Capítulo 3

Das alturas do Pincio, o mr. Falx descreveu a cidade que se estendia larga a seus pés.

— Deslumbrante, não é? — dissera a sra. Aldwinkle. Roma era uma de suas propriedades privadas.

— Mas cada uma daquelas pedras — protestou o mr. Falx — erguida pelo trabalho escravo. Cada uma delas! Milhões de desgraçados suaram, dobraram-se e morreram ali — sua voz ia crescendo, a linguagem se tornava mais rica, ele gesticulava como se estivesse diante de um grande público — para que os palácios, as imponentes igrejas, os foros, os anfiteatros e todas as imensas cloacas pudessem existir para gratificar seus olhos desocupados. Será que valeu a pena?, pergunto. Será que a gratificação momentânea de alguns ociosos justifica a opressão secular de milhões de seres humanos, seus irmãos e semelhantes aos olhos de Deus? Valeu a pena?, insisto. Não, milhares de vezes não — com o punho direito, o mr. Falx golpeava a palma de sua mão esquerda. — Não!

— Mas o senhor se esquece — disse o mr. Cardan — de que existe uma coisa chamada hierarquia natural. — Essas palavras o fizeram lembrar-se de outra coisa. Ele olhou em volta. Numa das pequenas mesas agrupadas ao redor de um coreto, do outro lado da rua, a srta. Elver, vestida com sua tapeçaria florida em forma de saco, comia bombas de chocolate e merengues, desleixadamente, com uma expressão de êxtase no rosto lambuzado de creme. O mr. Cardan desviou o olhar e continuou: — Existem alguns poucos britânicos escolhidos que nunca, nunca se deixariam escravizar, e uma grande maioria que não só se escravizou como ficaria completamente perdida se fosse livre, não é assim?

— É capcioso — disse severamente o mr. Falx. — Mas esse argumento justifica a opressão de milhares de seres humanos em nome de algumas obras de arte? Quantos milhares de trabalhadores e suas famílias levaram uma vida degradante para que a Capela de São Pedro existisse?

— Bem, a Capela de São Pedro nem é tão artística assim — disse a sra. Aldwinkle com desdém, sentindo que marcara um ponto decisivo na discussão.

— Em se tratando de vidas degradantes — acrescentou Chelifer —, prefiro protestar em favor das classes médias, mais do que pelos trabalhadores. Materialmente, talvez, elas vivam um pouco melhor; mas moral e espiritualmente, asseguro-lhes, colocam-se no próprio âmago da realidade. Do ponto de vista intelectual, é claro, não diferem muito dos trabalhadores. Todos, menos uma minoria insignificante e excêntrica de ambas as classes, pertencem às três categorias inferiores de Galton. Mas moral e espiritualmente estão em muito pior situação; sofrem de um maior respeito pela opinião pública, são torturados pelo esnobismo, vivem eternamente cercados de medo e ódio. Se os trabalhadores temem perder seus empregos, o mesmo ocorre com os burgueses, e quase com mais motivos — porque têm mais a perder, o tombo pode ser muito maior. Despencam de um precário paraíso de civilidade para os abismos da pobreza desassistida, para os asilos atulhados e os centros de colocação de mão de obra. Imaginem o medo em que vivem essas pessoas! Quanto ao ódio, pode-se falar daquele do proletariado pela burguesia, mas que não é nada, asseguro-lhes, diante do ódio que a burguesia sente pelo proletariado. O burguês tem repugnância pelo trabalhador, porque o teme; apavora-se diante de uma revolução que possa empurrá-lo de seu paraíso para o inferno. É com inveja e ressentimento que o burguês vê a mais leve melhora na vida do trabalhador. Parece-lhe que ela acontece sempre à sua custa. Durante a guerra e no período de prosperidade imediatamente posterior, quando pela primeira vez na história os trabalhadores receberam salários que lhes permitiam viver mais próximo do conforto, vocês se lembram com que fúria, com que transbordamento de ódio a classe média denunciou os excessos libertinos dos pobres ociosos? Ora, aqueles monstros chegaram a comprar pianos, pianos! Mas depois os pianos foram todos vendidos. Toda a mobília desnecessária teve o mesmo destino de tudo o que era supérfluo. Até os casacos de inverno foram penhorados. O burguês, embora também viva tempos difíceis, sente-se mais feliz; está vingado. Hoje ele pode viver numa tranquilidade relativa. Mas que vida! Vive para suas luxúrias, mas timidamente e de maneira convencional; as diversões lhe são proporcionadas pelas empresas. Não tem religião, mas grande respeito pelas convenções mais refinadas, que não possuem sequer a justificativa de uma origem divina. Ele ouve falar em arte e filosofia e respeita ambas, porque são respeitadas pelas melhores pessoas; mas sua capacidade intelectual e a falta de educação não lhe permitem extrair delas nenhuma satisfação real. Por isso ele é mais pobre do que um selvagem, pois se este nunca ouviu falar em arte ou filosofia tem ao menos a religião e as tradições culturais. A vida de um animal selvagem possui certa dignidade e beleza; só é degradante a vida de um animal domesticado. É por esse motivo — acrescentou Chelifer — que se alguém verdadeiramente deseja viver no coração da realidade humana tem que fazê-lo no meio da burguesia. Em pouco tempo, contudo, não será mais necessário estabelecer diferenças injustas entre as classes, porque logo todos serão burgueses. No passado, o charme das classes trabalhadoras consistia no fato de elas serem compostas de animais humanos em estado de relativa selvageria. Eles tinham a sabedoria e as superstições tradicionais; possuíam seus próprios divertimentos antigos e simbólicos. Minha mãe pode falar melhor sobre isso — acrescentou, como um parêntese. — É compreensível que Tolstói tenha preferido os camponeses russos a seus amigos ricos e letrados; os camponeses eram selvagens, e os outros, embora no fundo fossem igualmente rudes, eram degradantemente domesticados. Mais que isso, eram bichinhos de estimação de uma casta absolutamente inútil. Os camponeses, ao menos, faziam alguma coisa para justificar sua existência. Em outros países da Europa e do Novo Mundo, essa classe está desaparecendo rapidamente. Os jornais e o rádio estão domesticando a todos com uma velocidade vertiginosa. Na Inglaterra de hoje é possível andar por muito tempo sem encontrar um único ser humano genuinamente selvagem. Mesmo assim eles continuam existindo no campo e nas partes mais fétidas das cidades. É por isso, repito, que é preciso viver entre a burguesia suburbana. Os degradados e domesticados são, hoje em dia, os únicos animais humanos autênticos; eles herdarão a terra nas próximas gerações; são a característica da realidade moderna. Não existem mais selvagens; é ridículo querer ser tolstoiano nos dias de hoje, na Europa ocidental. E quanto aos homens e mulheres genuínas, em oposição aos animais humanos, selvagens ou domesticados, são tão excepcionais que não se pode sequer considerá-los. Aquela cúpula — ele apontou a silhueta da Capela de São Pedro acima das casas, do outro lado da cidade — foi desenhada por Michelangelo. Mas o que tem ela, ou mesmo ele, a ver conosco?

— Blasfêmia! — gritou a sra. Aldwinkle, lançando-se em defesa de Buonarrotti.

O mr. Falx retomou seu antigo ressentimento:

— A maligna natureza humana! — disse.

— Tudo isso é verdade, e bastante óbvio — foi o comentário do mr. Cardan. — Mas não entendo por que não podemos nos entreter com Michelangelo se assim o quisermos. Deus sabe quanto é difícil a um homem adaptar-se às circunstâncias; por que privá-lo de seus pequenos auxílios nessa difícil tarefa? Como o vinho, por exemplo, a leitura, o cigarro e a boa conversa, a arte, a comida, a religião para os que gostam, o amor, o esporte, o humanitarismo, o haxixe e tantas outras coisas. Cada homem tem sua própria receita para facilitar o processo de adaptação. Por que ele não pode usar a sua droga em paz? Vocês, jovens, são muito intolerantes. Quantas vezes já tive oportunidade de dizer isso? Na verdade, são um bando de proibicionistas; todos vocês.

— No entanto — disse a sra. Chelifer com sua voz delicada e musical —, não se pode negar que a proibição tenha dado bons resultados na América.

Eles voltavam para as mesas ao redor do coreto, de onde tinham se afastado pouco antes para admirar a vista. A srta. Elver terminava de comer uma bomba de chocolate. Na frente dela havia dois pratos vazios.

— Comeu bem? — perguntou-lhe o mr. Cardan.

Ela assentiu com a cabeça; sua boca estava muito cheia para falar.

— Quer mais algum doce? — sugeriu ele.

A srta. Elver olhou para os dois pratos vazios, depois para o mr. Cardan. Parecia que ia dizer sim. Mas a sra. Chelifer, sentada ao lado dela, pousou a mão em seu braço.

— Acho que Grace não quer comer mais — disse.

Grace virou-se para ela; um olhar desapontado e melancólico inundou-lhe o rosto, mas logo em seguida cedeu lugar a uma expressão mais feliz. Ela sorriu, pegou a mão da sra. Chelifer e beijou-a.

— Gosto da senhora — disse.

Nas costas da mão da sra. Chelifer ficou uma mancha escura de chocolate.

— Acho que é melhor você limpar o rosto com o guardanapo — sugeriu ela.

— A senhora não poderia umedecê-lo antes com água quente?

Fez-se um silêncio. Da pista de dança ao ar livre, a poucos metros dali, sob as árvores, chegava até eles o som de uma banda de jazz, um pouco abafado pela distância e pelo ruído que se elevava de Roma. Monótonos e incessantes, os banjos tangiam o ritmo dançante. Um chiado ocasional acusava a presença de um violino. Ouvia-se também um trompete de uma terrível persistência, soprando a tônica e a dominante; e claramente, sobre todo o resto, um saxofone miava voluptuosamente. Daquela distância, todas as notas pareciam exatamente iguais. De repente, no coreto do jardim, um pianista, dois violinistas e um violoncelista iniciaram o Coro dos Peregrinos, de Tannhauser.

Enquanto isso, Irene e lorde Hovenden, fortemente abraçados, dançavam com leveza e precisão sobre a pista de cimento. Obedientes à música, quarenta casais dançavam lentamente em volta deles. Filtrando-se insidiosamente pela cerca que isolava a pista de dança do resto do mundo, finas lufadas do Coro dos Peregrinos se intrometiam, sobrepondo-se levemente ao jazz.

— Está ouvindo? — perguntou Hovenden a Irene. — É engraçado ouvir ambas as melodias ao mesmo tempo.

Mas a música distante não era suficiente para atrapalhar-lhes o ritmo. Eles ouviram por um instante, sorrindo do absurdo daquela outra música lá fora, mas não pararam de dançar. Em pouco tempo já nem se preocupavam com ela.