INTRODUÇÃO

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IVAN TENTAVA RESPIRAR, mas cada mínima porção de oxigênio alcançava seus pulmões com dificuldade extrema. A criatura diante de si o segurava fortemente pelo pescoço com sua mão seca, forte, dura como aço. Seus pés balançavam no ar, tentando inutilmente alcançar o chão.

Ele segurava o pulso da zumbi com ambas as mãos, imprimindo um esforço sobre-humano para afrouxar a pressão em sua garganta. Acima de tudo, Ivan tentava ganhar tempo. Não podia acreditar na força descomunal do ser que permanecia indiferente às suas investidas contra ele, ao seu desespero.

A zumbi sustentava seus mais de noventa quilos com facilidade, como uma criança segura um brinquedo. Era isso que Ivan representava para ela naquele momento: um muito aguardado brinquedo. Ou troféu.

Ivan olhou em volta, procurando algum sinal de vida. Rezava para avistar algum soldado, um dos seus companheiros de armas, mas não via ninguém. Tudo indicava que não havia outros sobreviventes.

Em todas as direções ele só enxergava zumbis. Milhares de criaturas, incontáveis. Eram tantos que ocupavam todos os espaços possíveis. Estavam entre as casas destruídas, os Urutus espatifados, os corpos de seus amigos e amigas que agora eram dilacerados pelas feras sedentas de sangue. Todos mortos. E Ivan seria o próximo a morrer, não tinha dúvida. Começava a ver alguns dos seus comandados se levantar, renascidos do inferno e convertidos em mortos-vivos devoradores de homens.

Todo o bairro estava em ruínas, com árvores e postes tombados por todos os lados. Casas, prédios, muros, nada fora poupado. Até mesmo carros enferrujados que jaziam abandonados havia mais de um ano por aqueles lados se achavam de rodas para cima. Alguns veículos, sem donos desde o evento que transformara dois terços dos humanos em mortos-vivos, estavam completamente retorcidos como se fossem de papel.

Mais adiante Ivan avistava peças de artilharia destruídas e um caminhão de transporte de militares todo achatado, de cabeça para baixo, com algumas rodas ainda girando teimosamente, enquanto a carroceria pegava fogo. Uma grossa coluna de fumaça subia para o céu e um cheiro acre se espalhava ao sabor do vento. No céu, as primeiras aves carniceiras começavam a voar em círculos, atraídas pelo odor da morte.

Ivan se obrigou a olhar para o rosto da criatura monstruosa que o segurava com força. Tentava reunir coragem; não queria que seus últimos momentos fossem dominados pelo absoluto terror. Ele sentia que a desgraçada queria isso; ela desejava quebrar seu espírito antes de trucidar o seu corpo, e esse prazer Ivan roubaria dela.

O mais perturbador era que se tratava de um rosto assustadoramente familiar. Um rosto conhecido, a face outrora bela de uma mulher. Mas, nos olhos brancos e leitosos do ser, Ivan enxergou o Abismo. Não viu nada menos do que o Inferno, porque aquela criatura era a personificação do Mal. Um demônio que fora libertado sobre a Terra para esmagar o que havia sobrado da humanidade.

Ivan se perguntou como pudera permitir que as coisas chegassem àquele ponto. Se ele tivesse sido menos teimoso, se tivesse escutado os inúmeros avisos. Mas não escutou ninguém. Ele ignorou todos os conselhos, e agora aqueles que o seguiram estavam mortos. E a única pessoa que poderia tentar salvá-lo se encontrava longe dali.

Naquele momento, morrer não seria uma tragédia. Muito pelo contrário, seria um imenso alívio.

— O que está esperando, sua piranha? Mate-me! — Ivan gritou com imensa dificuldade, usando o pouco que restava de suas energias.

Sua cabeça girava, e ele começava a sentir náuseas. Sabia que em breve perderia os sentidos. Estava ferido, sangrando, e não conseguia mais respirar.

Vendo a patética tentativa de Ivan demonstrar coragem, a criatura grunhiu de um modo que parecia rir. Uma risada diabólica, sarcástica e infernal, daquelas que se ouvem apenas em filmes de terror.

Estela, me perdoe, Ivan pensou. A culpa é toda minha. Você tinha razão o tempo todo.

Enfim, sua visão escureceu, e ele mergulhou na escuridão.