Capítulo 11
Era noite. Semidespida, Irene estava sentada na beira da cama e dava pontos em uma peça de roupa inacabada, de seda rosa-pálido. Seus grossos cabelos pendiam perpendicularmente nos lados da cabeça curvada sobre o trabalho e formavam um ângulo com o rosto inclinado. A luminosidade aderia ricamente aos seus braços e pernas nus e era refletida pela superfície curva e acetinada de suas meias esticadas. O rosto estava extremamente sério; a ponta da língua aparecia entre os dentes. Era um trabalho difícil.
Em volta, nas paredes do quarto que um dia pertencera ao cardeal Alderano Malaspina, voejava uma tropa de formas gesticulantes. Sobre a porta estava sentado Deus Pai, com uma túnica azul de crepe da China e envolvido num manto de veludo vermelho esvoaçante, espalhando a “divina inspiração com benevolência”. Sua mão direita estava estendida e, em obediência ao gesto, um esquadrão de anjos voava em direção à janela de uma das paredes. Em um prie-Dieu, num canto mais afastado, ajoelhava-se o cardeal Malaspina, homem corpulento de meia-idade, com uma barbiche e um bigode que, juntos, lembravam a ideia corrente para os ingleses de um chef francês. O arcanjo Miguel, à frente de sua tropa de Principalidades e Poderes, pairava no ar sobre ele, e com uma expressão que era um misto de condescendência e respeito — condescendência por se tratar de um plenipotenciário do Pai Eterno, e respeito pelo fato de sua eminência ser irmão do príncipe de Massa Carrara — depositava sobre a cabeça do prelado o barrete vermelho, símbolo dos príncipes da Igreja. Na parede oposta, o cardeal era representado em batalha com os poderes da escuridão. Vestindo o hábito escarlate, ele se postava destemido à beira de um abismo sem fim. Atrás dele, uma réplica cuidadosa da vista do palácio Malaspina, um grupo de criados e belos instrutores a meia distância e, imediatamente atrás do eminente tio, a quem devotamente protegiam com suas orações, as sobrinhas do cardeal. Do abismo emergiam legiões de medonhos demônios, que enchiam o ar com suas asas adejantes. Mas o cardeal era para eles mais do que um exército inteiro. Com um crucifixo erguido sobre a cabeça, ele os esconjurava a voltar às chamas. E os demônios, derrotados, rilhando os dentes e trêmulos de terror, eram arremessados para dentro do abismo. De cabeça, de pé, em todas as posições possíveis, iam sendo atirados em direção ao soalho. Quando estava deitada em sua cama, Irene podia ver meia dúzia de demônios despencando em sua direção; e ao despertar, todas as manhãs, um par de pernas agitava-se freneticamente a um passo de seus olhos. No espaço de parede sobre as janelas, os lazeres do cardeal eram celebrados alegoricamente. Nove Musas e três Graças, cuidadas por um grupo de Horas, estavam reclinadas, em pé ou dançando em posições estudadas; o cardeal, entronizado no meio delas, ouvia-lhes a conversa e proferia suas opiniões, sem parecer notar o fato de que todas as damas estavam completamente nuas. Somente o homem mais polido e ilustrado do mundo poderia se comportar, nessas circunstâncias, com um savoir-vivre tão perfeito.
No meio da apoteose do cardeal e alheia a tudo, Irene costurava a peça de roupa cor-de-rosa. Ao começar a despir-se, vira num relance a chemise ali deixada na cesta de costura. Não resistiu à tentação de dar alguns pontos aqui e ali. Seria uma de suas obras-primas quando estivesse concluída. Ela a segurou nas mãos com os braços estendidos e olhou-a, crítica e apreciativamente. Era simplesmente encantadora!
Desde que Chelifer chegara ela tivera mais tempo de se dedicar às suas roupas de baixo. A sra. Aldwinkle, absorvida por sua paixão infeliz, esquecera-se completamente de que tinha uma sobrinha que devia estar escrevendo poemas e pintando aquarelas. Irene estava livre para devotar todo o seu tempo à costura e não perdeu a oportunidade. Mas de vez em quando sua consciência subitamente despontava, e ela se perguntava se devia, afinal, aproveitar-se das tristes preocupações da tia para fazer aquilo que ela não aprovava. Refletia se não seria mais adequado, por uma questão de lealdade, parar a costura e fazer um esboço ou rabiscar um poema. Algumas vezes, nos primeiros dias, chegou a agir de acordo com sua consciência. Mas, quando à noite levou para a tia Lilian um esboço do templo e um lírico começo de “Oh, lua, que calmamente brilha no céu noturno...” — sempre com um certo ar de triunfo, com a certeza de ações virtuosas devidamente executadas —, a dama, aturdida, mostrou um interesse tão pequeno por essas provas de obediência e afeição que Irene considerou-se dispensada, daí em diante, de qualquer esforço para praticar uma vida superior. Continuou a costurar. É verdade que às vezes sua consciência a incomodava, mas ela não fez nada contra isso.
Nessa noite não estava sentindo nenhum remorso. A roupa era tão linda que mesmo tia Lilian a aprovaria. Era um trabalho artístico — um trabalho que merecia esse honroso título tanto quanto “Oh, lua, que calmamente brilha no céu noturno”; talvez merecesse até mais.
Irene dobrou a peça inacabada, colocou-a de lado e terminou de se despir. Decidira que nessa noite, quando fosse escovar os cabelos da tia, diria a ela quão certa estivera a respeito de Hovenden. “Estou profundamente agradecida” — diria. E contaria, também, o quanto gostava dele. Quase, quase daquele jeito. Não exatamente ainda. Mas logo seria; de alguma maneira ela sabia que isso logo aconteceria. E seria real. Real e sólido, não efervescente ou imaginário como os episódios com Peter, Jacques e os outros.
Ela vestiu a camisola de dormir e saiu para o longo corredor que conduzia ao quarto de sua tia. O cardeal Alderano foi deixado a sós com seus demônios, os anjos obsequiosos, as nove Musas e o Pai Eterno.
Quando Irene entrou no quarto, tia Lilian estava sentada diante da penteadeira, espalhando creme no rosto.
— Ouvi falar — disse, olhando-se no espelho criticamente, tal como Irene fizera com sua obra-prima de fina seda — que existe um massageador elétrico maravilhoso. Não lembro quem me disse isso.
— Teria sido lady Belfry? — sugeriu Irene. A imagem do rosto de lady Belfry surgiu diante dela: macio, rosado, redondo, juvenil, mas com aquela juventude fictícia e terrivelmente precária de uma beleza preservada cientificamente.
— Talvez seja — disse a sra. Aldwinkle. — Preciso conseguir um. Por favor, querida, lembre-se de escrever à Harrods amanhã, perguntando se eles têm.
Irene começou a escovação noturna dos cabelos da tia. Fez-se um longo silêncio. Como poderia começar o assunto sobre Hovenden?, Irene pensava. Deveria começar de uma maneira que demonstrasse a real e genuína seriedade da questão. Deveria ser de uma maneira que tia Lilian não tivesse nenhuma justificativa possível para fazer qualquer ironia. Não iria permitir, custasse o que custasse, que ela usasse aquele tom tão conhecido e temido de caçoada, como se golpeasse com um porrete; e de modo algum daria a ela a chance de dizer: “Então a mocinha pensou que sua tola e velha tia não tivesse notado?”, ou algo parecido. Mas encontrar a fórmula à prova de caçoada não era fácil. Irene buscou-a por longo tempo e com muito cuidado. Mas não estava destinada a encontrá-la. Porque tia Lilian, que também estivera pensando, de repente rompeu o silêncio.
— Às vezes duvido — disse — que ele tenha algum interesse por mulheres. Fundamentalmente, inconscientemente, acredito que seja homossexual.
— Talvez — disse Irene com gravidade. Ela conhecia aquele tom de Havelock Ellis.
Na meia hora seguinte, a sra. Aldwinkle e sua sobrinha discutiram essa interessante possibilidade.