Capítulo 9

Bem cedo pela manhã, o mr. Cardan e a srta. Elver saíram de casa e seguiram rapidamente para os campos em direção ao lago. Disseram à velha que chegariam tarde para o café. O mr. Elver ainda não se levantara; o mr. Cardan deixou instruções para que ele não fosse despertado antes das nove e meia.

O chão ainda estava úmido de orvalho quando eles saíram; os álamos projetavam sombras muito maiores do que seu tamanho real. O ar estava fresco e era um prazer caminhar. O mr. Cardan mantinha uma marcha de quatro quilômetros por hora; e como um mergulhão fora da água, como um pássaro de grandes altitudes obrigado a andar na terra, a srta. Elver trotava ao lado dele, tropeçando e rolando, como se estivesse apoiada não sobre os pés, mas sobre um conjunto de rodas excêntricas de diferentes diâmetros. Seu rosto resplandecia de felicidade; de tempos em tempos, olhava para o mr. Cardan com tímida adoração, e, se acontecia de cruzarem o olhar, ela enrubescia, virava o rosto e ria. O mr. Cardan estava quase estarrecido com a extensão de seu sucesso e a facilidade com que o alcançara. Ele poderia fazer da criatura uma escrava, poderia mantê-la trancada numa gaiola de coelho e, desde que ele aparecesse de vez em quando para ser adorado, ela seria perfeitamente feliz. Esses pensamentos provocavam estranhas culpas no mr. Cardan.

— Quando nos casarmos — disse de repente a srta. Elver —, poderemos ter filhos?

O mr. Cardan sorriu quase sinistramente.

— O problema com as crianças — disse — é que os ursos poderão comê-las. Nunca se pode ter certeza com eles. Lembra-se dos ursos de Elias e aquelas crianças más?

A srta. Elver ficou pensativa. E permaneceu em silêncio o resto do tempo.

Eles chegaram ao lago, muito plácido e brilhante à pálida luz da manhã. A srta. Elver bateu palmas ao vento, de prazer; por um instante esqueceu-se de todas as suas preocupações. A fatal incompatibilidade entre ursos e crianças cessou de preocupá-la.

— Que água maravilhosa! — gritou; abaixando-se, pegou do chão uma pedrinha e atirou-a no lago.

Mas o mr. Cardan não permitiu que ela se demorasse.

— Não há tempo a perder — disse, pegando-a pelo braço e apressando-a.

— Aonde estamos indo? — perguntou a srta. Elver.

Ele apontou a aldeia na praia mais adiante.

— De lá tomaremos um tílburi ou uma charrete.

A perspectiva de viajar em um deles fez com que a srta. Elver se conformasse inteiramente em ter que se afastar do lago tão depressa.

— Será maravilhoso! — declarou, e apressou tanto o passo que o mr. Cardan precisou correr para alcançá-la.

Enquanto a pequena carruagem estava sendo preparada, e o cavalo, atrelado — sem pressa nenhuma, como são feitas essas coisas na Itália, com toda a dignidade e calma —, o mr. Cardan foi visitar o irmão do merceeiro. Agora que chegara até ali não seria tolo de perder a oportunidade de ver o tesouro. O irmão do merceeiro era ele próprio um merceeiro, e tão parecido com o outro que o mr. Cardan chegou a pensar que o simples e virtuoso amigo montanhês da srta. Thriplow era o homem com quem conversava agora na planície. Depois de tudo explicado, o merceeiro se curvou, desmanchou-se em sorrisos e soprou acetileno no rosto do mr. Cardan, tal como fizera o irmão. Discorreu longamente sobre a beleza e antiguidade do seu tesouro, e, quando o mr. Cardan implorou que se apressasse e mostrasse logo a escultura, ele não se incomodou de ser interrompido e continuou a descrevê-la com lirismo, repetindo incansavelmente as mesmas frases, gesticulando até começar a suar. Por fim, quando considerou que o mr. Cardan estava convencido e num estado de entusiasmo preliminar, o merceeiro abriu a porta dos fundos da loja e misteriosamente convidou o visitante a acompanhá-lo. Eles cruzaram um corredor escuro, passaram por uma cozinha apinhada de crianças, nas quais era preciso ter cuidado para não tropeçar, saíram para um pequeno pátio e chegaram a um quartinho nos fundos. O merceeiro ia na frente, andando todo o tempo na ponta dos pés e falando em voz baixa — o mr. Cardan não podia imaginar o porquê, a não ser que o quisesse impressionar com a profunda importância do fato, ao sugerir que um trabalho artístico de tamanha beleza e antiguidade só poderia ser admirado com os pés descalços e em silêncio.

— Espere aí — sussurrou ele, ao entrarem no quartinho.

O mr. Cardan esperou. O merceeiro foi na ponta dos pés até o outro lado do barracão. Misteriosamente enrolada num saco de aniagem, alguma coisa parecida com um homem emboscado permanecia imóvel na sombra. O merceeiro parou diante daquilo, ficou um pouco de lado para dar ao mr. Cardan uma visão completa da maravilha a ser revelada, segurou uma ponta do saco e, com um gesto magnificamente dramático, descobriu-a.

De dentro surgiu uma efígie de mármore, algo que na imaginação de um pedreiro monumental de 1830 devia figurar como um poeta. Um Byron emagrecido, com cabelos mais jacintinos e um perfil emprestado de um dos gregos de Canova, ele estava encostado numa coluna truncada, os olhos de mármore voltados para o alto em busca de uma musa voadora. Um manto pendia frouxamente de seus ombros e uma folha de parreira era todo o resto de seu traje. No alto da coluna havia um rolo de mármore semiaberto, sobre o qual pousava a mão esquerda do poeta, temeroso, talvez, de que o vento da inspiração o levasse. A direita, era evidente, originalmente pousara uma pena sobre a página virgem. Mas, infelizmente, a mão e todo o antebraço quase até o cotovelo tinham desaparecido. Na base da coluna havia uma pequena lousa, na qual, se a figura houvesse sido usada no monumento a que se destinava, estariam escritos o nome e a fama do poeta sobre cuja tumba a estátua deveria se erguer. Mas a lousa estava em branco. Na época em que a estátua fora esculpida, evidentemente deveria haver escassez de liristas no principado de Massa Carrara.

— È bellissimo! — disse o irmão do merceeiro, recuando para admirá-la com o entusiasmo de um connoisseur.

— Davvero — concordou o mr. Cardan. E com tristeza pensou no seu etrusco reclinado, no seu sarcófago de Jacopo della Quercia, no seu demônio românico. Contudo, refletiu, nem mesmo um baixo-relevo de Giotto poderia lhe render vinte e cinco mil libras.