tinham um peso muito reduzido no mundo. Ele nem sequer estava certo de que tivessem um peso elevado para Phaedra.

Elliot fez deslizar uma vez mais o polegar pelos cantos das páginas.

Phaedra acordou já a manhã ia adiantada e descobriu que Elliot saíra da sua cama. As roupas dele também tinham desaparecido, por isso ela presumiu que ele se tivesse ido embora ou descido para o piso inferior.

Deslizou a mão até ao local onde ele estivera deitado. Imaginou que ainda conseguia senti-lo ali, saciado como ela e sem fome em­bora tivessem sido precisas várias refeições para os encher a ambos.

Ela voltou a deslizar a mão para cima até à almofada onde a sua bela cabeça repousara. A mão tocou em outra coisa para além de musselina e penas. Phaedra soergueu-se com a ajuda dos cotovelos, curiosa.

O manuscrito do seu pai estava pousado em cima da almofada, embrulhado grosseiramente num papel castanho. O selo do embrulho fora quebrado, mas as páginas permaneciam na mesma formação militar, formando um bloco maciço.

Ela susteve o fôlego. Ela deixara-o em cima da mesa quando entrara em casa com Harry e, a seguir, esquecera-se completamente dele. É óbvio que Elliot não deixaria de adivinhar o que cobria aquele papel. O seu tamanho e forma praticamente gritavam a palavra «manuscrito».

Ele acordara mais cedo e fora tirar isso a limpo. A seguir, abrira o embrulho para ter a certeza.

Era provável que tivesse tirado as páginas que não queria que ela publicasse.

Uma explosão de alívio irrompeu dentro de si. Um alívio profundo e grato. Anulou todas as outras emoções até os olhos dela ficarem turvos.

Ela sentou-se para compor o embrulho. Ela não falaria disso com ele. Não agora. Não já. Talvez nunca. Fora pouco correcto da sua parte roubar as páginas, muito pouco correcto, mas ela não o iria repreender. Nem tão-pouco alguma vez lhe falaria da dor a que a tinha poupado. Quiçá agora, talvez…

Os dedos dela imobilizaram-se sobre o embrulho. Ela inclinou a cabeça. Uma página nova havia sido adicionada ao manuscrito. Ela puxou-a de baixo do embrulho castanho.

Minha querida,

Tendes de ter mais cuidado com este legado. É o tipo de tesouro que pode tentar os que não olham a meios para atingir os seus fins. Existem muitos que o roubariam de bom grado, como provam as cartas que recebestes.

Não é seguro mantê-lo em vossa casa. Levai-o até à sala de leitura do Museu Britânico. Eu informá-los-ei de que ireis preparar um trabalho para posterior publicação nessas instalações. Podeis entregar estas páginas à guarda dos bibliotecários entre as vossas visitas. Aqueles a quem o manuscrito diz respeito saberão em breve onde este se acha em segurança e vós e a vossa casa não serão molestadas.

Eu não tirei as páginas que procurava, por isso escusais de o verificar. Temi perder a nossa amizade à custa de um abuso tão grave da vossa confiança.

Obrigado pelo jantar. Estava delicioso.

O vosso amigo grato,

Elliot